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Padre Toledo, um líder inconfidente . Luiz Cruz
Descrição
Casa de Padre Toledo, hoje transformada em museu: prédio do fim do século XVIII foi onde o padre morreu e um dos locais de conspiração dos inconfidentes, em 1789. UFMG / Ernane Fonseca
Portugal passou por uma calorosa ação cultural a partir da década de 1770, amplamente influenciada pelos ingleses e franceses. O iluminismo despertou interesses diversos entre os portugueses, especialmente na área agrícola e industrial, diante da possibilidade de inovar e abrir novas frentes de trabalho e aquecimento econômico. Em Lisboa, muitos impressos passam a incentivar novas técnicas para melhor explorar as colônias e amenizar a forte pressão da Inglaterra.
Em 1776, quem se encontrava na movimentada Lisboa era o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, quando foi nomeado Vigário Colado da Freguesia de Santo Antônio, da vasta e rica Vila de São José, da Capitania de Minas Gerais. O padre tomou posse da vigária e somente em 1777 chegou à localidade para assumir suas funções.
A Vila de São José, atual cidade de Tiradentes, foi a primeira da região do Rio das Mortes a ser ocupada e logo se tornou expressiva produtora de ouro. Seu território era muito grande, pois a Comarca do Rio das Mortes era dividida entre apenas as duas vilas irmãs: São José e São João, tendo o rio das Mortes como limite territorial.
Descendente de cristão-velho e irmão inconfidente
Carlos Toledo nasceu na Vila de São Francisco das Chagas de Taubaté, Capitania de São Paulo, em 1731. Seus pais eram Timóteo Corrêa de Toledo e Úrsula Isabel de Melo. Trata-se de uma família de cristãos-velhos, muito voltada para a religião. Seu irmão Bento Cortes de Toledo também era padre e foi seu ajudante na Vila de São José. Outro irmão, Antônio de Melo Freitas, tornou-se franciscano e adotou o nome de Antônio de Santa Úrsula Rodovalho, tornando-se mais tarde bispo em Angola, na África. Duas de suas irmãs se tornaram freiras. Seu pai, depois de ficar viúvo tornou-se padre também.
O irmão Luís Vaz de Toledo Pisa se casou com Gertrudes Maria de Camargo, indo residir em Cotia e depois se instalou na Vila de São João del Rei. Sargento-mor da Cavalaria Auxiliar e assistente do Termo da Vila de São José, ele se envolveu com a Inconfidência Mineira e foi preso no dia 24 de setembro de 1789.
Ao chegar a São José, Padre Toledo já possuía boa situação econômica. Mandou construir um belo casarão na Rua do Sol, edificado em blocos de moledo, retirados do Alto da Pedreira, atrás de sua propriedade. Com amplos salões, sala de jantar, biblioteca e um sobrado místico – torreão. Um dos aspectos mais interessantes do casarão é o conjunto de forros pintados. O autor das pinturas ainda está anônimo. Dentre os forros, dois merecem destaque: o da sala de jantar em gamela, apresentando frutas regionais e o da alegoria dos cinco sentidos.
Toledo: entre os mais ricos
Ficou registrado através dos autos de sequestro, nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Registrou-se a descrição da casa, com seus muros e cavalariça, assim como os detalhes do interior: mobiliário, os utensílios, os objetos e os livros de sua biblioteca. Chama a atenção entre os itens listados a existência de muitas cadeiras, são vários conjuntos, sendo um de 12 cadeiras de caviúna do campo com assentos de tripé carmesim. De sua biblioteca foram sequestrados 105 livros. A casa recebia muitas visitas e tinha muitos escravos, dentre eles Leandro Angola, além de um cozinheiro e dois músicos: José Mina, que tocava trompa, e Antônio Angola, que tocava rabecão.
Padre Toledo tinha mais posses no Arraial da Laje, atualmente município de Resende Costa. Lá possuía uma fazenda e uma casa na sede, com escravaria, plantações de milho e feijão e terreno de mineração. Na paragem chamada Monte Alegre, Arraial de São Tiago, possuía terras minerais e mais escravos. Foi seu próprio irmão Padre Bento quem informou aos sequestradores sobre a existência de seu patrimônio particular. Depois, Padre Bento entrou com recurso, na sede da Comarca, alegando que os depositários desses bens não eram de sua confiança para gerenciar as propriedades.
Há um objeto curioso que fora sequestrado em sua fazenda do Arraial da Laje: um tear. O mesmo objeto fora confiscado entre os bens de Cláudio Manoel da Costa. Trata-se de um equipamento de uso proibido pela Coroa Portuguesa, porque todos os tecidos tinham que ser importados da Inglaterra. Curiosamente, o tear se tornou amplamente utilizado na localidade e atualmente é a principal fonte de renda do município de Resende Costa, empregando centenas de pessoas. O pesquisador João Pinto Furtado, em O Manto de Penélope, levanta todos os bens dos inconfidentes e a partir do patrimônio, analisa a situação econômica de cada um. Toledo figura entre os mais ricos.
“Tal dia será o batizado”
A Comarca do Rio das Mortes concentrou a maior parte dos inconfidentes, devido à mobilização liderada por Padre Toledo. É importante lembrar que nesse período, a comarca abrigava a maior população da capitania, enquanto Vila Rica tinha decréscimo populacional.
Em outubro de 1788, aconteceu a primeira reunião dos inconfidentes na Comarca do Rio das Mortes, que teve como pretexto o batizado de dois filhos de seu grande amigo Alvarenga Peixoto com Bárbara Heliodora – cujo casamento tardio, aliás, Toledo já havia oficializado. Tomás Após o batizado, Toledo ofereceu um banquete em sua casa, com a presença de muitos convidados, dentre eles: Luis Ferreira de Araújo e Azevedo (desembargador da comarca), Luís Vaz de Toledo Piza, Luís Antônio (Tesoureiro dos Ausentes) e obviamente: Toledo, Alvarenga e Gonzaga. Foi nesse dia em que se falou do movimento contra a Coroa Portuguesa e escolheram a senha para o levante: “tal dia será o batizado”. Comeram, beberam, sonharam: Gonzaga governaria por três anos, Bárbara Heliodora seria rainha, Alvarenga, o rei. Toledo seria o “Pontífice”. E “dizem que este Padre (Toledo) pensava, depois do levante, ser bispo desta capitania”, conforme depoimento, posterior. Luís Vaz completou: “...e eu, com este fagote cortaria, se necessário for, a cabeça ao General desta Capitania”, conforme registrado no Autos de Devassa, Vol. 4, página 138.
Vila Rica era sempre visitada por Padre Toledo, que se hospedava com o Desembargador Gonzaga. Em dezembro de 1788, estiveram reunidos na casa do comandante dos Dragões de Minas, Francisco de Paula Freire de Andrade. Alvarenga Peixoto fora convocado por Toledo, através de uma carta que dizia: “Alvarenga, Estamos juntos, e venha Vme. já. Amigo Toledo.” Para o levante, Toledo ofereceria 100 homens montados de suas propriedades e assegurou o apoio de São José, Borda do Campo e Tamanduá. Toledo ficou, ainda, de mobilizar São Paulo, a partir de Taubaté, onde ainda tinha parentes e para lá enviara um sobrinho citado como um “Claro de tal”.
O padre radical
Nas reuniões em que traçaram as primeiras medidas após o levante, Toledo estava presente com suas posições consideradas “radicais”. Havia divergências. Discutiram sobre o que fariam com o Visconde de Barbacena, queriam que fosse decapitado. Gonzaga queria a cabeça do General de Minas Gerais, pela qual Toledo suplicou. Gonzaga respondeu “que havia de ser o primeiro que havia de morrer”. Sobre os europeus que moravam na Capitania, Toledo queria que fossem “eliminados”. Havia, também, preocupação entre os conspiradores com a presença dos “mazombos” - os nascidos na América Portuguesa. Toledo previa uma guerra de três anos contra a Coroa Portuguesa, achava que ela se alastraria pelas demais capitanias da colônia. Tratou-se do tema escravidão e Toledo endossou a proposta de Alvarenga: alforriar os crioulos – escravos nascidos no Brasil e os mulatos. Nas reuniões, o iluminista mais citado era o Abade Raynal (1713/1796). Segundo Padre Toledo, o Abade Raynal ensinava “o modo de fazerem os levantes”.
Envolvido com a conspiração, o gerenciamento de suas propriedades agrícolas e de mineração, a vasta vigária da Freguesia de Santo Antônio, Toledo ainda conseguiu criar entreveros com os habitantes do Arraial de São Bento do Tamanduá (atual município de Itapecerica), que pertencia ao Termo de São José, mas eclesiasticamente esteve ligado a Curral Del-Rei. Tamanduá tornara-se uma comunidade expoente devido à pecuária e à mineração aurífera. Em oposição à vigária local, Toledo dirigiu-se à Tamanduá, mas não encontrou a chave da igreja, a população saíra da localidade, em protesto. Houve intervenção do comandante Inácio Correia Pamplona, mas o povo não arredou. O episódio é longo e amplamente documentado pelo pesquisador Waldemar de Almeida Barbosa.
Os fatos com Tamanduá se transformaram em processo, que foi parar no mais alto Tribunal Eclesiástico Português, a Mesa da Consciência e Ordens, em Lisboa. Em 1788, pensou viajar para Lisboa para se defender. Toledo era tido na Corte com um dos típicos vigários paroquiais, que como dizia o ministro Melo e Castro, com “excessivas e intoleráveis contribuições ... até agora têm opprimido e vexado os povos debaixo do especioso pretexto de direitos parochiaes...”
A traição
Se entre os participantes do movimento inconfidente havia homens muito ricos e ilustrados, havia também homens endividados. Os dois mais comprometidos financeiramente eram João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis. Considerando a possibilidade de ter sua dívida perdoada como prêmio, Silvério dos Reis fez a denúncia do movimento por escrito. Em seguida Inácio Correia Pamplona e Francisco Antônio de Oliveira Lopes também denunciaram da mesma forma. Outro que fez registro da denúncia foi o português Basílio de Brito Malheiros do Lago, através de carta encaminhada ao Visconde de Barbacena, datada de 15 de abril de 1789.
O Alferes Joaquim José da Silva Xavier fora preso no Rio de Janeiro, mas, mesmo tendo conhecimento do malogro do movimento, Toledo tentou incentivar o levante, dizendo “que mais vale morrer com a espada na mão do que como um carrapato na lama”. Toledo foi preso atrás da Serra de São José, quando tentava fugir, sendo conduzido para o Rio de Janeiro. Ficou preso na Ilha das Cobras.
Ao longo do processo instaurado pela Coroa Portuguesa, tornou-se óbvia a participação decisiva dos inconfidentes taubateanos na Comarca do Rio das Mortes. Tanto Padre Toledo quanto seu irmão Luís Vaz de Toledo Piza recebeu a sentença máxima: morte na forca, que era para os líderes da conspiração. Depois, a pena fora comutada para exílio perpétuo. Luís Vaz foi degredado para Angola, falecendo em Luanda, aos 68 anos de idade. Padre Toledo foi deportado para Lisboa, ficando enclausurado até a morte. Faleceu aos 72 anos, em 1803.
O imponente imóvel do padre
A casa do Padre Carlos Toledo da Rua do Sol se destacava das demais da Vila de São José. Ela figura entre os mais importantes exemplares da arquitetura colonial mineira. Outros inconfidentes habitaram casas imponentes e amplas, mas merece destaque a casa de João Rodrigues Macedo, que passou a ser conhecida como Casa dos Contos, em Ouro Preto. Cecília Meireles, no Romanceiro da Inconfidência, no poema Fala a Comarca do Rio das Mortes faz um retrato impressionante da antiga Vila de São José, que ficara decadente por quase cem anos, devido ao abandono e esquecimento. Neste poema Cecília Meireles clama por Padre Toledo, seus sonhos libertários e sua casa:
“...– Que era paulista soberbo, / paulista de grande raça, / mação, conforme o seu tempo, / e a alegoria pintara / das leis os Cinco Sentidos / nos tetos de sua casa ...”
No livro Patrimônio Construído – As 100 mais belas edificações do Brasil, a Casa do Padre Toledo figura em quatro páginas, que mostram sua fachada, o interior e destaca a beleza dos forros pintados. O espaço foi tombado em 1938.
O imóvel setecentista teve usos diversos e sofreu intervenções, algumas muito significativas. No final do século XIX, adaptaram o torreão ao gosto afrancesado de “chalé”, com lambriques. Uma outra intervenção grande foi para adequá-lo para abrigar o cinema e teatro que lá funcionaram; nesse período, Antonio Faustino da Cruz (1919) ainda se lembra que vendia pastéis dentro da casa, antes das sessões de cinema. Foi residência do Juiz Edmundo Lins, no período em que Tiradentes fora comarca. Abrigou o Seminário São Tiago, criado pela Diocese de São João Del Rei e para isso se construíram anexos para os serviços e garagens; construiu-se uma quadra para as atividades esportivas dos seminaristas. Foi a primeira residência das freiras do Sacré Coeur de Marie.
No dia 24 de janeiro de 1971, inaugurou-se o Museu Casa do Padre Toledo, criado pela Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, hoje administrada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Logo após a implantação do museu, a quadra esportiva, que era usada por muitos jovens locais, teve seu piso destruído. Vários buracos foram abertos para o plantio de árvores tanto na quadra quanto em todo o terreno, segundo proposta do paisagista Roberto Burle Marx. As árvores cresceram muito, uma paineira trouxe expressivos danos à conservação do imóvel e, após atingir grande porte, teve que ser retirada.
O imóvel passou por uma grande restauração na década de 1940, realizada pelo IPHAN e coordenada diretamente por Rodrigo Mello Franco de Andrade, na época diretor do SPHAN. No início da década de 1960 teve outra obra e adequação para abrigar o seminário. Em 1982, realizou-se mais uma reforma. Especialmente as intervenções ocorridas nos forros foram bastante danosas. Ao longo da restauração, o forro do terreão desabou e sua reconstituição ficou a desejar. O mais curioso é que esta obra foi realizada pelo órgão de proteção do patrimônio estadual em um bem que tem dupla proteção federal, através do conjunto arquitetônico de Tiradentes e de tombamento isoladamente, ambos pelo IPHAN.
A restauração em curso
Teve início em 2010, ampla reforma estrutural e artística que está sendo realizada pela Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, através de projeto incentivado e patrocinado pelo BNDES. A restauração artística está cuidadosamente sendo realizada pelo CECOR – Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas Artes, da UFMG. A restauração artística está resgatando o belíssimo colorido e as formas em estilo rococó dos forros pintados.
Paralelamente às obras, pesquisas estão sendo realizadas e coordenadas pelos professores Luiz Carlos Villalta sobre o Padre Toledo e José Newton Coelho Meneses sobre o quintal da casa. O arqueólogo Carlos Magno Guimarães está coordenando as prospecções arqueológicas no porão e no terreno, onde existiam cavalariça, amurados, sistema hidráulico e senzalas. A professora Ivana Parrela é a coordenadora geral do projeto e o Museu Casa do Padre Toledo terá nova proposta museográfica e deverá ser reaberto em de 2012.
O ex-governador de Minas Gerais Juceslino Kubitschek criou a Semana da Inconfidência, que tinha abertura oficial em Tiradentes, com o acendimento da Pira da Liberdade dentro da Casa do Padre Toledo e, após a cerimônia, realizava-se a Corrida do Fogo Simbólico, que chegava a Ouro Preto no dia 21 de Abril. Na cerimônia ouropretana, o Governo mineiro entrega, ainda, a maior condecoração do Estado: a Medalha da Inconfidência Mineira. Lamentavelmente, a partir a gestão do governador Aécio Neves, o Estado de Minas Gerais deixou de realizar a Semana da Inconfidência. O Largo do Sol, com a Casa do Padre Toledo ao fundo, é o cenário das cerimônias cívicas da cidade de Tiradentes.
* Luiz Cruz é professor e coordenador das Visitas Guiadas às obras artísticas da Casa do Padre Toledo.
Referências Bibliográficas:
AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira. Brasília: Câmara dos Deputados: Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1976.
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte – Rio de Janeiro: Ed. Itatiaia, 1995.
FURTADO, João Pinto. O Manto de Penélope. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
GUIMARÃES, Júlio Castañon. Matéria e paisagem e poemas anteriores. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998.
História de Minas Gerais - As Minas Setecentistas. Organizadores Maria Efigênia Lage e Luiz Carlos Villalta. Belo Horizonte: Autêntica: Companhia do Tempo, 2007.
LAGO, Pedro Corrêa do. (coordenação). Patrimônio Construído: As 100 mais belas edificações do Brasil. São Paulo: Capivara, 2002.
MAXWELL, Kenneth R. A Devassa da Devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil – Portugal, 1750-1808. Tradução de João Maia. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2005.
MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1975.
Fonte: Revista de História, 13 de Dezembro de 2011