São João del-Rei, Tiradentes e Ouro Preto Transparentes

a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

ser nobre é ter identidade
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Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo

 

Via-sacra e Passinhos: 1ª parte . Antôno Gaio Sobrinho

Descrição

Pilatos condenou Jesus à morte na cruz. Do pretório, onde ocorreu a condenação, até o monte Calvário, fora dos muros da cidade de Jerusalém, local onde Jesus foi crucificado, a distância era aproximadamente de 800 metros. Através de becos, ladeiras e caminhos, Jesus deve ter dado, portanto, cerca de 2000 passos. Nesse trajeto ocorreram alguns fatos que os evangelhos registraram, e outros que a imaginação cristã inventou, tais como: as várias quedas de Jesus sob o peso da cruz, a sua conversa com as piedosas mulheres, o encontro com  sua mãe, a ajuda do Cirineu, o carinhoso gesto da Verônica. Esses fatos, nos possíveis locais onde eles aconteceram, constituem objetos de meditação para os cristãos que peregrinam em Jerusalém e lá refazem as pegadas de Jesus pelo caminho da cruz, a Via-Crucis ou Via-Sacra.

Na História da Igreja, de K. Bihlmeyer e H. Tuechle, assim lemos: A piedosa prática da Via Sacra vincula-se à crescente devoção para com a paixão do Senhor despertada depois das cruzadas e com a atividade das ordens Mendicantes. Desde a antigüidade, mas de modo especial desde o tempo das cruzadas, os peregrinos que iam a Jerusalém costumavam percorrer devotamente a verdadeira Via dolorosa do Senhor, parando em cada ponto indicado pela tradição. No século XV surgiram, ao que parece sob o influxo dos místicos, imitações dessas “estações” também fora da Palestina. Por longo tempo o número das estações foi muito oscilante. O uso hodierno das 14 estações – indulgenciadas por Inocêncio XI em 1686 –  atingiu uma difusão geral somente no decorrer dos séculos XVII-XVIII por influência dos franciscanos.

Em de São João del-Rei, para as vias-sacras que se fazem no interior das igrejas, utiliza-se como subsídio de meditações um venerando texto de 1858, escrito pelo lazarista Pe. João Batista Cornagliotto, então reitor do seminário de Mariana.

A idéia da reprodução das estações da via sacra pelo mundo cristão ganhou também as ruas dos arraiais, vilas e cidades brasileiras, já nos primeiros anos da colonização. Em Minas Gerais, quase todas as primitivas povoações ainda conservam suas capelinhas, espalhadas pelas ruas próximas à igreja matriz, marcando as estações da Via-Sacra.

São João del-Rei as preserva, em número de cinco capelinhas, que chamamos de Passinhos, marcando o trajeto pelo qual, nas três primeiras sextas-feiras da quaresma, a Irmandade dos Passos promove concorridas vias-sacras externas. Com a igreja de partida e a de chegada que, no nosso caso são as igrejas da Ordem Terceira de São Francisco e a matriz de Nossa Senhora do Pilar, perfazem o número simbólico de 7 estações, representando os seguintes episódios da paixão de Jesus: a agonia no Horto das Oliveiras, a sentença de Pilatos, a lamentação das mulheres, o encontro com Maria, Verônica  que lhe enxuga o rosto, a ajuda de Simão Cirineu e a crucificação no Calvário.

Cada estação tem seu tema próprio de meditação, que o coral da Orquestra Ribeiro Bastos canta, expresso nos seguintes motetos latinos:

1º Passo ou estação:  na Igreja de São Francisco:  Pater mi, si possibile est, transeat a me calix iste: veruntamen non sicut ego volo, sed sicut tu   –   Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice: todavia não seja como eu quero, mas como tu.

2º Passo ou estação:  na Rua da Prata:  Popule meus, quid feci tibi? aut in quo contristavi te? Quia eduxi te de terra  Aegipti, parasti crucem Salvatori tuo? Responde mihi!   –   Povo meu, que te fiz eu? Em que te contristei? Porque te fiz sair  do Egito, preparaste uma cruz ao teu Salvador? Responde-me!

3º Passo ou estação:  no Largo do Rosário:  Filiae Ierusalem, nolite flere super me, sed super vos et super filios vestros   Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, mas por vós mesmas e vossos filhos.

4º Passo ou estação:  no Largo da Câmara:  Domine Jesu, te desidero, te quaero, te volo. Ostende mihi faciem tuam et salvus ero  –  Senhor Jesus, eu te desejo, te procuro, te quero. Mostra-me a tua face e eu serei salvo.

5º Passo ou estação:  no Largo da Cruz:  O vos omnes, qui transitis per viam, attendite et videte, si est dolor sicut dolor meus – Ó vós que passais pelo caminho, parai e vede se há dor igual à minha dor.

6º Passo ou estação:  na Rua Direita:  Angariaverunt Simonem Cyrenaeum ut tolleret crucem eius – Requisitaram Simão Cirineu para que carregasse a sua cruz.

7º Passo ou estação:  na Igreja do Pilar:  Bajulans sibi crucem Iesus exivit in eum qui dicitur Calvariae locum –  Carregando a sua cruz, Jesus saiu para aquele que se chama lugar do Calvário.

A edificação dessas cinco pequenas capelas, os passinhos,  pertenceu à Irmandade de Nosso Senhor dos Passos, ereta em 1733, e que, desde então, vem promovendo a realização das vias-sacras. Inicialmente a mesma irmandade promovia também uma original Procissão dos Passos, levando pelas ruas o andor ou charola com a imagem de Jesus carregando com a cruz. Fato lamentável, embora cômico, ocorreu, em São João del-Rei, em 1781, quando alguns rapazes saíram pelas ruas da Vila pedindo esmolas com a charola do Senhor dos Passos. O brigadeiro Francisco Joaquim Araújo Magalhães, filho do rico minerador e sargento-mor João Rodrigues da Silva, praticou um grave atentado que o vigário Caetano de Almeida Vilas Boas, seu desafeto, assim narrou: Arremessando-se à charola arrancou a cabeça da imagem do Senhor dos Passos, e a levou para a sua casa, deixando o resto da imagem, e a charola despedaçada na rua, e pisada aos pés, não querendo até hoje restituir a cabeça da sobredita imagem.  Posteriormente,  aquela primitiva Procissão dos Passos, ainda citada em 1897, se transformou na atual Procissão do Encontro que nada mais é do que uma solene via-sacra e que entre nós, se realiza no 4º domingo da quaresma, quinze dias antes da Semana Santa.

As cinco capelinhas ou passinhos da via-sacra, que ainda hoje apreciamos em São João del-Rei, foram construídas na segunda metade do século XVIII. Do livro Piedosas e solenes tradições de nossa terra, ficamos sabendo de muitas coisas a seu respeito. Assim, por exemplo, somos informados de que do passinho da Rua da Prata se tem uma informação segura quanto à data de sua construção, pois dele há, nos arquivos da Irmandade dos Passos, um recibo assinado em 1781 por Manoel Tavares pelo pagamento que a Irmandade lhe fez da madeira para o referido passinho. Há igualmente documentos semelhantes, da mesma época, assinados por João Gonçalves Gomes, referente a telhas e tijolos; pelo oficial de pedreiro Francisco Serzedo, referente à Cruz de Pedra; e dos carpinteiros Gregório Lameda de Oliveira e Elias José de Souza. Presume-se que também os demais passinhos tenham sido construídos naqueles mesmos anos finais do século XVIII.

No que tange às pinturas desses passinhos, quase nada se sabe das originais, embora haja de 1809 um recibo de Gervásio José de Souza, pela pintura interna da mesma capelinha da Rua da Prata. Em recente restauração, Carlos Magno de Araújo descobriu no passinho da Rua Direita trabalhos de pintura, policromia e douramento, devidos a Manoel Victor de Jesus. Novas pinturas, interpretando o sentido de cada moteto, foram acrescentadas onde não havia nenhuma, por Pedro Paulo Viegas, cuja assinatura pode ser lida no passinho do Largo do Rosário, de modo que, atualmente, vemos, em cada passinho, três quadros de grande beleza e expressão.

Além dessas cinco capelinhas ou passinhos, há ainda uma outra, mais antiga, que se lhes assemelha e serve de última parada na procissão de Nossa Senhora da Soledade, na sexta-feira que precede ao domingo de ramos. É a Capela de Nossa Senhora da Piedade ou do Bom Despacho, construída pela necessidade de que padecem os presos tanto na falta de ouvirem missa, como na ocasião da desobriga. Em carta de 8 de julho de 1741 ao rei de Portugal, arrazoava o Senado da Câmara: Por não haver cadeia capaz nesta Vila, tratou este Senado da Vila de São João e Minas do Rio das Mortes de mandar fazer prisão com a segurança possível para o que concorreu  permissão de Sua Majestade por estarem as rendas do Conselho destinadas para a Casa dele: está concluída a obra; porém como os presos estão impedidos para ouvirem Missa nos dias de preceito, alguns devotos se ofereceram para a ereção de uma Capela ou Oratório em lugar acomodado para satisfazerem os presos ao mesmo preceito contanto que pelos bens deste Conselho se fizesse o patrimônio de seis mil réis cada um ano necessários na forma das constituições do Bispado. Nós atendendo a que a obra era pia e proveitosa ao bem da Almas como também praticada na maior parte onde há cadeias fizemos o patrimônio debaixo da condição de sua Majestade o confirmasse e por bem houvesse para este efeito socorremos agora à proteção de vossa Majestade para que se digne conceder-nos constituir o patrimônio nos bens do Conselho para a ereção da dita Capela dando a provisão necessária para a confirmação. Assim esperamos de vossa Majestade e do zelo com que deseja o aumento do culto divino e fervor católico. Tudo será motivo para aumentar os anos de vida a vossa Majestade que Deus guarde. Feita em Câmara aos oito de julho de mil setecentos e quarenta e um anos. Luiz Marques das Neves, n. Juiz mais velho e do segundo vereador João da Silva (...) n. do terceiro vereador José Gomes Branquinho n. do quarto vereador Luiz de Sousa Gonçalves e eu Joaquim José da Silveira escrivão da Câmara que aqui o registrei bem e fielmente da própria e me assinei. A autorização foi outorgada em 5 de abril de 1743, destinando-se o patrimônio em questão à celebração das missas nos domingos e dias santos.

Com a transferência da cadeia, em 1853, para o andar térreo do novo prédio da Câmara, esta capela, cuja edificação havia sido de iniciativa da Irmandade das Almas, foi incorporada à Irmandade de Nosso Senhor dos Passos. O título de Nossa Senhora da Piedade aposto à referida capela deve-se, certamente, ao fato de que, em Lisboa, como lembra Lélia Vidal Gomes da Gama, a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade tinha por finalidade  visitar os presos, acompanhar os criminosos ao patíbulo e enterrar os mortos. Entre nós, esta obra de caridade cristã pertenceu, inicialmente, à Irmandade das Almas, até o ano de 1816, quando a incumbência se transferiu à Irmandade da Misericórdia, nesse ano criada. Os títulos marianos: Nossa Senhora da Piedade, do Bom Despacho e do Bom Sucesso são de, certa forma, equivalentes, sendo Nossa Senhora dos Bom Despacho padroeira dos pecadores e Nossa Senhora do Bom Sucesso, dos agonizantes.

Na capela da Piedade, que mede mais ou menos 4 metros de frente por 5 de fundo, era guardada, segundo o Roteiro Turístico, de Paulo Christófaro e Gentil Palhares, há mais de duzentos anos, em uma urna ricamente trabalhada, a caveira do padre que, na mesma, celebrava as missas, assistidas pelos  presos,  quando a  cadeia ainda  era  no Largo  do  Rosário.  A  referida  urna  está  hoje sob os cuidados da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, consoante informação prestada pelo ínclito cidadão, professor Pedro de Oliveira Raposo.

O professor Pedro de Oliveira Raposo residia, em tempos idos, exatamente na casa da Romeira, na qual a mesma capela se acha inclusa. Portanto sua informação merece crédito, porém não  sabemos que fim levou a dita urna com a antiga caveira. Se não encontra mais no Rosário, onde estará? 

Na capela da Piedade, onde se venera uma linda e expressiva imagem de sua padroeira, há sete quadros pintados, referentes às sete dores de Maria: a profecia de Simeão, a fuga para o Egito, a perda do menino Jesus em Jerusalém, o encontro com Jesus no caminho do Calvário, sua crucificação entre ladrões, o tê-lo  nos seus braços depois de morto, e a soledade após o enterro. Para esta capela, bem pudéramos compor  também um moteto especial com os seguintes dizeres dos Cantares de Salomão: Quo abiit dilectus tuus, o pulcherrima mulierum? Quo declinavit dilectus tuus, et quaeremus eum tecum! – Por onde anda o teu amado, ó mais bela das mulheres? Em que direção ele se foi, diga-nos, e o iremos contigo a procurar!

Antônio Gaio Sobrinho

Fonte: Jornal Asap

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