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. A música em São João del-Rei
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Tapete de Rua em homenagem as instituições musicais da cidade/imagens
Dicionário Musibiográfico de S. João del-Rei e região
Acervo de Compositores | Parceria: Orquestras Ribeiro Bastos, Lira Sanjoanense, Orquestra e Banda Ramalho/Tiradentes, Lira Ceciliana, de Prados e o Cerem
Abgar Campos Tirado - Maestro, compositor, pesquisador
Orquestra Lira Sanjoanense
Banda Municipal Santa Cecília
Centro de Referência Musicológica José Maria Neves - CEREM
Orquestra Popular Livre
Orquestra Ribeiro Bastos
Universidade Federal de São João del-Rei . UFSJ . Curso Superior de Música
Curso Superior de Música da UFSJ-Universidade Federal de SJDR
Programa Música XXI . DMUSI/UFSJ- Universidade Federal de SJDR
Sociedade de Concertos Sinfônicos de São João del-Rei
A música em São João del-Rei por Marcelo Ramos
Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier
Padre José Maria Xavier . Maria Salomé de Resende Viegas
A música em São João del-Rei . Depoimento de Maria Stella Neves Valle
Terra da música, do sagrado ao profano . Cristiane Nascimento, Márcia Pitança e Sílvia Cristina dos Reis
Banda de Música Theodoro de Faria
Música colonial: tesouro do passado; presente para o futuro . Mauro Lovatto
Intercâmbio Musical . Nilo Melo . Responsabilidade Sócio-cultural
Música colonial: tesouro do passado; presente para o futuro . Mauro Lovatto
Um projeto de fomento a bandas . Francisco José dos Santos Braga
Uma família de musicistas . Abgar Campos Tirado
Em São João del-Rei, principalmente na Semana Santa, a Música se chama Maria Stella Neves Valle
Pai da Música é "patusca"* e vive em São João del-Rei . Antônio Emílio da Costa
Semana da Música . Banda Theodoro de Faria . Homenagem à Santa Cecília
Semana da Música em Homenagem à Santa Cecília . Banda Theodoro de Faria
30 anos de Semana da Música . Walquíria Domingues
Semana da Música 30 anos . Banda Theodoro de Faria . 110 anos/2012 . Alzira Agostini Haddad
Imagens Orquestra Ribeiro Bastos
Música em São João del-Rei
A Orquestra Ribeiro Bastos de São João del-Rei/MG: Prática e aprendizagem musical em uma tradição tricentenária . Fabíola Moreira Resende
Telêmeco Victor Neves
Centro de Referência Musicológica José Maria Neves - CEREM
Maria Stella Neves Valle
Rafael Sales Arantes: edições, composições e arranjos (todos usados pela ORB) estão disponibilizados gratuitamente
A música em São João del-Rei por Marcelo Ramos
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Veja a programação completa da Orquestra Lira Sanjoanense:
TODOS OS DOMINGOS . 9h15min: Missa da Irmandade de S. Francisco de Assis com a ORQUESTRA RIBEIRO BASTOS na Igreja de S. Francisco
. TODA QUARTA-FEIRA DO ANO . 19h: Missa da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte com a ORQUESTRA LIRA SANJOANENSE na Catedral Basílica do Pilar
. TODA QUINTA-FEIRA DO ANO . 19h: Missa da Irmandade do Santíssimo Sacramento com a ORQUESTRA RIBEIRO BASTOS, na Catedral Basílica do Pilar
. TODA SEXTA-FEIRA DO ANO . 19h: Missa da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos com a ORQUESTRA RIBEIRO BASTOS, na Catedral Basílica do Pilar
*** Uma cidade vive há 2 séculos mergulhada nas ondas musicaisPor J. C. Barbosa ¹
José do Carmo Barbosa |
As crianças de São João del Rei aprendem música ouvindo a melodia dos campanários dos tempos coloniais
"A criança sanjoanense nasce ouvindo a melodia de seus campanários, daí tôda criança nascer músico", disse alguém, para explicar os pendores musicais do povo de São João del Rei, a "Cidade da Música" em Minas Gerais, e séde do Conservatório Estadual de Música – um prédio de dois pavimentos, com um auditório para 400 pessoas – onde estão matriculados 112 alunos.
A primeira notícia musical de S. João del Rei data de 1717, quando a sua banda de música sob a regência de Antonio do Carmo, recebeu festivamente na então vila a visita de Dom Pedro de Almeida e Portugal. Pràticamente, naqueles princípios do século XVIII, as atividades musicais se restringiam às festas religiosas, que também eram as festas sociais da época colonial. Em 1728, o padroeiro São João era festejado nas cerimônias litúrgicas, com dois coros. No final do século XVIII surgiram duas orquestras até hoje muito respeitadas e que ainda existem: a "Lira Sanjoanense"e a "Orquestra Ribeiro Bastos".
A "Lira Sanjoanense" é a mais antiga dessas orquestras sacras. Presume-se que seja remanescente dos coros de igreja de 1728. A partir de 1802, firmou-se definitivamente sob a direção do maestro Pedro de Souza. A Orquestra Ribeiro Bastos também se originou daqueles coros sacros. De 1841 em diante, foi seu regente o maestro Francisco José das Chagas. O seu atual nome é uma homenagem ao maestro Martiniano Ribeiro Bastos que a regeu durante mais de meio século. Atualmente, o seu diretor é o professor Emilio Viegas. A parte musical das imponentes comemorações da "Semana Santa" em São João del Rei, estão sob a sua responsabilidade, numa tradição, assim, de dois séculos e meio.
A maior corporação da música profana é a "Sinfônica Sanjoanense", a primeira orquestra, no gênero, organizada numa cidade brasileira. Seu fundador foi o maestro tenente João Cavalcanti. São seus regentes, agora, o maestro Pedro de Souza, que dirige a orquestra sinfônica pròpriamente dita, e Alberto Wilson de Castro, que dirige o Orfeão Misto, muito afamado no interior mineiro.
Como cidade que se preza, São João del Rei tem as suas "furiosas". As mais conhecidas são a Banda do Regimento Tiradentes, o conhecido 11º RI, detentora de vários prêmios e campeã de concursos regionais de bandas militares. Depois, vêm as Bandas "Santa Cecilia", "Teodoro de Faria", "Santa Terezinha" e a dos jovens alunos da Escola Padre Sacramento, dos Irmãos Salesianos.
Para a folia e os bailes, existem a "Orquestra Continental", fundada e dirigida pelo violinista Milton Couto ² ; o "Jazz Tiradentes", constituído de elementos da Banda do 11º RI; o "Jazz Glória"; o poético "Jazz Flôr do Ipê"; o "Conjunto Santos", formado por músicos da família Santos e o novo e americanizado "Six Boys".
A bossa nova da música local, contudo, é a "Corporação Artística Sanjoanense ³", criada em agôsto de 1959, sob a direção artística das professoras Mercês Bini Couto e Salette Maria da Silva Bini. É um conjunto de 60 moças da sociedade, que visa o cultivo das músicas clássicas e folclóricas, com um grande coral e orquestra sob a regência efetiva de seu presidente Luiz Antonio Boari Bini.
A lista dos grandes músicos produzidos por São João del Rei é grande. O primeiro lugar cabe ao padre José Maria Xavier, autor de famosas e discutíveis partituras da "Semana Santa", que anualmente atrai centenas de turistas. Seu rival, no culto dos sanjoanenses, é Presciliano Silva, maestro diplomado em 1879 pela Real Escola de Música de Milão⁴ e autor de várias obras, como "O Vos Omnes", "Memento", "Ganganelle", etc. Recentemente faleceu o professor Luiz de Oliveira ⁵, um dos fundadores e primeiro secretário do Conservatório do Recife, catedrático aposentado de violoncelo da Escola Nacional de Música.
O artigo de exportação da nova geração de músicos de São João del Rei é o popular "Guaraná ⁶", o Gustavo de Carvalho, orquestrador e arranjador da Rádio Nacional. É autor de "Revendo o Passado" e "As Operetas voltaram".
Fonte: Correio da Manhã, Ano LX, nº 20740, 4 de novembro de 1960
Notas explicativas de Francisco José dos Santos Braga
¹ José do Carmo Barbosa foi farmacêutico e sócio do Sr. Silvano Carneiro (proprietários da farmácia de manipulação e de atendimento "Ouro Preto", localizada próximo aos "Quatro Cantos"), locutor e diretor da ZYI-7 Rádio São João del-Rei, secretário do C.A.C.-Centro Artístico e Cultural, além de secretário geral e professor do Conservatório Estadual de Música Pe. José Maria Xavier.
Foi paraninfo da turma de diplomandos do ano de 1966 no referido Conservatório, constituída pelos seguintes formandos: Maria Helena Machado (Curso de Professor de Música), Salete Maria da Silva Bini (Curso de Canto), Anizabel Nunes Rodrigues (Curso de Flauta), Maria Salomé de Moraes Silva (Curso de Piano) e Sadik Haddad (Curso de Clarineta).
Nos programas de auditório dirigidos pelo inesquecível Jeú Torga (Jehudiel Torga), José do Carmo Barbosa era um coadjuvante indispensável, por sua capacidade inigualável como preparador de texto.
Inesquecível deve soar ainda para muitos de nós são-joanenses a voz daquele grande locutor, contando as lendas de nossa terra em transmissão radiofônica.
² Para maiores informações sobre a Continental Jazz Band, fundada em 02/07/1932, consulte o seguinte link: http://www.patriamineira.com.br/imprimir_noticia.php?id_noticia=2604
³ O jornal DIÁRIO DO COMÉRCIO, de São João del-Rei, noticiou a instalação da C.A.S., na sua edição nº 6281, de 12 de agosto de 1959, com a seguinte matéria:
"Instala-se solenemente a "Corporação Artística Sanjoanense"
Num ambiente de arte e elegância, instalou-se domingo p.p. (09/08/1959) a nova entidade artística com que passará a contar a cidade – a "CORPORAÇÃO ARTÍSTICA SANJOANENSE" – cuja finalidade é congregar moços e moças, amantes da arte, para o cultivo e a prática do Canto, incentivando na mocidade o gosto pelo bel-canto e pelo nosso folclore.À solenidade, que teve lugar no salão de festas do Minas F. C., gentilmente cedido pela sua diretoria, compareceu quasi a totalidade dos fundadores da C.A.S., além de pessoas gradas da nossa sociedade. O ato foi presidido pelo prof. José Pedro Leite de Carvalho, representante do Revmo. Pe. Osvaldo Torga, Prefeito do município, vendo-se ainda à mesa os Srs. jornalista Mozart Novaes, presidente da Câmara; Carmélio de Assis Pereira, vice-prefeito; Revmo. Pe Luiz Zver, presidente do Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei, além dos membros eleitos para a Diretoria da Corporação Artística Sanjoanense.
Iniciando os trabalhos da sessão, o presidente deu a palavra ao Sr. Luiz Antonio Bini que expôs o programa da neo-sociedade, terminando a sua oração colocando a C.A.S. a serviço da cidade e das demais corporações artísticas. A seguir, a srta. Nancy Assis declamou belíssimo poema "Lembrai-vos da Guerra".
A palavra seguinte coube ao orador oficial da sociedade prof. J. do Carmo Barbosa que lembrou aos moços o poder da abnegação no êxito de empreendimento daquela natureza.
Encerrando a solenidade de posse da Diretoria, falou o Sr. Mozart Novaes para congratular-se com a cidade pelo surto maravilhoso de progresso intelectual e artístico que a empolga.
Seguiu-se a parte artística da festividade que constou do seguinte: Puccini: Recondita Armonia (Tosca), José Costa; Pestalozza:Ciribiribin, Srta. Niva Guimarães; Gottschalk: Radieuse, piano a 4 mãos, profª. Mercês Bini Couto e Abgar Campos Tirado; Alfonso S. Oteo: Dime que si, tenor Vicente Viegas; A. Sedas: Cielito Lindo, soprano Sra. Lêda Neto Zarur; Puccini: Valsa de Musetta (La Bohème), soprano Salete Maria da Silva Bini.
É a seguinte a diretoria da C.A.S.: presidente, Sr. Luiz Antônio Bini; vice-presidente, Antônio Moura; 1º secretário, profª Maria Marlene de Resende; 2º secretário, profª Maria Luiza Vieira; 1º tesoureiro, Vicente de P. Barbosa Viegas; 2º tesoureiro, Abgar A. Campos Tirado; 1º procurador, Geraldo Barbosa de Souza; 2º procurador, José Raimundo de Arruda.
Conselho Artístico: professora Mercês Bini Couto; professora Salete Maria da Silva Bini e prof. João Américo da Costa.
Diário do Comércio fez-se representar nessa solenidade marcante do progresso cultural e artístico da cidade."
Também o jornal são-joanense O CORREIO, em edição nº 2971, do dia 16 de agosto de 1959, fez a seguinte cobertura da solenidade de instalação da C.A.S.:
Coluna de Arte Gagliero
Empossou-se domingo p. passado a diretoria da Corporação Artística Sanjoanense recentemente fundada por um grupo de moços e moças idealistas.
A solenidade realizou-se às 10,30 horas no salão de recepções do Minas F. C., gentilmente cedido pela sua diretoria, perante seleta assistência constituída de pessoas gradas da sociedade local e de um grande número de componentes da neo-organização artística. (...)
Usou da palavra inicialmente o senhor Luiz Antonio Bini, presidente eleito, que focalizou as finalidades da nova entidade e o seu propósito de colaborar com as demais organizações artísticas para maior incremento da música em nossa cidade, declarando não haver solução de continuidade entre a Corporação Artística Sanjoanense e as suas co-irmãs. Como orador oficial da C.A.S. falou o prof. J. do Carmo Barbosa saudando os seus organizadores e apontando-lhes como condição precípua para a sua completa finalidade o espírito de abnegação que deve animar todos os seus integrantes e ressaltando a responsabilidade moral que assumiam no setor artístico da cidade.
O senhor Mozart Novais, presidente da Câmara, em belo improviso, focalizou o progresso cultural e artístico que nestes últimos dias vem se desenvolvendo na cidade, congratulando-se com os jovens pelo belo exemplo que vêm dando com o seu interesse pela arte nesta comuna.
A Corporação Artística Sanjoanense, comprovando a sua elevada e simpática finalidade, ofereceu aos presentes magnífica hora de arte com o seguinte programa: (...)
A 1ª Diretoria da C.A.S. ficou assim constituída: presidente de honra efetivo, Revmo. Pe. Luiz Zver SDB; presidentes de honra honorários: Dr. Tancredo de Almeida Neves, Dr. Gabriel de Rezende Passos, Marechal Ciro do Espirito Santo Cardoso e General Luiz de Faria; presidente, Luiz Antonio Bini; (...)"
⁴ Talvez José do Carmo Barbosa estivesse se referindo ao Real Conservatório de Milão, onde se formaram também, pelo menos, o campineiro Carlos Gomes, o pindamonhangabense João Gomes de Araújo, o pousoalegrense José Lino de Almeida Fleming e a contralto campineira Maria Monteiro ("Zica" Monteiro). Os quatro receberam bolsa de estudos do imperador Dom Pedro II para aperfeiçoarem seus dotes musicais.
Sobre a contralto Maria Monteiro, cf. inhttp://www.centrodememoria.unicamp.br/sarao/revista29/SERIE/sarao_se_ruas_texto_01.htm
⁵ Socorri-me do pesquisador, musicólogo e regente Aluízio José Viegas para saber algo acerca deste violoncelista são-joanense. Disse-me ele que o professor e violoncelista Eurico Costa, do Conservatório Brasileiro de Música, tinha sido quem descobriu o são-joanense Luiz de Oliveira, quando de sua primeira vinda a São João del-Rei, onde deu um concerto que o consagrou pela execução exímia de seu instrumento. Naquela oportunidade, ele ouviu o violoncelista são-joanense e, tendo visto nele talento e aptidão para o instrumento, convidou-o a vir para o Rio de Janeiro tomar aulas sob a sua direção.
Sobre esse concerto memorável, Aluízio me relatou um episódio deveras curioso. Ao terminar o concerto, duas senhoras irmãs foram até o camarim de Eurico Costa para convidá-lo para um chá no dia seguinte em sua residência. Quando lá chegou, foi informado que nenhuma das duas tinha herdeiro, acrescentando que possuíam um violoncelo passado de geração a geração, chegando até elas. Assim dizendo, imediatamente se dirigiram a um quarto, donde tiraram uma caixa velha e desmantelada. Ao abri-la, Eurico verificou que a mesma continha um violoncelo necessitado de alguns reparos.
Quando voltou ao Rio de Janeiro com o presente, encostou aquela caixa em um canto da casa e ficou de procurar um luthier oportunamente. Antes, porém, foi primeiro passar férias em Caxambu. Nesse ínterim, sua casa foi assaltada e, entre outras preciosidades, o ladrão havia levado o violoncelo com que Eurico se apresentava.
Impossibilitado de dar um concerto já agendado, precisou recorrer a um luthier para consertar o violoncelo sobressalente que tinha trazido de São João del-Rei, que, até então, não tinha valorizado muito por causa do seu estado.
Qual não foi a sua surpresa quando o luthier carioca lhe informou que ele estava portando um autêntico Guarnerius (avaliado em 20.000 escudos na época de Salazar)! Continuou dizendo que na capital federal não havia quem pudesse reparar um instrumento tão raro e caro. Recomendou-lhe levá-lo à Europa, onde certamente encontraria um luthier abalizado para fazer o tal reparo.
Músico internacional que era, Eurico Costa não encontrou dificuldade, em uma de suas viagens à Europa, de recorrer aos serviços de um luthier especializado que soube sanar o problema, restabelecendo a beleza e a pujança da sonoridade do violoncelo.
Aluízio contou-me ainda que Eurico Costa fez tanta amizade com o pároco Padre Almir de Rezende Aquino, da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei – hoje Catedral Basílica, – que passou a abrilhantar as célebres festividades locais da Semana Santa com o seu concurso, ao violoncelo.
O musicólogo são-joanense disse lembrar-se inclusive de ter presenciado Eurico Costa solando uma peça de inexcedível beleza na Cerimônia do Lava-pés em praça pública, diante de uma gigantesca plateia fervorosa e atenta.
⁶ Sobre o Maestro Guaraná, o Blog de São João del-Rei já publicou três matérias:
http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2014/08/maestro-guarana-gustavo-nogueira-de.html
http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2014/09/gustavo-de-carvalho-o-guarana-cronica.html
http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2014/10/homenagem-do-centro-artistico-e.html
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Marchas Mineiras para banda . Companhia dos Inconfidentes e Marcelo Ramos
São João del-Rei, desde o nome, é cidade sonora, musical. Sem dúvida, este atributo muito se deve à existência ativa das bandas de música que - volta e meia - estão a percorrer as ruas ou a se apresentar nos largos, nas praças, nos teatros, nos adros das igrejas, enfim em toda parte, dando ritmo a tudo: procissões, festas populares, concertos, atos oficiais, solenidades cívicas e até, bem de manhãzinha, à marcha dos soldados do batalhão. Houve um tempo em que as bandas faziam parte até de cortejos fúnebres, mas hoje isso não é mais comum.
Qual são-joanense não sente o coração bater mais forte ao ouvir, entre dobres de sinos, a Marcha dos Passos, quando a procissão sai da Matriz ou atravessa a Ponte da Cadeia? Quem, nascido aqui ou visitante, não se entristece com a Melodia Fúnebre, tocada no adro da igreja de São Francisco, na manhã de domingo em que o Senhor dos Passos sai em razoura para contornr o jardim que tem formato de lira? Não sente o peito apertado quando escuta a Marcha da Paixão, entre matracas, na Sexta-Feira Santa? E também não volta à infância quando a banda toca, com notas vivas de muita cor, as marchas da Boa Morte, das Mercês e de todas as Nossas Senhoras?
Tão importante é a presença da banda na alma de São João del-Rei que o maestro são-joanense Marcelo Ramos gravou recentemente, juntamente com a Companhia dos Inconfidentes, o CD Marchas Mineiras para banda, que reúne as cinco marchas citadas e muitas outras que quase cotidianamente são ouvidas na cidade. Como trabalho de pesquisa, resgatou até o Hino do Rancho Carnavalesco Custa Mas Vae (com "e" mesmo!), agremiação criada em São João del-Rei por volta de 1930 e que desfilou no Carnaval durante muitas décadas.
O disco é uma preciosidade. Custa apenas R$ 10,00 + envio postal, se comprado pelos telefones (32) 3371-2289 e 8866-0349. Em algumas (e especiais) ocasiões, deveria ser pedido como carteira de identidade, passaporte e crachá dos são-joanenses. E até apresentado como senha para acessos vips, privativos, secretos e misteriosos...
Conheça, no vídeo abaixo, algumas faixas do CD e a foto dos compositores das marchas.
Saiba mais sobre este importante trabalho de resgate da memória musical de São João del-Rei e como adquirir do disco acessando http://www.movimento.com/2011/09/lancamento-do-cd-%E2%80%9Cmarchas-mineiras-para-banda%E2%80%9D/.
Fonte: Blog Tenções e Terentenas
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A música em São João del-Rei . Semana Santa 09: Música Sacra, a Voz Barroca em São João del-Rei
José Maria Neves . Notícia de Segunda, 6 de Abril de 2009
Desde seus primórdios, a história de São João del-Rei faz-se acompanhar de fatos musicais. Mesmo o registro da primeira viagem do Governador-Geral à região, para visitar a vila, menciona a presença de grupos de músicos, no cortejo de recepção e na cerimônia religiosa. Desde então, os acontecimentos da vida da comunidade têm na música um de seus componentes principais, seja nas celebrações promovidas pelo poder público, seja nos acontecimentos de caráter religioso.
De fato, a presença importante da prática musical na vida cultural da comunidade não era prerrogativa desta cidade. Os documentos históricos revelam que todas as primeiras vilas e cidades brasileiras, inicialmente as do litoral e logo após as do interior, tinham vida musical intensa, graças à ação dos seus Mestres-de-Capela (que eram professores, compositores e responsáveis pelo conjunto da vida musical) e dos intérpretes, que atuavam com dedicação e remuneração de autênticos profissionais. Não havia vila que não tivesse sua corporação ou suas corporações, atendendo às necessidades da programação religiosa, do teatro de ópera, das festas de rua, dos encontros de salão.
As transformações sócio-político-econômicas ocorridas a partir de inícios do século 19 modificaram inteiramente o panorama. Ainda que a música guardasse sua importância na vida da comunidade, os músicos viram diminuir seu mercado profissional, transformando-se, pouco a pouco, em amadores. Nas vilas e cidades do interior; a própria estrutura da liturgia católica contribui para a manutenção das tradições musicais, razão pela qual a quase totalidade da documentação musical setecentista e oitocentista conhecida refere-se exclusivamente ao repertório litúrgico e paralitúrgico. Até meados do séc. 20, muitas pequenas cidades tinham ainda suas orquestras sacras contribuindo para maior solenização da liturgia, preservando, igualmente, importantes arquivos de manuscritos musicais. Estes músicos amadores foram os responsáveis pela preservação das tradições musicais, movidos menos pelas vantagens econômicas da profissão, já inexistente, que pelo gosto da prática musical e sobretudo, pelo desejo de manter vivas as práticas religiosas. As dificuldades do amadorismo e as transformações da liturgia católica foram fatores de desestímulo, acabando por levar as corporações musicais ao desaparecimento, inclusive pela perda de sua função principal. Faltou aos grupos a força integradora da Igreja e de seu ritual. E desapareceram as corporações e muitos de seus arquivos.
A micro-região dos Campos das Vertentes é caso particular no panorama cultural brasileiro, preservando costumes que permitam a permanência viva de quatro corporações musicais setecentistas (as Orquestras Lira Sanjoanense e a Ribeiro Bastos de São João del-Rei) e oitocentistas (a Lira Ceciliana de Prados e a Orquestra Ramalho de Tiradentes). Existindo como organismos vivos, estas corporações não atuaram exclusivamente no âmbito religioso, mas alimentaram de música todos os acontecimentos da vida cultural.
Em São João del-Rei, a música tem lugar de destaque na vida da comunidade, particularmente no que se refere à liturgia católica. O musicólogo uruguaio Coriúm Aharonián chamou a atenção para o fato de que esta seja talvez a única cidade do mundo onde, entrando-se em uma igreja em qualquer dia do ano, ouve-se música executada por coro e orquestra, e música pertencente a uma tradição erudita local. Ao longo do ano, são cantadas as missas das Irmandades e Ordens Terceiras (que, desde o século 18 são as principais responsáveis pela organização e promoção das festividades religiosas), como são acompanhadas de música as Novenas e as Procissões, e quase todas as cerimônias executadas na ocasião.
A Semana Santa apresenta maior densidade litúrgico-musical. Talvez não exista outra cidade no mundo que realize absolutamente todas as cerimônias litúrgicas do ritual católico, e sempre com o repertório polifônico a lãs destinado. As primeiras notícias dos rituais da Festa dos Passos e Semana Santa em São João del-Rei remontam ao século 18 e à criação das Irmandades de Passos e do Santíssimo Sacramento. Merece especial destaque o canto dos Ofícios de Trevas e os cantos solenes da Paixão (no Domingo de Ramos e na Sexta-Feira Santa), que, em sua forma tradicional de alternância de canto gregoriano e polifonia, caíram em desuso no mundo inteiro.
O repertório da Semana Santa pode ser dividido em dois blocos diferentes. No primeiro, situam-se obras que se tradicionalizaram e são retomadas a cada ano, como o Ofício de Ramos, os Ofícios de Trevas (Matinas e Laudes de Quinta, Sexta-feira e Sábado Santo, cantados na noite de Quarta e nas manhãs de Sexta-feira e de Sábado da Semana Santa), o Ofício de Sábado Santo e o Regina Coeli, todos do Padre José Maria Xavier (principal compositor são-joanense do século 19), assim como peças isoladas como o Domine tu mihi lavas pedes (cerimônia do Lava-Pés), o Adoramus te Christe, o Christus factus est e os Tractu e Bradados da Paixão segundo São João, o O vos Omnes de Martiniano Ribeiro Bastos, o Miserere, o Popule meus, os Motetos para a Procissão do Enterro e os Motetos para a Procissão da Ressurreição de Manoel Dias de Oliveira, o O vos Omnes de Presciliano Silva, o Stabat Mater de João da Mata e as Partes Variáveis de todas as Missas da Semana Santa, para as quais houve adaptação dos novos textos litúrgicos e Responsórios de Antônio dos Santos Cunha.
Em outro grupo, estão obras variáveis a cada ano, como as Aberturas executadas antes das missas de Quinta-Feira e Domingo de Páscoa, as Missas solenes de Quinta-Feira Santa e Domingo de Páscoa, os Solos ao Pregador da cerimônia do Lava-Pés e da coroação de Nossa Senhora, outras peças incluídas no longo momento da Adoração da Cruz e da Comunhão na Ação Litúrgica de Sexta-Feira da Paixão, assim como as Marchas Finais das cerimônias do dia de Páscoa.
Como pode-se ver pelo repertório citado, a Festa dos Passos e a Semana Santa valorizam a produção de compositores locais, abrangendo longo período histórico, partindo dos setecentistas Manoel Dias de Oliveira (que foi organista na vila de São José del-Rei, atual Tiradentes) e Antônio dos Santos Cunha, passando por compositores oitocentistas como o Padre José Maria Xavier e Presciliano Silva, e chegando a compositores que tiveram atuação musical até inícios do século, como João da Mata e Martiniano Ribeiro Bastos.
Não são desprezados, entretanto, os outros compositores brasileiros do passado, e freqüentemente são programadas peças de José Maurício Nunes Garcia e Francisco Manoel da Silva (Rio de Janeiro), André da Silva Gomes e Elias Álvares Lobo (São Paulo), por exemplo, e até estrangeiros diretamente relacionados com a música brasileira, como Frei José Marques ou Marcos Portugal (portugueses) ou Fernand Jouteaux (francês), por exemplo. Nestes casos, trata-se quase sempre de obras cujos manuscritos pertencem ao acervo da Orquestra Ribeiro Bastos.
*José Maria Neves é são-joanense, regente da Orquestra Ribeiro Bastos, doutor em Musicologia pela Universidade de Paris-Sorbonne e membro da Academia Brasileira de Música.
Fonte: Rádio São João del-Rei
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Padre José Maria Xavier . por Abgar Antônio Campos Tirado *
Reconhece-se no Padre José Maria Xavier um dos filhos de São João del-Rei que mais dignificaram sua cidade natal, por seus admiráveis méritos, tanto no campo das virtudes apostólicas como na vastidão de sua cultura e, de modo especial, por suas qualidades de extraordinário musicista, criador, antes de tudo.
Aspectos Biográficos
A vila de São João del-Rei, em princípios do século XIX, já não era mais o esplendoroso centro de mineração que tanto a projetara no século anterior, mas mantinha sua importância como movimentado polo social e comercial, tendo conseguido diversificar sua economia de tal forma que pôde garantir sua sobrevivência e assegurar seu progresso. No campo religioso era total a proeminência da Igreja Católica, com grande prestígio do clero e das ordens e irmandades religiosas, pertencendo à então Diocese de Mariana, criada em 1745.
Nesse contexto sócio-econômico, no dia 23 de agosto de 1819, nasceu o futuro sacerdote-compositor na já centenária Rua de Santo Antônio, na casa de número 112, filho do casal João Xavier da Silva Ferrão e D. Maria Benedita de Miranda, esta da ilustre estirpe dos Miranda, família de renomados musicistas são-joanenses à qual pertenceu José Joaquim de Miranda, pai da mencionada senhora, o qual no ano de 1776 fundara a velha Companhia de Música, depois Sociedade Musical Lira Sanjoanense, hoje Orquestra Lira Sanjoanense.
Além de José Maria, integravam a prole do casal as irmãs Teresa, Mariana, Maria Lina e Bernarda Luíza. O menino foi levado à pia batismal pelos viúvos, Capitão Jerônimo José Rodrigues e D. Maria Custódia, onde o sacramento lhe foi ministrado pelo padre coadjutor, Alexandre Joaquim do Amaral.
Desde cedo revelando invulgar inteligência, iniciou-se nas Letras com o renomado mestre Guilherme José da Costa e, na música, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, que dirigiu a hoje orquestra Lira Sanjoanense, de 1827 a 1846. Nessa mesma orquestra, José Maria atuou como menino-cantor (tiple) e como clarinetista e violinista. Sabe-se que também tocava viola, violão e piano (como clarinetista, em contrato firmado pela Ordem do Carmo com o dirigente da Orquestra, a 09/12/1837, o jovem musicista deveria receber quatorze mil réis anuais). Paralelamente às suas atividades musicais, inicia-se nos segredos da Gramática Latina, que tanto lhe valeriam em sua futura carreira.
Em 1838 conclui seus estudos preparatórios, após cursar brilhantemente a escola pública, sob a orientação dos mestres Reginaldo Pereira de Barros, Dr. Domingos da Cunha e do Cônego José Antônio Marinho, quando frequentou as chamadas aulas públicas de Latim, Francês, História, Geografia e Filosofia. A 23 de dezembro de 1839 recebe do Delegado Imperial da Instrução Secundária o Diploma de Mérito.
Sem prejuízo de suas atividades escolares, ajudava seus pais no orçamento doméstico, lecionando música, particularmente, nas casas e atuando como escriturário no escritório do advogado José Maria da Câmara, seu cunhado.
Impelido todavia por uma vocação que já dormitava em sua alma e que crescia no contato direto com as orações e cerimônias da Igreja, parte em 1845 para o Seminário de Mariana, decidido a tornar-se sacerdote. Possuidor de sólida formação humanística, faltava-lhe apenas o estudo da Teologia e aprofundamento na Liturgia. A propósito, convém lembrar que o mui conceituado e respeitado Seminário de Mariana, fundado por seu primeiro bispo, D. Frei Manoel da Cruz, sob o pontificado do notável Bento XIV, com a devida licença de Sua Majestade D. João V passada a 12 de setembro de 1748, vinha sofrendo grandes crises, tendo sido fechado e reaberto por três vezes, ocorrendo o último fechamento em 1842, tendo até mesmo sido transformado em quartel para tropas, durante a Revolução Liberal. Nessa ocasião, residia no seminário apenas um aluno, sem aulas para frequentar. Parece que funcionava apenas uma aula de Moral, destinada a alunos externos. Quando D. Antônio Ferreira Viçoso tomou posse da Diocese, a 16 de junho de 1844, esta estava vacante já havia 9 anos! Imediatamente procedeu esse grande e santo bispo à reabertura do seminário, providenciando a reforma do edifício e a organização das aulas com os mestres que pôde obter, recebendo os alunos que chegavam, sendo que já em janeiro de 1845 começava a funcionar, sob a direção do padre, depois bispo, João Antônio dos Santos, após ter ficado por breve período, como reitor, o padre Francisco Soares de Faria. Justamente nesse mesmo ano de 1845 ingressa José Maria Xavier no Seminário de Mariana, que, praticamente, estava renascendo para suas atividades. Talvez seja esse o principal motivo de, lá permanecendo apenas por 1 ano, ter José Maria recebido sua ordenação sacerdotal, evidentemente tendo sido considerada a já referida sólida formação humanística e, sem dúvida, religiosa, apresentada pelo seminarista em questão. Assim, já no dia 19 de abril de 1846 é ordenado presbítero por D. Antônio Ferreira Viçoso nos derradeiros dias do pontificado de Gregório XVI. A 23 de maio do mesmo ano, na Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, canta sua primeira Missa.
No ano seguinte, é nomeado Vigário do Rio Preto, cargo esse exercido com grande devotamento, obtendo, contudo, permissão para retornar a sua cidade natal, por motivo de saúde. Nesse mister permanecera de 21/02/1847 a 29/05/1848
Em São João del-Rei, exerceu cargos e funções diversas, a saber: Capelania no Colégio Duval, magistério no mesmo colégio e, mais tarde, em outras escolas; Vigário da vara de São João del-Rei, em 1854, cargo que exerceu por pouco mais de dois anos com extrema dedicação e devido rigor, o que lhe valeu aborrecimentos, mesmo com irmãos no sacerdócio, de quem exigia o integral cumprimento do dever; Definidor da Ordem Terceira de São Francisco, estando seu nome inscrito no Quadro de Benfeitores; Definidor, de 1855 a 1856, da Confraria de São Francisco de Assis e São Gonçalo Garcia, da qual foi extraordinário colaborador; Comissário da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, à qual se dedicou com sumo zelo (Eleição confirmada a 12 de outubro de 1859, pelo Revmo. Provincial Frei Luiz de Santa Bárbara Pereira); eleito em 1879 e 1880 Provedor da Santa Casa da Misericórdia, nesse encargo trabalhando incansavelmente, tanto na assistência espiritual e material aos doentes como, segundo ilustre médico, antecipando de cem anos métodos de administração hospitalar, além de promover a humanização no tratamento dos doentes mentais, levados a efeito nesse pioneiro nosocômio; membro da Conferência de São Vicente de Paulo, à qual tudo fazia para servir, não medindo os maiores sacrifícios; membro da Irmandade de N. S.ª da Boa Morte; Capelão, nos últimos tempos, da Irmandade dos Passos e da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, entidades às quais deu o melhor de si, distribuindo, entre os pobres, parte dos pequenos proventos recebidos, realizando igualmente diversos atos litúrgicos, principalmente funerais, sem remuneração alguma. A propósito, vale lembrar o aborrecimento sofrido, quando Capelão da Irmandade dos Passos, no dia 23/03/1879: Advertindo o Padre José Maria os responsáveis pelo abuso no toque de sinos ao ensejo das comemorações de Passos, foi ele aparentemente obedecido na véspera da festa; todavia, no dia seguinte, os sineiros, num desafio ao respeitado sacerdote, fizeram as campanas soar como bem lhes ditou o alvedrio (cumpre ressaltar que, na época, era forte, sobretudo na Europa, a onda do anticlericalismo ou de indiferentismo religioso, fruto de filosofias estribadas unicamente na razão e que já se vinham insinuando desde séculos anteriores, culminando no século XIX com filosofias antimetafísicas como o Positivismo e o Materialismo, juntamente com a revolução científica e industrial. Todavia, o ambiente em São João del-Rei e em cidades congêneres, era, por assim dizer, acentuadamente teocêntrico, sendo grande a autoridade da Igreja; nesse tipo de realidade, não era incomum, ao lado da extrema submissão às normas eclesiásticas, movimentos, isolados e esporádicos, de grande rebeldia). Em ofício datado de 29/04/1879 o Padre José Maria se dirige à Irmandade, relatando a Lamentável ocorrência, dizendo textualmente: "...........foram as torres d’improviso assaltadas (na Matriz até com arrombamento) por aqueles heróis de campanário, invictos atletas de ........... (empinar sinos) e que se julgam sobranceiros a qualquer coibição legal, máxime da Igreja".
Na política, chegou o Ilustre sacerdote a militar por algum tempo no Partido Conservador, abandonando-o motivado por algumas divergências, mas conservando os princípios.
Possuía o Padre José Maria um caráter irrepreensível e um grande amor à virtude, que o fazia levar uma vida austera, de rigorosa observância dos deveres de estado e de privação de prazeres, exceção feita ao cultivo da música, quando em determinados dias da semana se reunia com alguns amigos, para fazer música de câmera.
Sua sabedoria e prudência faziam-no sempre procurado para a solução dos mais diversos problemas, notadamente em delicados casos de consciência e em questões conjugais. Foram muitos também os que o quiseram como testamenteiro. Segundo seu amigo e biógrafo, Severiano Nunes Cardoso de Resende (08/11/1847 – 13/05/1920), caracterizava-o também certo pessimismo no que tangia a assuntos seculares, sendo comum, em questões secundárias, assumir posição antagônica a seus interlocutores, muito embora, nas causas realmente graves, fosse um eterno conciliador. Principalmente em seus últimos anos, quando levava a vida de simples sacerdote, dedicava-se com afinco ao estudo de línguas e de ciências, também lecionando, gratuitamente, para meninos pobres. Sua grande caridade fez com que, na terrível epidemia de varíola que assolou São João del-Rei em 1878, visitasse com freqüência os doentes, mesmo com alto risco de contágio. Seu amigo e também biógrafo Aureliano Correia Pereira Pimentel (20/11/1830 – 31/12/1908) nos conta que era o Padre José Maria o sacerdote que assistia espiritualmente os condenados à forca, nos instantes que precediam a consumação da pena capital.
O compositor
Senhor de vasta cultura, com especial inclinação para as Letras, era todavia na música que o notável clérigo demonstrava os mais elevados dotes, por ela nutrindo o maior interesse.
Correspondeu o período criador do Padre José Maria ao fastígio do Romantismo europeu, quando criava suas obras-primas um Schumann, um Chopin, um Mendelssohn, um Liszt, bem como Rossini, Bellini, Berlioz, Verdi, Wagner e tantos outros, romantismo esse já perceptível na obra de seu patrício e coestaduano, Padre João de Deus de Castro Lobo (Vila Rica, 1794 – Mariana, 1832).
Como compositor, o Padre José Maria revelava, a exemplo de Giuseppe Verdi, uma inesgotável inventiva melódica, sempre revestida de singelas harmonias e discreto contraponto, logrando alcançar belos efeitos com grande economia de meios. É comum em sua música aparecer a melodia principal na orquestra, frequentemente na flauta, no violino ou clarineta, muitas vezes passando de um instrumento para outro, ou ainda na flauta e clarineta em uníssono, enquanto a massa coral, como num acompanhamento harmônico, apóia a orquestra em blocos de acordes, visando, sem dúvida, a favorecer a compreensão do texto, antecipando, de muito, a prescrição do futuro Papa, S. Pio X. Surgem no coro muitas notas destacadas, quando as palavras são deliberadamente cortadas por pausas, soando cada sílaba isoladamente, como, por exemplo, em: "Et/in/ter/ra/pax/ho/mi/ni/bus/bo/nae/vo/lun/ta/tis", no Glória da Missa da Assunção. Outra característica é o frequente confronto sucessivo entre uma tonalidade maior e sua relativa menor. Se, no que diz respeito às vozes, o coro exerce amiudadas vezes a função de quase acompanhamento, o mesmo não se dá com os solos, duetos, tercetos e quartetos, que apresentam notável autonomia melódica. São também característicos os "crescendi" nos "tutti", que fazem lembrar o italiano Rossini.
Embora o Padre José Maria tenha assimilado processos utilizados por compositores europeus, principalmente os operistas italianos em voga na época, de quem, em suas primeiras composições, utilizou temas e sobre cujas obras trabalhou, é certo que conheceu bem seus antecessores mineiros, podendo-se ainda na música Xavieriana, tanto em aspectos melódicos como rítmicos, perceber traços nacionalistas, lembrando respectivamente a cantiga popular e ritmos de congada e de batuque, tudo isso, entretanto, dentro de um inconfundível estilo pessoal. Em algumas ocasiões é usada a forma cíclica (com o retorno de temas apresentados, tão largamente utilizada por seus contemporâneos europeus Franz Liszt e César Franck). A orquestração normalmente empregada se constitui de flautas, clarinetas, trompetes, trompas, oficleide, cordas e, às vezes, trombone.
A 27 de outubro de 1872, a 5ª Exposição Industrial Mineira, em Juiz de Fora, concedeu-lhe a Medalha de Prata por suas composições. Vindo o Imperador D. Pedro II a São João del-Rei, em agosto de 1881, para a inauguração da Estrada de Ferro Oeste de Minas, após assistir a uma cerimônia religiosa, anotou em seu diário de viagem: "A música do Te Deum foi a melhor que ouvi em Minas; dizem ser composição do Padre José Maria". O notável poeta satírico e músico barbacenense, Padre Corrêa de Almeida, era também fervoroso admirador das músicas do Padre Xavier, tendo deste recebido peças a ele especialmente dedicadas, como a Última Lição do 3º Noturno de cada um dos Ofícios de Trevas, que o primeiro cantava com esmero, durante a cerimônia própria, em São João del-Rei. Também Hermenegildo José de Souza Trindade, notável baixo e Diretor da Lira Sanjoanense por duas vezes, teve várias composições do Padre-mestre a ele dedicadas.
A obra do Padre José Maria Xavier é vasta, tendo o musicista e pesquisador Aluízio José Viegas (que, por sinal, prepara um livro sobre o compositor) catalogado já mais de cem composições, muitas delas de largas proporções. Considerando os inúmeros afazeres que lhe tomavam quase todo o tempo, depreende-se a enorme facilidade com que compunha.
A obra
Dentre as composições do Padre José Maria Xavier, sejam citadas: - Música completa para a Semana Santa – em que a Paixão e Morte de Cristo são sublinhadas de forma pungente, e por vezes, descritiva, como nos exemplos: O 2º Responsório do Ofício de Trevas de Quinta-feira Santa – rezado ao anoitecer de quarta-feira – "Vos fugam capietis" é escrito num fugato que sugere a fuga dos apóstolos; também no 8º Responsório do mesmo Ofício, no trecho "Sed festinat tradere me Judaeis", a música apresenta, nas cordas, desenhos ascendentes rápidos, descrevendo o fato de Judas apressar-se (festinat) para entregar Jesus. No 1º Responsório do Ofício de Sexta-feira Santa no "Velum templi scissum est", o desenho melódico descendente nas palavras "scissum est" sugere o véu do templo se rasgando de alto a baixo; logo a seguir, no "et omnis terra tremuit", a música apresenta um trêmulo, traduzindo o tremer da terra. Já no 7º Responsório do Ofício do mesmo dia, no trecho "Et sicut gigantes steterunt contra me", a voz de trompas de caça lembra os passos de gigantes.
Toda a música do Padre José Maria para os Ofícios de Trevas foi gravada pela Orquestra e Coro dos Inconfidentes, de Belo Horizonte, sob a regência do são-joanense Marcelo Ramos.
1) Matinas do Natal de N. S. Jesus Cristo – para quatro vozes e pequena orquestra. Obra composta em 1866 e impressa em Munique (Alemanha), em junho de 1885. É orquestrada para violino I, violino II, viola, baixos, oficleide, flauta, clarineta, trompete e trompas, além das quatro vozes (tiple, altas, tenor e baixa). Segue a forma geral das Matinas: Invitatório (Christus natus est nobis. Venite adoremus) – 1º Noturno (três Responsórios), 2º Noturno (três Responsórios) a 3º Noturno (dois Responsórios). Essa obra foi gravada integralmente pela orquestra Ribeiro Bastos, sob a regência do Dr. José Maria Neves, que é também autor do instrutivo folheto sobre o autor e obra, que acompanha o disco;
2) Matinas d' Assunção e Novena própria;
3) Matinas de Santa Cecília, da Conceição, do Espírito Santo, do Patrocínio de São José, do Sagrado Coração de Jesus e da Ressurreição;
4) Novenas de Santa Rita, de São Sebastião e de Nossa Senhora do Carmo;
5) Seis missas e cinco credos (na tradição luso-brasileira,a forma Missa compreendia o Kyrie e o Glória; e a forma Credo, o Credo propriamente dito, o Sanctus, o Benedictus e o Agnus Dei). Dentre as Missas, podemos citar a da Assunção (1851), que sugere a forma cíclica, voltando o tema do Kyrie no "Cum Sancto Spiritu". É uma bela composição, assim constituída: 1 – Glória in excelsis Deo (coro, com predominância do uníssono e orquestra); 2 – Laudamus te (terceto: soprano, alto e baixo); Gratias agimus (tenor-solo); Domine Deus e Qui tollis (quarteto vocal); Qui sedes (introdução-cordas/coral a capella/coral e cordas); Cum Sancto Spiritu (tema do Kyrie – coro e orquestra). Outra bela Missa é a do Espírito Santo; e a Missa nº 5, composta em 1880, foi impressa em 1884, em Munique. Essa última foi gravada pela Orquestra e Coro do 14º Inverno Cultural, da UFSJ, sob a regência de Paulo Miranda, sendo ao mesmo tempo lançada, em esmerada edição, a partitura dessa Missa. Também a Missa do Sábado Santo, chamada Missa de Catedral, já está gravada pela mesma orquestra e coro, sob a regência do referido maestro, gravação essa que aguarda reprodução.
6) Para os defuntos: Missa de Requiem – Responsórios Fúnebres – Dois Mementos – Ofício Fúnebre – Encomendação do Carmo e Encomendação de São Francisco;
7) Diversas antífonas, solos, hinos, ladainhas, Veni Domine, Glória Patri para novenas, Tractus, Popule meus, Adoramus te Christe, Bradados;
8) Três Te Deum(s) (o 3º pertencente às Matinas do Espírito Santo);
No campo da música não-sacra instrumental encontram-se valsas, minuetos (seis festivos e três quaresmais) e outras composições, de acordo com o estilo e gosto da época. Aqui poderia incluir-se a Abertura para o dia 14 de agosto (Trânsito de Nossa Senhora).
Doença, agonia e morte
Desde jovem, sempre foi delicada a saúde de padre José Maria, exigindo-lhe cuidados especiais. Indo ele certo dia, já sexagenário, podar arbustos em seu quintal, sofreu uma queda de boa altura. Foi o princípio do mal que o levaria ao túmulo.
Estando acamado havia menos de oito dias, percebendo a gravidade de seu estado, pediu fossem-lhe ministrados os sacramentos, sendo ele, em sua agonia, rodeado pelos parentes e pelo povo inconsolável. Perguntando-lhe o Dr. Cornélio Milward, médico que o assistia, sobre como se encontrava, respondeu-lhe: "Sinto-me morrer, doutor". Foram suas últimas palavras.
Precisamente às quatorze horas e cinqüenta minutos do dia vinte e dois de janeiro de mil oitocentos e oitenta e sete, falece o Revmo. Padre José Maria Xavier, presbítero do hábito de São Pedro. Foi dada como “causa mortis” diarréia e "paralesia consecutiva".
Desde o momento em que entrara em coma, os sinos de São João del-Rei faziam ecoar o toque de agonia.
No dia seguinte ao passamento, realizaram-se os funerais, simples na forma, conforme seu próprio pedido, mas riquíssimos no comparecimento das Ordens, das Irmandades e do povo em geral e, sobretudo, no afeto e no imenso pesar por todos demonstrados.
Após a missa de Requiem e encomendações (era o pároco na época o Revmo. Sr. Cônego Francisco de Paula da Rocha Nunan), seu corpo foi sepultado no cemitério da Confraria de Nossa Senhora do Rosário.
Durante muitos anos residiu o Padre José Maria, à Rua da Prata nº 86, em casa ainda hoje existente, a qual exibe um gracioso sótão, e que hoje restaurada, abriga consultórios médicos. Mudando-se posteriormente para uma casa em frente, hoje demolida, ali faleceu.
A humildade, a profunda fé e piedade cristã do ilustre morto se acham evidenciadas em seu testamento, datado de 13 de junho de 1885, em que, entre outras disposições, renova sua solene Profissão de Fé e de fidelidade à Igreja Católica, pede perdão a todos por qualquer ofensa, revela jamais guardar qualquer ressentimento de alguém, distribui entre seus parentes seus poucos bens, pede “toda ausência de pompa e muita simplicidade” em seu sepultamento, o qual se deveria realizar no Cemitério do Rosário, e solicita, principalmente, Missas em sufrágio de sua alma, bem como no de pessoas de sua família, concluindo com o apelo: "Em vez de coroas, marcha fúnebre, mausoléu, flores, poesias e necrológios eu prefiro e peço, pelo amor de Deus e por caridade, alguns Padre-Nossos e outros sufrágios constantes".
Reconhecimento
Além dos biógrafos citados, pesquisaram, entre outros, a vida do notável sacerdote os historiadores Augusto das Chagas Viegas, Sebastião de Oliveira Cintra e Fábio Nélson Guimarães, tendo este publicado um opúsculo especialmente dedicado ao compositor.
A música do Padre José Maria é executada principalmente em São João del-Rei, pelas bicentenárias orquestras Lira Sanioanense e Ribeiro Bastos, assim como em outras cidades mineiras, notadamente Prados e Ouro Preto, sendo que, em ocasiões especiais, tem sido apresentada em inúmeras outras cidades, até mesmo na França e nos Estados Unidos.
Em 1912, o poeta Bento Ernesto Junior idealizou erigir, em uma de nossas praças, um busto do grande musicista. Efetivamente, a 02 de maio de 1915, foi a herma inaugurada bem defronte à Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Discursaram durante a cerimônia o Padre João Batista da Silva e o venerando professor Antônio Rodrigues de Melo, já com 78 anos de idade e bastante doente (faleceria a 15 de julho do mesmo ano), este em latim, assim concluindo sua oração: "Beati qui viderunt et cognoverunt hunc sacerdotem flore aetatis! O felix patria quae germinavit, et docuit, et educavit, et elevavit eum ad apicem gloriae et immortalitatis!".
A Academia Brasileira de Música, fundada em 14 de julho de 1945, declarada "órgão técnico-consultivo para colaborar com o poder público, no estudo e solução dos problemas que se relacionam com o levantamento do nível cultural e artístico do Brasil" e que teve, respectivamente, como primeiro presidente e primeiro tesoureiro os imortais compositores Heitor Villa-Lobos e Oscar Lorenzo Fernandez, escolheu para Patrono de sua cadeira nº 12 o Padre José Maria Xavier. Foi seu primeiro ocupante Octávio Bevilacqua, pertencendo depois ao são-joanense Dr. José Maria Neves, lamentavelmente falecido em 2002, no vigor dos anos e das atividades.
As Leis Estaduais 811 e 825, de 13 e 14 de dezembro de 1951, criaram, em São João del-Rei, o Conservatório Estadual de Música, o qual pelo Decreto 4185 de 06 de março de 1954 se intitulou Conservatório Estadual de Música "Padre José Maria Xavier". A rua em que se situa o Conservatório, a antiga e formosa Rua da Prata, onde residiu e faleceu o emérito musicista, fora a 16/08/1898, rebatizada com seu nome, por força da Resolução nº 176 da Câmara Municipal, por indicação de seu vice-presidente e agente executivo em exercício, padre João Pereira Pimentel, filho do já citado Aureliano Pimentel.
Concluindo, pode-se afirmar ter sido o Padre José Maria Xavier uma pessoa extraordinária: como sacerdote, demonstrou heróicas virtudes (entre outras, modelo de observância do celibato, em uma época de relaxamento de costumes, não sendo incomum sacerdotes reconhecerem oficialmente filhos seus, como, por exemplo, o compositor carioca Padre José Maurício Nunes Garcia, o que, de certa forma, era bem aceito pelo povo); como artista criador, soube o Padre José Maria Xavier tornar profundamente místicas e angélicas melodias, harmonias e ritmos visceralmente humanos.
Para finalizar, com relação ao Padre José Maria Xavier pode-se dizer, parodiando o excelso Padre Antônio Vieira, referindo-se a Santo Inácio de Loyola: Padre José Maria Xavier, artista semelhante a tantos; Padre José Maria Xavier, artista sem semelhante.
Artigo publicado na Revista da Academia de Letras de São João del-Rei, ano II, nº 1 - 2006; páginas 163 – 173
* Abgar Antônio Campos Tirado é natural de São João del-Rei, MG. Com formação na área das Letras e da Música, é professor, palestrante, comentarista cultural, escritor, pianista e compositor, com obras já executadas no exterior. Foi diretor por vários anos do Conservatório Estadual de Música "Padre José Maria Xavier" de São João del-Rei, onde se aposentou. É sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei e membro efetivo da Academia de Letras da mesma cidade, bem como da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Também pertence ao Conselho Artístico da Sociedade de Concertos Sinfônicos de São João del-Rei e é conselheiro do Centro de Referência Musical, Professor José Maria Neves – CEREM.
Fonte: Blog de São João del-Rei
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Panorama musical em São João del-Rei
José Maria Neves
A música setecentista em São João del-Rei
A primeira notícia escrita de atividade musical em São João del-Rei data de 1717, quando o Governador da Capitania de Minas Gerais, Dom Pedro de Almeida e Portugal, conde de Assumar, fez uma visita a antiga vila.
O manuscrito de Samuel Soares de Almeida relata minuciosamente a recepção, descrevendo desde a marcha de entrada da comitiva na vila até a solenidade na Igreja Matriz, 'ao som de música organizada pelo mestre Antônio do Carmo'. Na Igreja foi entoado o Te Deum, 'que foi seguido por todo o clero e música, o que provavelmente indica uma forma alternada de canto em polifonia com os padres cantando um verso gregoriano e o conjunto musical respondendo com um verso musical, tal como se faz, ainda hoje, na cidade.
Daí em diante, o mestre Antônio do Carmo responsabiliza-se pela parte musical de importantes festas realizadas na vila. Em 1724 dirigiu a música na solenidade de benção da nova Matriz.
Quatro anos depois, organizou a música para a festa de São João Batista, promovida pelo Senado da Câmara, e, em 1730, os 'desponsórios dos Sereníssimos Príncipes Nossos Senhores'.
Em 1750 o Senado patrocinou as festas de São José, São Sebastião, São João Batista, Santa Isabel, Nossa Senhora do Pilar, Anjos Custódios, Corpo de Deus e Publicação da Bula, além das exéquias de Dom João V que foram celebradas com grande pompa em São João del-Rei.
Em 1786, o Senado contratou José Francisco Roma e Francisco Martins da Silva como regentes de dois 'coros', ou seja, conjuntos vocais e instrumentais, para executarem a música tanto da igreja como de terreiro e rua, incluindo 'três óperas cantadas', por ocasião das bodas duplas entre as casa reais de Portugal e Espanha.
Duas corporações musicais
Aos poucos, esta prática provocou a estabilização de duas corporações musicais, que se agregavam de modo a atender às necessidades das instituições religiosas e civis, tendo em vista que o amplo calendário religioso poderia causar a sobreposição de atividades, exigindo assim a existência de grupos musicais autônomos.
Estas corporações eram a Orquestra Lira Sanjoanense e a Orquestra Ribeiro Bastos, ambas sucessoras de grupos musicais criados, certamente, em no século XVIII.
Os dois grupos atuaram sempre de forma complementar, dividindo entre si as funções musicais das irmandades religiosas e do Senado da Câmara. Mas a convivência nem sempre foi pacífica, resultando de uma natural e saudável disputa os apelidos de 'rapadura' para os membros da Lira Sanjoanense e 'coalhada' para os da Ribeiro Bastos. As alcunhas poderiam se referir a cor da pele dos músicos ou, ainda, às instituições religiosas com as quais as orquestras firmavam compromisso. No entanto, sabe-se que ambas as corporações tocavam para instituições de brancos, pardos e negros e que, dificilmente, os membros da Ribeiro Bastos fossem todos brancos.
Música profana
A vida musical sãojoanense não se restringiu à ação de suas orquestras sacras. Em diferentes momentos, a cidade contou com diversos conjuntos musicais, como o de Lourenço José Fernandes Braziel que se extinguiu em 1833, e a Filarmônica Sanjoanense que funcionou até princípios deste século, promovendo concertos, bailes e participando de apresentações teatrais.
No século atual, a cidade conta com a Sociedade de Concertos Sinfônicos, fundada em 1930. A instituição é a principal responsável pela difusão da música profana na cidade, sobretudo em relação a produção de operetas, que alcançaram notável sucesso popular.
Diversas bandas de música marcaram época na cidade, especialmente a Banda do Regimento de Infantaria Tiradentes, a Banda do Asilo São Francisco, a Banda Santa Cecília e a Banda Municipal, sem falar na quase centenária Banda Theodoro de Faria. Na música popular, destacam-se variados conjuntos de jazz e música instrumental.
Orquestra Lira Sanjoanense
A Orquestra Lira Sanjoanense nasceu do grupo musical que assumiu compromisso com a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário em 1776. Liderado pelo mestre José Joaquim de Miranda era conhecida inicialmente como 'Companhia de Música', adotando o nome atual somente no século XIX.
Desde o início, prestou serviços musicais também para a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, Arquiconfraria de Nossa Senhora das Mercês e as irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte, de São Gonçalo Garcia, de São Miguel e Almas, do Senhor Bom Jesus dos Passos e alguns compromissos da Irmandade do Santíssimo Sacramento. Ainda hoje, executa a parte musical de três missas semanais (às quartas-feiras e aos domingos), das novenas e das festas em louvor aos santos patronos destas irmandades.
Em sua estrutura original, a Lira Sanjoanense era composta de um quarteto vocal (soprano, contralto, tenor e baixo), dois violinos, viola, violoncelo, contrabaixo, duas flautas e duas trompas.
O regente era o primeiro violino e as vozes femininas, soprano e contralto, eram cantadas por meninos e homens em falsete, já que as mulheres não podiam atuar em atos litúrgicos. Para as procissões e festas profanas, a Lira contava com uma banda de música, que deixou de existir neste século. A partir daí, a corporação passou a se dedicar somente à música sacra tocada nas igrejas.
Seu arquivo musical reúne não só enorme quantidade de originais e cópias de obras produzidas na região, mas também uma coleção significativa de obras trazidas na época da Corte, da Capitania de Minas Gerais e de outras regiões brasileiras. Entre os nomes consagrados da música regional, estão alguns regentes da Orquestra Lira Sanjoanense, conhecidos a partir de pesquisas feitas pelo maestro Pedro de Souza em arquivos religiosos da cidade.
O compositor Padre José Maria Xavier, expoente maior da música do século XIX na região do Rio das Mortes, foi músico da Lira Sanjoanense. Considerado um verdadeiro reformador do repertório religioso local, algumas de suas obras tornaram-se tradicionais em celebrações como o Natal e a Semana Santa, substituindo obras setecentistas destinadas às mesmas solenidades.
A preocupação com a formação de jovens músicos fez surgir, recentemente, um coro infantil e, também, um curso especial de violino, que motivou a criação de uma orquestra de câmara, cujas apresentações alcançam sucesso em São João del-Rei e cidades vizinhas. Muitos de seus músicos têm procurado aprimoramento musical, buscando formação superior até mesmo no exterior.
Orquestra Ribeiro Bastos
Não existem documentos que registrem a criação da Orquestra Ribeiro Bastos, embora possa se supor que a corporação descenda de um dos dois grupos musicais atuantes na Vila de São João del-Rei desde meados do século XVIII.
A Ribeiro Bastos mantém, ainda hoje, a maioria de seus compromissos tradicionais com a Ordem Terceira de São Francisco de Assis e com as irmandades de Nosso Senhor dos Passos e do Santíssimo Sacramento feitos naquela época. Três missas semanais (às quintas-feiras, sextas- feiras e aos domingos), novenas e festas religiosas como a Semana Santa e o Corpus Christi, patrocinadas por aquelas irmandades, têm sua parte musical executada pelos músicos da orquestra.
A orquestra possui importante coleção de manuscritos musicais, constituído principalmente de obras destinadas às celebrações religiosas de sua responsabilidade, como também inúmeras partituras de músicas de salão do final do século XIX e início do século XX, quando muitos de seus músicos tocavam para o cinema mudo.
Nesta época, a Ribeiro Bastos participou ativamente de espetáculos profanos, como a 'Festa Musical da Orquestra Ribeiro Bastos', em 1888, quando o grupo se apresentou antes de uma peça teatral. Esta prática musical acabou por propiciar a formação do Clube Ribeiro Bastos, que promoveu concertos até pelo menos 1936. Entre 1901 e 1920, o Clube organizou uma série dos chamados Concertos Populares, nos quais revelou importantes obras do repertório sinfônico e de câmara à comunidade são-joanense.
Até a primeira metade do século XX, a Ribeiro Bastos possuía orquestra e banda para atender às procissões e festas profanas. Uma desavença entre os músicos fez nascer a Banda de Música Theodoro de Faria, que assumiu os compromissos musicais da Banda Ribeiro Bastos.
A formação de jovens músicos sempre foi uma preocupação da Orquestra Ribeiro Bastos.
Curiosamente, estes músicos têm buscado se profissionalizar, rompendo com o amadorismo que se verificou a partir deste século, quando as centenárias corporações passaram a contar com integrantes preocupados, sobretudo, em preservar a prática musical herdada a despeito de sua capacidade técnico-artística.
Banda de Música Theodoro de Faria
Com quase cem anos de existência, a Banda de Música Theodoro de Faria é a mais tradicional da cidade. Surgiu em 1902 a partir de uma ruptura entre músicos da Orquestra Ribeiro Bastos, quando parte deles acompanhou o mestre Augusto Teodoro de Faria e fundou uma nova corporação musical.
O mestre Teodoro de Faria esteve à frente da corporação até 1917, quando o maestro Teófilo Inácio Rodrigues assumiu sua direção, dando-lhe o nome e a estrutura jurídica atuais. Desde 1967, a banda possui sede própria na rua Santo Antônio, onde estão localizadas também as centenárias orquestras de música sacra da cidade.
Seu arquivo musical, proveniente da Orquestra Ribeiro Bastos, reúne importantes manuscritos dos séculos XVIII e XIX. Como no passado, a corporação tem como preocupação a formação de novos músicos, já que muitos de seus integrantes acabam por fazer carreira como músicos militares.
Assim, desde 1917 a banda mantém uma escola de música gratuita.
Há quase um século a Banda de Música Theodoro de Faria assegura a parte musical das procissões realizadas pelas irmandades, confrarias e ordens terceiras de São João del-Rei, e participa também das festas populares da cidade.
Fonte: P A T T A P I
Edição nº 20 . Agosto de 2007
EDIÇÃO ESPECIAL DEDICADA AO VII FESTIVAL INTERNACIONAL DE FLAUTA EM SÃO JOÃO DEL- REI
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Monografia Padre José Maria Xavier . Maria Salomé Viegas
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Intercâmbio Musical . Nilo Melo
Em viagens constantes aos Estados Unidos e Canadá, onde representa empresa multinacional fabricante de arcos para violoncelo e violino, o diretor de Turismo da ACI del-Rei, Nilo Melo, não só conhece as melhores lojas, escolas de música e orquestras dos dois países, como fez inúmeras amizades no meio musical. Por tudo isso, já intermediou a vinda de grupos musicais norte-americanos que se apresentaram gratuitamente no Inverno Cultural e em outras ocasiões, agindo informalmente como embaixador cultural. Nascido em Betim, são-joanense pelo entusiasmo e valorização da cultura local, sua influência junto aos grupos musicais americanos e canadenses têm beneficiado diversas entidades musicais da cidade.
Na última quarta-feira, 18, Nilo Melo entregou à Banda Theodoro de Faria um bombardão, belo instrumento de fabricação americana, doado pela Fundação Sigma, Alpha, Iota (SAI). Fundada em 1903, na Carolina do Norte, por um grupo de musicistas norte-americanas, a instituição vem há décadas desenvolvendo relevante trabalho em prol da música em países como a Guatemala, Paquistão, Cuba e agora, o Brasil. Após mais de um ano de espera, com a ajuda de amigos que coordenam o escritório da SAI, em São Francisco (Califórnia), além do empenho pessoal de Nilo Melo, a Banda Theodoro de Faria entrou na lista de beneficiados da entidade. Além do bombardão, Nilo já conseguiu instrumentos como flautas, centenas de partituras, arcos para instrumentos de corda e novos uniformes para a banda já constam em sua lista de prioridades. Espera-se que atitudes como esta possam sensibilizar autoridades, instituições e empresas locais no apoio às corporações musicais da chamada “terra da música”
Fonte: Gazeta de São João del-Rei 21/11/09