Publicações
Tipo: Artigos | Cartilhas | Livros | Teses e Monografias | Pesquisas | Lideranças e Mecenas | Diversos
Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo
A Rua da Zona . Antônio Gaio Sobrinho
Descrição
A Rua da Cachaça, ou da Caxaça, como antigamente se escrevia, foi, com certeza, de início, um pequeno segmento do caminho ou estrada real do sertão, por onde transitavam os viajantes que iam e vinham entre São Paulo e as Minas Gerais.
Quando, em 1705, se fundava o Arraial Novo do Rio das Mortes, que seria, em 1713, a Vila de São João del-Rei, já aquele trecho, desde o Carmo até a Prainha, se transformava numa de suas primeiras ruas que, logo se chamaria Rua da Caxaça. Nela, em modesta escola, segundo uma antiga tradição relatada por Augusto Viegas, Tiradentes teria aprendido a ler e escrever, lá pelos idos de 1750. Não dá para comprovar se essa tradição tem alguma coisa de historicamente válida, mas, que Joaquim José deixou impressas nessa rua as suas passadas não há como negar porque o testemunham os Autos das Devassa. De fato, aí se lê que, em dezembro de 1788, Tiradentes, visitando pela última vez sua terra natal, esteve na Rua do Carmo com Antônio da Fonseca Pestana, acenando-lhe com seus projetos de libertação. E, na certa, visitou também a Zona, se não para uma relação amorosa, como era de seu feitio, ao menos para se encontrar com o taverneiro Manoel Moreira, que prestaria depoimento em 14 de setembro de 1789, dizendo-se morador na Rua da Cachaça. Outra que, também no século XVIII, esteve ali moradora foi a preta forra Ana de Oliveira, que em seu testamento, datado de 21 de setembro de 1779, assim se declarava.
Em 1815, conforme a seguinte anotação transcrita em meu livro São João del-Rei através de documentos, havia ali um oratório dedicado ao Senhor do Bonfim: Carrego em débito do mesmo tesoureiro a quantia de nove mil reis pagos pela Irmandade de Nª Srª do Rosário de uma morada de casas sitas na Rua da Caxaça desta Vila que fronteia com casas de Pedro José Menezes defronte do Oratório do Senhor do Bonfim; que deixou para a mesma Irmandade Ana Maria Barbosa.
Seu nome, claro, deveu-se ao estabelecimento ali de casas, tavernas e botequins onde se vendiam as águas ardentes, mais popularmente, conhecidas como pinga ou cachaça. E fácil de imaginar-se que, logo, tais estabelecimentos se foram prestando também como pontos suspeitos de encontros amorosos, pelo que, juntando-se uma coisa com a outra, no século XIX, a rua passou a denominar-se igualmente Rua da Alegria, já assim citada por José Antônio Rodrigues, no ano de 1859. Por uma ata de vereança de 20 de fevereiro de 1862, sabe-¬se que José Pedro Borges se dizia possuidor de uma casa sita no fim da Rua da Caxaça, com frente para o Beco chamado do Capitão do Mato, provavelmente situado, então, na que é, hoje, a Travessa Lopes Bahia.
Em 5 de janeiro de 1883, às denominações anteriores somou-se oficialmente a de Rua Tiradentes, nome novamente trocado, em 1923, para o de Rua João Jacó, em homenagem a João Jacob Sewaybricker, que fora vereador e dono de uma casa de comércio na esquina da dita rua com o Largo da Prainha.
Com a abertura da Praça Doutor Salatiel, em 1920, a rua ficou dividida em duas partes descontínuas, pelo que João Jacó, em 1939, cedeu sua parte alta para o Marechal Bittencourt, transferido da Rua do Comércio. O Marechal havia sido ministro da guerra por ocasião do covarde massacre do Arraial de Canudos, tendo sido assassinado em 1897, quando Prudente de Morais recepcionava no Rio as tropas que voltavam daquela inglória façanha.
Mas, apesar de tantas e sucessivas mudanças denominativas, os nomes primeiros de Cachaça e Alegria insistem em sobreviver, que o povo nem sempre é joguete das incompetentes decisões políticas, quanto às mudanças de nomes de ruas, porque os nomes têm histórias a contar.
Hoje, passada a época da boemia, dos rendez-vous, a Zona do baixo meretrício, que ali por tantos e tantos anos existiu e cuja lembrança resiste ainda num boteco isolado da praça Dr. Salatiel, que, aliás, também herdou o nome de Largo da Cachaça, se transformou numa das mais significativas e atraentes ruas da cidade, quase totalmente renovada, onde ficam as interessantes sedes do Centro de Referência Musicológica José Maria Neves, do Centro Cultural Feminino, e também do Velório do Carmo, recentemente estabelecido no espaço da anterior funerária Torga. O Beco da Escadinha, sempre ameaçado de privatização, infelicidade que já acometeu tantos outros becos, recebeu dois portões, que o fecharam parcialmente à servidão pública. A velha casinha de despejos da Ordem do Carmo e residência do velho Vilaça, que nele existia, foi lamentavelmente demolida, sem nenhum protesto ou consideração dos agentes locais do Patrimônio Histórico Nacional.
E, assim, na Rua da Cachaça ou da Alegria, hoje de cara limpa, a horas tardas e no silêncio das altas madrugadas, ainda se podem ouvir os sons da antiga alegria, ao .gosto da cachaça e do torresmo, nas risadas e na música dos velhos cabarés, nos sussurros e gemidos dos devotos de Baco ou de Vênus, nos êxtases e desafogos aos orgasmos de quantos ali se iniciaram nos prazeres do sexo, despreocupados, à época, dos modernos riscos que, agora, rondam os que se aventuram em práticas tais. Hélas!
Antônio Gaio Sobrinho
Fonte: Jornal da ASAP . julho/agosto de 2011
Quando, em 1705, se fundava o Arraial Novo do Rio das Mortes, que seria, em 1713, a Vila de São João del-Rei, já aquele trecho, desde o Carmo até a Prainha, se transformava numa de suas primeiras ruas que, logo se chamaria Rua da Caxaça. Nela, em modesta escola, segundo uma antiga tradição relatada por Augusto Viegas, Tiradentes teria aprendido a ler e escrever, lá pelos idos de 1750. Não dá para comprovar se essa tradição tem alguma coisa de historicamente válida, mas, que Joaquim José deixou impressas nessa rua as suas passadas não há como negar porque o testemunham os Autos das Devassa. De fato, aí se lê que, em dezembro de 1788, Tiradentes, visitando pela última vez sua terra natal, esteve na Rua do Carmo com Antônio da Fonseca Pestana, acenando-lhe com seus projetos de libertação. E, na certa, visitou também a Zona, se não para uma relação amorosa, como era de seu feitio, ao menos para se encontrar com o taverneiro Manoel Moreira, que prestaria depoimento em 14 de setembro de 1789, dizendo-se morador na Rua da Cachaça. Outra que, também no século XVIII, esteve ali moradora foi a preta forra Ana de Oliveira, que em seu testamento, datado de 21 de setembro de 1779, assim se declarava.
Em 1815, conforme a seguinte anotação transcrita em meu livro São João del-Rei através de documentos, havia ali um oratório dedicado ao Senhor do Bonfim: Carrego em débito do mesmo tesoureiro a quantia de nove mil reis pagos pela Irmandade de Nª Srª do Rosário de uma morada de casas sitas na Rua da Caxaça desta Vila que fronteia com casas de Pedro José Menezes defronte do Oratório do Senhor do Bonfim; que deixou para a mesma Irmandade Ana Maria Barbosa.
Seu nome, claro, deveu-se ao estabelecimento ali de casas, tavernas e botequins onde se vendiam as águas ardentes, mais popularmente, conhecidas como pinga ou cachaça. E fácil de imaginar-se que, logo, tais estabelecimentos se foram prestando também como pontos suspeitos de encontros amorosos, pelo que, juntando-se uma coisa com a outra, no século XIX, a rua passou a denominar-se igualmente Rua da Alegria, já assim citada por José Antônio Rodrigues, no ano de 1859. Por uma ata de vereança de 20 de fevereiro de 1862, sabe-¬se que José Pedro Borges se dizia possuidor de uma casa sita no fim da Rua da Caxaça, com frente para o Beco chamado do Capitão do Mato, provavelmente situado, então, na que é, hoje, a Travessa Lopes Bahia.
Em 5 de janeiro de 1883, às denominações anteriores somou-se oficialmente a de Rua Tiradentes, nome novamente trocado, em 1923, para o de Rua João Jacó, em homenagem a João Jacob Sewaybricker, que fora vereador e dono de uma casa de comércio na esquina da dita rua com o Largo da Prainha.
Com a abertura da Praça Doutor Salatiel, em 1920, a rua ficou dividida em duas partes descontínuas, pelo que João Jacó, em 1939, cedeu sua parte alta para o Marechal Bittencourt, transferido da Rua do Comércio. O Marechal havia sido ministro da guerra por ocasião do covarde massacre do Arraial de Canudos, tendo sido assassinado em 1897, quando Prudente de Morais recepcionava no Rio as tropas que voltavam daquela inglória façanha.
Mas, apesar de tantas e sucessivas mudanças denominativas, os nomes primeiros de Cachaça e Alegria insistem em sobreviver, que o povo nem sempre é joguete das incompetentes decisões políticas, quanto às mudanças de nomes de ruas, porque os nomes têm histórias a contar.
Hoje, passada a época da boemia, dos rendez-vous, a Zona do baixo meretrício, que ali por tantos e tantos anos existiu e cuja lembrança resiste ainda num boteco isolado da praça Dr. Salatiel, que, aliás, também herdou o nome de Largo da Cachaça, se transformou numa das mais significativas e atraentes ruas da cidade, quase totalmente renovada, onde ficam as interessantes sedes do Centro de Referência Musicológica José Maria Neves, do Centro Cultural Feminino, e também do Velório do Carmo, recentemente estabelecido no espaço da anterior funerária Torga. O Beco da Escadinha, sempre ameaçado de privatização, infelicidade que já acometeu tantos outros becos, recebeu dois portões, que o fecharam parcialmente à servidão pública. A velha casinha de despejos da Ordem do Carmo e residência do velho Vilaça, que nele existia, foi lamentavelmente demolida, sem nenhum protesto ou consideração dos agentes locais do Patrimônio Histórico Nacional.
E, assim, na Rua da Cachaça ou da Alegria, hoje de cara limpa, a horas tardas e no silêncio das altas madrugadas, ainda se podem ouvir os sons da antiga alegria, ao .gosto da cachaça e do torresmo, nas risadas e na música dos velhos cabarés, nos sussurros e gemidos dos devotos de Baco ou de Vênus, nos êxtases e desafogos aos orgasmos de quantos ali se iniciaram nos prazeres do sexo, despreocupados, à época, dos modernos riscos que, agora, rondam os que se aventuram em práticas tais. Hélas!
Antônio Gaio Sobrinho
Fonte: Jornal da ASAP . julho/agosto de 2011