São João del Rei Transparente

Publicações

Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

Antônio Gaio Sobrinho

Descrição


Foto: Carol Argamim Gouvêa
Gaio Sobrinho por Jota Dangelo

São-joanense de coração, nasceu em Conceição da Barra de Minas, em 28 de novembro de 1936, filho de Pedro Gaio e Maria Christina Fonseca. Licenciado em filosofia pela Faculdade Dom Bosco, lecionou história nessa mesma faculdade e na Universidade Federal de São João del-Rei. Gaio é homenageado na Semana Santa Cultural 2012, um reconhecimento da comunidade por suas pesquisas e trabalhos durante todos esses anos.

Autor dos seguintes livros:

Memórias de Conceição da Barra de Minas (1990)
No Jardim da Ilusão (1994) | Sanjoanidades (1996)
Santos, Negros e Estrangeliros (1997)
História do Comércio em S. J. del-Rei (1997)
História da Educação em S. J. del~Rei (2000)
Visita à colonial cidade de S. J. del~Rei (2001)
Conceição da Barra: minha terra natal (2001)
São João del~Rei: 300 anos de histórias (2006)
Retalhos de uma cidade (2008)
São João del-Rei, através de documentos (2010)
120 anos: Sjanoanense Pirapora Têxtil (2011)
Fontes históricas de São João del-Rei (2013)
Celebrações eucarísticas com grupos de teologia e estudos bíblicos (inédito)
Memórias Sentimentais de Conceição da Barra de Minas (2014)
Et Caetera (2016)
Textos Bíblicos Selecionados e Comentados (2020)
Nova et Vetera (2020)
De tudo fica para sempre uma saudade (2021)
Adeus: Vou-me embora (2022) | De Poeta e Louco (inédito)

Memórias de Conceição da Barra de Minas

Veja alguns dos artigos de Antônio Gaio Sobrinho:

Padres Rixentos - 2 . Antônio Gaio Sobrinho
Hotel Brazil CLO 1898.1914 . Antônio Gaio Sobrinho
Semana Santa 09: Irmandades, garantia de manutenção das tradições . Antônio Gaio Sobrinho
A Rua da Zona . Antônio Gaio Sobrinho
Tapetes de Rua . Antônio Gaio Sobrinho
Cruzes e Cruzeiros de São João del-Rei . Antônio Gaio Sobrinho
Notas sobre o Bairro Senhor do Monte . Antônio Gaio Sobrinho
Notas sobre o Bairro do Tijuco . Antônio Gaio Sobrinho
Notas sobre o Bairro do Bonfim . Antônio Gaio Sobrinho
Notas sobre o Bairro das Fábricas . Antônio Gaio Sobrinho
São João dos Queijos . Antônio Gaio Sobrinho
Missa inculturada . Antônio Gaio Sobrinho
São João dei-Rei através de documentos . Antônio Gaio Sobrinho
Emoções e sentimentos . Antonio Gaio Sobrinho
Via-sacra e Passinhos: 1ª parte . Antôno Gaio Sobrinho

Imagens:
Homenageado na Semana Santa Cultural 2012
Antônio Gaio Sobrinho . Historiador e escritor Foto: Carol Argamim Gouvêa
Dia de Reflexão, saúde e lazer . Palestra com o professor Antônio Gaio Sobrinho . 1999 Arquivo ASAP

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Especial 300 anos: Lembranças de meus filhos
Por Gazeta de São João del-Rei em 06/09/2013 . Série Especial 300 anos Gazeta de SJDR

Antônio Gaio Sobrinho é professor e integrante do Instituto Histórico e Geográfico (IHG) de São João del-Rei

Casarão do André Bello atualmente - Foto: Gazeta/indisponível

Uma localidade – povoação, arraial, vila ou cidade – é sempre o resultado de uma ininterrupta interação entre ela e seus habitantes. Mais ou menos como uma relação recíproca entre mãe e filhos. Se a mãe é quem gera os filhos, são os filhos que embelezam a mãe. São João del-Rei, em seus “trezentos e mais anos” de existência, tem sido uma contínua construção dos filhos que ela protege. Por isso, nesta página, qual mãe carinhosa, a cidade lembra, com agradecida saudade, seus filhos e filhas, que já se foram desta vida, mas aqui deixaram os benfazejos sinais de sua passagem. Representando todos eles e elas, escolhi seis nomes que, a meu ver, muitas coisas boas e úteis fizeram por esta terra. São eles:

José Alvares de Oliveira
Foi ele quem, em 1750 ou 51, escreveu a primeira história de São João del-Rei, num primoroso relato, em grande estilo, intitulado História do Distrito do Rio das Mortes. Esse notável documento, de suma importância para o conhecimento dos primeiros 50 anos da vida de nossa terra, está para São João como a carta de Pero Vaz Caminha está para o Brasil. Álvares de Oliveira tomou parte ativa na Guerra dos Emboabas – ao lado destes – e, quando, em 8 de dezembro de 1713 o Arraial foi elevado à condição de Vila, integrou, como procurador, a oficialidade da primeira Câmara. Daquelas suas memórias históricas, destaco o trecho em que diz que a Vila é cortejada de um ribeiro; que pelo meio dela, por debaixo de duas pontes correndo, busca os pés de toda a sua vizinhança, querendo mostrar pelas correntes que arrasta o quanto afeta ser seu escravo, a quem liberal oferece nas areias que leva o ouro que consigo traz. Por todas essas circunstâncias se faz a Vila de São João del-Rei do agrado de todos e de todos mais apetecida para ser habitada pelo excelente clima de que goza a que não fazem inveja os celebrados de Cápua na Itália nem os de Tessália na Grécia.

Mãe Preta
Não foram Queops, Quefrem nem Miquerinos que, principalmente, construíram as pirâmides do Egito. Também não foram Lima Cerqueira, Irmandades ou padres, que, somente, edificaram as nossas estupendas igrejas. Tanto lá quanto cá, milhares de escravos é que lapidaram com suor e sangue aqueles e estes enormes blocos de granito que fazem hoje o maravilhamento dos turistas. Na lembrança, aqui, dessas negras pelejas, na ausência de um nome que a história não guardou, rememoro um símbolo de sofrimento e bondade que, com seu leite, roubado de suas mesmas crias, nutriu de vida aquela menina linda que se tornou hoje a cidade de São João del-Rei. Esse símbolo, que me fala de carinho, impregnou a sociedade são-joanense dessa beleza mulata, desse sorriso negro, cujos encantos nos fazem sonhar. Por tudo isso: obrigado, minha Mãe Preta!

José Maria Xavier
Se o Paraíso de fato existira, pouco ali me interessariam Mozart, Beethoven ou Verdi se lá teria para deleitar-me por toda a eternidade a maravilhosa música desse genial mulato da minha terra e raça. Em suas melodias, a emoção me invadiria a alma quando, novamente, escutasse coisas como: Vinea Mea, Velum Templi, Sepulto Domino ou Exaltata est Maria in Caelum. De que mais precisaria para experimentar, mesmo nesta terra, a bem-aventurança eterna? Só me resta, pois, tomar emprestadas as sábias palavras do latinista professor Antônio Rodrigues de Mello para, dignamente, louvar a sua memória: “Laudemus et plaudamus hunc virum sapientem, dignum justissimae reverentiae et imitationis, et vos, honestissimae puellae quae me audistis, juvenes qui hanc patriam diligitis, seniores populi, date mihi, manibus plenis, pulchras et olentes flores, ut spargam ad dignam statuam tanti viri, immaculati sacerdotis qui, peritissimus arte musicae, fulgens gloria terrae natalis, patriam honoravit et magnificavit”.

Alexina de Magalhães Pinto
Como devera ter sido belo ver pedalando, pioneira, nestas ruas são-joanenses, em sua bicicleta europeia, essa distinta e talentosa moça, de vasta cultura e superioridade de espírito, conquanto tão simples e modesta. Brilhante professora de caligrafia e desenho da nossa Escola Normal, em 1893, Alexina foi pioneira também como escritora folclorista. Esse seu elevado posto no magistério mineiro e são-joanense foi obtido por brilhante concurso e, nessa cadeira, fez de seus deveres um autêntico sacerdócio. Procurando colaborar com o ex-diretor Carlos Sânzio para o melhoramento do ensino e elevação daquela Escola, não lhe faltaram decepções e desgostos, que começaram a magoá-la profundamente e terminaram, talvez, por lhe ditar a lamentável resolução que tomou, ao pedir exoneração do emprego. Assim, depois de apenas três breves anos aqui residindo, partiu a feminista Alexina para o Rio de Janeiro, deixando grande lacuna nesta cidade que, porém, não lhe esqueceu a memória que perenizou numa de suas ruas. Para você Alexina, a nossa gratidão.

Luiz Zver
Querido mestre, que saudades de você, de seus ensaios de canto na regência do Anambé, de suas aulas de Filosofia e Latim, na nossa saudosa Faculdade Dom Bosco! Apesar de estrangeiro, você falava a língua portuguesa com tanta excelência de matéria e forma que poucos brasileiros conseguiriam competir. Mas, para São João del-Rei, além de ter sido o grande construtor da Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, você, com seu carisma e predestinação foi, principalmente, o benemérito fundador da APAE, que tanto bem tem feito às crianças mais necessitadas. Pressinto sua indignação, sua mágoa e seu desencanto se vivo ainda estivera nesta hora malvada em que a insensibilidade política pretende acabar com a sua herança. Que ternura você nos repassava nas missas dominicais na Capela de Nossa Senhora Aparecida, quando ao falar do Divino Mestre – “Deixai vir a Mim as criancinhas!” – seus olhos rasavam em lágrimas e a emoção lhe embargava a voz.

Idalina Horta Galvão
Primeira diretora do Grupo Maria Teresa, na velha casa que vira a Princesinha do Brasil passear suas louras madeixas, tu eras a boa mãe dos meninos e meninas que as famílias são-joanenses te entregavam confiantes, porque na tua aula eles e elas tinham castigo de menos e aprendizagem de mais. Tomo de Agostinho Azevedo esse testemunho que me encanta e que diz da grande mestre que tu foste: “Foi assim que Dona Idalina envelheceu, tomando conta dos calças-curtas vadios e barulhentos. Já agora ela ensinava aos filhos dos seus alunos. E os pais, que tinham experiência de como era boa Dona Idalina, corriam a pedir-lhe: “Por favor, Dona Idalina. A senhora aperta com ele. E quando for preciso algum caderno, a senhora mande um bilhete, porque senão o pirata começa a inventar necessidade de material para poder ir ao Pavilhão”. E Dona Idalina prometia. Mas na quinta-feira, véspera de fita de série, mandava um bilhete ao pai, recomendando seis cadernos de tostão para o guri. E o senhor André Bello teve sempre, nas sessões do Pavilhão, na primeira fila, os alunos de Dona Idalina Horta.

Outros nomes
Leitor e leitora, se vocês se decepcionaram comigo por não encontrar nesta crônica os nomes de Tiradentes, Tancredo e Nhá Chica, peço-lhes desculpas. Deixei de mencioná-los não porque não merecessem, mas porque eles já são uma unanimidade, uma espécie de lugar-comum. Eles estão escritos e falados aí por toda a parte, à vista e à audição de quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. Da mesma forma, além dos que preferi citados, muitos outros haveria, igualmente, dignos de terem sido objeto dessas lembranças: Felisberto Caldeira Brant, Joaquim José da Natividade, Aniceto de Sousa Lopes, Batista Caetano de Almeida, Policena Tertuliana de Oliveira Machado, Antônio José da Costa Machado, Maria Teresa Batista Machado, Paulo de Almeida Lustosa, Severiano Nunes Cardoso de Resende, Sebastião Rodrigues Sette Câmara, Euclides Garcia de Lima, Antônio de Andrade Reis, Maria do Carmo Assis, Celina Viegas, Fábio Nelson Guimarães, Mercês Bini Couto, Maria de Lourdes Lourenço de Oliveira, Valderez Dias Beltrão, e quem mais vocês aqui quisessem acrescentar como merecedor.

Como, porém, no espaço que me deram para este artigo não os caberiam todos, nem eu seria capaz de deles e delas todos e todas me lembrar, tive que fazer a minha escolha. Fiz-la de tal modo que nenhum dos três séculos da história são-joanense ficasse esquecido, sem representante. E que nenhum dos gêneros ou condição social se omitisse, despreocupado até de que não fossem aqui nascidos. Ficaria contente se minhas opções não magoassem ninguém e que, pelo contrário, que a todos pudessem agradar.


Por Antônio Gaio Sobrinho

DE POETA E LOUCO TODOS TÊM UM POUCO

SANJOANIDADES

MESTRE NÃO É QUEM SEMPRE ENSINA, MAS QUEM DE REPENTE APRENDE
(Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas)

SÃO JOÃO DEL-REI | (07-10-93)

SÃO JOÃO, nobre terra, cantar eu quisera,
Com cadência no verso e riqueza nas rimas,
As belezas que tens... Ah se tanto eu pudera,
Ó Formosa Odalisca, ó Princesa de Minas!

São João, que marcaste o Caminho Geral
Das bandeiras paulistas, do teu Tomé Portes,
Tu tiveste por berço, no Porto Real,
Os vargedos fecundos do Rio das Mortes.

São João, que recordas, em dúbio lugar,
A matança cruel do Capão da Traição,
Tens na Casa da Pedra belezas sem par,
Um quilombo, talvez, da africana nação.

São João, de Aniceto e também Tiradentes,
Zé Maria Xavier, renomado de glória.
És a mais linda flor no Jardim das Vertentes
Renascida nas Betas com o Ouro da História.

São João, de mulheres heroicas fecunda,
Que, no espelho mirando de Bárbara Bela,
Nos momentos difíceis, na dor mais profunda,
Dos destinos se tornam do Norte Estrela.

São João, das Orquestras, de mil tradições,
Da poesia a rimar na linguagem dos sinos;
E das Bandas rivais a seguir Procissões,
E do Povo a rezar nos seus cultos divinos.

São João, do Lenheiro e do – psiu! – Cala-Boca,
Da Maria Fumaça e das verdes colinas.
Pelas Pontes de Pedras, pela Arte Barroca,
Atração do Brasil, aos turistas fascinas.

São João, bem vizinha tu estás d’Águas Santas,
Do Pombal e da irmã, que já foi São José.
Um presepe engastado na Serra que encanta
E que o nome do Alferes venera com fé.

São João, das Igrejas que são, na verdade,
A herança mais cara dos tempos de outrora.
Tu, Briosa e Fiel, serás sempre a cidade
Do Senhor Bom Jesus e de Nossa Senhora.

São João, ai! nem tudo são causas de orgulho,
Porque tens no mau filho um perdido demônio,
Destruindo insensível, levando no entulho,
As relíquias preciosas do teu Patrimônio.


A SERRA DO LENHEIRO (1996)

Salve Serra que, em tempos de outrora,
Foste um reino de bela harmonia
Das espécies de Fauna e de Flora,
No equilíbrio da ecologia.

Esquecida de nós, muitas vezes,
Tens, no entanto, obras dignas de mestre,
Como o antigo Canal dos Ingleses
E os mistérios em arte rupestre.

Se galgamos teu dorso altaneiro,
Onde a terra se irmana com os céus,
Lá no alto, aos pés de um cruzeiro,
A nossa alma se encontra com Deus.

Quando, à hora da paz vespertina,
Brilha Vênus na orla celeste,
A Formosa Odalisca se inclina
No divã de tuas grimpas a Oeste.

Logo após, pontilhados de luzes,
Os teus morros parecem de estrelas.
Estas penhas, colmadas de cruzes,
Nunca havemos, jamais, de esquecê-las.

Pois, se nuvens escuras, ao fundo,
Lhes desenham gentis silhuetas,
De socorro o seu brado profundo
Ouviremos clamando das betas:

Não me agridam, meus filhos amados,
Co’o furor que aos néscios atiça,
Pois fui eu que, nos tempos dourados,
De seus pais satisfiz a cobiça.

Bem do fundo do meu coração,
Ouro dei-lhes em grã quantidade,
Para que o Arraial de São João
Fosse logo esta bela Cidade.

Mas se o fogo, nas brenhas, hirsuto,
Queima os ninhos de meus animais,
Toda em cinzas me cubro de luto,
Mínguam fontes nas Águas Gerais.

Cessem, pois, as malditas queimadas,
Pare logo a infeliz grupiara!
Só assim, novo reino de Fadas
Eu, quem sabe, outra vez, me tornara!


ESTIVE EM SÃO JOÃO | (30-06-94)

Contempla estas ruas, vê quantas igrejas,
Erguidas à custa das negras pelejas,
Em pedra sabão!

Divaga teus olhos nas serras e montes,
Na lua que sobe, além, no horizonte,
Num lindo clarão!

Escuta os foguetes que estouram no espaço
E a banda que passa, marcando o compasso,
Seguindo o andor!

Afina os ouvidos no toque dos sinos,
Chamando-nos todos aos cultos divinos
De Nosso Senhor!

Aspira o perfume cheiroso do incenso,
De todas as flores, que enfeitam o imenso
Terrestre jardim!

Aguça o olfato, aprecia o cheirinho,
Que exala do místico e bom rosmaninho,
Do verde alecrim!

Degusta as amêndoas do belo cartucho,
Que, para as crianças, pintado com luxo,
É um mimo do céu!

Apura teu gosto, e o prazer do que comes
Reparte com o irmão, que sucumbe de fome,
Nas ruas, ao léu!

Abraça a quem amas, não mates ninguém
E, quanto puderes, recorda também
Que a vida é um dom!

Expõe a epiderme ao calor do estio:
Carícias do vento, ou do sol, se no frio,
Sentir é tão bom!

Recebe, turista, esta minha mensagem,
Que fiz para ti – qual singela homenagem
Do meu coração!

E quando te fores, por onde passares,
Dirás com saudade, talvez, nos olhares:
Estive em São João!

A PROCISSÃO | (08-06-94)

Piedosa, vai passando a procissão,
Quando um foguete estoura entre vapores.
Branca, uma nuvenzinha de algodão
Sobe, levando a Deus, nos céus, louvores.

Já no fim do trajeto, outro rojão,
Em lágrimas, explode multicores.
Pérolas de luz descem rumo ao chão,
Sobre as alas, incensos e os andores.

Lágrimas de foguete que se apaga
Ou nuvem de fumaça que divaga,
Eis tudo que restou do que sonhei.
Somente foi-me a vida uma vaidade,

E dela levo, apenas, a saudade
Daquela a quem um dia eu tanto amei!

O INCÊNDIO | (26-07-95)

Do descuido, talvez, é o estipêndio,
O sonho que, hoje, fez-se realidade:
O rúbido clarão de um grande incêndio
Destruindo, outra vez, nossa cidade.

Voraz, o fogo cresce e se agiganta
Em rubras chamas, infernais, hercúleas,
E, feito turbilhão, tudo suplanta,
Evolando-se em chispas e fagulhas.

Em torno, a gente, inerme e merencória,
Desfazendo-se vê, no fogo rudo,
Uma página mais de sua história.
E vai, em breve, formidando e tredo,

O bruto incêndio devorando tudo
Na velha casa onde nasceu Tancredo!


INVERNO – INFERNO | (19-07-94)

Numa destas manhãs frias de julho,
De casa eu saí, bem cedo ainda.
A lua estava lá, cheia de orgulho,
Sonâmbula a vagar no céu, tão linda.

Do novo dia, aos poucos, o barulho
Saudava o ressurgir da luz bem-vinda
Do sol. Nas altas beiras, em arrulho,
Davam pardais adeus à noite finda.

Com minha face lívida de frio
Do rijo inverno, eu ia, pelo trilho
Da rua, palmilhando a velha estrada.
Eis senão quando, ao rés do meio-fio,

Pobre, um menino eu vi, tão maltrapilho,
Quase morto, dormindo na calçada.


ELEGIA ÀS TRIGÊMEAS QUE SE MORREM JUNTAS | 20-09-22

Foi em mil oitocentos e, talvez, noventa,
Que elas aqui chegaram, desde então amadas.
Dezesseis irmãzinhas, ante à casa benta,
Altaneiras, ao céu subiram, alongadas.

Por muitos, longos anos, numa vida lenta,
Coisas testemunharam tantas, já passadas:
Procissões, carnavais, que tanto a vida inventa:
Sinos dobrando enterros... Tristes badaladas!

Depois foram morrendo, e só sobraram três.
Às pragas confrontando e às grandes tempestades,
Té que, ao gemer do vento, eis delas vinda a vez.
Como se combinadas, elas se vão juntas,

À urbe dando adeus, deixando em nós saudades.
As três palmeiras lindas, quase alfim defuntas.

NAS RUÍNAS DO POMBAL | (18-09-94)

Aqui, não sei porque, a todo instante,
Perpassa-nos a alma um calafrio…
Talvez, da Eternidade é a constante
Presença nestas Pedras de ar sombrio.

Ou é a Liberdade insinuante
Deste Vento, nas Árvores vadio.
E da múrmura Água refrescante,
Sempre, sempre, a correr no mesmo Rio.

Com o cantar dos Pássaros de agora,
Das cousas recordamo-nos de outrora,
Nesta calma do Tempo, permanentes.
É que, sobre as ruínas da História,

Sente-se, ainda, aqui, viva a Memória
De quando eras criança, ó Tiradentes!

RELIGIOSAS

O PERFUME DA VIRGEM PERDURA MUITO, ÀS VEZES DÁ SALDO PARA UMA VIDA INTEIRA
(Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas)


NOSSA SENHORA DO PILAR

Salve Senhora do Pilar querida
Que do teu trono, alcandorada em glória,
Desde as origens da mineira vida,
Nos acompanhas através da história!

Somos teu povo por feliz memória
Do bandeirante que, no afã da lida,
Em busca d’ouro, com bravura dória,
Esta capela aqui te quis erguida.

Enquanto nossa padroeira fores,
Aqui viremos te render louvores
E suplicar, nossa real Senhora:
Que, por Jesus, que ao coração abraças,

Jamais te esqueças de cobrir de graças
Esta cidade que embalaste outrora!

NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO

Virgem da Conceição Imaculada,
Para que fosses a mãe do teu Senhor,
No ventre de Sant’Ana, antecipada,
Remiu-te, ó venturosa, o Salvador.

Desde o Jardim do Éden destinada,
Em ti, a raça humana, imersa em dor,
Depõe sua esperança e orando brada:
Tu és nossa alegria, glória e honor!

De todas as mulheres preferida,
A mais linda, a mais pura concebida,
Só tu, com a lua aos pés, eleita, sobes.
E, lá do céu, Estrela Matutina,

A nossa prece escuta, então: Regina,
Sine labe concepta, ora pro nobis!


NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
Signum magnum aparuit in caelo!

Eis a nova e divina maravilha:
Um grandioso sinal, sublime e belo,
Apareceu no céu e em luz rebrilha.
É a Mãe de Deus, Esposa e também Filha

Que, com a lua aos pés por escabelo,
Subindo vai, inaugurando a trilha
Por onde passa de nossa alma o anelo.
Rico diadema de estrelas doze,

À santa imagem, numa linda pose,
Circunda a fronte com primor e arte.
Oh! das mulheres bela, o meu desejo,
Te peço, atende! Eis tudo o que eu almejo
Viver com Deus no céu e contemplar-te!


NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

A raça negra, aqui outrora escravizada,
Com todo seu carinho e árdua peleja,
A ti, ó Mãe de Deus e dela, tão amada,
Ergueu esta singela e veneranda igreja.

Co’a mesma devoção por ela nos deixada,
Aqui vimos pedir-te, ó Virgem benfazeja,
Que da aliança antiga, a nós, a augusta escada,
Que em sonhos viu Jacó, o teu Rosário seja!

E pelos seus degraus de ave-marias feitos,
Com que tua Irmandade há tanto te cultua,
Ousemos escalar o céu dos teus eleitos.
E dá-nos que, também na eternidade infinda,

Possamos contemplar o enlevo desta tua
Barroquíssima imagem, encantadora e linda.

NOSSA SENHORA DAS DORES

Ó minha linda e mística Senhora,

Junto à cruz desse altar, em soledade,

Quisera consolar-te, muito embora,

Tanta amargura consolar quem há-de?

Cansada de pecar, minha alma implora

O amparo no teu manto de bondade,

Escuta, por favor, sem mais demora,

Meus gemidos de dor e de saudade.

Aflitíssima Mãe das Sete Dores,

Ebúrnea imagem de lilás vestida,

Refúgio sê, p’ra mim, dos pecadores.

E, pela solidão do teu Calvário,

Co’o bálsamo do incenso, a minha vida

A ti consagro neste Septenário.


NOSSA SENHORA DAS MERCÊS

Aqui me tens, Senhora! Aos pés do teu altar

Eu venho te pedir, com terna hiperdulia:

Derrama sobre mim, na luz do teu olhar,

Os dons do eterno amor, da paz e da alegria!

Qual carinhosa mãe, num gesto que redime,

Estendes para mim os teus maternos braços.

Oh! dá-me, então, aurir, de amplexo tão sublime,

Conforto e refrigério a meus cansados passos.

Tal qual da escravidão os troncos e as algemas

Os desfizeste, um dia, em prol do negro banto,

Desfaze, hoje, igualmente, os laços que em mim vês!

Assim, liberto dos grilhões de tais emblemas,

Cativo teu somente, e envolto no teu manto,

Eu possa te servir, Senhora das Mercês!


NOSSA SENHORA DO CARMO

Virgem do Carmo, nesta linda imagem,

És a miragem dos reais fulgores!

Quem pode ver-te, sem querer amar-te?

Quem pode amar-te, sem morrer de amores?

Nuvem de Elias que, subindo, trazes

Teus eficazes mananciais de cura,

Verte tuas graças sobre nós, a flux,

Mãe de Jesus, aventurada e pura!

Pode a tristeza me bater à porta.

Nada me importa, quando estás comigo,

Com teu carinho me sanando a dor.

E, quando um dia me buscar a morte,

Dá-me a sorte de, no céu contigo,

Poder de Deus me descansar no amor!


VIRGEM DO CARMELO

Virgem do Carmo, nesta linda imagem,

És a miragem dos reais fulgores,

Quem pode ver-te, sem querer amar-te?

Quem pode amar-te, sem morrer de amores?

Desde as alturas deste altar fulgente,

Olha esta gente que a teus pé acorre!

Com teus favores maternais, imensos,

Tu, entre incensos, teus fiéis socorre!


Lindos anjinhos, em conjunto a olhar-te,

Cercam o altar, te nimbando a fronte.

Se és mãe nossa, deles és madrinha,

Doce Rainha do Carmelo Monte.

Nuvem de Elias, que subindo trazes

Teus eficazes mananciais de cura,

Verte tuas bênçãos sobre nós à flux,

Mãe de Jesus, imaculada e pura.

Pode a tristeza me bater à porta,

Nada me importa quando aqui eu venho.

Se algo me turba o coração, e choro,

Logo que imploro, o teu favor obtenho.

As almas santas, trescalando a rosas,

Cantam ditosas teus louvores tantos.

Dá-me também aqui louvar-te agora,

Nossa Senhora, com piedosos cantos.

Faze que eu venha a te encontrar no céu,

Onde, sem véu, eu possa enfim te ver,

Pois, se és na imagem de incomum beldade,

Na realidade, o que não hás de ser?

Por isso anseio que, num lindo sonho,

Puro, risonho, de celestial dulçor,

Venhas buscar-me e lá no céu, um dia,

Dá-me a alegria do supremo amor!


LADAINHA MARIANA SÃO-JOANENSE | (15-10-93)

Santa Mãe de Deus, Virgem Imaculada,

Alegria e glória e de teu povo honor,

Em São João del-Rei, quiseste ser chamada

A Mística Rosa, do jardim a Flor.

Virgem do Pilar, és, na matriz Rainha,

Padroeira nossa, toda envolta em luz.

A cantar, pedimos, nesta ladainha,

Que nos apresentes para o teu Jesus?

És na igreja antiga a celestial Senhora,

A sublime escada que do além desceu,

Ensinando a prece que nos deste outrora

Do Rosário santo que nos leva ao céu.

De Saron, no Carmo, graça és formosa,

Ó ternura imensa do divino Amor!

Salva-nos, querida, como mãe bondosa,

Que sem ti sofremos, ai! do inferno a dor.

Na subida esplendes da gentil colina,

Das Mercês Senhora, no mais belo encanto.

Tens o olhar sereno que também ensina

O aconchego acharmos no teu lindo manto.

Piedade enorme te envolveu, Maria,

Quando o Filho morto te pousou no colo,

Soledade e Dores, oh! que bom seria

Se teus filhos fossem para ti consolo!

Boa Morte alcança, ó Exaltada em Glória,

Aos devotos teus, que nesta vida andamos.

Da Assunção madona, a perenal vitória,

Com Jesus, teu filho, te pedir ousamos.

Toda pura foste, por ventura tanta,

Concebida em graça, casta, Imaculada.

Milagrosa Imagem da Medalha santa,

Oh! dá-nos, Mulher, a Graça desejada.

Com vovó Sant’Ana, meiga estás, Menina,

Aprendendo a Lei que para o céu conduz;

Já, depois, te vemos, qual mamãe divina,

Em Belém, sorrindo para o teu Jesus.

Pressurosa em Fátima, acorreste um dia

Na azinheira benta, com semblante raro.

Patrona do Parto, sê p’ra nós, Maria,

Eternal Socorro e pela vida Amparo!

Da Saúde dona, lá no altar erguida,

Aos doentes mostra um eficaz Remédio.

Senhora de Lourdes, Mãe Aparecida,

De nossa alma afasta do pecado o tédio!

Tantos nomes santos, Senhora da Graça

Te chamamos sempre na feliz São João.

Nossa voz escuta, ó Flor da humana raça,

Santa Auxiliadora do fiel cristão.

E, no fim de tudo, eis, Nossa Senhora,

Só nos resta agora te pedir também:

Que de nós tem pena, pobres filhos de Eva,

E ao céu nos leva com teu filho, Amém!


CRISTO DO MONTE ALVERNE

Não há, no território brasileiro,

Cidade como a nossa de São João,

Onde um desconhecido e bom santeiro

Deixou-nos esculpida esta lição:

Na terra é dever nosso o bom roteiro

Seguir sempre buscando a perfeição.

Fiéis ao que nos é tão rotineiro,

Façamos, pois, mais uma procissão.

Partamos, imperfeitos desde o risco,

Como imagens de um Cristo Inacabado,

Do Carmo em direção ao São Francisco!

Ali, elaborado em puro cerne,

Nosso ideal veremos, no alto, alado,

No esplêndido Senhor do Monte Alverne.


UM NOVO AMOR | (06-07-94)

Sedutora cruel de tantas vidas,

A Deusa da paixão já não me embala.

Nem cuidarei jamais de despertá-la

Dentre as coisas em mim adormecidas.

Por promessas de amor, nunca cumpridas,

Minha alma foi-lhe aos pés fiel vassala,

Quando, na vã loucura de encontrá-la,

Vaguei por tantas noites indormidas.

Mas, hoje, és tu, Maria, o meu enlevo!

São teus estes versinhos que ora escrevo,

Porque trouxeste paz à vida minha.

A luz do teu olhar neles derrama

E, então, de mim verás a intensa chama

Dum novo amor ardendo em cada linha.


O MAIS SÁBIO QUE DEUS | (Paródia: 26-07-94)

Certa vez, perguntei

A dois homens, assim:

Quem criou, me dizei,

O universo sem fim?

Eram eles, em tudo,

Entre si, desiguais.

Responder-me, contudo,

Não ousaram, sem mais.

Ambos, pois, requereram

Algum tempo a pensar.

Só depois que puderam

A resposta me dar.

Cada qual, sobre o caso,

Disse, os olhos nos meus:

O mais tolo que o Acaso.

O mais sábio que Deus!


EVOCAÇÕES PESSOAIS

TEM HORAS ANTIGAS QUE FICARAM MUITO MAIS PERTO DA GENTE DO QUE OUTRAS, DE RECENTE DATA
(Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas)


O TREM-DE-FERRO

[Para Francisco Gaio: 13-07-94]

O Agente, o Seu Ferreira,

Faz sinal co’a bandeirinha.

Eia! apressa, passageira,

Dê a mão à menininha.

Bate o sino, em Congo Fino:

A estação de João Pinheiro.

Está na hora, vai-se embora

Esse trem de passageiro.

Roda a roda sobre os trilhos,

A ranger entre os carrilhos.

Me ajude cá sô Chico,

Que senão aqui eu fico!

Vamos, corre, guarda-chave,

Guarda-freio atenta e veja!

Este trem – que coisa grave!

Olha como sacoleja.

Lá na frente, o maquinista

Controlando a correria;

Logo atrás o seu foguista

No ardor da caloria.

Vai arfando, quase viva,

E saudade atrás deixando,

A febril locomotiva,

Mil adeuses acenando.

Vai o trem, vai apitando,

Devagar, acelerando.

Tantas curvas faz em frente

Mais parece uma serpente.

Vai rodando bem no meio

O vagão que é do Correio

E, depois, de porta larga,

O vagão que leva a Carga.

Cheiro, cinzas e fagulhas

Vez por outra me magoa:

O estômago me embrulha,

E o balanço me atordoa.

Caixa-d’água rumoreja,

Sai vapor pela caldeira.

A janela abra e veja

Como é bela a erva cidreira.

Ruim Mas Vai o dia inteiro,

A mala cai no passageiro.

Sai galinha desta linha!

Deste embalo, sai cavalo!

Ruim Mas Vai, Rede Mineira,

Cai fuligem na cadeira.

Range o trilho em estribilho,

Cai borralho no cascalho.

[cantilena]

Passa poste, passa fio,

Passa turma, passa rio,

Passa serra, passa monte,

Passa estribo, passa ponte.

Passa o trilho no dormente,

Passa casa, passa enchente,

Passa vaca, passa flores,

Passa tempo, passa amores.

Passa ronda, passa caça,

Passa trole, com feitores.

Passa nuvens de fumaça,

Pontilhões, trabalhadores.

Passa Zito, passa Zita,

Para-sacos na guarita,

Passa cá, passa acolá,

Passa Quatro, ao longe está!

Passa ida, passa a vida,

Passa o tempo passageiro.

É diurno ou é noturno,

Passa o trem o dia inteiro.

Lastros, mistos, passageiros

Lentas pranchas e cargueiros.

Tantas vidas resumidas

Num só trem buscando o além.

Alegrias e tristeza

Na chegada e na partida

Só Deus sabe, com certeza,

As estradas desta vida.

No vagão, cambaleando,

Entra o chefe, eu já o diviso,

As passagens picotando,

Dá a todos este aviso:

Passageiros, atenção!

Eis a próxima estação:

O seu nome é Soledade,

Nesta Rede da Saudade.


ESCOLAS DOM BOSCO

(Cachoeira do Campo; 05-08-94)

Cachoeira do Campo, eis-me voltando

P’ra reviver os tempos já vividos,

No velho casarão, vetusto e brando,

Das Escolas Dom Bosco, em dias idos.

Passados tantos anos, desde quando

Daqui eu fui embora, entre gemidos,

Agora volto os vultos recordando,

No álbum da saudade, tão queridos.

Seus nomes, de lembrança imorredoura,

Como Fábio, Remígio, Brás, Fontoura,

Soletro co’ emoção num mausoléu.

E Àquela que, no pátio, permanece,

A mesma Auxiliadora, eu peço em prece:

A graça de revê-los lá no céu.


MEU PROFESSOR | (10-02-95)

Num antigo colégio salesiano

Eu tive um professor de português

Desde (me lembro bem até do ano)

Mil novecentos e cinquenta e três.

Desse rico idioma lusitano,

Que língua do Brasil também se fez,

Se algo eu aprendi, de que me ufano,

A ele agradecer devo, talvez.

Eis porque, sem favor de vassalagem,

Desejei tributar-lhe uma homenagem,

Nestes versos, sincera e verdadeira.

Seu nome que olvidar não vou jamais

Eis aqui escrito, em letras garrafais:

Padre João Bosco Nunes de Oliveira


ÓRFÃO | (27-04-94)

Muitos anos, ó mãe, são já passados

E aqui me tens de novo em teu jazigo!

Tristonho, lembro os dias descuidados

Da leda infância que passei contigo.

Tanto tempo vivendo separados,

Privou-me a sina do teu colo amigo.

Os sonhos que trazia acalentados

Sonhaste-os tu também junto comigo.

Desfeito nosso sonho em desengano,

Voltei correndo a ti, mas, pós um ano,

Órfão, senti da morte a realidade.

Este soneto, pois, é da alma o grito

Que, em lágrimas, aqui eu deixo escrito

No pergaminho roxo da saudade.


REENCONTRO
Nênia para um menino triste | (08-05-94)

Era uma vez, me lembro, um bom Menino,

Que, na sua terra, andava descuidado…

Fosse ele, embora, pobre e pequenino,

Sabia tudo olhar maravilhado.

Livre, soltava ao vento o papagaio,

Como se fora a vida apenas isso.

Depois, corria solto feito um raio,

Montado cavaleiro em um caniço.

U’a bola de borracha ou de capota,

Uma história de Pedro Malazarte.

Brincava-se de pique e cambalhota:

Alegria era só, por toda parte.

Vivia assim os anos da inocência

Entre estudos, tarefas e brinquedo...

Quando algo aconteceu que a existência

Turbou-lhe, infelizmente, muito cedo.

Disseram-lhe, sem dó e até sem jeito,

Que Deus por ele, mau, fora ofendido.

Ninguém se incomodou qual fosse o efeito

Na vida do menino assim punido.

Apagou-se-lhe a luz em seus olhares.

E sozinho no mundo, ensimesmado,

Afastou-se a vogar em outros mares

Desta vida, a naufrágios condenado.

Eu mesmo o reneguei. Por quase nada,

Fechei-lhe o coração, naquela hora.

Chorando, ele ficou ao rés da estrada,

Enquanto pela vida eu fui embora.

Cinquenta anos depois, volto contrito

A buscar no passado essa criança.

Por ela, em toda parte, eu clamo e grito,

E tenho de encontrá-la uma esperança.

Vem, Menino! Te chamo e, desde agora,

Bons amigos, sigamos o restante

Do caminho, que, juntos, nós outrora

Andamos, num passado tão distante.

Vem, Menino! Eis aqui, dentro do peito,

Meu coração aberto, como um ninho;

Disposto a receber-te, em plumas feito,

P’ra aquecer-te de amor, com meu carinho!

O que fizeste, e nós te condenamos,

Por culpa de invejosos moralistas,

Foi coisa tão banal, agora achamos,

Que Deus jamais tirou de ti as vistas.

E, se algum dia, alguém me perguntar:

Quem é esse infeliz Menino Triste?

Responderei, no longe de um olhar:

É a criança que dentro em mim existe!


A PIPA | (13-08-94)

Ei-la no azul do céu, amarelinha,

A pipa contorcendo-se agitada.

Seu desejo, talvez, era, sozinha,

Subir rumo do sol numa escalada.

Prende-a, porém, sutil e branca linha

Às mãos de um menino, na calçada.

Quem dera que essa pipa fosse minha!

Dava-lhe a liberdade desejada.

Pois, sei o que é sofrer dessa maneira,

Co’a vida, nas mãos de outrem, prisioneira

E posto no abandono feito um traste.

Não sem razão, portanto, assim maldito,

A ti, Senhor, constantemente, eu grito:

Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?


NOSTALGIA | (05-07-94)

Vênus brilhante já no céu fulgura,

No ocaso fulvo o sol apenas desce.

Um sino tange à Imaculada e Pura

Virgem Maria convidando à prece.

Pouco depois, a sideral altura

De astros acesa, num instante, vê-se.

Ah! quem me dera, em magistral pintura,

Esta paisagem eu fixar pudesse!

Mas, se minha alma uma penumbra invade

Nesta hora mística do fim do dia,

Tanta beleza retratar como há-de?

O que me resta, então, na tarde fria,

É, junto da tristeza e da saudade,

Curtir a solidão da nostalgia.


UM TERNO AMANTE | (16-09-94)

No espelho estando a olhar o meu velho rosto,

E vendo que voltar já não se pode

Aos tempos de criança, a contragosto

Uma pergunta atroz eis que me acode:

Onde foi que, perdida, a minha infância

Deixei, pelos caminhos, vagabundo?

Dizei-me, por favor, vós que, à distância,

Seguistes-me as pegadas, neste mundo.

Da velhice, antevendo hoje a tristeza,

Consola-me saber que, e é o bastante,

Para mim resta sempre uma certeza:

Eu tenho o coração de um terno amante,

Quando os encantos vejo da beleza,

Numa palmeira ao vento balouçante.

INÚTIL VIAGEM | (30-01-95)

Buscando muitas vezes, no passado,

Um modo de explicar minha existência,

Quase sempre me vejo transportado

Aos anos bons da minha adolescência.

Revejo, inteiro, o mundo que, ao meu lado,

Descortinava ao longe, em reticências…

Meus ideais… meu sonho… em vão sonhado,

Fagueiras ilusões, reminiscências...

Mas, ao voltar, cansado peregrino,

Daqueles meus bons tempos de menino,

Sinto que inútil foi minha ansiedade.

Nenhuma explicação naqueles anos

Para estes meus presentes desenganos,

Em que abraçado vivo a uma saudade!


VANGLÓRIA | (08-09-94)

Um dia, a Glória, o coração em chama,

Depois de velho, me acendeu no peito.

Quis dos poetas alcançar a fama,

Mas não sabia de fazê-lo o jeito.

Ela volveu-me, então: Porque não tentas?

Vamos, começa! A vida é uma conquista,

Feita de lutas, muita vez, sangrentas.

Ninguém nasceu jamais um pronto artista!

Deixei-me seduzir de tal motivo

E pus-me a escrever, em lenitivo

À dor de uma saudade torturante.

Rirão de mim, talvez, alguns leitores,

Na arte de escrever, superiores…

Mas hei minha vanglória doravante!


ANTIGA PAISAGEM | (02-10-95)

Olhando em meus olhos, cansados das lidas,

As coisas passadas, no tempo perdidas,

Me disse, uma vez, uma jovem cigana.

Falou-me de tudo, tintim por tintim,

Com muitos detalhes, lembrando-me, assim,

De antiga paisagem que o tempo não empana.


Eu vejo (ela disse) uma humilde casinha,

Um carro de bois, de três juntas, que vinha

Da roça a cantar, carregado de milho.

Um verde cruzeiro, uma rês no curral;

Na curva da estrada, num manso animal,

Um pai, na garupa, levando seu filho.

Eu vejo uma mãe, costurando memórias;

Mosaico de cores, de sons e de histórias,

Fazendo uma colcha de lindos retalhos.

Irmãos e irmãs, de primeiro, eram sete:

Francisco, o mais velho; a mais nova, Salete.

Família irmanada com muitos trabalhos.

Eu vejo, distante, há um galo cantando

E quérulas vozes, alegres, em bando,

De mil maritacas, em giros, no céu.

E tenros pintinhos, debaixo das asas

Da brava galinha, na beira da casa,

Que um gavião vem grasnando: pinhéu!

Eu vejo um paiol e um porquinho caruncho,

Grunhindo escondido na moita de funcho,

Ao lado do forno, comendo mandioca.

Enquanto lá dentro se faz no fogão

A janta gostosa de angu com feijão,

Vai gente seis canas moer na engenhoca.

Eu vejo o polvilho branquinho de junho,

E sinto a girar o rodízio do munho,

Com perto o arame de roupas no ar.

É um mundo de cores, de sons e doçura,

Onde ouve-se a voz da feliz saracura,

Mamãe Maricota! no rio, a gritar.

Eu vejo, e arrepio, na grota tão bela,

Acima do cocho, num pé de canela,

Pendendo esticado, um couro de vaca.

Há um rego, lá embaixo, correndo p’ra bica,

E a horta de couves que ao lado lhe fica,

Com chifres de bois enfiados na estaca.

Eu vejo, ai que lindo, a ciscar no farelo,

De arroz ou fubá, num círculo amarelo,

Dezenas, talvez, de fiéis canarinhos.

Um gato e um cachorro, de nome Veludo.

Meu Deus, é tão pouco, e parece, contudo,

Um conto de fadas, de amor e carinhos!

Eu vejo, também, misteriosos, morenos,

Dois lagos profundos, de lágrimas plenos,

Que não se enquadram na alegre paisagem.

Refluem de suas águas, translúcidas, mansas,

Soluços baixinhos por tantas lembranças,

Que apenas suponho uma falsa miragem.

Oh não (repliquei), minha doce cigana,

Tudo isso está certo, você não se engana!

Os lagos, presentes na sua visão,

São os olhos de um velho, cansados, tristonhos,

Chorando saudades de um mundo de sonhos,

Perdido no fundo do meu coração.


FATALIDADE | (14-05-94)

Um dia, faz tempo, faz anos, suponho,

Num lindo barquinho, eu depus o meu sonho,

Nas ondas do mar.

Quando eis de repente, tomado de medo,

No oceano revolto, eu vi meu brinquedo,

Veloz a singrar...

Assim traiçoeiro, no dorso das vagas,

O mar inconstante levou longes plagas,

A minha ilusão...

Da praia deserta, na tarde sombria,

Fiquei contemplando a visão que fugia

Do meu coração...

E nesta paixão vou lembrando os extremos

Do amor que outrora bem juntos vivemos,

Ó meu bem-querer!

Pois hei de cumprir o fiel juramento

De ti, que revives no meu pensamento,

Jamais esquecer.

Enquanto perdura esta minha agonia,

Somente a saudade me faz companhia,

Comigo a morar...

E quando eu deliro, no meu desengano,

Sonhando, procuro, em vão, no oceano,

Um barco a voltar...

Quem sabe se, um dia, esta louca saudade

Que sinto em minha alma, na felicidade

De amar, terá fim?!...

Então, quem me dera, este meu desatino,

Fatal crueldade de um duro destino,

Findasse p’ra mim?!


SAUDADES | 15 – 09 – 22

Ó pai, ó minha mãe, por onde andais?

Pedro e Cristina, oh vinde me amparar!

Quem dera se eu pudesse, uma vez mais,

Mirar-me, como outrora, em vosso olhar!

Chico e Zito, a pensar na vida iguais,

O trole vão na linha a empurrar,

Até que o trem passou, p’ra nunca mais,

Deixando-lhes a dor de recordar.

Domingos, sonhador, meu bom irmão

Das tardes venturosas do Teixeira.

Meiga Zita, em cismar, na soledade.

Da janela cuidando, em oração,

Hilda: amor era só, a vida inteira.

Eu e Salete... Nunca mais... Saudade!


CENA DOMÉSTICA: EM 1942 | 06 – 10 – 22

Ao lembrar nossa casa e seu velho fogão,

O que mais me recorre e, portanto, era tudo,

Com certeza, é a cozinha, onde um gato veludo,

No calor se aquecia da pedra sabão.

A cadeira de couro, uma tábua, o pilão,

Um varal de linguiças... Um caso pançudo.

Um passado tão bom que ora jaz oco e mudo,

Nas imensas funduras do meu coração.

Toda noite o café se bebia de aromas,

Com palavras pingadas de ocultos sintomas,

Aos lampejos das chamas e das lamparinas.

Ao depois, lava-pés, dentro a mesma bacia;

Bênção, pai! bênção, mãe! E p’ra cama se ia,

Noite inteira a sonhar nossas coisas meninas.


NEVER MORE | 11 – 01 – 23

Girando eu, astronauta, em torno vou do sol,

Em noites, contemplando a lua e as estrelas,

Mesmo que sem poder eu nunca entendê-las,

Bilac, eu de as ouvir só me impede o arrebol.

Nessas longes distâncias de seus anos-luz,

Como a Pascal outrora, o mundo me confrange.

Sim! Apostar em Deus é o que melhor me tange

Esse Mistério oculto à sombra de uma cruz.

Ah Newton, desses teus espaços siderais,

Eu, finitude efêmera, já quase finda,

Uma questão me ocorre, aos anos meus finais:

Depois de me descer às tumbas sepulcrais,

Responde-me Allan Poe: os céus verei ainda?

E o Corvo assim grasnou-me: Ah, nunca, nunca mais!


TESTAMENTO | (12-05-95)

Na minha terra, em Conceição da Barra,

Berço querido que me viu menino,

Existe alguém que o coração me amarra,

Com laços puros de um amor divino.

Em sua honra, qual senil cigarra,

Morrer eu quero lhe cantando um hino.

Antes, porém, com sua voz bizarra,

Quero, também, ainda ouvir seu sino.

E, quando, à tarde, o sol lá no Ocidente,

Barca de sonhos, se afundar na serra,

Minha alma a Deus entregarei contente.

E, então, na tumba que meus pais encerra,

Este meu corpo deixarei, semente,

No solo amado e bom da minha terra.


LETRAS ENCOMENDADAS

DIFICULTOSO, MESMO, É UM SABER O QUE QUER E TER O PODER DE IR ATÉ NO RABO DA PALAVRA
(Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas)

CONCEIÇÃO DA BARRA | 1990

Salve Terra formosa de Minas,

Meu materno e querido rincão,

Tu me lembras, nas belas colinas,

De Maria a feliz Conceição.

Nos albores da Pátria Mineira,

Quando a mata era virgem em redor,

Junto às trilhas da antiga bandeira,

Tu surgiste – Bel’ Ninho de Amor!

Eia! Vamos, ó concepcionenses,

Todos juntos, cantemos de pé,

Como filhos amados, valentes,

Nosso amor a esta terra de fé!

Foram muitos teus filhos notáveis

Por virtude e valor sem igual.

Foram tantos os que, memoráveis,

Te fizeram o nome imortal.

Glória! Salve! A Senhora tão pura,

Em seu trono de luz refulgente,

Que ela seja qual mãe de ternura,

Protegendo e salvando a sua gente.

Vinde todos, ó concepcionenses,

Eia, sus! Protestemos de pé.

Como filhos amados, valentes,

Nosso amor a esta terra de fé!


ESCOLA ESTADUAL ADÍLIO JOSÉ BORGES | (19-07-97)

Salve Escola, que a luta renhida

Deste mundo a vencer nos ensinas!

Tu és luz, és calor e és vida,

Como o sol sobre nossas colinas.

Qual, outrora, os viris bandeirantes

Estas plagas vararam altivos,

Nós também, hoje, vamos ovantes,

Descobrindo o saber que há nos livros.

No sorriso de cada criança,

Onde todo o futuro se encerra,

Há sementes de fé e esperança

Para o povo tão bom desta terra.

Pelo bem que nos fazes agora,

Num convívio de paz e amizade,

Quando formos daqui, mundo à fora,

Lembraremos de ti, com saudade.

Salve, pois, nossa Escola querida,

Que os caminhos do bem nos ensinas!

Tu és luz, és calor e és vida,

Como o sol nestas nossas colinas!


SÃO GONÇALO GARCIA | (1998)

São Gonçalo Garcia querido,

Neste canto, em uníssona voz,

Aqui vimos fazer-te um pedido:

Que ao Senhor intercedas por nós.

De Francisco de Assis a humildade

De irmão leigo quiseste seguir,

Faze, pois, nesta tua Irmandade,

Tal virtude constante existir.

Lá nas terras distantes do mundo,

Com São Pedro Batista, em prol d’almas,

Derramaste o teu sangue fecundo

Que em martírios floriu noutras palmas.

Para a messe que, vasta, loureja,

Roga a Deus missionários haver.

Que o exemplo de amor pela Igreja

Saibam todos contigo aprender.

São Gonçalo Garcia querido,

Neste canto em uníssona voz,

Aqui vimos fazer-te um pedido:

De jamais te esqueceres de nós!


BANDA TEODORO DE FARIA | (20-01-92)

Salve Banda de todos querida,

Parabéns! Nós cantamos-te, pois

A cidade tu enches de vida

Desde mil novecentos e dois.

Suscitar entre os jovens os dons

Pela música esta é tua missão.

E, nesta arte divina dos sons,

És o orgulho e o fanal de São João.

Quando passas, levando harmonia,

Entre as alas, as rezas e os sinos,

São penhores de nossa ufania

Teus dobrados, tuas marchas, teus hinos.

Nas retretas, desfiles, serestas,

Tua presença foi sempre alegria.

Eis porque te saudamos em festas:

Salve Banda Teodoro Faria!


COROINHAS DE DOM BOSCO

Nesta igreja de Nossa Senhora

Do Pilar, de neoclássicas linhas,

Foi que um padre, que em Deus hoje mora,

Nos chamou para ser coroinhas.

Coroinhas de Dom Bosco

Nós juramos ao Senhor

Que contar pode conosco

Sempre em tudo a seu dispor!

Somos jovens, sorri-nos a vida,

Mas a vida outra glória não tem

Que servir, na Igreja querida,

A Jesus e a Maria também.

Em nossa alma mais forte que tudo

Vive a graça divina a esplender

Qual sinal ou qual rútilo escudo

Da coragem cristã de viver.

De Maria os meigos olhares

Nos sugerem viver na alegria

Junto à mesa de nossos altares,

Nos nutrindo da Eucaristia.

Pelo canto litúrgico, às vozes

Nós erguemos em júbilo aos céus,

Procurando fazer que velozes

Muitas almas se elevem a Deus.

Para a messe que vasta loureja

Possa Deus entre nós escolher

Sacerdotes que saibam na Igreja

Bons serviços prestar com prazer.


CATEQUISTAS | (2011)

Catequistas! Sorri-nos a vida!

Mas, a vida outra glória não tem

Que de sermos na Igreja querida

Semeadoras da luz e do bem.

Trabalhar por Jesus e Maria

E por Deus, nosso Pai, nosso Bem,

É na terra a mais doce alegria

E, no céu, nossa glória também.

Eia, pois, vamos juntas, cantando,

Semear as sementes do amor.

Nas crianças que, lindas, em bando,

Vêm em busca de Nosso Senhor.

Para elas, de Deus preferidas,

Que nos pedem palavras de luz,

Lhes diremos: crianças queridas

Seja o vosso viver só Jesus!


DAMAS SALESIANAS | (2005)

De Caracas para a Igreja,

Desde a linda Venezuela,

Sobre a messe que loureja,

Uma luz brilhou mais bela.

Luz de nova Associação,

Que o mundo todo alcança,

De mulheres que serão

Semeadoras de Esperança.

Elas têm o dom divino

Que confunde até os sábios:

Do talento feminino,

Do sorriso à flor dos lábios.

Com Maria Auxiliadora,

Com Dom Bosco e Margarida,

É falange empreendedora,

Com Jesus comprometida.

Pelo Espírito movidas,

A salvar vidas humanas,

São mulheres decididas,

São as Damas Salesianas.


SANTA CRUZ DE MINAS | (2015)

Deus te salve, cidade faceira,

Gema pura engastada na serra,

Tua gente, feliz, prazenteira,

Te proclama a mais linda da terra.

Santa Cruz, Santa Cruz, Cruz de Minas,

Marco zero da Estrada Real,

Destas tuas alegres colinas

Se encantou o emboaba Marçal.

Na riqueza do artesanato,

Bem mais nobre que o ouro de outrora,

Encontraste o caminho, de fato,

De vencer as agruras de agora.

Brilha o sol no cascalho das catas,

Cantam aves nas margens do rio,

Tudo é luz, tudo é paz, em tuas matas:

Um convite a viver – Desafio!


ASAP DE SÃO JOÂO DEL-REI

Nesta terra de São João del-Rei,

Pátria mãe do herói Tiradentes,

Hoje vê-se de heróis nova grei,

Da história fazendo-se agentes.

Associados da ASAP, eia, ovantes!

Cantai todos, conosco, este hino!

Bem unidos, quais jovens amantes,

Construamos o nosso destino!

Pensionistas e Aposentados,

Voluntários de múltiplos jeitos,

Todos juntos, na ASAP irmanados,

Defendamos os nossos direitos!

Nossa vida terá mais vantagens

Se, em comum, nós lutarmos por elas;

Do futuro as incertas miragens

Realidades serão e quão belas.

Vinde, pois, ingressai neste grêmio

Quem tiver, para tal, condições.

Aqui temos, da vida qual prêmio,

Bons momentos e mil promoções.

SANTÍSSIMA TRINDADE DE TIRADENTES

Com sua serra de auras tão puras,

Tiradentes a orar nos conclama,

E nos diz: Glória a Deus nas alturas!

Cantai todos ao Pai que nos ama!

Glória a Deus! Seja o canto infinito

Como o incenso a evolar-se no além.

Glória ao Pai, glória ao Filho bendito

E ao Espírito Santo também!

Ó Trindade Santíssima ouvi-nos:

Dai-nos Fé, Esperança e Amor!

E felizes, ao céu conduzi-nos

Onde a vós cantaremos louvor.

Glória a Deus! Seja o canto infinito

Como o incenso a evolar-se no além.

Glória ao Pai, glória ao Filho bendito

E ao Espírito Santo. Amém!


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE S. J. DEL-REI | (2020)

Vigil sentinela, em guarita avançada,

Qual anjo da guarda, qual nume seráfico,

Cuidando da grei.

Assim é quem zela da herança passada,

Tal qual o Instituto Histórico e Geográfico


De São João del-Rei

Salve Casa das lutas herdeira

De um passado de glória imortal!

Viva chama que vela altaneira

Em defesa da história local.

Na pátria materna do herói Tiradentes,

De Bárbara Bela e dos templos divinos

Erguidos ao céu,

Tu és, Instituto, com brados frequentes,

A voz desta culta cidade dos sinos,

Briosa e Fiel.

Salve Casa das lutas herdeira

Dum passado de glória imortal!

Viva chama que vela altaneira

Em defesa da história local.


SENTIMENTAIS

DÓI SEMPRE NA GENTE, ALGUMA VEZ, TODO AMOR ACHÁVEL, QUE ALGUM DIA SE DESPREZOU
(Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas)


PASSEIO DE EMAÚS | (25-08-93)

Minha linda menina, eu me recordo: um dia

Aqueceste-me as mãos de teu suave calor.

Num frêmito sutil, com encanto e magia,

Acordaste em minha alma os desejos do amor.

Onde estás, porventura, sublime donzela,

A vagar neste mundo de tantos caminhos?

Te revejo em meus sonhos tão meiga e tão bela,

A me dar num sorriso os mais ternos carinhos.

Tens agora, quem sabe, o convívio dos teus?

Ou levaram-te ao céu, na louçã primavera,

Linda orquídea da mata, os anjinhos de Deus?

Onde quer que tu estejas, serás, na verdade,

Ilusão de ternura. Mas, ah! quem me dera

Abraçar-te outra vez, no Emaús da Saudade!


NO JARDIM DA ILUSÃO | (26-11-93)

Florindo num jardim estavas rescendente

Quando, naquela tarde, em minhas mãos tomei-te.

E desde então, ó Flor, tu foste, tu somente,

Da minha vida enlevo e seu mais belo enfeite.

Ao me abraçar depois, tremendo de contente,

Com a pelúcia tua, em mutual deleite,

Vendo-te, linda e nua, ali na minha frente,

Inteiro o coração, entre suspiros, dei-te.

Beijando, enfim, num sonho, o teu botão cheiroso,

Nos lábios pressenti, feliz naqueles anos,

Da túmida corola o néctar delicioso.

Mas, foi-se o tempo bom e desfolhaste enganos!

No Jardim da Ilusão, interrompido o gozo:

Sozinho estou, agora, a recolher os danos.


MULHER | (20-05-94)

Das criaturas do mundo, a mulher é a mais bela,

A mais cheia de graça, e de Deus a obra-prima.

Dentre todas, porém, a mais linda é aquela

Que meus versos inspira e meu estro sublima.

Quando, longe, a saudade me vem de revê-la,

Entre os astros do céu a procuro e, lá em cima,

Eu descubro seus olhos na luz de uma estrela,

Da mais rútila estrela que a viver me anima.

De seu corpo, os encantos são minha euforia,

Quando, ardendo em desejos, o peito me estua

Por beijá-la nos lábios com louca ousadia.

Tanto amor, em minha alma, essa Deusa insinua,

Que, sem ela, esta vida, na certa, seria

Um deserto sem fonte, atra noite sem lua!


ALUCINAÇÃO | (27-05-94)

Quando ao meu corpo invade a mórbida dormência

E, num instante, sonho, à hora de matinas,

Um vulto de mulher, em lânguida aparência,

Eis surge-me no sonho, envolto de neblinas.

Diáfana visão que tanto me fascinas,

Teu nome balbuciar me deixa, por clemência:

És, porventura, a luz de emanações divinas,

Desse eternal amor que faz de Deus a essência?

Ah! se desceras, Flor, dos siderais albores!

Volúpias de paixão, se para mim voltares,

Em sonhos viverás a desvairar de amores.

Ela p’ra mim volvendo os trêmulos olhares,

Entre nuvens se esvai de incensos e vapores...

Mas fica o seu perfume embalsamando os ares.


LAMENTO | (31-03-95)

Perdida é para mim toda a esperança

De ouvires, ó mulher, a minha queixa.

De ti restou-me, apenas, na lembrança,

Esta saudade atroz que não me deixa.

Quando, tristonho, à noite, rememoro

As lindas horas que passei contigo,

Um desolado pranto ainda eu choro,

Sentindo a falta do teu seio amigo.

Passaste tu por mim tão de repente,

Qual breve reflorir de primavera…

Mas foi, ainda assim, suficiente

Para eu ficar sonhando, à tua espera.

Efêmera e fugaz foi minha sorte,

Como a luz de um relâmpago. Contudo,

A todos eu direi, antes da morte,

Que, para mim, o teu amor foi tudo!


FEITIÇO | (26-07-94)

Desde quando eu a vi, a vez primeira,

Meu coração ligeiro pulsou de amor.

Brilhou nova esperança lisonjeira

No meu peito de vate sonhador.

Como a ave que mesmo prisioneira

Não recusa cantar ao seu senhor,

Assim também estive à sua beira,

Vibrando a minha lira em seu louvor.

Ela, um dia, porém, sem mais nem menos,

Dos meus olhos roubou-me os seus morenos,

Deixando-me p’ra sempre, em tudo, omisso.

Busquei, noutros amores mais serenos,

Esquecer-me do seu… Mas, nada disso

Conseguiu me livrar do seu feitiço!


SEU NOME | (12-07-94)

Tenerisque meos incidere amores

Arboribus. Crescent illae, crescetis amores!


(Virgílio: Écloga IX)

Seu nome – lindo assim jamais eu vira,

Tão denso de ternura e melodias.

Foi dele o despertar de minha lira,

Por ele eu redigi estas poesias.

Seu nome – lá no céu, unindo estrelas,

Nas noites consteladas, soletrei-o.

E, crendo ver seus olhos numa delas,

Fitei-a com emoção e grande enleio.

Seu nome – fiz de pétalas inteiro,

Colhidas num jardim ao bem-me-quer.

Ah! quanta vez, em cismas tão vezeiro,

Eu tive, em repeti-lo, o meu prazer!

Seu nome – duma árvore novela

No tronco, a canivete, ao meu juntinho,

Desenhei, para que, crescendo ela,

Crescesse o nosso amor, bem de mansinho.

Seu nome – escrevi-o junto ao mar,

Nas areias da praia reclinado.

E, longo tempo ouvindo o marulhar,

Sonhei ela comigo, ali ao meu lado.

Seu nome – o mais doce que eu já vira,

Tão cheio de lembrança e de beleza,

Alguém, daquele tronco, ousado, tira,

Deixando-me banzado de tristeza.

Seu nome – está no céu também desfeito;

Na areia se apagou, murchou nas flores.

Apenas me restou, na dor do peito,

Esta saudade atroz dos seus amores.

REDONDILHAS | (03-07-88)

Nesta manhã, eu quisera,

Em lindos versos cantar.

Poeta ser, quem me dera!

P’ra tua beleza rimar.

Meu coração exultante

Todo de amor se engalana,

Pela presença constante

Dos teus encantos: - - - ana!

Sinto tua luz sempre bela,

Junto de mim cintilante.

No entanto, rútila Estrela,

Brilhas num céu tão distante.

Teus olhos pedem carinhos,

Tal como orvalhos a flor.

São os teus lábios caminhos

Por onde passa o Amor.

No teu rostinho há doçura,

Quando me falas a sós.

Tens no sorriso ternura

E melodias na voz.

Meu coração eu queria

Junto do teu colocar,

E ao mundo inteiro eu diria:

Vivo feliz a cantar!

Mas meu destino não quis

Que esta ventura eu tivesse,

Por isso te peço: infeliz

Neste silêncio me esquece!


JAMAIS AMOR TEREI | (10-01-95)

Numa louca ansiedade de encontrar-te,

Por este mundo andei, em pensamento…

Chamando por teu nome em toda parte,

Sem ter quem respondesse ao chamamento.

Ah! se pudera, ao menos, eu fitar-te

O meigo e doce olhar um só momento…

Um momento que enfim minha alma farte

Dum último e total contentamento.

Nessa esperança, em vão, de canto em canto,

O mundo pervaguei e nenhures vi

Alguém que, em si, tivesse o teu encanto.

E visto que a teu lado mais não posso

O tempo reviver, qual já vivi…

Jamais amor terei que nem o nosso!


ESPERANÇA | (14-05-94)

Tal qual depois do inverno, em lindas flores,

A terra inteira aguarda a primavera,

Assim também meu coração, de amores

Todo florido, o teu retorno espera.

Temendo que não ouças seus clamores,

Triste minha alma, às vezes, se exaspera;

Mas, confiante, ao longe, os vãos temores

O coração afasta e diz-lhe: espera!

Espera! E já terás, num devaneio,

A graça de sorrir do teu receio,

Por fim sanada da saudade a dor!

E, finalmente, então, do mundo oculto,

À sombra viverás do amado vulto

Toda a ventura do seu grande amor.


IDEIA FIXA | (13-07-94)

Mulher! Quem te deu lá do azul paraíso,

Na boca tão linda, a mais pura alegria,

Que flui de teus lábios, em meio ao sorriso,

Fazendo de ti a divina harmonia?

Quem deu-te esses olhos, que meigos exalam,

Por onde tu passas, divinos fulgores?

Que encantam minha alma, se ternos me falam,

Na luz que os envolve, mistérios de amores?

Mulher! Quem me dera unir ao teu peito,

Moreno, macio, tremendo sem jeito

Meu peito de vate, de amor abrasado!

Quem dera os teus lábios tão doces beijar,

Depois ao teu corpo, de tanto te amar,

Feliz, num instante, morrer abraçado!


FASCINAÇÃO | (08-07-94)

Meiga donzela que adorei na vida,

Visão querida, és todo o meu cismar.

Por ti suspiro, como o santo monge,

Que vive longe do divino lar.

Numa saudade imorredoura, insana,

Quase inumana, eternamente imerso,

Dedico agora à tua linda imagem,

Doce miragem, um derradeiro verso.

De ti ausente e infeliz no mundo,

De amor profundo, eis para ti meu carme.

Contigo, em sonhos, quem me dera ao menos,

Nesses morenos olhos teus mirar-me!

Em minha vida, porque foste embora,

Só resta agora do vazio o enjoo.

Toda a esperança, na minha alma triste,

Dês que partiste, de viver cessou.

E, quando a morte me buscar em breve,

Te peço, escreve este recado meu:

Descansa, enfim, um coração ardente,

Que, loucamente, por te amar, morreu!


NÃO TE ESQUEÇAS | (18-10-94)

Oh! não te esqueças, ó mulher divina,

Que foste a sina de um amor supremo.

Se dei-te a vida, te prometo, agora,

Chegada a hora, o meu suspiro extremo.

Oh! não te esqueças que um porvir luzente

Sonhei p’ra gente construir no amor.

Mas, ai! que pena, que ao dizer: eu te amo,

Partiu-se o ramo e desfolhou a flor!

Oh! não te esqueças que, p’ra mim, sozinha,

Foste a rainha, sem igual ninguém.

Meu coração dentro a pulsar no peito,

Pulsou, com efeito, só por ti, meu bem!

Oh! não te esqueças de que foste outrora

Meiga senhora dos desejos meus.

Hoje, sozinho, nesta velha idade,

Vivo a saudade dos carinhos teus.

Oh! não te esqueças que nos meus tristonhos

E falsos sonhos, me apareces linda,

Nas trevas d’alma, peregrina Estrela,

Velando pela minha sorte ainda.

Oh! não te esqueças, coração ausente,

O quanto sente este poeta aqui.

Eterno escravo dos encantos teus,

Até nos céus me lembrarei de ti.

Oh! não te esqueças que, se logo a morte

Roubar-me a sorte de te ver ainda,

Cerrou-me os olhos a lembrança tua,

Na imagem nua de uma deusa linda.

Oh! não te esqueças, se eu morrer primeiro,

Que o mundo inteiro não valeu-me nada,

Se não fitara, num momento ao menos,

Esses morenos olhos teus de Fada!


ETERNAMENTE | (20-09-94)

Ó doce amada minha, quando um dia,

Que, espero, esteja longe, bem distante,

Te fores desta vida à campa fria,

Contigo irei também: qual teu amante.

Postos, assim, em mútua companhia,

Juntinhos ficaremos cada instante

Da longa eternidade, que eu queria

Fosse feita de amor e paz constante.

E, quando levantarem-se os mortais

De suas profundas tumbas, separados,

Para o final Juízo convocados…

Nós dois, indiferentes aos demais,

E até do eterno prêmio descuidados,

Sairemos do túmulo, abraçados.


MUNDO NOVO | (29-01-95)

Grande me foi, ao vê-la, o seu encanto,

Que logo estremeci, muito contente.

O meu maior desejo, hoje, portanto,

É ter você p’ra mim, p’ra mim somente.

E assim criarmos juntos, num recanto,

Um lindo mundo novo, só p’ra gente.

Onde, abraçados nos amando tanto,

Possamos conviver eternamente.

Se acaso o que eu agora lhe proponho

For p’ra você também um lindo sonho:

Por que não traduzi-lo em realidade?

Somente assim veremos nesta terra

Toda a beleza que, com amor, encerra

Uma boa convivência de amizade.


ENDECHA DE SAUDADE | (24-11-95)

É tua ausência para mim, querida,

Dês que partiste, um lamuriar profundo.

Nada mais quero, nada mais, da vida.

É o fim de tudo que almejei no mundo.

Sonhei-te tanto que inda foras minha

E que seria o nosso amor eterno.

Mas, a esperança que, no peito, tinha

Perdeu-se agora num gelado inverno.

Ah! quantas noites a cismar, insone,

Lembrando o amor que já não mais existe,

Sinto, nas sombras do terrestre cone,

Vagar minha alma, desnorteada e triste.

Não canto mais, que emudeceu-me a lira,

Sentindo a falta da presença tua.

Em torno ao sol, a terra, inútil, gira.

É morta a estrela e mais não brilha a lua!

Só teu sorriso, o teu olhar e a voz,

O tempo ousado em mim, jamais, consome…

São marcas tuas que, lembrando a sós,

Vêm-me em consolo ao pronunciar teu nome.

E, pois que sofro ao me sentir sem norte,

Pobre, sozinho, sem ninguém p’ra amar,

Lamento o dia, desejando a morte,

Em que no mundo me fizeram entrar!


INSÔNIA | (17-02-95)

Alvas opalescências de luares,

No silêncio das altas madrugadas,

Velam, com luz diáfana, dos ares,

As minhas languidíssimas noitadas.

As estrelas, com rútilos olhares,

Espreitam-me dos páramos, caladas...

Indiferente e bela, a rubra Antares

Desliza entre as demais enciumadas.

No enfado das insônias matutinas,

Ao crebro crepitar das lamparinas,

Desabo-me num pranto e desatino...

Revejo, então, no fundo das retinas,

Evanescendo em cores opalinas

A estrela que luziu no meu destino.


RAINHA DO MEU JARDIM | (2013)

Formoso, qual teu corpo em melanina,

Teu sorriso era um sol no despontar.

A voz tinhas melíflua e divina,

Que tal não, nunca mais, ouvi cantar.

Se de mim te achegavas sorrateira,

Num jeitinho de fada disfarçada,

Oh quão feliz ficava, toda inteira,

A minha alma, em carícias, abraçada.

Quando o sereno cai sobre as colinas

Cobrindo, qual de incenso, a catedral,

As folhas, orvalhadas de neblinas,

Pingam gotas em forma de cristal.

São lágrimas que choro desolado,

Em vão sonhando co’a felicidade

Daquele tempo bom que, bem guardado,

Para sempre retenho na saudade.

Do que no altar as flores coloridas,

Tais como rosas, cravos ou jasmim,

Ou como hortênsias, dálias, margaridas,

Mais linda és tu, Rainha, em meu jardim


QUERIDA | (2014)

Amei-te! Em teu amor eu resumia

Os sonhos que sonhei na mocidade.

Mas, de ti, que esperar eu poderia

Que mais fosse senão uma saudade?

Quando te conheci, naquele dia,

Tão linda, tão formosa, e sem vaidade,

Deste mundo já nada mais queria

Senão te ocasionar felicidade.

Hoje, que tua ausência me tortura,

Triste, recordo o tempo, agora antigo,

Que tive, em teu amor, tanta ternura.

Querida! O meu caminho agora sigo

Sozinho, me lembrando da ventura

Tão grande que tu foste p’ra comigo.


MORTUA DEA | (07-04-94)

Era outono, em me lembro, em tarde inesquecida,

Em sonhos, vi surgindo uma visão bem-vinda.

Seus olhos a fitar, eu lhe falei: Querida,

És causa, em meu viver, de uma alegria infinda.

Risonha a imagem sua em ébano esculpida,

Num êxtase de luz, eu contemplei tão linda.

Hoje, na ausência dela é nada a minha vida,

Embora a esp’rança eu tenha de revê-la ainda.

Algo, porém, me diz que, nesta vida humana,

Eu não terei, jamais, dessa impossível diva,

Que, na saudade, um eco a repetir-me: - - - ana!

Ah! Infeliz minha alma, assim, de amor cativa,

Nesta prisão morrendo, em convulsões, insana:

É morta a Deusa tua... Em outro trono viva!

ILUSÕES: NADA MAIS!

O QUERER BEM DA GENTE SE DESPEDINDO, FEITO UM RISO E SOLUÇO, NESSE MEIO E VIDA
(Guimarães Rosa: Grande Sertão: Veredas)

INGRATIDÃO | (08-06-94)

Visão formosa que encontrei na vida,

Num tempo de desejos tão risonho,

Ela foi-me a esperança renascida

Do amor, dentro de mim, num lindo sonho.

Se uma paixão já teve alguém, falida,

Me diga, por favor, se eu fui bisonho,

Dando-lhe, em troca de uma graça havida,

Mais do que merecia, hoje, suponho?

Pois, ora, ela por mim vaidosa passa

Qual branca nuvenzinha de fumaça,

Indiferente a tudo que eu lhe dei.

E, assim, eu vou vivendo em soledade,

Neste mundo sofrendo co’a saudade

Daquela a quem um dia eu tanto amei.


VÂNITAS | (21-07-94)

Quando eu te conheci, na flor da juventude,

Tu eras, eu me lembro, a beldade da aldeia.

E, exibindo em teu corpo a feliz plenitude,

Da lasciva paixão eras linda sereia.

Desvalida, ao rever-te, hoje, velha, não pude

U’a pergunta evitar, como quem devaneia:

Os amantes de outrora onde estão, que, na rude

E cruel solidão, eu te encontro tão feia?

Deixaram-te… Foi isso. Eis quanto eu suponho.

Quando tinhas o rosto altaneiro e risonho,

Tu lhes davas prazer e o melhor dos teus anos.

Vindo o tempo, porém, com seu peso medonho,

Acabou-se a amizade e o amor foi um sonho.

Hoje, tudo o que tens são, enfim, desenganos!


FILHO PRÓDIGO | 06-04-94

Abandonando, um dia, o calmo lar materno,

Correndo eu fui atrás de uma paixão amada.

Prostrado em seu altar lhe prometi, em cada

Dia da vida, dar-lhe o meu amor mais terno.

Num êxtase, meu sonho acreditei eterno,

Defronte à imagem sua, em ébano talhada.

Hoje, na ausência dela, o meu viver é nada,

Vazio, o céu, em mim, se converteu no inferno.

Ah, infeliz de mim que sofro e choro tanto,

Por essa sombra vã que me tapou a luz.

Mas. Esquecê-la hei-de e, enxugado o pranto,

Ao verdadeiro Amor, que me remiu na cruz,

Eu voltarei, enfim, e lhe direi num canto:

Oh que saudades sinto eu de você, Jesus!


ADEUS: VOU-ME EMBORA | 16-09-22

São oitenta e seis anos já por mim vividos...

Basta! Que estou cansado. O que eu espero agora

É receber, sereno, a Morte, sem gemidos,

Tal qual uma visita que me leve embora.

Quero deixar a vida em vão desconhecidos,

Talvez, lá no horizonte, em trilhas, chãos à fora.

Bom mesmo é que ninguém dos meus entes queridos

Por mim se lamentasse em dor, naquela hora.

Apegos e desejos? Que poucos já os tenho!

Nascer, evoluir, morrer... Tal eis a norma:

Nada se cria ou perde: tudo se transforma.

Em Conceição da Barra, de lá donde eu venho,

Se alguém me quiser dar um bom favor final,

Cumpra-me o rito ali de um simples funeral.


ÚLTIMA CARTA | (23-09-94)

Escrevo-te, querida, os meus últimos versos,

Para neles dizer-te, com toda a franqueza,

Que meus dias, sem ti, estarão sempre imersos,

Pelas mãos da saudade, em silêncio e tristeza.

Se o que sempre te dei foram só alegrias,

Não entendo porque me deixaste de lado.

Por acaso esqueceste o que sempre dizias

Nas horas em que estive ao teu corpo abraçado?

Com amor, dei-te a vida e porque a rejeitaste,

Te devolvo também tudo o que me inspiraste,

Que de amor e poesia a minha alma está farta.

Este teu desamor, num soneto de poucas

Palavras que nem sei se são justas ou loucas,

Terminando, deploro em estilo de carta.


DESENCANTO | (12-12-94)

Quando pequeno eu era, a vida em seus albores,

Tinha meu coração cheio de crenças puras.

Sonhava com um mundo inteiro de venturas,

Sorrindo para mim com seus buquês de flores.

O sol, toda manhã, nascendo fulgurante,

Me recordava lindo o meu sonho infantil:

Que os homens eram bons, a pátria, mãe gentil.

E assim acreditando eu ia sempre ovante.

Mas, logo percebi que tudo era mentira,

Perdidas as razões de estar ainda vivo.

Procuro na poesia um simples lenitivo,

Exercitando embalde a minha pobre lira.

Pois, não consigo mais, da aurora ao rosicler,

Achar no horizonte um rumo ao meu futuro.

Que a esperança é morta ali onde a procuro,

Sem ter infelizmente um seu sinal sequer.

E, assim, o nosso mundo, às vezes, me aparenta

Um vasto cemitério, um pensamento vão.

Sem cruzes, nem capela, apenas podridão,

Onde o abutre audaz dos vermes se alimenta.

Nesta descrença e náusea, os derradeiros meus

Anos de vida levo em vil melancolia.

Até que, finalmente, o inelutável dia

Chegue também p’ra mim de me encontrar com Deus!


FAMILIARES

SER CHEFE, POR FORA UM POUQUINHO AMARGA, MAS, POR DENTRO, É ROSINHAS FLORES
(Guimarães Rosa; Grande Sertão: Veredas)

O CHAVEIRINHO
(Para Marco Antônio: em 28 de dezembro de 1993)

Sidérea nuvem no céu a brisa

Ao longe leva e no além desfaz.

Assim a vida também desliza

Saudade apenas deixando atrás.

Jamais, por isso, não se reprisa

O tempo bom do Jardim, rapaz!

Criança, tinhas a fronte lisa

Dos pesadelos que a vida traz.

Naquele tempo, me deste, um dia,

Esta mensagem de Deus gravada

Num chaveirinho, que eu guardaria,

Com teu retrato, p’ra mim fadada:

Papai, carregue-me (assim dizia),

E veja como eu não peso nada!

MINHA PRINCESA

(Para Moema Cristiana: em 22 de dezembro de 1993)

A Deusa Flora a transmudar se via

Inteira a terra num vergel de flores.

Por toda parte, em profusão, havia

Aves cantando, sem cessar, amores.

Eis senão quando, num faustoso dia

Do mês de outubro, todo envolto em cores,

Na Santa Casa, em São João, nascia

A filha amada destes meus louvores.

Hoje das mães (consagração suprema)

Cinge-lhe a fronte filial diadema,

Por quem agora, ela só vive e sonha.

Mas, que saudades da Princesa minha

De quando, bela, ainda pequena, vinha

Sobre meu colo se sentar risonha.

UMA FULGENTE ESTRELA
(Para Maira Suzana: em 31 de dezembro de 1993)

Um dia destes, eu lembrando estava

As cousas boas e da vida belas:

Qual dentre todas a que eu mais gostava

Se repetisse na saudade delas?

E por resposta apareceu-me linda

Do meu passado uma fulgente Estrela.

Se os olhos cerro, eu a contemplo ainda

Na cena antiga que revi, ao vê-la.

Ei-la! A visão serena da bonança,

Que na fé em Deus o coração me inflama

Com seu sorriso meigo de criança.

E, de repente, eu sinto, alguém me chama,

Numa vozinha cheia de esperança:

Ó Pai, vem cá rezar na minha cama!


CAMPEÃO
(Para Márcio Augusto: em 12 de dezembro de 1993)

Champion! Champion! Assim eu te chamei, sorrindo,

Quando, uma vez, criança, andavas na cidade,

Em liças disputando, entre os colegas, lindo,

Os jogos infantis, normais da tua idade.

Mas, eis daquele tempo agora o sonho findo,

Pois fez-se, na criança, o jovem. Que saudade!

E, noutra direção a sorte perseguindo,

Que a descrença, espero, a ti vencer não há-de.

Oh! vai-te, pois, meu filho, e Deus te favoreça!

E que da Virgem Mãe a devoção tão linda,

Por este mundo à fora, em ti, não desfaleça.

E, quando, enfim, chegar o dia de tua vinda

Com os louros da vitória envoltos na cabeça:

Campeão! Campeão! Repetirei ainda.


BODAS DE PRATA

(Para Inácia: em 21 de dezembro de 1993)

Naquele dia em que, buscando por Selene,

Apolo Oito foi ao céu arremessada,

Nós dois, também, partindo atrás do amor perene,

Na vida entramos por Destino conjugada.

Nas alegrias e tristezas irmanados,

Entre os revezes tão comuns na vida a dois,

Aqui chegando, cinco lustros transpassados,

Bodas de Prata celebramos, ora pois.

De nossos filhos rodeados na amizade,

Hoje, lembrando do momento da partida,

Agradecer de Deus queremos a bondade.

E de mãos dadas, sem temer a velha idade,

Vamos seguir, sabendo bem que, nesta vida,

De tudo fica, para sempre, uma saudade.


BAÚ DE LEMBRANÇAS

(Para Filipe Augusto: em 30 de junho de 1994)

A vida acontece num só de repente,

Qual raio que brilha nos olhos da gente,

Trazendo esperanças.

Filipe é seu nome, meu neto risonho,

Feliz ocorrência nascida de um sonho,

Baú de lembranças.

Recebe, menino, esta minha mensagem,

Que fiz neste dia, singela homenagem,

Aos teus três aninhos!

E a quantos te almejam a felicidade

Tributa, por conta de tanta amizade,

Cuidado e carinhos.

Sê sábio, sê nobre, e até na velhice

Conserva o sorriso e a doce meiguice,

Riquezas que tens.

Querido netinho, nos versos que faço,

Em prova de afeto, te dou, com um abraço:

Os meus parabéns!

UM DOM DE DEUS

(Para Aline Raquel: em 29 de abril de 1994)

Notívaga no céu, a lua cheia,

Na última semana, em fins de abril,

Iluminava a noite, em mais de meia,

Nesta paragem bela do Brasil.

As estrela mistérios e segredos

Trocavam, num piscar intermitente,

Quando tu, dissipando os nossos medos,

Nasceste neste mundo, felizmente.

Contigo uma centelha celestial

Trouxeste-nos, menina sem igual,

No meigo refulgir dos olhos teus.

Num idílio de amor e de ternura,

Exclamo, então, repleto de ventura:

Sim! Esta vida é mesmo um dom de Deus!

DAVI | (2011)

Há muito tempo te esperando estava

Que, enfim, viesses me alegrar, um dia.

Em cada brisa que por mim passava

Doce carícia de tua voz ouvia.

E, afinal, quando me disseram vinhas,

Tudo, em volta, se revestiu de cores.

Num evangelho, com palavras minhas,

As boas-vindas te almejei de amores.

Repleto, então, de fé e de esperança,

Hoje descubro neste teu rostinho

Que Deus de novo renasceu criança.

E, a sorrir, vou dizendo bem baixinho

O meu segredo a ti, em confiança,

Que és para mim, Davi, meu amiguinho!


MARINA | (2013)

Qual entre as brumas das manhãs de outono,

Festivo irrompe o sol, que prenuncia

As largas expansões de um novo dia,

Revelação de quem do mundo é dono.

Tal um raio de luz, rompendo a escura

E demorada noite, a mais sombria,

Um anjo, eu sonhei, que me sorria:

Uma menina linda, amada e pura.

Acabaram-se os tristes desalentos,

A rude mágoa, os lúgubres lamentos,

Ao romper dessa estrela matutina.

És o brilho das louras esperanças

Que vem trazendo vida entre bonanças

Das fúlgidas manhãs, doce Marina.


RAFAEL | (2014)

Como o ipê que anuncia o fim do inverno

E acende nossos campos de áurea luz,

Eis, foi assim também que o lar materno

Se encheu de um novo encanto que seduz.

Pois eras o desejo que, escondido,

No coração da mãe se demorava.

Eras dela o brinquedo mais querido,

Quando, a brincar feliz, já te esperava.

Bem-vindo! Pois chegaste, meu netinho,

Como um Anjo de Deus, tão aguardado,

Trazendo tanto brilho em teu rostinho.

Tu és da Primavera o azul do céu,

De nuvenzinhas brancas pontilhado:

Sinal de amor e paz, meu Rafael!


SEUS OLHOS | (17-06-95)

Era uma nobre princesa…

De traços nórdicos, raros,

Cuja inefável beleza

Só se igualava em pureza

Aos seus reais olhos claros.

Era uma meiga donzela…

Nos seus vestidos tafuis.

Sempre, entre todas, tão bela,

Que enamorei-me por ela

E por seus olhos azuis.

Era uma doce odalisca…

Ou, se melhor entenderdes,

Uma cigana mourisca,

Que me fisgou pela isca

Dos seus fatais olhos verdes.

Era uma linda menina…

Que, por encantos tamanhos,

Se transformou numa sina

De nossa raça latina,

Com os seus olhos castanhos.

Era uma bela garota…

Cuja saudade, em sonetos,

Es destilei, gota a gota,

Lembrando a graça marota

Daqueles olhos seus, pretos.

Eram um sonho essas tais,

Mas, em falando de Vênus,

Ou de romanas Vestais,

Minha netinha é bem mais,

Com seus olhinhos morenos.

EPITÁFIO | 25-03-21

Amei a vida de ilusões tão cheia,

Amei a terra e a família minha,

Amei a lua a divagar sozinha,

E a quem me amou, ah! eu também amei-a.

Amei os sons qual solitário monge,

Amei os livros que o saber semeiam,

Amei as aves que nos céus gorjeiam,

E aos horizontes se perdendo ao longe.

Amei as roças que verdinhas nascem,

Amei o ocaso em merencória luz,

E aos animais que nos campos pascem.

Amei as fontes, o perfume e a flor,

Amei Maria que me deu Jesus,

E aos meus filhos, com sublime amor.


OUÇO DEUS | (Com adaptações minhas)

Ouço Deus no murmúrio das águas dos rios;

Ouço Deus no furor dos ciclones bravios;

Ouço Deus no cantar matinal dos pardais;

Ouço Deus no lamento dos pobres mortais.

Vejo Deus nas estrelas perenes de luz;

Vejo Deus no esplendor que a alvorada traduz;

Vejo Deus no suave perfume da flor;

Vejo Deus na comida que emana sabor.

Sinto Deus na saudade que evoca lembranças;

Sinto Deus no morrer de febris esperanças;

Sinto Deus na tristeza de ver-te partir;

Sinto Deus na ilusão de que estou a te ouvir.

2022 – ANTÔNIO GAIO SOBRINHO – 2023

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