São João del-Rei, Tiradentes e Ouro Preto Transparentes

a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

ser nobre é ter identidade
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Melhores Práticas

A Presença Africana em São João del-Rei

Descrição

Veja também: A presença italiana em São João del-Rei e Minas Gerais | A presença Sírio-libanesa em São João del-Rei | A presença portuguesa em São João del-Rei

Padre José Maria Xavier . Maria Salomé de Resende Viegas

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Em São João del-Rei, nem tudo que reluz é ouro!

Se te parassem na rua e, sem mais, te perguntassem qual a contribuição cultural que os africanos, eles próprios e seus descendentes, deram para a formação da identidade são-joanense, na ponta da língua o que você responderia?

Certamente você demoraria alguns segundos para pensar e apontar alguns exemplos, muitos deles do tempo do ouro e sem nenhuma conotação cultural, mas relacionados ao trabalho braçal, primitivo, pesado, na base mais rasteira da escala produtiva, não é mesmo? Cortar e carregar pedra para a construção das pontes e das igrejas, para a construção civil e para o calçamento urbano. Faiscar e garimpar nas betas e, também como fruto do trabalho escravo, dar conta de todos os serviços da casa grande e das propriedades de seu senhor.

Muito pouco, você não acha? Mas também muito fácil de compreender. Vamos lá: se fosse feito um censo de cidades, no quesito cor, muito possivelmente São João del-Rei se autodeclararia uma terra morena.

Me diga uma coisa: e esta tão grande quantidade de pessoas negras, de vários tons de pele, que a gente vê o dia inteiro em todas as partes da cidade? Do Tijuco a Matosinhos, do Bonfim ao Senhor dos Montes? No comércio, nas ruas, nos bancos, nas igrejas, nas farmácias, nas repartições públicas, nos supermercados, nos jardins da avenida...

Morena é uma cor que não existe na classificação que o IBGE usa para identificar a população brasileira, porém. no assunto em pauta, é simples compreender..Em São João del-Rei, assim como em outras partes do país, quem não é branco, nem preto muito escuro ou negro retinto, é tudo moreno. Moreno claro, moreno escuro, moreno-jambo, cor de canela, moreninho... Esta é uma discussão que dá pano pra manga, ou melhor, para a manga, para gola, para os bolsos e para a roupa inteira , mas não desviemos do nosso caminho.

Voltando à pergunta desta nossa prosa, qual a contribuição cultural que os africanos e seus descendentes, em nossa região, deram para a formação da identidade são-joanense? Vamos em partes, começando pelo que é mais visível e conhecido.

Cidade da Música, não é assim que São João del-Rei gosta de ser chamada? Pois é. Qual era a cor de muitos dos músicos e maestros que, a partir do século 18, compuseram as músicas de nossa Semana Santa e das missas cantadas, novenas, ladainhas, Ofício de Trevas, Te Deum's e outras liturgias católicas, que só são realizadas aqui? Padre José Maria Xavier, Presciliano Silva, Martiniano Ribeiro Bastos, João Francisco da Matta e tantos outros? E mais: qual é a cor de muitos músicos de nossas bicentenárias orquestras, que até hoje mantêm vivo um repertório sacro reconhecido mundialmente? E de nossas bandas de música? Lembremos que a Orquestra Lira Sanjoanense chegou a ser apelidada de "Rapadura", pelo tom escuro da pele de seus músicos.

Cidade onde os sinos falam, é assim que São João del-Rei se apresenta para o Brasil e para o mundo. Subir nas torres e atravessar de uma para outra, passando pelo telhado da igreja, não é para qualquer um, assim como colocar o sino a pino, tocar, dobrar e repicar, repetindo exatamente o que se aprendeu pela observação. Além de força, disposição, gosto e entusiasmo, a atividade sineira requer memória apurada, atenção redobrada e muita dedicação. Há quem diga até que o famoso toque "A Senhora é Morta", executado no dia 14 de agosto, foi musicalmente composto por um escravizado que pertencia à Sinhá Ana Romeira.

Se música é festa e alegria - e a cultura negra é a celebração disto tudo -, então entramos no terreiro da cultura popular, com toda sua riqueza e espontaneidade. Folias de reis, congados, pastorinhas, os antigos Zé Pereiras, ranchos carnavalescos, populares escolas de samba. Desprovidos de erudição e com poucos recursos financeiros e educacionais, em que fonte os líderes dos grupos espontâneos e os dirigentes das agremiações carnavalescas antigamente bebiam para criar seus cortejos e desfiles, suas cantigas, sua sonoridade percussiva, seus trajes, coreografias, suas marchas-rancho, seus enredos, seus sambas, fantasias e alegorias?

O protagonismo institucional dos negros em nossa terra antecede até mesmo a criação da Vila de São João del-Rei, ocorrida em 1713. Cinco anos antes, em 1º de junho de 1708, foi instituída a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos - a primeira irmandade são-joanense e a mais antiga irmandade de negros em Minas Gerais. Somente por este fato já se pode ter ideia da pujança e da importância dos africanos e seus descendentes em nossa terra naquela época, quando intensificava o povoamento do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar do Rio das Mortes. A capela de Nossa Senhora do Rosário, patrona daquela irmandade, já estava erigida em 1719. A imagem da padroeira foi entronizada em 1720, poucos meses antes da criação da Capitania de Minas Gerais.

Apesar de ter sido nos séculos 18 e 19 uma agremiação de escravos, a Irmandade do Rosário dos Pretos de São João del-Rei era uma instituição forte, importante e socialmente muito representativa. Tanto que, segundo os professores Silvia Brugger e Anderson de Oliveira, a Irmandade do Rosário de nossa cidade tinha até uma "embaixada benguela", para reunião dos negros, com intuito de fortalecer as raízes africanas da emergente cultura afro-brasileira, que começava a nascer, e também de solidariamente socorrer os irmãos negros desamparados, desassistidos e necessitados.

Mesmo falando apenas sobre o aspecto cultural da contribuição africana para a formação da identidade são-joanense, o que conversamos acima é muito pouco e se refere, basicamente, aos séculos 18 e 19. Não discorremos sobre a culinária, a sabedoria popular, religiosidade, vocabulário e modo de falar, gestual, filosofias e visão de mundo segundo as muitas e diversas culturas africanas. Nem sobre as contribuições mais recentes e as atuais, sobretudo no campo do saber formal, da educação, da ciência, das artes, da música, da literatura, e tantos outros.

Desdobrar estes assuntos fica para uma conversa futura, mas enquanto isto não acontece, tenha sempre em mente que, em São João del-Rei, nem tudo o que reluz é louro!

Texto e foto: Antonio Emilio da Costa

Fontes:
https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/historiador-da-ufsj-lanca-livro-sobre-musicos-negros-no-seculo-xix-e-sobre-a-tradicao-musical-de-sao-joao-del-rei/1493/

https://diretodesaojoaodelrei.blogspot.com/2012/06/irmandade-do-rosario-dos-pretos-de-sao.html

https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/23247/16637

https://www.scielo.br/j/tem/a/CLL4ykvWvWVs9ZcXNjMj56d/abstract/?lang=pt

https://www.scielo.br/j/tem/a/CLL4ykvWvWVs9ZcXNjMj56d/?lang=pt

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Ofício de Trevas por Marcelo Ramos

Orquestra Sinfônica e Coral Lírico de Minas Gerais Eliseth Gomes, soprano / Luciana Monteiro, mezzo soprano Robert Blake, tenor / José Carlos Leal, baixo Texto do maestro Marcelo Ramos, que fez a edição e revisão das partituras, além da regência e direção geral do projeto: Sempre ouvi o Ofício de Trevas desde criança e, na adolescência, comecei a participar da celebração como coroinha na Catedral do Pilar. Todos nós que ouvíamos essa música uma vez ao ano, sabíamos que se tratava de uma obra de qualidade. Ao propor este projeto, imaginei retribuir a alegria que esses momentos me proporcionaram, imortalizando o Padre José Maria, neste que é o primeiro registro profissional de sua obra. Para realizar esse sonho, contei com a colaboração da Fundação Clovis Salgado, através de seus corpos artísticos - Orquestra Sinfônica e Coral Lírico de MG, residentes no Palácio das Artes em Belo Horizonte. Dedico este trabalho primeiramente a meu pai, o compositor Geraldo Barbosa (1938-2011), e a todos que, como eu, querem ouvir as matinas e laudes do Padre José Maria Xavier mais de uma vez ao ano! Histórico: O Ofício rezado solenemente nos três dias que antecedem o Domingo da Ressurreição é denominado Ofício de Trevas. Esta parte do Ofício Divino expressa, de modo admirável, através das orações, salmos, lamentações, leituras e responsórios, os sentimentos que envolveram Nosso Senhor Jesus Cristo na sua Paixão e Morte. A tradição que envolve o ofício é antiquíssima. Esta denominação de Trevas está envolvida num contexto ritualístico, extremamente rico em simbologia, e merece uma justificativa litúrgica. Desde o séc. VII, celebra-se com orações as exéquias do Senhor. No séc. VIII, a liturgia franco-romana já conhecia o apagar das luzes durante o ofício. Desde o séc. XII, o nome Ofício de Trevas indicava a oração noturna (matinas e laudes) do ofício divino. As matinas e laudes rezadas seguidas contam 14 salmos, 9 leituras (incluindo 3 lamentações do profeta Jeremias em latim) e 9 responsórios. É "de trevas", pois, no decorrer dele, apagam-se sucessivamente as 14 velas em memória das trevas que cobriram a Terra na morte do Senhor. Para este fim, usa-se um candelabro triangular com 15 velas. A vela da ponta, a 15a., representa o Cristo. As outras representam os 11 apóstolos e as 3 Marias. Segundo vários autores medievais, apagar uma vela após cada salmo significa o abandono de Jesus por seus seguidores, principalmente no horto. A liturgia antiga colocava a última vela acesa atrás do altar para trazê-la de volta mais tarde, ao amanhecer, simbolizando assim a morte e ressurreição do Senhor; em São João del Rei (MG), esta tradição permanece intocada até os dias de hoje. No final do ofício, cantado em latim, era costume fechar os livros com força exagerada ou bater os pés no chão com veemência, simbolizando o terremoto que acompanhou a morte de Jesus e a destruição de Jerusalém. Texto de J. Dângelo que acompanha o CD: O Ofício de Trevas é, na realidade, o início de todo um ritual, quase em extinção, das solenidades da Semana Santa. Em São João del Rei, elas conservam-se intocadas, precedidas de uma faina e um labor coletivos. Nas sacristias, bastidores bentos deste grande palco religioso, é de ver-se os preparativos ritualísticos para a grande festa barroca. Reformam-se as tochas, rebordam-se paramentos, ornamentam-se as tribunas, povoa-se de flores a capela do Santíssimo, lustra-se o esquife, repara-se o pálio, fazem-se brilhar lanternas e custódias, enjarreiam-se os andores, engoman-se as opas, lavam-se as alvas, passam-se os hábitos, providenciam-se cartuchos de amêndoas, asas de anjos, trajes de figurados, capacetes de centuriões, incenso para os turíbulos, montam-se palanques, preparam-se os músicos de orquestra e banda, lustra-se as pratarias das bancadas. Uma atividade frenética domina uma centena de colaboradores sem qualquer remuneração. É a fé que nos move? A todos? Não importa. O ritual permanece vivo. Biografia do compositor: https://pt.wikipedia.org/wiki/José_Ma...

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As origens africanas de nossa cidade estão presentes nessas 3 mestras de cultura congadeira. Nesse documentário, a Capitua Maria, Dona Mercês e Dona Belinha compartilham um pouco de si, sobre a tradição do Congado e deixam uma mensagem sobre o Dia da Consciência Negra para adultos e crianças. Projeto contemplado pela Lei Aldir Blanc (2020) Uma parceria do Congado da Maria e Efigênia Audiovisual. São João del Rei, MG Curta a página do Congado da Maria : https://www.facebook.com/profile.php?...

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Esse Rosário é Meu

https://m.youtube.com/watch?v=rbU7kIawRM4&t=12s

É um panorama afetivo desta riquíssima manifestação nas Vertentes das Minas Gerais, a congada. Porém, acima de tudo retrata o congadeiro, o negro brasileiro que resiste com astucias ao processo de transformação no tecido social suburbano e campestre. O filme procura investir, de forma poética, na reelaboração dos elementos simbólicos católicos sobrepostos ao texto ágrafo de origem africana, criando um sistema singular, um hipertexto enraizado na tradição oral.

Direção de fotografia e montagem: Antonio Gil Leal
Som direto e finalização de som: Antonio Carlos de Jesus
Camera adicional: Rafael Biondi
Material de arquivo: Andre Mendes
Produção: Zilvanildo da Silva Lima
Pesquisa: Natalia Cristina Oliveira
Produçåo e fotografias: Paulo José Oliveira Amaro
Projeto gráfico: Maria José Boaventura

Colaboração: Antônio Emilio da Costa


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