São João del-Rei, Tiradentes e Ouro Preto Transparentes

a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

ser nobre é ter identidade
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Publicações

Tipo: Artigos | Cartilhas | Livros | Teses e Monografias | Pesquisas | Lideranças e Mecenas | Diversos

Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo

 

Folia de Reis e Pastorinhas . Ser nobre é ter identidade . Atitude Cultural

Descrição

Ver imagens da Cartilha por Bruno Grossi Begê . Folia de Reis & Pastorinhas . Ser nobre é ter identidade

"É preciso sensibilizar as comunidades para o tema da autenticidade do patrimônio cultural, fornecendo modelos para seu conhecimento adequado e sua valorização, para sua conservação e proteção, fomentando seu desfrute artístico, espiritual e seu uso educacional, cuja raiz comum sejam a memória histórica, os testemunhos e a continuidade cultural."
Carta Patrimonial de Brasília sobre autenticidade. Divulgar as Cartas Patrimoniais é preciso

Apresentação

Folia de Reis e Pastorinhas: Ser nobre é ter identidade

Majestosos em seus trajes e músicas típicas, estes cantadores de histórias, ostentam a simplicidade, o poder e a beleza de uma de nossas mais ricas tradições - a Folia de Reis.
Durante um dos encontros de Folia de Reis e Pastorinhas, admirando a elegância e a altivez dos mestres, dos mascarados que assustam e divertem; homens, mulheres e crianças entre devoção, instrumentos diversos, timbres singulares, roupas coloridas - surgiu o nome deste projeto: Ser nobre é ter identidade.
Educação patrimonial traduzida em agendas culturais, cartazes, marcadores de livro, calendários de mesa, exposições a céu aberto e virtuais, documentários, campanhas, pesquisas, cartilhas, publicações diversas, banco de dados e imagens/portal.
A Atitude Cultural, através deste projeto, busca identificar, valorizar, homenagear, mobilizar, consolidar parcerias, mapear culturalmente a cidade, contribuir com a sustentabilidade das entidades culturais, divulgar nossos grandes atores culturais que nos abençoam construindo a cultura que sonhamos.

Que Deus os ilumine sempre.

Alzira Agostini Haddad
Atitude Cultural Projetos e Responsabilidade Social

Projeto Ser nobre é ter identidade
www.saojoaodelreitransparente.com.br
Associação Amigos de São João del-Rei

Folia de Reis e Pastorinhas . Ulisses Passarelli

Foi numa noite dos tempos de Natal, ou do comecinho de janeiro, com garoa manhosa e intermitente. Na casa de vô Aloísio, Carlinhos brincava no chão da sala com seus brinquedos novos. Os adultos se ocupavam de seus assuntos esquisitos.De repente o chamado estridente de um apito impôs o toque de vários instrumentos musicais e um grito firme chamou lá fora pelo dono da casa: “ôh... patrão! Olha só quem tá chegando!”.
Na carreira o menino de curioso foi ao portão e estancado pelo medo, se deparou com um monte de homens de chapéus enfeitados de fitas e flores, tocando uma música diferente; adiante uma bandeira colorida e ao seu lado uma figura extravagante, de roupa colorida e folgada no corpo, máscara horrenda, chapéu de cone, porrete à mão, dançando com trejeitos e fazendo sons estranhos “ pruuuuuuu...” e gargalhando de tanto em tanto.
Num instante observou e noutro correu pra dentro. Tomado de uma mistura indescritível de pavor e curiosidade, Carlinhos se escondeu num cômodo, de ouvido atento, porém, olhando pelas gretas da velhíssima porta de tábuas.
Os adultos da casa se agitaram: “vamos, gente, a Folia de Reis chegou! Abre lá...”, pois o mestre já cantara da rua:

“Vem abrir a sua porta
E acender a sua luz,
Hoje veio lhe visitar
Os mensageiros de Jesus.”

O avô tomou a frente, virou a chave no cadeado ferrugento e trouxe atrás o portão de ferro trabalhado de duas bandas. Com uma genuflexão recebeu a bandeira, passou-a a vó Maria que a beijou e ofereceu a cada um dos presentes. Por essas alturas, o menino já olhava de esgueio da quina do alpendre. Os visitantes foram convidados a entrar, sempre tocando e cantando, enquanto o mascarado dançava sem parar (e só ele dançava): “dá licença nhônhô! Dá licença iaiá!”, e foram até a sala.
Havia um presépio armado, humilde e devoto, com bichinhos ao redor do Menino: “ôôô... que beleza! Olha só embaixador que encontramos!” e assim ajoelhou-se e tirou a máscara diante daquela Belém doméstica. Foi aí que o medo foi deixando o menino, seguro do lado humano do palhaço da Folia de Reis.
O mestre cantou o nascimento de Jesus e a visita dos Reis Magos, verso a verso, respondido pelos companheiros de folia numa voz fininha que ecoava pela sala cheia de lamentosos “ais”, delongando as notas como num eco. A bandeira já estava sobre a cama de casa. Benção para a família:

“Que senhores são aqueles
Que en’vém beirando o mar?
É os três reis do oriente
Que Jesus vão adorar!”
E pelos versos seguiam as lições morais:

“Bem podia Deus nascer
Num lençol de ouro fino
Para dar exemplo ao mundo
Nasceu pobre e pequenino.”

Vencida a praxe religiosa, o bastião ergueu-se, recolocou a máscara e retomou a dança.
O mestre voltou-se ao povo da casa e pediu em versos a oferta para a caridade. Deram algumas notas e foram agraciados com versos gentis que prometiam a paga celeste, até que, umas moedas em reservado foram entregues na sacolinha do bandeireiro com a recomendação de serem na intenção de um falecido. Respeitosamente ecoou...

“Essa oferta da saudade
Jesus Cristo anotou,
Uma jóia dessa casa
Os anjo pro céu levou...”

O dono da casa a meia voz chegou-se ao mestre e convidou-o a tomar um café. Completou-se a harmonia das cordas e fole. “Viva Santos Reis! Viva!”, deixaram os chapéus e instrumentos junto à poltrona. Na cozinha uma breve oração para a bênção da mesa. Descontração. Os já satisfeitos com as quitandas foram lá pro alpendre pitar um cigarrinho de palha e entre baforadas surgiam comentários sobre a afinação da folia ou o jeito de tocar caixa, ou velhas lembranças, embaçadas como a fumaça do pito: “É, sô, tempo bão era da folia do sô Zé Franguinho, folião de peso. Aquele era entendido nos fundamento!”.
O mestre apitou de volta lá na sala. A música retomou louvando a benesse:

“Lá no céu tem uma estrela
Que ilumina São José
Ela há de iluminar,
Quem nos deu tão bom café”.

No “devorteio” dos instrumentos (interlúdio, diriam os técnicos) o marungo de máscara peluda gritou pedindo licença, se podia fazer um agrado, quer dizer, um brinquedinho...

- “Pode sim, xará!”
- “Então lá vai, patrão! Catuca, moçada!”

E os instrumentos irromperam a pururuquinha, um ritmo afogueado, que fez com que o palhaço dançasse sobre o porrete que tinha posto no chão, em passos graciosos e cruzados, sem esbarrar na madeira, muito compassado e habilidoso. Só parou a música quando tirou o bastão do assoalho de tacos e o ergueu como sinal. Ofegante declamou com voz cavernosa:

“O meu pai era João Caco,
Minha mãe era Caca Maria
Ajuntando caco com caco
Eu sô filho da cacaria...”

E foi por essa linha afora, narrando palhaçadas de memória e de improviso, provocativo, porém respeitador. Todos se divertiam e até Carlinhos gostou, já sem medo, senão mesmo cativado pela novidade. Recebeu até balas do embornal do palhaço.

Por fim o tal pediu a dele:
- “Ô meu patrãozinho!”
- “Que foi bastião?”

- “Miserenobe, miserenobe, pelo amor de Deus, me dá um cobre...”

Vovô deu-lhe umas moedas de bom grado: “Deus lhe pague padrinho!”

- “Ô sinhá! Ô sinhá! Tô vendo ali de banda um punhado de banana naquele balainho lá do canto, senhora sabe como é que é... Tem lá em casa a minha dona Catirina, esganada que só, a mulecada tá com fome... Coisa e tal, tal coisa...”

 - “Você não trabalha pra plantá não, pidão?” (mas não era grosseria da vovó não, que faz parte da brincadeira embromar o bastião e no mais dar algo à folia é crença de fartura que retorna a casa).

- “Oh, ah! Inté demais patroa! Vô contá como é que é...”

“Catirina casô comigo
Que eu sô bom trabalhadô,
Com chuva num vô na roça,
Com sol também num vô...”

- “Ah! Num tem jeito com’ cê não... Toma essa penca”

- “Há, há! A criança chora é pra mamá, eu choro é pra ganhá! Deus me pague, Deus me ajude...”

Cantou o folião pedindo a bandeira, que a hora era vencida. Outra família esperava a embaixada santa dos mensageiros de Jesus. Lá veio ela do quarto mais de dentro, balanceando nos braços de Maria, cheirosa e agraciada, de cômodo em cômodo, arrastando todos os males, expurgados por palavras inconfessáveis que os lábios de vovó balbuciavam. Carlinhos via tudo. Gravava tudo na mente.
Todos beijaram seu pano já desbotado de andanças jornadeiras. Marcas de batom das fiéis maculavam o tecido. Raminhos secos de alecrim e manjericão ainda a perfumavam. Muitos devotos já receberam a bandeira de joelhos ao chão e enxugaram lágrimas em seu pano bento. Sobre a cabeça de Carlinhos ele foi passado, para dar juízo e boa sina.
Entre o “muito obrigado” e o “viva” partiu na guia a bandeira em missão, qual a estrela do oriente, servindo de luz aos foliões, que naquele momento eram como uma reencarnação dos magos, os primeiros romeiros da cristandade.
Saudade partiu. Saudade ficou. “Até para o ano, se Deus quiser!”. Carlinhos foi dormir. Ainda não acordou. Muitos janeiros passaram, mas continua sonhando com o batido da caixa. É o mesmo compasso do seu coração.

créditos

texto: Ulisses Passarelli
ilustração: Bruno Grossi Begê
revisão: Alzira Barbosa . Diane Mazzoni . Walquíria Domingues
Realização, concepção e organização: Alzira Agostini Haddad .  Atitude Cultural Projetos e Responsabilidade Social
Apoio: Associação Amigos de São João del-Rei . Cemig . Governo do Estado de Minas Gerais

Ulisses Passarelli:
Folclorista, natural de São João del-Rei/MG. Dentista que se dedica a pesquisa, promoção e defesa das tradições populares desde 1988.Possui vários textos publicados em jornais, revistas e boletins por todo o país, sempre abordando o folclore, a história e a ecologia. Imperador do Divino do Jubileu do Espírito Santo de Matosinhos de 1998. Participa de vários grupos folclóricos e atualmente á membro da Folia de Reis Embaixada Santa e do congo Nossa Senhora do Rosário, do distrito de São Gonçalo do Amarante. ulissespassarelli@gmail.com 

Bruno Grossi (BEGÊ – Minas Gerais, 1979):
trabalha com ilustração, literatura, cultura e arte. Desenvolve ilustrações e tirinhas para o Turadinhas.com. É casado/parceiro de Diane Mazzoni, neta do nosso eterno e querido Marcos Mazzoni. Também ilustra livros infantis, cartilhas, histórias em quadrinhos e tudo o que vê pela frente. www.begeilustrador.blogspot.com - begeilustrador@yahoo.com.br 

agradecimentos especiais:
Andrea Neves . Valéria Cordeiro . Chico Lobo . Gazeta de SJDR . TV Campos de Minas

Homenagem: João Matias . Folia de Reis do Matias
Folia Embaixada Santa . Luizinho sanfoneiro . 30 anos!
Folia do Guarda Mor . Folia de Reis do Matias
Folia do Fanico e Virgilinho - Guarda Mor e Bom Pastor
Folia do Divino Espírito Santo . Folia das Mulheres . Lilia . Tejuco
Folia do Ventura . Tejuco
Folia do Geraldo Eloi . Águas Férreas
Folia do Didinho . Bom Pastor
Folia do Vavá . Caburú
Folia do Sr. Antônio . Barroso
Folia do Natal/Nascimento . Elvas
Folia do Raimundo . César de Pina
Folia do Santana dos Montes
Pastorinhas de Dona MariaJúlia Lacerda e Geraldo Eloi Lacerda . Águas Férreas: 

Mais informações
Folias de Reis festejam a Epifania . Ulisses Passarelli

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