a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

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Tipo: Artigos | Cartilhas | Livros | Teses e Monografias | Pesquisas | Lideranças e Mecenas | Diversos

Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo

 

Por que preservar? Oyama de Alencar Ramalho

Descrição

Há pelo menos duas boas razões para preservar as coisas do passado. A primeira é de ordem subjetiva e relaciona-se com a vida emocional das pessoas. De um modo geral, gostamos de manter tudo aquilo que nos traz as recordações agradáveis dos tempos idos. Através da manutenção do ambiente físico facilitamos a lembrança de fatos ou pessoas que proporcionaram situações de prazer e segurança. Se o ambiente físico fosse modificado com multa rapidez, sofreríamos com certeza um aumento de •ansiedade provocada pela desadaptação ao novo ambiente bem como perderíamos 'o contato com o passado, podendo ocasionar a desorganização de parte do nosso comportamento. Talvez por isso, no âmbito familiar, preservam-se casas, móveis e utensílios que compuseram o cenário onde nossas vidas se desenrolam. Em alguns casos, a preservação chega a limites pouco lógicos para o observador não envolvido, mas para quem é o dono das emoções, todos os arranjos são válidos para provocar as sensações do passado. Há famílias que mantêm a cadeira de um antepassado querido, no mesmo lugar em que ele gostava de assentar-se. Arrumações dessa natureza são inúmeras e todas elas justificadas por algum tipo de emoção prazerosa que possam suscitar.
No âmbito social, a questão é a mesma. Trata-se apenas de uma extensão da vida pessoal. Os aglomerados humanos, possuidores de alguma homogeneidade cultural, preservam o ambiente público pelas mesmas razões estimuladoras da manutenção do ambiente familiar, acrescidas de certos ingredientes mais sofisticados, uma vez que a vida social demanda regras de convivência, elaboradas em bases consensuais.
Ora, se essas considerações forem plausivelmente verdadeiras, o com¬portamento inverso estará também explicado. Quem familiarmente não pos¬sui uma história em que haja o predomínio de emoções agradáveis não tem motivos para preservar coisas que relembrem o passado desagradável. O importante passa a ser: destruir para esquecer. Se o antepassado ao qual nos referimos anteriormente, ao invés de ser um ente querido, fosse uma figura deplorável; não preservaríamos a cadeira em que ele gostava de assentar-se, queimaríamos aquele móvel, pintaríamos as paredes com outras cores, de¬moliríamos a casa, se possível, evitando as lembranças que reavivassem os sofrimentos que ele pudesse ter causado.
No plano social, há infindáveis exemplos de destruição deliberada, so¬bretudo quando o comportamento emocional está fora de controle,como pudemos observar recentemente a derrubada das estátuas dos líderes soviéticos, feita por uma massa ensandecida.
Há, no entanto, exceções. Muitas vezes, preserva-se o desagradável para gerar o comportamento de esquiva, isto é, mantemos um aviso para que não se repita o passado doloroso. Na Polônia, são mantidos os tampos de concentração para lembrar os horrores de uma guerra que não deveria se repetir. Em Berlim, há uma igreja com urna torre semidestruída por um obus de artilharia e os alemães cuidam técnica carinhosamente daquele buraco para que o tempo não os faça esquecer de um período de sofrimento e conseqüentemente não seria bom repetir o nazismo. Na capital ela República Tcheca, em pleno centro da cidade, há um blindado de guerra avariado, conservado à guisa de monumento, para lembrar a famosa primavera de Praga e com fina ironia ainda colocou-se urna placa de trânsito: É proibido estacio¬nar tanques.
E verdade que esses casos de destruição e preservação do patrimônio público são recentes. O que já se distanciou muito dos nossos dias não nos causa os comportamentos emocionais apropriados à época. Não vamos destruir uma estátua ele Nero porque, além de ter ateado fogo em Roma, perseguia os cristãos. Não vamos implodir o Coliseu porque aquela edificação servia de arena onde ocorriam atrocidades. Não vamos terraplanar o Egito porque as Pirâmides foram construídas através do trabalho escravo. Muito ao contrário, há dezenas de fortes argumentos para preservar qualquer coisa do passado distante. E possível que daqui a quinhentos anos, em alguma escavação arqueológica, encontre-se com alegria uma estátua do Lênin.
A segunda razão para preservar as coisas do passado é de natureza prática e foi descoberta recentemente, em termos históricos. Verificou-se que algumas pessoas passaram a ter interesse em conhecer ou manter contato com o preservado de outras culturas. São pessoas comuns que simples¬mente se emocionam diante daquilo que o homem construiu ao longo de sua história. No momento em que esses viajantes iniciaram suas excursões em terras alheias, para apreciar a arquitetura, os museus e toda a variedade de manifestações artísticas de um povo, nasceu o turismo. Quem recebe o turista concluiu que a preservação do seu passado ganhava um sentido econômico substancial, isto é, mostrar um acervo arquitetônico bem cuidado, providenciar a infra-estrutura adequada para o acolhimento do visitante, tratá-to bem, facilitar e estimular sua permanência rendiam ganhos econômicos generalizados. Iniciou-se a movimentação de uma indústria, geradora de em¬pregos e recursos financeiros cuja conseqüência imediata é a melhoria da qualidade de vida da comunidade preservadora. Nos países mais evoluídos há um ministério do turismo para cuidar de todos os assuntos pertinentes a essa atividade, pois os insumos obtidos traduzem-se em bilhões e bilhões de dólares.
Neste momento, não estamos falando de uma novidade, tudo isso é mais do que sabido, estamos apenas evidenciando uma das boas razões para preservar o passado, embora, com freqüência, tem-se estabelecido a polêmica: preservação versus progresso. Modernamente não temos notícia de que a vontade de preservar tenha sido um empecilho para aquilo que se possa entender como progresso. Houve casos complicados, mas o “progresso” sempre foi o vencedor, apesar de posteriormente haver uma espécie de arrependimento quando a solução encontrada não foi a mais adequada. Nos lugares onde a indústria do turismo consolidou-se, é muito difícil desmoronar as obras do passado em nome do progresso. Há um planejamento mais comedido, mais sensato, menos intempestivo. No Rio de Janeiro, demoliu-se o Palácio Monroe, sede do Senado da República, porque aquela simpática edificação estava na rota do metrô. Venceu o progresso. Em Berlim, reconstruiu-se o Reichstag, praticamente destruído na Segunda Grande Guerra. Deve-se ter gastado muito mais dinheiro para reconstruí-lo que os recursos que seriam necessários para desmanchá-lo completamente e erguer um prédio moderno em seu lugar. Venceu a preservação. Não conseguimos ver que isso tenha sido um atraso para progresso de Berlim, muito pelo contrário, aquela imponente construção não só atrai milhares de turistas, mas preserva sobretudo o símbolo da unidade do povo alemão.
Após essas considerações, vamos ao acaso de São João del Rei que ultimamente tem andado às voltas com estas questões. Estamos inclinados a aceitas a hipótese de que a cidade preservou-se arquitetonicamente enquanto a população dominante possuía homogeneidade cultural. No momento em que a cultura local começou a diversificar-se com a chegada de pessoas desvinculadas da tradição original, iniciou-se o processo de destruição ou de substituição do velho caracterizado pelo novo informe. Arriscamos dizer que a cidade foi destruída. O que ainda está de pé e intacto são as belas construções isoladas, tendo em vista que a cidade como um todo perdeu o seu feito. Hoje, não passa de uma Divinópolis mais pobre com alguns casarões incrustados num panorama disforme que vai da trincheira de guerra ao espigão de cimento armado.
A descaracterização ocorrida ao longo de muitos anos produziu algum tipo de sofrimento no cidadão sanjoanense. Mas por quê? Por que se permitiu que uma cidade fosse tão depredada?
Sem focalizar as exceções, a única explicação que encontramos correlaciona-se com o empobrecimento econômico da região. Preservar custa dinheiro e não havendo meios de fazê-lo, sucumbe-se facilmente às tentações de ofertas salvadoras. Quem adquiriu grande parte do casario antigo da cidade não possuía motivos emocionais para preservá-lo e nem tinha a visão de futuro que lhe permitisse antever que o preservado poderia ser economicamente favorável a si e à comunidade. Acrescente-se a isso o gosto duvidoso próprio da cultura capitalista emergente do novo rico. Poderia ter sido diferente, mas não foi. O sanjoanense que aqui estava o que aqui permaneceu perdeu forças, não era mais o dono da cidade. O que deixou a terra foi obter sucesso em outras paisagens. E o mais esclarecido, mais culto, mais bem aquinhoado de posses, mais capacitado para tudo, entretanto limitou-se a lamentar a destruição de São João del-Rei. Não quis, não pôde ou não soube intervir efetivamente em favor da preservação. Faltaram iniciativas concretas que orientassem os novos donos da cidade a conciliar a preservação com modernice que pudesse estar em seus projetos. Quando se derrubava um casarão antigo, aparecia o sanjoanense nostálgico e irrealista, condenando e agredindo, nunca porém, com uma alternativa convincente que estimulasse a preservação.
O resultado está aí, uma cidade desfigurada, irremediavelmente desfigurada que não mais pertence aos sanjoanenses da tradição. O sanjoanense de hoje, dono da cidade, veio de outros lugares, sabe pouco sobre a terra, acredita que nas escadarias do Teatro Municipal há pedras centenárias, jura que a Rua Santo Antônio foi calçada com pé-de-moleque a mando, quem sabe, de Tomé Portes, afirma que a casa do Seu Adenor Simões é antiqüíssima.
Restou o patrimônio público, sobrevivente heróico da onda de devastação. Este está seguro, embora descuidado em algumas épocas.
Ninguém demolirá a ponte da Cadeia ou a do Rosário; não aparecerá mais um vigário que queria desmanchar a bela igreja de São Francisco; ninguém revestirá a Prefeitura com pastilhas, para que ela dispense a pintura de vez em quando, não se destruirá o Museu Regional, para aumentar o estacionamento do Largo Tamandaré. Imaginamos até que os prefeitos e vereadores deveriam assessorar-se de um conselho municipal do patrimônio histórico, composto de artistas, professores, arquitetos, engenheiros civis, historiadores e outros entendidos que lhes desse pareceres sábios, úteis e orientadores, não somente para cuidar da preservação do pouco que restou, mas também para não permitir que se continue a construir o horror. Se cuidarmos bem do patrimônio histórico de São João del-Rei, como o alemão cuida de sua igreja, ainda pegaremos algum visitante desgarrado que tenha ido fazer turismo em Tiradentes. Será um grande negócio!
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