Alicerces da fé são revelados na capela de Nhá Chica
Às vésperas da beatificação, que deve reunir 40 mil católicos em Baependi, voluntários descobrem piso de pedras da capela em São João del-Rei, onde Nhá Chica foi batizada em 1810
Gustavo Werneck
Publicação: 01/05/2013 06:00
Na semana em que Francisca de Paula de Jesus (1810-1895), a Nhá Chica, será beatificada, em Baependi, no Sul de Minas, onde viveu por oito décadas, o anúncio de uma descoberta surpreende e joga mais luz sobre a história da filha de uma ex-escrava que dedicou seus dias à fé em Deus, humildade e solidariedade humana. De forma inesperada, um grupo encontrou o piso da Capela de Santo Antônio, no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, em São João del-Rei, Campos das Vertentes, na qual a menina foi batizada, em 26 de abril de 1810.
“Foi uma bênção, pois achamos o piso de pedras no dia 23, três dias, portanto, antes da data em que Nhá Chica foi levada à pia batismal”, diz o escultor Osni Paiva, autor da imagem oficial da beata, com policromia do restaurador Carlos Magno Araújo, que irá para o altar da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, conhecida também como Santuário de Nhá Chica, no Centro de Baependi. A festa de beatificação, no sábado, às 15h, deverá reunir cerca de 40 mil católicos.
A nova imagem de Nhá Chica, esculpida em cedro, com 1m de altura, seguiu ontem do ateliê em São João del-Rei para Baependi. Segundo Osni Paiva, a elaboração da peça seguiu orientações do bispo diocesano de Campanha, dom frei Diamantino Prata de Carvalho, à qual Baependi está vinculada. A partir da cerimônia em que a mineira se tornará Bem-aventurada Nhá Chica ou Beata Nhá Chica – etapa anterior à canonização, que significa se tornar santa –, a tradicional imagem da idosa sentada numa cadeira e mãos apoiadas num guarda-chuva vai mudar de figura. No altar, estará de pé, de braços abertos, significando acolhimento, semblante mais leve, veste cor-de-rosa e com um rosário na mão direita. Segundo especialistas, apenas os chamados doutores da Igreja podem ter imagens sentados numa cadeira. Anteriormente, Osni fez uma imagem menor, sem policromia, que foi publicada na capa da novena de Nhá Chica.
|
|
Voluntários encontraram o piso original da capela numa propriedade particular |
As ruínas da capela primitiva, erguida por volta de 1920 em taipa de pilão e desaparecida com o tempo, ficam na propriedade de José Antônio Rios, no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, a 12 quilômetros do Centro de São João del-Rei. “Sabíamos da existência do lugar e que ali havia sido batizada Nhá Chica também. Tendo em vista a proximidade da beatificação, decidimos pôr no local uma réplica da pia batismal, de granito”, conta Osni. A original está na igreja edificada em 1876, a três quilômetros da antiga, para onde foram transferidas as peças sacras. “Estávamos em equipe e um dos homens começou a furar o buraco para instalar a pia, quando a ferramenta bateu nas pedras no fundo. Então, começamos a escavar e vimos que sob a terra estava o alicerce do batistério, inclusive com a marca de onde ficava a pia”, revela o escultor.
Reconhecimento
“O dono da propriedade é muito religioso e nunca se opôs às nossas idas ao local. Há muito espaço para ser escavado e, com certeza, vamos encontrar o piso do restante da capela”, adianta Osni. A descoberta arqueológica, que o Estado de Minas apresenta com exclusividade e será publicado na revista Memória Cult, já mereceu avaliação do integrante do Instituto Histórico e Geográfico e Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, ambos de São João del-Rei, José Antônio de Ávila Sacramento. O alicerce fica numa profundidade de 90 centímetros.
“Trata-se de um precioso achado arqueológico que representa muito para a história da região da antiga comarca do Rio das Mortes, bem como para a memória de Minas e do Brasil”, diz José Antônio. Segundo ele, há registros de que, em 1722, na primitiva capela, foi instalado o Compromisso da Irmandade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno. No templo, casaram-se, em 29 de junho de 1724, Júlia Maria da Caridade e Diogo Garcia da Cruz (ela, ilhoa do Faial, arquipélago dos Açores), que se constituíram em importante tronco de uma descendência enorme, que se espalhou pelo território mineiro, São Paulo, Goiás e outros”, afirma.
Seis décadas de campanha
A solenidade de beatificação de Nhá Chica será no espaço G. A. Pedras, perto do Portal de Baependi, município de 18 mil habitantes a 380 quilômetros de Belo Horizonte. O secretário da beatificação, padre José Douglas Baroni, titular da paróquia de Santa Maria e reitor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, chamada popularmente de Santuário de Nhá Chica, supervisiona pessoalmente a montagem do altar e da infraestrutura do local, que receberá cerca de 40 mil pessoas, a maioria de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro.
A cerimônia terá missa e ritos presididos pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação da Causa dos Santos e representante do papa Francisco, do bispo de Campanha, dom Frei Diamantino Prata de Carvalho, cerca de 400 padres, governador Antonio Anastasia (PSDB) e postulador (advogadeo) da causa de beatificação, o italiano Paolo Vilotta.
A campanha pela beatificação de Nhá Chica começou em 1952 e foi concretizada graças ao reconhecimento do milagre concedido, por intecessão dela, à professora Ana Lúcia Meirelles Leite, de 68 anos, moradora da vizinha Caxambu e curada de problema cardíaco congênito. Em 28 de junho de 1995, ao completar 50 anos, ela ficou cega de repente. Rezou para Nhá Chica, de quem sempre foi devota, e logo recuperou a visão. A cegueira foi diagnosticada como isquemia transitória e, preocupada, a professora procurou especialistas, que pediram muitos exames. Novas rezas fizeram com que ela ficasse curada, sem que a medicina explicasse o fato. “Foi milagre obtido por intercessão de Nhá Chica”, conta a professora.
TOMBAMENTO
O conselheiro José Antônio de Ávila Sacramento lamenta que, apesar dos esforços, o sítio arqueológico ainda não tenha sido oficialmente protegido nem teve aberto o processo de tombamento pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de São João del-Rei. “A esperança é de que, com essa descoberta, o procedimento tenha sucesso. Quando presumimos que o ouro das nossas muitas Minas já (quase) se esgotou, há outras riquezas reservadas, ainda que temporariamente ocultas sob os caminhos da Estrada Real”, afirma o conselheiro. Ele teme, no entanto, pela segurança do sítio, localizado em um ponto ermo na mata: “As pedras do piso poderão ser quebradas ou levadas como relíquias da beata, pois a devoção a ela é grande, ou simplesmente furtadas”.
Fonte:
Estado de Minas . Colaboração Jane Maria de Andrade Araújo
obs: A imagem do altar da Igreja onde ela foi beatificada foi pintada por
Carlos Magno de Araújo . Artista plástico e restaurador
***
Registro civil tardio de Nhá Chica
Wainer Carvalho Ávila
Este é um momento histórico para os católicos brasileiros. Uma menina de mãe escrava, pobre, negra, analfabeta, com humildade e coragem assumiu um destino reservado a pouquíssimas pessoas chamadas à santidade, se levarmos em consideração o contexto social e econômico em que nós brasileiros vivemos.
Essa menina, na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial da Matriz de São João del-Rei foi batizada em 26 de abril de 1810, com o nome de Francisca. Hoje está em processo de beatificação na Santa Sé, com o nome de Francisca Paula de Jesus, a Nhá Chica, venerada em todo o Sul de Minas, cujo túmulo se encontra no interior do Santuário de Nossa Senhora da Conceição, na cidade de Baependi. Por sorte ou por possível capricho do destino, veio às mãos do Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva um livro de batizados do começo do século XIX que se encontrava desaparecido, onde constava o assento referente ao batizado da menina Francisca, como se verá com maior detalhe dentro da petição inicial e da sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de São João del-Rei.
Este fato vem dizer que a fé ainda é a força viva que move o mundo e que se você, leitor, tem a sorte de ser uma pessoa de fé, ajude-nos a levar em frente , com força e determinação, o processo de santificação de Nhá Chica, falecida há 116 anos em Baependi. O registro civil constante destes autos ocorrerá no dia 30 de abril em Rio das Mortes, com a presença do Revmo. Bispo Diocesano de São João del-Rei, Dom Frei Célio de Oliveira e toda a comunidade que crê no poder de intercessão da Santa Nhá Chica. Participe e apóie da forma que puder ou julgar mais conveniente. Certamente estará fazendo um bem e terá retorno em nome da mulher e santa que soube dar uma vida de 85 anos sem nada pedir mas tudo ofertando, na pobreza e na humildade - algo que está faltando a este mundo materialista.
Aguardemos com o maior interesse o anúncio que será feito por Sua Santidade Papa Bento XVI sobre a beatificação de dois luminares da fé católica: beatos João Paulo II e Nhá Chica, evidenciando que, mesmo considerando as distâncias de tempo e de lugar em que ambos viveram, a enorme e edificante fé os une e aproxima.
1) Petição Inicial
Exmo. Sr. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de S. João del-Rei, MG.
Os requerentes Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, sociedade civil com finalidades cientificas e culturais, sem fins lucrativos, CNPJ 18 994 319/0001-45, com endereço na Rua Santa Tereza nº 127-Centro (Casa mais antiga), São João del-Rei/MG, representado por seu presidente José Antônio de Ávila Sacramento; o Rotary Clube de São João del-Rei (Distrito 4580), entidade civil de direito privado, CNPJ 02 599 941/0001-70, com endereço na Rua Antônio Tirado Lopes, 51, Villa Marchetti, São João del-Rei/MG, representado pelo seu presidente Agnelo Alencar Dias; a Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito do Rio das Mortes, CNPJ 21 274 063/0001-06, com endereço na Rua Antônio Luiz Carvalho, 67, distrito do Rio das Mortes/São João del-Rei, representado pelo seu presidente Sérgio William de Oliveira, pela presente ação, com fundamento nos mais elevados e altruísticos interesses de São João del-Rei e região de sua influência, particularmente a comunidade de fé católica, por intermédio do advogado in fine assinado, inscrito na OABMG sob o número 11544 e constituído em virtude dos inclusos mandatos que passam a integrar esta peça vestibular, sustentado pelo Código Civil e disposições adjetivas civis pertinentes à espécie, vêm à presença de V. Exa. para, após a exposição constante dos itens abaixo, requerer a prestação jurisdicional pelos motivos de relevante valor moral, religioso, social e legal do presente feito.
Demandam os jurisdicionados signatários desta peça inaugural de justificação destituída de caráter contencioso, o REGISTRO CIVIL TARDIO da conterrânea FRANCISCA PAULA DE JESUS - NHÁ CHICA, cujos procedimentos canônicos, com trâmites na Santa Sé, encontram-se em fase avançada, o que culminará com a sua ascensão à dignidade de PRIMEIRA SANTA BRASILEIRA da Igreja Católica Apostólica Romana, para gáudio e orgulho da maior nação católica do planeta.
O que se pretende, MM. Juiz, com este procedimento regimental, com supedâneo nos artigos 50, parágrafos 4º e 52 em seu § 2º, todos da lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973, que versam sobre registros públicos, é o REGISTRO CIVIL, QUAE SERA TAMEN, da nacionalmente conhecida e venerada Senhora FRANCISCA PAULA DE JESUS, a qual está nos compêndios religiosos com a sublime e carinhosa alcunha de NHÁ CHICA, nascida no distrito são-joanense de RIO DAS MORTES PEQUENO (topônimo que poderá ser reabilitado, dependendo da representação política e da vontade do povo daquela comunidade).
O tema ora protocolizado e submetido à justiça encontra amparo legal nos artigos 75, 76 e 76 em seu parágrafo único do Código Civil e 3º e 4º do Diploma Processual Civil e estão evidentes a legitimatio ad causam, a legitimatio ad processum e o jus postulandi.
Esta causa, embutida nas razões expostas no presente petitório, transcende os limites do rigorismo legal e a rijeza e formalismos jurídicos, pois se uma causa for limitada ou sofrer efeitos de limitação por qualquer forma de imposição humana, produzirá, por conseqüência, efeito também limitado “limitata causa limitatum effectum producit.”
A veneranda e venerada senhora foi levada à pia batismal em Rio das Mortes, no dia 26 de abril de 1810 e assim está escrito ao receber o primeiro e mais importante sacramento da Igreja Católica (doc. junto):
FRANCISCA – aos vinte e seis dias de abril de mil e oitocentos e dez na capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial desta Matriz de São João del Re, de licença do Reverendo Joaquim José Alves batizou e pôs os Santos Óleos a Francisca, filha natural de Isabel Maria, e foram padrinhos Ângelo Alves e Francisca Maria Rodrigues todos daquela Aplicação. O Coadjutor Manoel Ant. de Castro.
É, portanto, este o único documento de que dispôs a imaculada Serva de Deus que semeou tanto sobre a terra que pisou, particularmente a nobre terra de Baependi-MG, onde foi reconhecida e continua merecendo o respeito e a admiração daquela gente sábia e culta, de princípios sólidos e decisões inabaláveis, conforme se extrai das obras ali existentes, de altíssimo cunho social e caritativo e onde se afirma terem ocorrido fatos considerados milagres pelas súplicas à Santa Nhá Chica.
Ainda com respeito à inabalável fé nela depositada, pede-se a especial atenção de todos que vierem a ter oportunidade de manifestação nestes autos, para os dois grandes e suntuosos Congressos ou Encontro de Estudos sobre Nhá Chica, Mulher de Deus e do Povo no Contexto da História. O Primeiro Encontro ocorreu nos dias 21 e 22 de maio de 2004; o segundo terá início em 16 de junho do corrente ano de 2006, A FIM DE DAR PROSSEGUIMENTO AOS TRABALHOS JÁ DESENVOLVIDOS E COMO PREPARAÇÃO PARA A BEATIFICAÇÃO DA SANTA DE BAEPENDI, (documento anexo que passa a ser parte integrante deste feito para posteridade e para que a História faça justiça aos eminentes promotores de tão altruísta iniciativa, que deveria ser, por nós, imitada).
O primeiro Encontro ou Congresso teve a participação de eminentes e cultuados professores, teólogos e filósofos, a exemplo dos estudiosos e pensadores José Nicoliello Viotti, Maria José Turri Nicoliello e Maria do Carmo Nicoliello Pinho; houve participação de conferencistas de destaque no cenário nacional, com a presença do Excelentíssimo e Reverendíssimo Dom Frei Diamantino Prata de Carvalho e Presidente de Honra o Arcebispo de Mariana Dom Luciano Mendes de Almeida. O segundo vem com acréscimo do cardeal Emérito Dom Serafim Fernandes de Araújo, na Presidência de Honra, e estará lembrando os 111 anos do falecimento da Serva de Deus.
Para nos situarmos no contexto histórico da época, era São João del-Rei a mais promissora das vilas, ao lado de Vila Rica do Ouro Preto, e foi escolhida como capital de uma das grandes comarcas da capitania mineira: a Comarca do Rio das Mortes. Em 1714 a Capitania das Minas Gerais sediava três importantes comarcas: a de Vila Rica, com sede na hoje Ouro Preto, a do Rio das Velhas, cuja sede era Vila Real, hoje Sabará e a terceira e talvez mais importante, a nossa de Rio das Mortes, que tinha seu fórum em São João del-Rei. A Comarca de Rio das Mortes, para a cobrança do quinto do ouro, teve dilatado o trecho da capitania que se estende do Ribeirão das Congonhas, nas divisas da Comarca de Vila Rica até à Vila de Guaratinguetá, pela serra da Mantiqueira ao sul, não lhe assinalando a linha do oeste, por se tratar, como explica Diogo de Vasconcelos, de sertão desconhecido. Modificações tiveram lugar em 1823, data da sedição de Ouro Preto, quando São João del-Rei sediou o governo da capitania durante todo o período de comoção, até que fosse restaurada a ordem. A importância política deste foro foi de tal ordem na colônia e de tal expressão para a coroa lusa que pouca atenção de dá, entre nós, ao estudo e à pesquisa histórica dessa “quadra” da história pátria.
As localidades de São Miguel do Cajuru e Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno tiveram presença sólida nesse período e na capela onde recebeu o sacramento do batismo, na pia de pedra-sabão ainda prestando seus sagrados serviços, FRANCISCA iniciou sua profícua vida religiosa e de muitos sofrimentos e perseguições, na sua condição de filha natural de mãe escrava. Na mesma capela, cujas pedras de alicerce ainda estão vivas e a cobrar sua reconstrução, foram feitas peregrinações memoráveis. Ali celebrou-se o casamento de Diogo Garcia da Cruz com a ilhoa Júlia Maria da Caridade, em 29 de junho de 1724, e em dois de janeiro de 1722 instalou se o Compromisso da Irmandade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, sendo Juiz o Cap. Pedro da Silva e manda que a “treze do mês de junho se celebre a festa do Bem-aventurado Santo Antônio, padroeiro desta nossa Irmandade com a maior devoção que e puder ser, a saber: Missa cantada ou rezada, sermão com sua procissão e será dada de esmola ao reverendo Vigário seis oitavas de ouro, e ao diácono e subdiácono duas oitavas de ouro a cada um”.
Auguste de Saint Hilaire fornece dois textos de real valia para elucidação do que deve ter acontecido e transcrevemos dois excertos, o primeiro com a seguinte redação:
Depois de me ter despedido de meu velho hospedeiro, o sr. Anjo, de sua filha D. Rita e de sua companheira D. Isabel, eu me pus a caminho. O velho Anjo chorou ao me abraçar e todos exprimiram o seu pesar com a minha partida. Anjo devia ter uns setenta anos, mas era muito ativo, ria e resmungava muito. Contudo, a todo instante dava provas da bondade de seu coração.”
Em 1822, voltando a São João del-Rei, o sábio pesquisador e explorador escreveu:
O Anjo e suas duas mulatas parecem rever-me comovidos (...) não foi sem emoção que deixei os bons habitantes do Rio das Mortes, que também tinham lágrimas nos olhos quando nos separamos... separamo-nos para sempre. Há nestas palavras algo de solene que sempre me causou profunda impressão quando necessitei dizê-las a quem tanto estimava”.
O conferencista do Primeiro Encontro, representando a Universidade Federal de São João del-Rei, Antônio Gaio Sobrinho, realizado em Baependi, em 2004, levanta considerações de que muito provavelmente NHÁ CHICA e sua mãe Isabel tenham sido escravas de seu padrinho Ângelo (nome que está na certidão de batismo) e se mudaram para Baependi após a sua morte, em 1823. Levanta ainda a hipótese que não pode ser desprezada de que Ângelo, o mesmo citado por Saint Hilaire como Anjo, seja o pai da menina, pois Ange, do francês, tanto pode ser Anjo como Ângelo. Levanta também, com propriedade, a devoção de Nhá Chica a Nossa Senhora da Conceição, quando a padroeira dos negros era Nossa Senhora do Rosário e, ainda, o fato de que NHÁ CHICA, mulher, analfabeta, negra e pobre, no terrível sistema discriminatório da sua época, se tornou mulher conhecida pela História. Realmente a História não guardou muitos nomes de mulheres e quando o fez retratou rainhas e princesas. Para ilustrar esta petição, e não dissertar interminavelmente, anexamos aos autos a conferência proferida por Gaio no Primeiro Congresso para Beatificação da senhora do Rio das Mortes (doc. acostado).
Contribuição valiosa vem do escultor sacro Osni Geraldo de Paiva que vasculhou baús e alfarrábios até encontrar a certidão de batismo da mãe de FRANCISCA, chamada Isabel:
Paróquia da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar
Diocese de São João del-rei
CERTIDÃO
Certifico que, às folhas 190 (cento e noventa”do Livro de Registro de batismos de 1780 a 1784, Tomo II, desta Paróquia encontra-se e do teor seguinte: IZABEL – Aos treze de outubro de mil e sete centos, e oitenta e dois na Capella do Cajurú filial desta Matriz o reverendo Capelão Gonçalo Ribeiro Britto batizou e pos os Santos Óleos a = Izabel filha de Roza Banquela solteira escrava de Costodio Ferreira Braga: forão padrinhos Victorino e Faustina pardos solteiros escravos de Dona Quitéria Correa de Almeida todos desta frequezia. / O Coad.tr Joaquim Pinto da Silveira.
Nada mais continha o dito assentamento, que foi fielmente copiado do original a que me reporto.
Ita in fide Parochi.
São João del-rei, 22 de abril de 2006.
Assinado: Mons. Sebastião Raimundo de Paiva
Pároco
O fato é validado pelos senhores Mons. Luiz Gutierrez, Frei Paolo Lombardo e Irmã Célia Cadorim in “Nhá Chica –A Pérola de Baependi”, pág. 27, trecho aqui transcrito:
Portanto, Francisca era filha de Izabel Maria, que era filha de Roza Banguela ou Benguela, (era comum designar os escravos pelo nome da região africana de onde provinham), solteira, escrava de Costódeo Ferreira Braga. No batistério de Francisca – como em quase todos relativos aos escravos – não consta o nome do pai, que terá sido um outro escravo ou alguém proprietário daquelas terras.
O advogado in fine firmado escreveu em outro processo do mesmo teor (Registro Civil Tardio do Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes – pela 3ª Vara desta Comarca) que a memória brasileira não é muito deificada e inquestionável é o misoneísmo mineiro, culminando com algum descaso que os pesquisadores e historiadores são-joanenses dedicam às personagens de nosso culto histórico. Partindo-se desta premissa não é raro encontrarem-se manuscritos ou qualquer forma de documento antigo jogado às traças, goteiras ou cupins, sem mencionar, por vergonha ou pejo, o que serve de pasto a roedores e de divertimento para vandalismo de não poucos. Mas há os que, por abnegação e a duros sacrifícios, tornam-se credores de nossa gratidão e perseguem os tesouros históricos a feros padecimentos, tesouros que revelam apenas o que sobrou da nossa História.
Lamentável é que há pouco interesse de nossas instituições, autoridades, pesquisadores a respeito desta mulher valorosa. Não é preciso ser religioso ou mesmo ter fé profunda para avaliar e aceitar o valor dela. Não é só pelo lado espiritual que ela tem importância para a comunidade são-joanense; sua obra representa muito e sua ascensão será boa para São João del-Rei. Não devemos permitir que ocorra com ele o que aconteceu com o Tiradentes e a Fazenda do Pombal, aqui pertinho e onde 90 por cento (talvez 99%) de nosso povo nunca foi e nem pretende ir. O Tiradentes, que nasceu em São João del-Rei e foi executado no Rio de Janeiro, tem o Governo Mineiro em Ouro Preto na data de sua imolação em holocausto. Não somos uma comunidade de reações conscientes; quase não temos voz e portamos subdesenvolvimento mental bastante conhecido, é excusado dizer mais.
Apenas com o fim de ilustrar, ouvi de Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva que um desconhecido apresentou-se portando um embrulho rústico e pedindo alguns vinténs pelo objeto. Aberto o estranho pacote, verificou o sacerdote que se tratava de um livro antigo de registro de batizados e que em seu bojo estava o assento de FRANCISCA PAULA DE JESUS.
Não há dúvida de que se persistirmos em descurar da reconstituição das verdades estaremos cometendo o pecado, ou o crime, de omissão, muito mais prejudicial que o da ação, como dizia o Padre Vieira:
Sabeis cristãos, sabeis príncipes. Sabei Ministros, que se vos há de pedir estreita conta do que fizeste; mas muito mais estreita do que deixaste de fazer. Pelo que fizeram se hão de condenar muitos; pelo que não fizeram, todos.
O filho ilustre desta terra, o mais ilustre de todos, Joaquim José da Silva Xavier, o Alferes Tiradentes, da mesma forma que FRANCISCA, não tinha documento conhecido. Por morte do religioso Alberto Bastos seus papéis velhos não encontrariam outra destinação senão a fogueira. Hoje estão nos autos da ação de Registro Civil Tardio do Tiradentes, sob o número 0625 05 048873-7, distribuída por sorteio para o juiz da 3ª Vara Cível. Do Fórum Carvalho Mourão, para gáudio e proveito das próximas gerações e desta urbe, terra-mater do Patrono Cívico da Nação Brasileira.
FRANCISCA, DÁDIVA DE DEUS AOS POBRES E AFLITOS é focalizada em sua individualidade de Serva de Deus nos contextos sócio-políticos e histórico-religiosos de sua época, bem como sua atualidade no século XXI, com reverências à sra. Anália Vilas Boas Sales Moreira, Notária do Tribunal pela Causa de Beatificação de NHÁ CHICA. Tudo nos leva a crer que chega a hora de a Santa Sé se pronunciar pela Beatificação, tais os documentos e provas no Vaticano, pois praticar o bem é a mais prática forma de devolver ao mundo os benefícios que dele recebemos e não há partida, quando as pessoas que partem deixam pegadas na terra em que pisaram (...) pois há os que levam muito e nunca há os que não levam nada.
Para nós a História foi pródiga em personagens e feitos, mas em favor dela, FRANCISCA, mulher ou santa ou mulher e santa, o que podemos dizer se formos perguntados? Estamos assistindo ao sublime trabalho desenvolvido pela sua ascensão ao altar dos Santos, onde reuniões e congressos se sucedem. O Segundo encontro será este mês no sul do Estado, pois no dia 14, 111 anos terão transcorrido de sua morte. E nós, são-joanenses, conterrâneos e irmãos de NHÁ CHICA de Rio das Mortes Pequeno, o que estamos fazendo?
É vasta já a literatura sobre a conterrânea e vai a citação de alguns autores e obras publicadas: “Virtudes e Devoção de Francisca Paula de Jesus – Nhá Chica”, de Monsenhor Geraldo Junqueira; “Francisca Paula de Jesus Isabel – Nhá Chica” de Monsenhor José do Patrocínio Lefort; “Anais, Primeiro Encontro de Estudos sobre Nhá Chica – Mulher e Deus e do Povo no Contexto da História”, compêndio de vários autores; “Nhá Chica, a Pérola de Baependi”, de Monsenhor Gutierrez, Irmã Cadorim e Frei Lombardo. De nossa cidade há publicações literárias sobre Nhá Chica, do professor Antônio Gaio Sobrinho e do pesquisador José Antônio de Ávila Sacramento. O Instituto Histórico e Geográfico local vem se empenhando na causa de Nhá Chica, com visíveis resultados (textos acostados).
Francisca poderá, sem dúvida, ser beatificada na visita do Papa Bento XVI ao Santuário de Aparecida. O Papa Sixto V criou a Sagrada Congregação dos Ritos com a Constituição Immensa Aeterni Dei, em 1588. Paulo VI, em 1969, fez a Constituição Apostólica Sacra Rituum Congregatio, com uma Congregação para o Culto Divino e outra para a Causa dos Santos com Departamento Judicial, do promotor Geral da Fé e o Histórico-Jurídico, conforme queria Pio XI em 1930. A Constituição apostólica Divinus Perfeccionis Magister, de 25 de janeiro de 1983 e as Normae Servandae in Inquisitonibus as Episcopis Faciendis in Causis Sanctorum criou o colégio de relatores para preparação das Positiones Supervita et Virtutibus (ou super martyrio) dos Servos de Deus, mudado para Congregação para Causas dos Santos, na Pastou Bonus, de João Paulo II, em 1988 e oStudium que tem a tarefa de cuidar da atualização doINDEX AC STATUS CAUSARUM. Pelos exemplos de santidade (pródigos em Nhá Chica), pelo martírio e virtudes heróicas o Santo Padre procede às canonizações e delega a celebração das Beatificações. É precisamente o que poderá estar em curso até a vinda de Bento XVI ao Brasil.
Ex positis, estabelecida a pretensão do registro civil, vem em nosso socorro o veredito do juiz Cândido José Martins de Oliveira, da Comarca de Montes Altos, Maranhão, e professor da Universidade Federal daquele Estado, in “Janelas Para a Cidadania”:
O registro civil tardio, com dificuldades de provas, com os pais do interessado já falecidos ou desconhecido o seu paradeiro, obtido mediante sofrida e dificultosa justificação, é muito mais uma facilidade ou um mero documento; significa um grau de libertação da exclusão pessoal em que se encontrava, resgatando a dignidade que já tinha direito como ser, mas também mediante consagração constitucional, dado que a Carta de 1988 lança a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito no artigo 1º, Inciso III”.
Para ilustrar, sem outro motivo, apenas com o escopo de fundamentar a legitimidade do pleito e da prestação jurisdicional, chama-se aos autos fato jurídico ocorrido em 1998. Não tendo sido localizado nenhum registro de Ana Maria de Jesus Ribeiro, divergiu-se, aqui e no estrangeiro, sobre a data e o local de nascimento da heroína ANITA GARIBALDI. Disputavam tal direito os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e as cidades de Viamão, São Gabriel, Mostardas, laguna e até montevidéu, no Uruguai, pois foi ali que contraiu núpcias com o carbonário italiano Giuseppe Garibaldi. A sentença do magistrado, ouvido o Ministério Público, reconheceu a nacionalidade brasileira e a naturalidade lagunense e determinou o registro tardio da “heroína de dois mundos”, conforme atestam documentos anexos, ilustrativos da argumentação em favor do pedido anteriormente exposto. Saliente-se que a combatente sulista não dispunha de registro de batizado, mas apenas de uma declaração constante de seu consórcio com um piemontês, no Uruguai.
Com FRANCISCA não estamos fazendo nenhum favor ao reparar u erro histórico e resgatar sua cidadania, visto que, sob aspecto legal rigorista, ela não existe. É a História que está a exigir que sua vida civil e jurídica esteja de acordo com as exigências legis modernas e civilizadas; que a sua genealogia seja restabelecida; que o liame seja posto e legitimado, com força de lei, quales principes, tales populi.
Devidamente instruído o pleito e cumpridas as formalidades legais e de estilo é o presente para que se proceda a averbação, por mandado a ser expedido ao Cartório do Registro Civil de Rio das Mortes, do assentamento de NHÁ CHICA,, constando ali o seu nome próprio – Francisca Paula de Jesus – e o que consta no documento batismal, ouvido o digno representante do Ministério Público, ou seja, como está no livro de 1808/18, verso, pág. 300, na Catedral do Pilar:
Aos vinte e seis de abril de mil oitocentos e dez, na capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial desta Matriz de São João del-Rei, de licença, o reverendo Joaquim José Alves batizou e pôs sos Santos Óleos a Francisca, filha natural de Isabel Maria. Foram Padrinhos Angelo Alves e Francisca Maria Rodrigues. O Coadjutor Manoel Antonio Castro.
Informam os peticionários que este registro casa-se perfeitamente com o que se encontra em seu inventário em Baependi e documentos ecumênicos do Bispado de Campanha, que poderão ser consultados ou ouvidos em Juízo, podendo o mandado adotar a forma prescrita em lei para o registro, que deverá ser cumprido no distrito de Rio das Mortes, comunidade que tem nos céus uma poderosa advogada, constando, inclusive, se necessário o nome da avó materna.
A partida de Izabel para o sul de Minas, com duas crianças, não encontra explicação lógica. Há registros de cativos forros, no Museu Regional do IPHAN, a exemplo de José da Nação Africana, “como se de ventre livre tivesse nascido” (Fazenda Jaguara – Nazareth), ou de Mariana Parda, da Fazenda do Pega-Bem, “por haver dela recebido cem mil réis”, em 1809 (o córrego do Pega-Bem fica em Rio das Mortes). Izabel de Benguela(Angola), se não amealhou recursos para sua manumissão ou o houve de alguma Irmandade Religiosa Parda, pode ter sido escorraçada por indesejada. É caso a merecer estudo e por este edital peço ajuda.
O alegado encontra guarida em arestos de nossos tribunais e pode ser provado por todos os meios admissíveis em direito, notadamente requisição de informes, juntada de documentos, pareceres de mestres versados na questão, provas testemunhais qualificadas e outros meios a critério de Vossa Excelência e seu honrado Juízo – magistratum legem esse loquentem. Anexando documentos que atestam a veracidade do exposto, dá-se à causa, para efeitos meramente de alçada, o valor simbólico de um mil reais.
Requer, finalmente, seja concedido aos autores o pálio da gratuidade judicial em vista de serem entidades filantrópicas e sem qualquer fim lucrativo, e, também, por tratar-se a questão de causa nobre e de elevado interesse público.
P. e E. deferimento.
São João d’El-Rey, MG, 14 de junho de 2006
(Data do 111º aniversário de falecimento de Nhá Chica)
Wainer Carvalho Ávila
OAB MG 11544
2) Decisão judicial (sentença)
Processo nº: 06 056045-9 - Registro Civil
Requerentes: Instituto Histórico e Geográfico de São João del Rei, Rotary Clube de São João del Rei (Distrito 4580) e Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito do Rio das Mortes
Sentença
Vistos, etc.
RELATÓRIO
Instituto Histórico e Geográfico de São João del Rei, Rotary Clube de São João del Rei (Distrito 4580) e Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito do Rio das Mortes, todos devidamente representados nos autos, aviaram a presente ação de justificação objetivando o registro tardio de Francisca de Paula de Jesus, conhecida como Nhá Chica, com base nos fatos e fundamentos contidos na inicial de fls. 02/11, aduzindo, em síntese, que a mesma é nascida neste Município e Comarca, onde, portanto, deve se fazer o respectivo registro tardio.
Com a exordial foram acostados os documentos de fls. 12/55.
Regularizada a representação processual, seguiu-se os autos com vistas ao M.P., cujos requerimentos constantes das fls. 61/65 resultaram, em parte, implementados.
Citou-se, por edital, possíveis interessados, e ainda, aos Institutos Históricos e Geográficos, Brasileiro e do Estado de Minas Gerais.
O feito foi saneado (fls. 136), tendo sido deferido prazo para que os autores implementassem as demais provas requeridas pelo Ministério Público.
Finalizada a fase de instrução pugnaram os autores pela procedência do pedido, reiterando a tese inicialmente sustentada.
O Ministério Público em seu parecer final opinou pela improcedência do pedido (fls.216/222).
Vieram-me os autos conclusos para prolação de sentença.
Este, em apertada síntese, é o relatório.
DECIDO.
FUNDAMENTOS
Não há questões de ordem a serem examinadas prefacialmente.
Comungo inteiramente do entendimento de que a pretensão ao reconhecimento da naturalidade de Francisca de Paula de Jesus, conhecida como Nhá Chica, encerra modalidade de tutela de interesse difuso, pela sua histórica representação ante a fé popular como serva de Deus, havendo notícias, inclusive, da tramitação, junto ao Vaticano, de processo de beatificação da mesma.
Tem, pois, esta ação, natureza de ação civil pública, resultando, desta forma, legitimados os autores, a teor do que, por analogia, de depreende do art. 5º, II da Lei 7.347/85.
No mérito, tenho que a procedência do pedido é medida que se impõe.
Cuido inicialmente de destacar que já tive oportunidade de julgar processo análogo a este, em que se pretendeu o registro tardio do grande herói nacional Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, cujo desate dado foi a extinção do feito sem resolução de mérito, ao entendimento de que o insigne Mártir da Inconfidência Mineira já tinha registro, elaborado conforme os ditames legais da época. Houve recurso da aludida sentença que, em segundo grau de jurisdição foi integralmente mantida.
Confira-se o julgado:
“AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO - REGISTRO TARDIO DE JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER ""TIRADENTES"" - AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO - INTERESSE DE AGIR - SENTENÇA TERMINATIVA - RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJMG, Apel. Civ. 1.0625.05.048873-7/001, Rel. Des.(a) BRANDÃO TEIXEIRA, J. 02/06/2009)
A meu sentir, no entanto, o presente caso tem particularidades que diferem daquelas retratadas no processo de registro tardio de Joaquim José da Silva Xavier.
E a essência de tal diferença é que, o que se tem do conteúdo do registro da época da pessoa de Francisca de Paula de Jesus, não a qualifica, efetivamente como pessoa, pelo simples fato que não havia referência a seu nome de família. E nem poderia. Nascida em 1810, Francisca era filha de escrava, Isabel Maria que, igualmente não tinha nome de família e, portanto, também escrava. É de se destacar que já naquela época as pessoas tinham sua efetiva identificação pelo nome de família.
Desta forma, a omissão em seu registro quanto ao seu nome de família, estabelecendo sua ascendência e efetiva identificação justifica a realização do registro tardio. No caso em tela, somente após o advento da abolição da escravatura é que Francisca teve nome de família agregado ao seu nome de batismo, de forma a identificá-la.
No caso dos autos, o registro importa em reconhecer a existência de uma pessoa devidamente identificável pelo nome de família, e constitui-se num dos direitos mais relevantes da personalidade.
Neste sentido, trago à colação o aresto que se segue:
“PEDIDO DE LAVRATURA DE ASSENTO DE NASCIMENTO - PESSOA SEM REGISTRO CIVIL - DIREITO DA PERSONALIDADE - INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ - OBRIGATORIEDADE - BUSCA DA VERDADE REAL. - O direito ao nome é um dos mais importantes direitos da personalidade e imprescindível para o exercício da cidadania e, assim, não se pode negar acolhimento à pretensão da pessoa que pretende ver lavrado o seu registro civil sem que tenham sido esgotadas todas as possibilidades de esclarecimento acerca de sua filiação e idade.- Havendo dúvida quanto a tais fatores e possibilidade de realização de outras provas que a parte não teve a iniciativa ou a oportunidade de apresentar, deve o Juiz, por cautela, proceder à dilação probatória, de ofício, objetivando-se alcançar decisão provida de maior grau de certeza, em vista da relevância da questão, com graves repercussões nas relações sociais. - No procedimento de lavratura de registro civil deve ser priorizado o princípio da verdade real.” (TJMG, Apel. Civ. 1.0024.06.132022-2/001, Rel. Des.(a) HELOISA COMBAT, j. 20/11/2007)
Neste sentido temos que a pretensão dos autores consiste no registro tardio de Francisca de Paula de Jesus, Nhá Chica. Fundamentam tal pedido com base na certidão de batistério obtida junto à Igreja Matriz do Pilar desta cidade, haja vista que o batizado ocorreu na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, distrito desta cidade, onde ela nasceu. Adotam o precedente consistente no fato que Anita Garibaldi teve deferido o seu registro tardio por decisão do MM. Juiz da Comarca de Laguna, no Estado de Santa Catarina, de forma a também fundamentar a pretensão deduzida.
Cuidei e examinar detidamente toda a documentação aportada aos autos.
Assim, vejamos.
Todo nascimento de pessoas católicas ocorrido no Brasil antes de 1º de janeiro de 1889 resultava demonstrado por força das certidões de batismo extraídas dos livros eclesiásticos. Isto significa que, naquele tempo, o batismo assinalava a existência da pessoa natural para todos os efeitos da vida civil.
Neste sentido confira-se a balizada doutrina que assevera, verbis:
“Carlos de Carvalho (Nova Consolidação das Leis Civis, Porto, 1915, art. 78) afirmava: “O nascimento das pessoas católicas ocorrido no Brasil antes de 1º de janeiro 1889 prova-se pelas certidões de batismo extraídas dos livros eclesiásticos e o das acatólicas pelos assentos do registro regulado pelo Decreto nº 3069, de 17 de abril de 1863, no art. 19.”(apud Wilson de Souza Campos Batalha, Comentários à Lei de Registros Públicos, Forense, 1997, p. 13).
Desta forma, tem-se que constituía atribuição da Igreja proceder aos registros de nascimentos através do assentamento do batismo, onde se fazia constar, tão somente, o nome do pai e da mãe legítimos. Quanto àqueles que não eram católicos “o registro era disciplinado pela lei de 11.09.1861, art. 2º, e pelo Decreto de 17/04/1863, arts. 19,31 e 47.”(ob. cit. p. 12)
Conclui-se, pois, com clareza meridiana que, para todos os feitos da lei civil, o assentamento de batismo, registrado em livro eclesiástico próprio assinalava a existência da pessoa natural para todos os efeitos.
Ocorre que, no caso em testilha, conforme se infere dos documentos de fls. 35/36/121/141, tem-se as certidões de batismo da pessoa chamada apenas Francisca, filha de Izabel Maria, tendo sido batizada em 26 de abril do ano de 1810, na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, conforme consta do Livro de assentos de batizados da freguesia de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del Rei, denominação à época desta cidade e Comarca de São João del Rei.
Conforme já salientado, àquele tempo era o registro do batismo que se prestava a assinalar a existência jurídica das pessoas cristãs. E neste diapasão, resulta evidenciado que a pessoa de Francisca teve seu registro realizado nesta cidade, no Distrito de Rio das Mortes Pequeno, que ainda hoje é denominado Distrito do Rio das Mortes.
Resta pois, a meu sentir, analisar, pelos elementos de prova aportados aos autos se Francisca, referida nas certidões de batismo mencionadas alhures é a mesma Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, de modo a justificar a realização do registro tardio, ante a inexistência de procedimento regular, capaz, pelas razões já alinhadas, de identificar a pessoa registrada com base no seu nome de família e não somente pelo prenome.
Com efeito, a certidão de óbito de fls. 143 corrobora com todos os demais documentos trazidos aos autos, e não só as certidões de batismo, mas também os trabalhos dos historiadores, que se encontram retratados nos livros “Nhá Chica - A pérola de Baependi” (2004), “Nhá Chica Biografia, por Helena Ferreira Pena (1951) e “Anais – I Encontro de Estudos sobre Nhá Chica” (2004). Vejamos ainda, que a referida certidão de óbito, obtida junto ao Oficial do Cartório do Registro Civil de Baependi, em 08 de abril de 2008, retratando o fato da extinção de Nhá Chica, noticia que ela é natural de São João del Rei.
Francisca, Francisca Isabel, por conta do nome de sua mãe, e posteriormente, Francisca de Paula de Jesus, nome que adotou, são a mesma pessoa, que ficou conhecida popularmente como Nhá Chica.
Todo o trabalho dos pesquisadores, que se encontram retratados nas obras literárias supra referidas, todas inclusas aos autos, soam unânimes nas suas conclusões, ou seja, que Nhá Chica, cujo nome era Francisca Isabel, e posteriormente Francisca de Paula de Jesus, que mudou-se ainda menina para a cidade de Baependi, nasceu no Distrito do Rio das Mortes nesta cidade de São João del Rei.
Igualmente, e no mesmo sentido, o trabalho de pesquisa realizado por Victorino Chermont de Miranda (fls. 126/130), encaminhado pelo Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (fls. 125), bem como o trabalho realizado pelo Sr. Adalberto Guimarães Menezes(fls. 119/120), encaminhado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais(fls. 118), e ainda, o conteúdo da declaração de fls. 139, firmado pelo Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, Pároco da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, nesta cidade de São João del Rei, os quais são merecedores de total e absoluta credibilidade.
Afinal, nenhum dos referidos documentos foram objeto de qualquer impugnação. E não poderiam ser diferente ante a coerência de seus conteúdos.
Com efeito, o que pretendem os autores é exatamente promover o registro tardio do nascimento de Francisca de Paula de Jesus, porque o seu registro, como realizado ao tempo do seu nascimento, não faz retratar, com a necessária individualização, a pessoa que se registrou. Esta particularidade, volto a gizar, é o que difere a pretensão deduzida neste processo daquele em que se pretendeu o registro tardio de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, registro sobre o qual não havia qualquer dúvida quanto à sua existência.
Fonte: Blog de SÃO JOÃO DEL-REI: Turismo, Cultura, História, Tradição e muito mais
***
Governador Anastasia comemora decreto papal sobre Nhá Chica
O governador Antonio Anastasia comemorou, nesta quinta-feira (28/06), o decreto do papa Bento XVI, reconhecendo milagre atribuído a Francisca de Paula de Jesus. Com a decisão, a partir de agora, Nhá Chica se torna a primeira bem aventurada brasileira leiga e afrodescendente.
“O reconhecimento dos milagres de Nhá Chica reforça a religiosidade da população de Minas Gerais. Também mostra ser o desprendimento, característica da vida de Nhá Chica, uma forma de construir um mundo melhor e mais humano”, afirmou o governador.
Filha e neta de escravos, a Venerável nasceu em São João Del Rey e viveu a maior parte de sua vida em Baependi, ficando conhecida por sua fé e seus atos de caridade. A fama de santidade se espalhou com ela ainda viva e pessoas de outros lugares começaram a visitar Baependi para conhecê-la, conversar com ela, falar de suas dores e necessidades e, sobretudo para pedir orações. Morreu aos 87 anos, em 14 de junho de 1895.
Fonte: Assessoria de Imprensa do Governo do Estado de Minas Gerais
***
Papa decreta beatificação de Nhá Chica
O Papa Bento XVI reconheceu, no último dia 28 de junho, um milagre à Venerável Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica e decretou sua beatificação. O Vaticano concluiu que a cura da professora Ana Lúcia Meirelles Leite, de 66 anos, moradora de Caxambu do Sul de Minas e que tinha uma doença no coração, realmente ocorreu por intercessão de nhá Chica, nas cida no Distrito do Rio das Mortes em São João del-Rei e que morou a maior parte de sua vida na cidade também mineira de Baependi.
Em 1995, Ana Lúcia teria sido curada de um problema congênito muito grave no coração sem precisar passar por cirurgia, sendo salva apenas pelas orações de Nhá Chica. A expectativa em torno da beatificação tem sido alta desde 2007, quando se iniciou o processo de reconhecimento do milagre que curou a professora. Promulgada pelo Vaticano, a beatificação ainda não tem data marcada para acontecer.
Serva de Deus
Nascida no Distrito do Rio das Mortes em 1810, Nhá Chica é natural de São João del-Rei. Ainda pequena, mudou-se para a cidade de Baependi com a mãe e o irmão. Havia com eles poucos pertences e uma imagem de Nossa Senhora da Conceição.
Em vida, era aclamada como "Santa de Baependi" por sua clarividência. A Venerável morreu no dia 14 de junho de 1895, aos 87 anos, mas foi sepultada somente no dia 18, no interior da Capela por ela construída em honra à Nossa Senhora da Conceição. As pessoas que ali estiveram disseram ter sentido exalar de seu corpo um misterioso perfume de rosas durante os quatro dias de seu velório, Tal perfume foi novamente sentido em 18 de junho de 1998, 103 depois, por autoridades eclesiásticas e por membros do Tribunal Eclesiástico pela Causa de Beatificação de Nhá Chica e, também, pelos pedreiros, por ocasião da exumação do seu corpo.
Fonte: Folha das Vertentes . 1ª Quinzena de Julho de 2012
***
Nhá Chica se torna a primeira beata mineira
Mineira de São João del-Rei é a primeira venerável a ser beatificada no papado de Francisco; devoção reuniu cerca de 30 mil pessoas em Baependi, no Sul de Minas.
Neste sábado (4/05), às três horas da tarde, horário em que Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, costumava fazer suas orações diárias, foi iniciada a Santa Missa de beatificação da Venerável Serva de Deus. O sol forte não foi empecilho para que as cerca de 30 mil pessoas, entre devotos e peregrinos, de todos os cantos de Minas Gerais e do Brasil, comparecessem à cerimônia.
Presidida pelo prefeito da Congregação da Causa dos Santos, cardeal Angelo Amato, representante do Papa Francisco, a Missa de Beatificação de Nhá Chica também foi regida por 120 cantores, pertencentes a quatro corais da região – de São Lourenço, Lambari, Caxambu e Baependi. Cerca de 150 autoridades eclesiásticas, entre bispos, arcebispos e padres, do Vaticano e da Igreja Católica no Brasil, participaram da cerimônia.
A Santa Missa de Beatificação de Nhá Chica foi conduzida pelo bispo da diocese de Campanha (a qual pertence a paróquia de Baependi), Dom Frei Diamantino Prata de Carvalho. No momento da beatificação, Dom Diamantino leu a história de vida de Francisca de Paula de Jesus e pediu autorização ao Vaticano para que ela se tornasse beata.
Em seguida, o cardeal Angelo Amato leu, em latim, a Carta Apostólica, com a qual o papa Francisco inscreveu a Venerável Nhá Chica entre os beatos. É a primeira venerável a se tornar beata no papado de Francisco. A carta descreve as qualidades da nova beata. “Com a Nossa Autoridade Apostólica, concedemos que a Venerável Serva de Deus, Francisca de Paula de Jesus, conhecida como Nhá Chica, leiga, virgem, mulher de assídua oração, perspicaz testemunha da Misericórdia de Cristo para com os necessitados do corpo e do espírito, doravante seja chamada Beata e que se possa celebrar sua festa, todos os anos, no dia 14 de junho, dia de seu nascimento ao céu”, disse.
Uma relíquia dos restos mortais de Nhá Chica foi conduzida ao altar pela professora e dona de casa Ana Lúcia Meirelles Leite, curada de um problema congênito muito grave no coração, sem precisar de cirurgia, apenas pelas orações de Nhá Chica. O milagre, reconhecido pelo Vaticano, foi essencial para a beatificação. A imagem de Nhá Chica foi apresentada ao público, que aclamou a nova beata.
A imagem preserva a memória daquela que foi fiel testemunha do Evangelho de Deus. Lembrando a evidência de sua contemplação do mistério de Cristo em sua vida, especialmente através de sua devoção à Imaculada Conceição, na imagem de Nhá Chica o rosário foi colocado em sua mão. A outra mão estendida manifesta sua caridade aos pobres, marca forte em seu testemunho evangélico, bem como sua acolhida a todas as pessoas que a procuravam para aconselhamento.
“Nhá Chica representa a grande fé do povo de Minas Gerais. Por isso ficamos muito felizes em termos entre nós, os conterrâneos, agora beata, tão querida e tão forte que é Nhá Chica. Este é um exemplo a ser seguido, exatamente em um momento em que as pessoas buscam na fé uma reflexão do próprio sentido da vida. Tenho a grande honra e oportunidade, como governador do Estado, de ser testemunha desse momento de fé do povo não só de Minas, mas de todo o Brasil. Devemos sempre pedir a proteção dela”, disse o governador Antonio Anastasia, devoto de Nhá Chica, presente na cerimônia.
O presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Raymundo Damasceno Assis, leu nota oficial em que relata a alegria da Igreja do Brasil em ter uma nova beata, nascida em solo mineiro. “O reconhecimento pela Igreja da santidade de Nhá Chica, passado pouco mais de cem anos de sua morte, confirma a importância de se colocar em relevo o exemplo de sua vida de fidelidade a Cristo e ao seu Evangelho. A biografia de Nhá Chica revela sua vida de intimidade com Deus e nos estimula a buscar o ideal proposto por Cristo”, afirmou.
Mobilização
Mais de mil pessoas se envolveram na organização da cerimônia, entre voluntários e equipe de produção. Em torno de 300 policiais militares e quase 100 profissionais do Corpo de Bombeiros foram responsáveis pela segurança e suporte ao público. A Arquidiocese de Campanha, Governo de Minas, Prefeitura de Baependi e outras administrações municipais do Sul de Minas foram responsáveis pela estrutura oferecida aos fieis.
O secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, representou a presidenta Dilma Rousseff. O anfitrião, prefeito de Baependi, Marcelo do Engenho, recebeu o presidente da ALMG, Dinis Pinheiro, secretários de Estado, deputados federais e estaduais, e outros prefeitos da região.
Alma mineira
Nhá Chica reunia em sua alma a síntese da alma do mineiro: simples, trabalhador, agregador, altruísta. Filha de escravos, Francisca de Paula de Jesus, nasceu em 1808 na "Porteira dos Vilellas", fazenda de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, distrito distante cerca de 13 km de São João del Rei. Foi batizada em 26 de abril de 1810, na capela de Santo Antônio, onde se encontra a pia batismal na qual foi batizada. É a primeira mineira a ser beatificada.
Chegou ainda pequena em Baependi acompanhada por sua mãe e por seu irmão Teotônio. Com eles, poucos pertences e uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Simples, chamava carinhosamente Nossa Senhora de "Minha Sinhá”.
Dava-se bem com pobres e ricos. Atendia a todos os que a procuravam. Sua fama de santidade foi se espalhando de tal modo que pessoas de muito longe começaram a visitar Baependi para conhecê-la, conversar com ela, falar-lhe de suas dores e necessidades e, sobretudo, para pedir-lhe orações.
Ao longo dos anos, a "Igrejinha de Nhá Chica", depois de ter passado por algumas reformas, é hoje o "Santuário Nossa Senhora da Conceição" que acolhe peregrinos de todo o Brasil e de diversas partes do mundo. Muitos fiéis que visitam o lugar pedem graças e oram com fé. Muitos voltam para agradecer e registram as graças recebidas. No "Registro de graças do Santuário", podem-se ler aproximadamente 20 mil graças alcançadas por intermédio de Nhá Chica.
Nhá Chica morreu com 87 anos de idade, no dia 14 de junho de 1895. A data ficará marcada a partir de agora pela Igreja Católica, como dia oficial da festa da Beata Nhá Chica. O processo para santificação continua a correr agora no Vaticano. Para ser canonizada, a Congregação para Causa dos Santos terá que reconhecer mais um milagre da nova beata.
Fonte: Agência Minas . 05/2013
***
Baependi será um dos primeiros municípios a receber intervenções do Caminho Religioso da Estrada Real
Circuito que ligará sede da padroeira de Minas, em Caeté (MG), à padroeira do Brasil, em Aparecida (SP), passará pela terra da Beata Nhá Chica.
Baependi será um dos primeiros municípios a receber intervenções do Caminho Religioso da Estrada Real (Crer). O projeto desenvolvido pelo Governo de Minas vai ligar as cidades de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Aparecida, no Estado de São Paulo. O peregrino poderá percorrer cerca de 850 quilômetros, partindo do santuário da Padroeira de Minas Gerais, na Serra da Piedade, e chegando à catedral da Padroeira do Brasil. O percurso engloba 86 municípios (sendo 37 na rota principal e 49 na área de abrangência).
“Estamos, em articulação com a Igreja Católica, fazendo um novo circuito, um novo caminho, além da Estrada Real, que é o Caminho Religioso, ligando o Santuário da Serra da Piedade até Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo. Esse Caminho começará com obras de apoio ao turismo, especialmente aos peregrinos, e será iniciado aqui na região de Baependi”, anunciou o governador Antonio Anastasia, durante entrevista antes do início da cerimônia de beatificação de Nhá Chica.
O objetivo é oferecer um roteiro de peregrinação estruturado para um público adepto a longas caminhadas, pedaladas ou cavalgadas, com foco no turismo religioso. Outra intenção é aumentar a oferta de produtos turísticos no mercado nacional e internacional e fortalecer destinos turísticos com vocação para o segmento religioso.
Infraestrutura para os peregrinos
O projeto foi dividido em duas etapas. Na primeira, de estruturação, foram realizados levantamentos de estruturas de municípios que tenham atrativos religiosos como vocação, a exemplo de Baependi. Nos próximos meses, começará a fase de estruturação do Caminho Religioso e a cidade onde Nhá Chica viveu será uma das primeiras a receber obras de infraestrutura.
Está prevista a instalação da sinalização ao longo do caminho e intervenções físicas que visam aumentar a segurança e o conforto dos peregrinos. Serão instalados paraciclos (paradas de bicicletas) de passarelas de madeira, paradas de descanso para os peregrinos e guarda-corpo em alguns trechos.
O trajeto será demarcado de forma que o peregrino seja capaz de se orientar através da sinalização distribuída ao longo do percurso e através de guias ilustrados com mapas. A ideia é que o turista/peregrino receba uma credencial que será carimbada em pontos pré-estabelecidos a serem definidos. Ao final do percurso, um Certificado de Conclusão do Caminho Religioso será emitido para aqueles que tiverem todos os carimbos.
São João Del Rei, cidade natal de Nhá Chica, também está na rota principal do Crer e receberá intervenções para acolhimento dos peregrinos.
O Crer é o primeiro roteiro voltado diretamente para o turismo religioso em Minas Gerais. O projeto é inspirado no Caminho de Santiago de Compostela, um trajeto da França à Espanha com 750 km. Por ano, cerca de 300 mil pessoas percorrem aquele caminho. O Brasil é o 3º país a enviar turistas ao Caminho de Santiago, atrás apenas de Espanha e França.
Beatificação aumentará turismo na região
A expectativa da Secretaria de Estado de Turismo (Setur) é que, com a beatificação de Nhá Chica, o número de peregrinos e turistas religiosos aumente na região de Baependi. Comparando-se o histórico de cidades com processos similares de beatificação, a tendência é que o fluxo turístico seja potencializado.
Com base nessa expectativa, a Setur pretende apoiar a diversificação dos roteiros e produtos turísticos para atender este nicho de mercado em Baependi. Além disso, visando o Programa Federal de Acessibilidade, lançado pelo Ministério do Turismo este ano, a Setur tem Baependi como município piloto. O objetivo é propor intervenções urbanas que facilitem a mobilidade, tanto de turistas quanto dos moradores. As visitas de levantamento das necessidades estão previstas para o segundo semestre de 2013.
“Temos importantes investimentos nas estâncias hidrominerais do Sul de Minas. Ontem (sexta-feira) eu visitei o Balneário de Caxambu, onde fizemos revitalização recente. Vamos ajudar mais o Parque de Caxambu e já estamos quase inaugurando as reformas do Parque de Cambuquira. A industrialização das águas minerais de Lambari já está pronta para ser inaugurada. Tudo isso leva o nome do Circuito das Águas. A questão da infraestrutura também é muito importante. As estradas estaduais, com investimentos do ProMG, estão em boa qualidade e vamos continuar fazendo, com o Caminhos de Minas, novos trechos, facilitando ainda mais a vinda de turistas para a região”, ressaltou o governador.
Levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisas da Universidade de São Paulo (USP) aponta a existência de cerca de 15 milhões de brasileiros interessados em destinos religiosos. Para o Governo de Minas, esse movimento gera empregos e, consequentemente, melhora a distribuição de renda, o que pode se traduzido em melhor qualidade de vida para a população.
Para Antonio Anastasia, a beatificação de Nhá Chica é muito importante para os mineiros. “Minas é um Estado extremamente espiritualizado. Dizem alguns que é o Estado que tem a maior devoção cristã de todo o país. Além disso, temos o maior acervo histórico com nosso patrimônio voltado às igrejas tradicionais. Temos também diversas denominações religiosas, todas também muito respeitadas. Agora, passamos a ter uma beata e, tenho certeza, em breve Nhá Chica será santificada e teremos a primeira santa nascida no Brasil”, disse.
Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o segmento de turismo religioso é o que mais cresce no mundo, sendo que 8,1 milhões de viagens domésticas no Brasil são motivadas pela fé, representando 3,6% de todas as viagens realizadas dentro do país.
Fonte: Agência Minas . 04/05/2013
***
Fé e devoção tomam conta de Baependi
Fieis lotam local de cerimônia de beatificação de Nhá Chica e clima de oração e contentamento invade cidade do Sul de Minas
Baependi é um pequeno município do Sul de Minas, com cerca de 18 mil habitantes. A cidade pacata e tranquila, conhecida nacionalmente como a terra da nova beata Nhá Chica, se transformou neste fim de semana. Colorida de branco e amarelo, as cores da bandeira do Vaticano, Baependi abriu as portas para receber peregrinos de todo o Brasil para a cerimônia da festa de beatificação da Venerável.
Vindos em caravanas ou sozinhos, a pé, de carro ou ônibus, o que se viu hoje em Baependi foram testemunhos de fé e muita emoção, chegando à cidade de vários pontos do Brasil. Os portões do local da cerimônia foram abertos às 12 horas.
Dona Maria Luiza e seu esposo Sílio Pinto Ribeiro, de Mogi das Cruzes (SP), foram dos primeiros a chegar para conseguir um lugar logo na frente. Emocionada, ela conta o motivo da sua devoção. “Nhá Chica intercedeu por mim e um milagre aconteceu na minha vida. O meu filho sofria de depressão. Não saia da cama e tentou suicídio duas vezes. Eu não sabia mais o que fazer. Numa Sexta-feira Santa, há cinco anos, eu estava sozinha na Igreja de Nhá Chica e rezei com muita fé. Foi quando vi a imagem dela sentada pegando meu filho no colo e ela me disse: ‘pode ir, seu filho está curado’. Eu cheguei em casa, meu filho já não estava mais na cama. Desde então ele está curado”, conta Maria Luiza, que já considera Nhá Chica uma santa.
Cláudio José da Costa é de Três Corações, também no Sul de Minas, e trouxe toda a família para a cerimônia de beatificação. Para ele, esse momento é único na vida. “A gente reza com fé e é sempre um momento de grande emoção. Nhá Chica é um exemplo de quem mesmo no seu estado de pobreza, mesmo sem recursos, conseguiu ajudar as pessoas com sua simplicidade, seus conselhos e sua oração. É um exemplo de pessoa boa”, afirma.
De ônibus, Dona Franciene Rodrigues da Silva veio assistir de perto a beatificação. “Recebi uma graça. Meu pai, de 75 anos, estava com câncer no intestino há dois anos e eu não conseguia vaga para ele no hospital. Rezei pra Nhá Chica e consegui a vaga. Hoje meu pai está curado. Na vida, a gente tem muitos desafios e a gente não pode deixar de ter fé. Não poderia deixar de estar aqui”, conta emocionada.
Da terra natal de Nhá Chica, São João Del Rei, vieram os jovens Guilherme Bassi e Juliano Henrique. “É a beatificação da nossa conterrânea”, diz Guilherme. “Sempre quando vou a Aparecida (SP) passo por aqui. A fé em Nhá Chica passou pra gente de pai para filho. Até pouco tempo atrás não tinha comprovação de que Nhá Chica tinha nascido em São João. E faltando três dias para a festa de batismo de Nhá Chica que sempre fazemos lá, apareceu o livro de batismo nas mãos do Monsenhor Paiva que comprovou que foi numa igreja de um lugarejo de São João que nasceu a nossa santa. Aquilo pra gente foi uma emoção. Nhá Chica é um exemplo de humildade e fé, principalmente para os jovens. Ela não sabia ler, mas sabia rezar”, conta Juliano.
Antonia das Graças chegou sexta-feira em Baependi. Ela é de São Paulo e conheceu a história de Nhá Chica pela internet. “Vi uma reportagem e fui pesquisando. A história dela me encantou. O fato de ser negra, batalhadora, humilde. Isso tudo encanta a gente. Rezo o terço dela e isso me dá força. Andei tudo aqui, visitei a casa dela, na Igreja. É lindo. Isso nos motiva, nos dá força pra viver a vida”, afirma.
O momento de fé serve também para muitas pessoas trocarem experiências e compartilhar um pouco de sua devoção. Dona Jandira Margarida, de Varginha, conheceu dona Maria da Graça, de Guaratinguetá, do interior paulista, em Baependi. Enquanto espera a cerimônia, Dona Jandira tricota e conta as graças que já testemunhou. “Eu rezo sempre o terço de Nhá Chica e acompanho, há muito tempo, o processo de beatificação. Minha amiga tinha problema na perna e o médico ia amputar. Ela fez a novena de Nhá Chica e ficou curada. O próprio médico falou que era milagre. Às vezes faltava comida. A gente rezava o terço de Nhá Chica e chegava cesta básica. É incrível”, diz.
Ainda em vida Nhá Chica passou a ser aclamada pelo povo como 'a Santa de Baependi', por sua fé e clarividência. A causa de canonização da Venerável estava aguardando desde 2007 o anúncio de sua beatificação. A grande graça atribuída a Nhá Chica e aceita pelo Vaticano refere-se à professora Ana Lúcia Meirelles Leite, moradora de Caxambu. A professora e dona de casa foi curada de um grave problema congênito no coração, sem precisar de cirurgia, apenas pelas orações a Nhá Chica. O fato se deu em 1995.
A partir deste sábado, Nhá Chica se torna a primeira beata nascida em terras mineiras e é acolhida pelos católicos de todo o Brasil.
Fonte: Agência Minas . 04/05/2013
***
Nhá Chica de Baependi (beatificada em 04 de maio de 2013)
Paulo Coelho . 07/07/2013
O que é um milagre?
Existem definições de todos os tipos: algo que vai contra as leis da natureza, intercessões em momentos de crise profunda, coisas cientificamente impossíveis, etc.
Eu tenho minha própria definição: milagre é aquilo que enche o nosso coração de paz. Às vezes se manifesta sob forma de uma cura, de um desejo atendido, não importa – o resultado é que, quando o milagre acontece, sentimos uma profunda reverência pela graça que Deus nos concedeu.
Há vinte e tantos anos atrás, quando eu vivia meu período hippie, minha irmã me convidou para ser padrinho de sua primeira filha. Adorei o convite, fiquei contente que ela não me pediu para que cortasse os cabelos (naquela época, chegavam até a cintura), nem me exigiu um presente caro para a afilhada (eu não teria como comprar).
A filha nasceu, o primeiro ano se passou, e o batizado não acontecia nunca. Achei que minha irmã tinha mudado de ideia, fui perguntar o que havia acontecido, e ela respondeu: “Você continua padrinho. Acontece que eu fiz uma promessa para Nhá Chica, e quero batizá-la em Baependi, porque ela me concedeu uma graça”.
Não sabia onde era Baependi, e jamais tinha escutado falar de Nhá Chica. O período hippie passou, eu me tornei executivo de gravadora, minha irmã teve uma outra filha, e nada de batizado. Finalmente, em 1978, a decisão foi tomada, e as duas famílias – dela e de seu ex-marido – foram a Baependi. Ali eu descobri que a tal Nhá Chica, que não tinha dinheiro nem para seu próprio sustento, havia passado 30 anos construindo uma igreja e ajudando os pobres.
Eu vinha de um período muito turbulento em minha vida, e já não acreditava mais em Deus. Ou melhor dizendo, já não achava que procurar o mundo espiritual tinha muita importância: o que contava eram as coisas deste mundo, e os resultados que pudesse conseguir. Tinha abandonado meus sonhos loucos da juventude – entre os quais, ser escritor – e não pretendia voltar a ter ilusões.
Estava ali naquela igreja para apenas cumprir um dever social; enquanto esperava a hora do batizado, comecei a passear pelos arredores, e terminei entrando na humilde casa de Nhá Chica, ao lado da igreja. Dois cômodos, e um pequeno altar, com algumas imagens de santos, e um vaso com duas rosas vermelhas e uma branca.
Num impulso, diferente de tudo o que eu pensava na época, fiz um pedido: se, algum dia, eu conseguir ser o escritor que queria ser e já não quero mais, voltarei aqui quando tiver 50 anos, e trarei duas rosas vermelhas e uma branca.
Apenas para me lembrar do batizado, comprei um retrato de Nhá Chica. Na volta para o Rio, o desastre: um ônibus pára subitamente na minha frente, eu desvio o carro numa fração de segundo, o meu cunhado também consegue desviar, o carro que vem atrás se choca, há uma explosão, vários mortos. Estacionamos na beira da estrada, sem saber o que fazer. Eu procuro no bolso um cigarro, e vem o retrato de Nhá Chica. Silencioso em sua mensagem de proteção.
Ali começava minha jornada de volta aos sonhos, à busca espiritual, à literatura, e um dia eu me vi de novo no Bom Combate, aquele que você trava com o coração cheio de paz, porque é resultado de um milagre. Nunca me esqueci das três rosas. Finalmente, os cinquenta anos – que naquela época pareciam tão distantes – terminaram chegando.
E quase passam. Durante a Copa do Mundo, fui a Baependi pagar minha promessa. Alguém me viu chegando em Caxambu (onde pernoitei), e um jornalista veio me entrevistar. Quando eu contei o que estava fazendo ali, ele pediu:
- Fale sobre Nhá Chica. O corpo dela foi exumado esta semana, e o processo de beatificação está no Vaticano. As pessoas precisam dar seu testemunho.
- Não – disse eu. – É uma história muito íntima. Só falaria se recebesse um sinal.
E pensei comigo mesmo: “O que seria um sinal? Só mesmo se alguém falasse em nome dela!”
No dia seguinte, peguei o carro, as flores, e fui a Baependi. Parei um pouco distante da igreja, lembrando o executivo de gravadora que estivera ali tanto tempo antes, e as muitas coisas que tinham me conduzido de volta. Quando ia entrando na casa, uma mulher jovem saiu de uma loja de roupas:
- Vi que seu livro “Maktub” é dedicado a Nhá Chica – disse ela. – Garanto que ela ficou contente.
E não me pediu nada. Mas aquele era o sinal que eu estava esperando. E este é o depoimento público que eu precisava dar.
Fonte: Paulo Coelho
***
Mais informações:
Crônica da solenidade cívico-religiosa do registro civil tardio de Francisca de Paula de Jesus (Nhá Chica) e Notícias sobre o projeto Circuito Caminho Nhá Chica e Padre Victor - Circuito CNCPV . Francisco José dos Santos Braga
Solenidade do registro civil tardio de Nhá Chica
Comemoração dos 200 anos do batizado da serva de Deus Nhá Chica . de 23 de abril a 1 de maio
Blog . A origem de Nhá Chica