São João del Rei Transparente

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Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

São João del-Rei: ontem e hoje . Athletic Club: ontem e hoje por Aluízio Barros

Descrição

Athletic Club de São João del-Rei
São João del-Rei: ontem e hoje . Athetic Club: ontem e hoje por Aluízio Barros 

O Athletic Club de São João del-Rei foi fundado em 1909 e celebra seu centenário como uma das mais importantes instituições da vida social, esportiva e cultural do nosso município. O objetivo deste capítulo é refletir sobre o surgimento do nosso clube, destacando os contrastes entre São João del-Rei em 1909 e São João del-Rei em 2009. A partir da reconstituição destes cenários, esperamos  projetar algum feixe de luz sobre o futuro do clube.

Em 1909, São João del-Rei era uma das maiores cidades de Minas Gerais. Sua população, no entanto, não chegava a 15 mil habitantes – cerca de metade da população da capital, a jovem Belo Horizonte. Com os estados vizinhos de S.Paulo e Rio de Janeiro havia laços históricos. A capital paulista, com mais de 300 mil habitantes, vivia a prosperidade do cultivo do café e de um surto de industrialização. Mas continuava distante de São João del-Rei, já sob a área de influência da então capital federal, a cidade do Rio de Janeiro com 882 mil habitantes, uma efervescente vida metropolitana e um grande mercado consumidor acessível ao são-joanense pelos trilhos da Estrada de Ferro Oeste de Minas desde 1881. 

Municípios              População em 1909     (mil habitantes)

São João del-Rei           13,8

Belo Horizonte               29,6 

S. Paulo (capital)          359,0    

Rio de Janeiro, DF        882,3 

(Fonte: IBGE. A população de SJDRei é uma estimativa do autor a partir das estatísticas de 10.811 habitantes em 1877 e 15 mil em 1920) 

A formação do núcleo urbano de São João del-Rei foi acompanhada, desde o século dezoito, pela criação de associações voluntárias como irmandades, confrarias e orquestras que permanecem vigorosamente ativas até os dias de hoje.  No mundo, os clubes esportivos apareceram na Europa em meados do século dezoito. Na Grã-Bretanha, surgiu o English Jockey Club; depois os clubes de críquete, golfe e tênis. O modelo de associação voluntária, como são os clubes, atingiu o auge no século dezenove na Inglaterra e nos Estados Unidos da América. O historiador Peter Burke destacou o importante papel dos clubes na construção da democracia. A diretoria do clube - composta de presidente, secretário, e tesoureiro -  é eleita por seus associados, que também aprovam as regras ou o estatuto do clube. As reuniões da diretoria são registradas em atas para o conhecimento de todos os membros presentes e ausentes.

A ata do nascimento do Athletic Foot-Ball Club foi lavrada em 27 de junho de 1909 na residência de seu primeiro presidente Omar Telles. O nosso clube nasceu no mesmo ano do Sport Club Internacional de Porto Alegre, e antes de um bom número de clubes famosos nos dias de hoje. 

Clube

Ano de nascimento

 

Clube de Regatas Flamengo

1895

Vasco da Gama

1898

Fluminense

1902

Botafogo F.C.

1904

América, RJ

1904

Clube Atlético Mineiro

1908

Athletic Club

1909

Sport Club Internacional

1909

Corinthians

1910

Santos F.C.

1912

América, MG

1912

Tupi, MG

1912

Palmeiras

1914

Cruzeiro

1921

O Flamengo e o Vasco inicialmente disputavam regatas no belo cenário das águas não poluídas da Baia de Guanabara. "Esporte de homem é o remo" era o que se dizia. O futebol foi introduzido nestes clubes anos mais tarde. No Vasco da Gama, foi em 1915, e no Flamengo em 1911.

A FIFA (Federação Internacional de Futebol) foi criada em 1904, quando o esporte já havia chegado ao Brasil. A história do futebol brasileiro aponta Charles Miller como o precursor do esporte  no país, sendo o primeiro jogo de futebol realizado em 1895 entre funcionários de empresas inglesas de S. Paulo.

No início, era praticado apenas pela elite como se fosse um modismo importado. Sua aceitação pela sociedade são-joanense não foi imediata. Havia poucas partidas e poucos adeptos na cidade, talvez por ser considerado um esporte violento por uns, ou jocosamente um "balé para homens" por outros.

A primeira crise de público do Athletic levou seus associados a aprovar uma nova organização do clube em 1913. O nome passou a ser Athletic Club e não mais Athletic Foot-Ball Club. Isto significava que o atletismo e outras modalidades esportivas, como o vôlei,  o basquete e o tênis, seriam apoiadas pela diretoria. Esta mudança foi uma estratégia bem formulada que possibilitou a sobrevivência do clube, e o sucesso do próprio futebol nas décadas seguintes em que passou a ser crescentemente popularizado no país.

Podemos imaginar uma polarização entre duas correntes nessa reunião dos associados em 1913. De um lado, os tradicionalistas ou radicais querendo manter intacta a raiz de um clube criado exclusivamente para a prática do esporte bretão. “A palavra radical vem de raiz.”  Do outro lado, os pragmáticos argumentando que, sem a abertura para outros esportes, o clube estava com seus dias contados. “Não havia público suficiente tanto para jogar quanto para assistir  a uma disputa entre 22 marmanjos correndo atrás de uma bola.” Aos primeiros jogadores de futebol na história, deviam faltar habilidades mínimas e sobrar contusões generalizadas em ambas as equipes.

Se tais discussões realmente aconteceram, não temos ciência. O  que sabemos é o que consta em ata: o Athletic deixava de ser um clube dedicado unicamente ao futebol. Esta mudança foi aprovada pela unanimidade de seus 29 associados presentes na reunião.

Uma interpretação dessa primeira crise do Athletic e de seus desdobramentos é apresentada a seguir. O clube foi criado com a única finalidade de praticar uma nova modalidade de esporte – o football – numa cidade pequena, onde seria necessariamente difícil conquistar novos adeptos. A cidade grande facilita a especialização nas artes, nos ofícios, nos negócios, e também nos esportes. Se em 1909 o football fosse popular, como veio a ser no futuro, haveria um número de interessados suficiente para se formar um time e um público, mesmo numa cidade pequena. Não sendo o esporte popular e a cidade uma metrópole, podemos imaginar as dificuldades dos primeiros anos de vida do Athletic (1909/1913).

Uma outra consideração que me parece importante nesta reflexão sobre o nascimento  do Athletic é sua contemporaneidade com a difusão do esporte no mundo. A criação do Athletic foi um ato de sintonia de cidadãos são-joanenses com o seu tempo, demonstrando que a cidade estava inserida no processo de globalização na chegada do século vinte. O nosso clube é contemporâneo dos pioneiros clubes de futebol, como foi demonstrado acima. Porém, foi fundado antes que houvesse as condições locais necessárias para sua sustentabilidade ou sobrevivência. Veio uma crise, que foi enfrentada, e possibilitou a sobrevivência do clube.

O fato de ter sobrevivido para um centenário glorioso deve-se, na minha modesta interpretação, à decisão estratégica de diversificar as modalidades esportivas e sociais do clube. O futebol não perde terreno no Athletic. Passa a conviver com outros esportes enquanto vai se consolidando como um esporte de interesse nacional. Em 1923, o Athletic torna-se proprietário do campo de futebol em Matosinhos. Em 1927, inaugura festivamente sua sede, onde hoje está a Câmara de Vereadores. Em 1944, adquire o terreno da praça de esportes no Segredo. 

O Athletic Club foi, portanto, pioneiro no futebol na cidade. Os rivais não demoraram a surgir. O Minas Futebol Club foi criado em 1916, o que favoreceu enormemente o interesse pelo futebol, por causa da motivação da competição de rivais. Antes da existência do Minas FC, o Athletic Club teve um forte adversário, que era o Club Desportivo Esparta, criado em 1914 no Ginásio Santo Antônio. E antes do Esparta, o nosso clube convidava e era convidado por equipes de outras cidades, como Barbacena, Lavras e Lagoa Dourada, para disputar um jogo de futebol. As boas vindas aos times visitantes incluíam hotel, alimentação e concerto musical. As apresentações musicais eram refinadas, o que vem comprovar que o foot-ball era um esporte de elite. Atualmente, continuamos recebendo bem os visitantes oferecendo acomodação e alimentação. Não há, contudo, a demanda por oferecer o entretenimento de algum grupo musical. Nem mesmo um pagodinho costuma rolar. 

Uma bela época 

A história social denomina o período de fins do século dezenove até a primeira guerra mundial como La Belle Époque, devido ao animado ambiente cultural, à paz entre as nações na Europa, e à difusão de novas tecnologias que vieram a mudar o cotidiano das pessoas.

No início do século vinte, uma segunda revolução industrial se desenvolvia a partir da Europa e dos Estados Unidos com as novas indústrias química, mecânica e elétrica, e a introdução de novos produtos e serviços, tais como a bicicleta, a máquina de costura, a máquina de escrever e o telefone. O automóvel estava ao alcance somente dos cidadãos muito ricos. Em 1909, a General Electric iniciou a venda das primeiras torradeiras elétricas, cuja atratividade para o consumidor pode ser equiparada hoje ao novo produto da Apple, o iPhone.

Inventado em 1860, o telefone ainda não havia chegado em São João del-Rei em 1909. O serviço de ligações locais e interurbanas estreou aqui em 1913.

O primeiro automóvel no Brasil foi importado por Alberto Santos Dumont em novembro de 1891. Era um Peugeot com motor Daimler a gasolina, 3,5 cv e dois cilindros. A fabricação em série de automóveis iniciou-se em 1908 com o modelo T de Henry Ford, apelidado pelos brasileiros de "ford bigode". Um deles já estava em S. J. del-Rei em 1925 para ser rifado em campanha de arrecadação de fundos para a construção de arquibancadas no campo do Athletic.

Em 1909, o automóvel ainda não havia chegado à cidade. Somente no dia 11 de agosto de 1913, tem-se esta notícia: “percorreu o auto toda a cidade e seus arrabaldes, sem o menor incidente, chamando a atenção do público. Consta-nos que brevemente chegarão outros automóveis”.

Refletindo os efeitos de uma grande recessão mundial, ocorreu uma pequena retração da economia do Brasil nos anos de 1907 e 1908, devido a sua dependência dos mercados internacionais de café e da borracha. Uma recuperação da atividade econômica inicia-se em 1909 e prolonga-se até 1912 com grande expansão das exportações e da produção nacional.

Dias antes da fundação do Athletic, o país perdia seu presidente da República. Em 14 de junho de 1909 faleceu Afonso Pena, que foi substituído por seu vice-presidente Nilo Peçanha. Iniciou-se então a campanha para as eleições de março, vencidas pelo marechal Hermes da Fonseca que disputou com Rui Barbosa.

No contexto de uma nação periférica do sistema capitalista internacional, a cidade de São João del-Rei possuía, em 1909, um conforto urbano invejável para a época. Uma biblioteca pública - a primeira da província de Minas Gerais - já se encontrava em funcionamento desde 1827 (e continua em franca atividade até hoje). O serviço de água canalizada existia desde 1888 e foi ampliado em 1915. A iluminação elétrica já tinha sido inaugurada em 1900 (e melhorada em 1914 com a construção da Usina de Carandaí). O serviço de telégrafo nacional operava desde 1893.

Além do ícone do progresso de então – a ferrovia – havia uma Casa Bancária, fundada em 1860, o novo Teatro Municipal (1893) e a Cia. Têxtil São Joanense (1891), que recebeu, em 1909, o primeiro motor elétrico para a alimentação das máquinas. 

A importância da Estrada de Ferro Oeste de Minas para São João del-Rei merece ser ressaltada. Através deste moderno meio de transporte, o cidadão são-joanense ficou mais próximo, desde 1881, da região do oeste de Minas, da Zona da Mata e, mais importante, da capital federal. O Rio de Janeiro, por sua vez, passava por transformações urbanas significativas para ser uma metrópole moderna, a exemplo das melhores capitais européias. Aproximando-se do Rio de Janeiro, São João del-Rei fica sob a influência da visão e dos comportamentos social e cultural das sociedades desenvolvidas da Europa.   

Em 1911, a estação ferroviária de Chagas Dória foi inaugurada, sinalizando a expansão urbana na direção do arraial de Matozinhos, que passou a ser servido por cinco viagens diárias de trens no transporte de passageiros e no escoamento da produção de laticínios. A distância por estrada de ferro do Rio de Janeiro era de 477 km e de Belo Horizonte 360 km. Os funcionários da Estrada de Ferro Oeste de Minas possuíam um prestígio social equivalente ao que vieram a ter, anos depois, os funcionários de Banco do Brasil, os oficiais do 11o Regimento de Infantaria e os servidores da Universidade Federal de S. João del-Rei.

Dois jornais circulam com regularidade na cidade em 1909. O jornal "O Repórter", cujo diretor e redator era José Assis Sobrinho, que se tornou presidente do Athletic Club em 1924. Seu filho, Silvio Assis, seguiu-lhe os passos, assumindo a presidência do clube em 1968. O jornal definia-se como noticioso, comercial e literário, com duas edições por semana. O outro jornal era um semanário literário com um título pedante: "The Smart". 

O Teatro e o Cinema 

Em 1909, foi inaugurado o belíssimo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde se apresentaria, em 1916, a bailarina Isadora Duncan. O teatro e a música eram as artes que atraiam as maiores platéias. A atriz internacional Sara Bernhardt tinha vindo ao Rio, em 1905, com a peça de teatro, La Tosca, que havia inspirado a conhecida ópera de Puccini.

A atividade teatral em São João del-Rei prosperava. O nosso Teatro Municipal, em funcionamento desde 1893, recebeu uma temporada da grande companhia italiana Nina Sanzi nos dias 11 a 13 de novembro de 1909. Nas palavras de Antônio Guerra, "na estréia, o teatro regorgitava de espectadores, sendo preciso colocar na platéia numerosas cadeiras avulsas".

Havia também o teatrinho do convento dos frades franciscanos, onde foi inaugurado o Clube Dramático da Associação Católica Operária no dia 26 de janeiro de 1909. Duas comédias foram apresentadas, uma delas com as participações dos atores Antônio Guerra e Marcondes Neves, que haviam fundado, com Alberto Nogueira e Altamiro Neves, o Clube Teatral Artur Azevedo em 1905.

Este grupo de teatro amador teve uma longa existência (1905 a 1985), construindo no trajeto um moderno cinema de mil lugares, inaugurado em 1951. Em 1905, o grupo era constituído de crianças com a denominação de Grupo Dramático 15 de Novembro, com sede no andar térreo do sobrado número 44 da rua Santo Antônio. 

Teatros de S. J. Del-Rei, 1782-1910 

Ano

Teatro

Localização

 

1782

Casa da Ópera

Av. Eduardo Magalhães 64

1828

Teatrinho particular

Desconhecida

1833

Teatrinho

Ao lado da igreja de S. Francisco

1839

Teatro S. Joanense

Rua da Prata 152, ao lado do Passinho

1878

Filarmônica S. Joanense

Onde está hoje o Edifício S.J.D.Rei

1883

Teatrinho

Rua Resende Costa 166

1884

Teatrinho

Rua Direita 78

1893

Teatro Municipal

Rua Hermilo Alves

1902

Teatrinho

Rua Paulo Freitas 31

1905

Teatro Infantil 15 de Novembro (Artur Azevedo)

Rua Santo Antônio 44

1909

Teatro da Associação Católica Operária

Antigo Convento Santo Antônio

1910

Teatro 15 de Novembro (Artur Azevedo)

Onde está o Hospital N. S. das Mercês

Fonte: Antônio Guerra 

Já em 1909 os teatros cediam espaço à exibição de filmes na cidade. A primeira projeção pública de cinema foi 28 de dezembro de 1895 em Paris pelos irmãos Lumière, e a primeira grande bilheteria foi do filme americano "O Nascimento de uma Nação", em 1915, que arrecadou dez milhões de dólares.

O cinema era mudo, o que propiciava a apresentação de pianistas, grupos musicais e de teatro. Em São João del-Rei, a empresa Faleiro & Cia. possuía a Confeitaria Faleiro, que, a exemplo da Confeitaria Colombo do Rio, era um elegante ponto de encontro para atividades sociais como jogos de bilhar, saraus e outros eventos. Segundo Astrogildo Assis, foi nela que Omar Telles Barbosa teve a idéia de criar o Athletic Foot-ball Club e tornar-se seu primeiro presidente.

Os irmãos Faleiro eram empreendedores. Arrendaram o Teatro Municipal no período de 1908 a 1921. Promoviam sessões de cinema, como foi noticiado no jornal O Repórter de 17 de junho de 1909: 

"A empresa Faleiro & Cia deu no domingo último duas secções de cinematographia, ambas regularmente concorridas." 

Entre os filmes exibidos em 1909 encontram-se Os Últimos Dias de Pompéia, O Bico da Chaleira, A Freira Angélica e O Milagre da Virgem da Conceição. 

Para resumir o que representava São João del-Rei na vida de um brasileiro do início do século vinte, encontrei as palavras na seção de cartas de um jornal. Em 17 de junho de 1909, O Repórter publicou uma carta de um cidadão que havia residido em São João por cinco anos e estava ausente há mais de dois anos. Nela ele desabafava a saudade dizendo: 

"A verdade é que S. João d'El-Rey não tem competidores n'aquillo que constitue a felicidade de um homem". 

A Felicidade 

A felicidade costuma acontecer no encontro de duas pessoas que se amam. Namorar naquele tempo não tinha a opção de hoje do simplesmente "ficar" uma noite com alguém. O namoro em 1909 consistia de duas etapas. Na primeira, namorava-se à distância com trocas de olhares. A aproximação do casal era evitada por um longo tempo. Os recados entre os namorados trafegavam pelas amigas ou parentes. Jamais pelos pais dos namorados. A duração desta etapa do namoro era longa e dependia tanto do grau de ousadia dos namorados quanto da presumida braveza dos pais da garota. Quanto mais medroso fosse o rapaz e maior a fama de bravo dos pais da moça, mais tempo durava o namoro a distância.

A segunda fase do namoro era em casa sob a vigilância da família. Não havia a menor dúvida quanto as intenções do casal em namorar. O namoro deve conduzir inevitavelmente ao enlace matrimonial, que era chamado de consórcio. Caso isto não acontecesse, era uma tragédia ao gosto do literatura romântica da época, cantada em prosa e verso.

Um ex-diretor do Athletic tem preservado a tradição da fase do namoro à distância até os dias de hoje.  Levou tão a sério essa prática que deixou passar as oportunidades de contrair matrimônio. Vive solteiro e feliz na esquina do Kibon.

O clima do amor romântico disseminado na literatura européia e brasileira (Machado de Assis, José de Alencar e outros) chegava, evidentemente, às páginas dos jornais da época. O semanário The Smart, de São João del-Rei,  publica um longo texto de um homem apaixonado em sua edição do dia 17 de janeiro de 1909. Esta manifestação pública do sentimento amoroso era uma forma de conquista e de comunicação entre os enamorados de outrora, como demonstra as seguintes palavras do texto publicado no semanário: 

"A sua delicada voz tem a harmonia incomparavel da poesia e a melodia sublime do hymno cantado pelos passaros, ao romper da encantadora aurora." 

O são-joanense do início do século passado tinha poucas ocupações nas suas horas de lazer, excluindo deste tempo a obrigações vinculadas ao fervor religioso, que ainda hoje permanece presente no seu cotidiano. Em outras palavras, rezava-se muito nas dezenas de festas, solenidades e demais oportunidades de vida espiritual ou de simples convívio social. Além dos majestosos templos católicos, havia 14 associações religiosas (confrarias, irmandades, veneráveis ordens terceiras e outras) em 1909.

É difícil imaginar um espaço para o carnaval num ambiente de intensa religiosidade. Porém, o são-joanense é festeiro: no sagrado e no profano. Sebastião Cintra nos conta da animação do carnaval de São João del-Rei na virada do século dezenove. O baile à fantasia da Sociedade Filarmônica S. Joanense foi um acontecimento no carnaval de 1901. O povo se aglomerou para assistir à chegada dos fantasiados, fato que veio a acontecer anos depois com os bailes do Athletic, particularmente nos bailes à fantasia da segunda-feira de carnaval.

Em 1905, foi fundado o Club X, que reunia as pessoas da alta sociedade. Uma de suas atividades era desfilar no carnaval com os diretores montados a cavalo e carros alegóricos. Como muitos clubes de hoje, o Club X encontrava dificuldades de ter seus associados em dia com o pagamento das mensalidades. Em dezembro de 1909, quando a diretoria planejava o carnaval de 1910, apenas dez por cento de seus 300 sócios estavam quites com suas contribuições mensais.

Nesta época, o meio de locomoção era o cavalo e o trem. Como a vizinha Lagoa Dourada não era servida pelo transporte ferroviário, diretores e atletas do Athletic Foot-ball Club deslocaram-se para lá a cavalo para disputar uma partida amistosa em 1925. A viagem durou mais de cinco horas e o resultado da partida, disputada no dia seguinte, foi um empate sem placar. 

A Economia e a Tradição na Educação 

A vida econômica de um município que se desenvolvia proporcionou a criação, em 1903, da Associação Comercial de S. João del-Rei, que é uma instituição capaz de mobilizar recursos e catalisar iniciativas para a prosperidade da região.

A agropecuária e o comércio eram as atividades econômicas predominantes, mas uma industrialização nascente estava em curso. Um inquérito divulgado pelo IBGE indica a presença das seguintes indústrias em 1907: 

Indústria fabril            Empresa            No operários 

Cal e cimento          Cia. A. I. Oeste de Minas    85

Fiação e tecelagem     C. I. S. Joanense            70

Fundição e obras sobre metais        6                30

Preparo de couros                           2                 13

Mobília e decorações                       2                  8

Manteiga e queijos     Bernardo Mota                  5

Malas e bolsas                Luis Dalle                     4

moagem de cereais   Barbosa e Miranda            4

Doces                           José Falleiro & Cia          3

Cerveja                         Felippe Marchetti            2        

Das instituições de ensino de hoje, existiam em 1909 o Colégio N.S. das Dores, fundado em 1898 e o Grupo Escolar João dos Santos em 1908. Outras onze escolas estavam em funcionamento em 1907, segundo Antônio Gaio Sobrinho. Sob a gestão dos frades da ordem de S. Francisco de Assis, o Ginásio Santo Antônio deu início às suas atividades em 1909, e teve uma influência ímpar na cultura e na educação de jovens brasileiros e são-joanenses em todo o século vinte. Suas magníficas instalações acolheram a Fundação Municipal de Ensino Superior e a Universidade Federal de São João del-Rei na segunda metade do século vinte.

O são-joanense de vida urbana não fazia pouco das belezas naturais do município. Em seu livro sobre a História de Teatro, Circo, Música e Variedades em São João Del-Rei de 1717 a 1967, Antônio Guerra nos conta da canção, Os Encantos de S. João, apresentada pela primeira vez em janeiro de 1911. 

Os Encantos de S. João

Quereis ver maravilhas sem fim?!
Ide ao Bom-fim! 
Pois de lá se vê toda (sabei!)
S. João del-Rey! 
Logar cheio de ninhos e fontes,
Senhor dos Montes;
logar cheio de fructas e ninhos
É Mattosinhos!
Para a cura completa das maguas
Passeio ás Aguas.
Nas manhãs e nas tardes fagueiras
As Gamelleiras...
Não existe passeio melhor
Que o Guarda-mór.
Um passeio que as almas consola
Lá no Matola
Quanta gente que tem o costume
De ir ao Betume!
Um passeio que as almas anima
É o Rio-Acima!
Quanta gente que á noite tem medo
De ir ao Segredo!
Quanta gente que nem abre a bocca
No Cala a Bocca! 
Mas não vades, porque isto e um desdouro.
Ao Matadouro!
Nem passeis, alta noite, sosinho,
No Buraquinho!
O nariz quem não tapa desmaia
A beira da praia.
E que horror, santo Deus! que catinga
Lá na Muchinga! 

O penúltimo verso desta canção vem demonstrar que o fedor que exala da nossa praia (o Córrego do Lenheiro) é também centenário. 

Problemas Urbanos

Três outros problemas atormentaram os são-joanenses em 1909 e continuam nos afligindo cem anos depois: o desmatamento, a impunidade e os cães vadios. Em sua edição do dia 18 de março de 1909, o jornal O Repórter cobrava do governo uma legislação de proteção do meio ambiente: 

"Tomando em consideração as observações de diversos scientistas, o governo allemão prohibiu que se continue a destruir a grande floresta de Grunewald sita perto de Berlim. (...) No Brasil nenhuma disposição legal existe visando pôr as nossas mattas, nem aquellas que se encontram nas cercanias dos povoados, a coberto da acção brutal, vandalica da foice e do machado" 

A notícia de que um cão hidrófobo tinha atacado uma criança levou o redator do jornal O Repórter a pedir providências policiais, e lamentar que o braço da lei não alcança quem tem poder político ou econômico: 

"A policia municipal deve ser exercitada contra os cães vadios. Infelizmente essas disposições mais ou menos odiosas a Camara manda tomal-as em relação ao pobre, ao desprotegido: quando se trata de um que tenha força o fiscal se entibia e a cousa não vai para diante."   ( O Repórter, 12/12/1909) 

Os investimentos em obras públicas eram insuficientes em 1909, como são hoje. A imprensa criticou o orçamento da prefeitura para 1910, o qual continha uma receita de Rs. 173:300$000 (leia-se cento e setenta e três contos) e apenas Rs. 4:868$723 (2,8%) de gastos com obras públicas para a reforma do calçamento, a macadamização das ruas não calçadas, o conserto das estradas e os reparos das pontes.

Hoje a prefeitura municipal investe em obras públicas uma proporção maior da receita, mas ainda assim não é suficiente. O orçamento da prefeitura em 2009 estima uma receita de R$ 99.794.137 e investimentos de R$ 11.187.964, ou seja, 11,2% do orçamento. Este último valor está próximo dos valores de investimento realizados anualmente em período recente. Basta um passeio pela cidade para constatarmos que esse percentual de inversões públicas está muito aquém das reais necessidades de investimento na infraestrutura urbana do município.

Para que se tenha uma idéia da insignificância do investimento em obras públicas no orçamento de 1910, podemos considerar o valor mensal de Rs. 150$000 do aluguel do Teatro Municipal que a empresa Faleiros & Cia. pagava à prefeitura. O investimento público de Rs. 4:868$723 representa menos de um triplo da receita anual do aluguel (Rs. 1:800$000) 

Permita-me o leitor uma pequena digressão. Na pesquisa que fiz nos jornais locais de cem anos atrás, deparei-me com um homônimo e possível parente meu. No jornal O Repórter, de 30 de dezembro de 1909, li a seguinte notícia: 

"Em gozo de ferias, vindo de Bello Horizonte, aqui está o bacharelando Aluysio de Barros, academico de direito e que foi laureado este anno com bonitas notas de aprovação, premio de seus estudos e do talento de que tem dado já sobejas provas" 

O Futuro do Athletic Club 

O futuro de uma organização depende do que ela já conseguiu realizar até hoje: seu patrimônio, seus serviços e suas competências. O Athletic Club vive em seu apogeu. Um clube que chega aos cem anos com as realizações do Athletic tem os fundamentos para continuar seu caminho vitorioso no futuro.

Todavia, qualquer organização pode entrar em decadência e fracassar. É responsabilidade dos dirigentes preocuparem-se com o planejamento estratégico do clube e fazer perguntas tais como: O que pode ameaçar o sucesso do clube?  Que clube queremos ter no futuro?

O centenário do clube é uma excelente oportunidade para se abrir uma discussão sobre o tema com a presença de todos os athleticanos que participam ou que já participaram da administração. Quais mudanças o clube tem que promover para estar em sintonia com as novas realidades da vida urbana em São João del-Rei? Como definir sua missão na sociedade brasileira? Quais são as novas competências a ser desenvolvidas na prestação de serviços?

Ao longo de sua história, o Athletic já enfrentou a concorrência da televisão lhe retirando o interesse pelo futebol local, a queda da freqüência nos eventos sociais, e a proliferação das academias de ginástica. As receitas das mensalidades dos associados oscilaram no tempo, mas não levaram o clube à bancarrota. Estas receitas e outras fontes de recursos (como o aluguel das sedes sociais) têm se situado num patamar compatível com as despesas de operação do clube.  Qual é a tendência futura desse fluxo de receitas e despesas?

O crescimento da população urbana tende a continuar favorecendo o clube como local de encontro social  e de prática esportiva. Não se antevê, por conseguinte, nenhuma concorrência externa diferente daquelas enfrentadas no passado, e capaz de reduzir drasticamente as receitas do clube. Mas, pelo lado das despesas, é preciso alguns ganhos de eficiência e de combate ao desperdício para neutralizar uma tendência de elevação dos custos da mão de obra em todo o país. Os gastos com pessoal podem vir a provocar desequilíbrios financeiros, comprometendo o futuro do clube.

Para lidar com esse problema, podemos sugerir que seja melhorado o modelo de gestão financeira e de prestação de contas. A Associação Comercial, uma instituição tão duradoura e dinâmica como o Athletic, utiliza uma prática semanal de acompanhamento do fluxo de caixa (entrada e saída de dinheiro), que garante uma boa gestão financeira e facilita a prestação de contas da diretoria perante o conselho fiscal. Vale à pena conhecer esta ferramenta de gestão com o propósito de avaliar sua adoção no Athletic.

O clube vem profissionalizando sua gestão, mas pode avançar mais no monitoramento de um painel de indicadores financeiros e indicadores de desempenho e satisfação dos associados.  O objetivo não é apenas gerenciar o dia-a-dia, mas principalmente reunir informações necessárias para subsidiar a definição dos rumos que o centenário clube deve tomar. 

Esta definição é fundamental para viver bem os próximos cem anos. 

São João del-Rei: ontem e hoje 

Temas

Ano de 1909

Ano de 2009 

População

14 mil habitantes

82 mil habitantes

Domicílios

Entre 2140 em 1877 e 3080 em 1927

30701 em 2007

Clubes de futebol

Athletic Foot-ball Club

Athletic Club(1909)
Minas F.C.(1916)
Social (1939)
América (1943)
Siderúrgica (1945)
Bonfim (1953)
S. Caetano (1960)
Independente (1960)
Guarani
Figueirense (1975) 

Clubes de dança

Club São Joanense

Athletic Club - centro
Athletic C.-Matosinhos
Social
América
Independente 

Associações carnavalescas

Club X

7 escolas de samba
4 blocos do desfile official
Dezenas de blocos e bandas

Associações musicais

Lyra Sanjoanense
Ribeiro Bastos
Banda Teodoro de Faria
Banda Oeste de Minas

Lyra Sanjoanense
Ribeiro  Bastos
Banda Teodoro de Faria
Sociedade de Concertos Sinfônicos
Banda Santa Cecília 

Hotéis e pousadas

Hotel Brasil
Hotel Oeste

38

Segurança pública militar

51o Batalhão de Caçadores

11o Batalhão de Infantaria
64a Cia de Polícia Militar
Corpo de Bombeiros

Celebridades

Atriz Sara Bernhardt(1844-1923)
Bailarina Isadora Duncan(1877-1927)

Cantora Madona
Jogador de futebol Kaká

 

 

 

Obras consultadas
Assis, Astrogildo. Historiando o Esquadrão de Aço. SJDRei: 1985, 207 p.
Cintra, Sebastião de O. Efemérides de São João del-Rei. São João del-Rei Artes Gráficas, 1963
Cintra, Sebastião de O. O carnaval em São João del-Rei. Tribuna Sanjoanense, 14/1/2003, p.3
Dangelo, Jota. Subsídios para a história do carnaval em São João del-Rei. S. Paulo: Atheneu Cultura, 2003
Fundação J. Pinheiro. Circuito do Ouro - Campos das Vertentes: diretrizes para o desenvolvimento da estrutura urbana de S. J. del Rei. Belo Horizonte: 1982
Guerra, Antônio. Pequena História do Teatro, Circo, Música e Variedades em São João Del-Rei, 1717 a 1967. 327 p.
IBGE, Séries Estatísticas Retrospectivas. Rio de Janeiro: IBGE, 1986
Santos, J. Bellini. São João Del-Rey: a cidade que não olhou para trás. SJDRei: Gráfica do Diário do Comércio, 1949, 70 p.
Sobrinho, Antonio Gaio. História da educação em São João del-Rei. SJDRei: Funrei, 2000
Viegas, Augusto. Noticia de São João del-Rei. Belo Horizonte: 1953
Jornais O Repórter e The Smart de 1909, existentes no acervo da Biblioteca Municipal Batista Caetano. 

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