São João del-Rei, Tiradentes e Ouro Preto Transparentes

a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

ser nobre é ter identidade
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Semana Santa ameaçada? Suely Campos Franco

Descrição

A edição de 7 de março de 2009 publicou a lamentável notícia de que a Semana Santa de São João del Rei pode ter sua realização prejudicada por falta de investimentos da prefeitura que reduzirá para menos da metade o investimento que o município faz na promoção da festa. Este fato coloca em pauta um assunto de grande importância não somente para a nossa cidade mas também para o Brasil. E vem, sem dúvida alguma, apontar para a urgência de um debate mais aprofundado por parte dos governos, da Igreja, das diversas associações e da população sanjoanense.
Sabemos que São João del Rei se insere na História do Brasil com particularidades que reforçam sua importância. A Semana Santa de São João del Rei, incluindo as celebrações da Quaresma, é reconhecida como uma das celebrações católicas mais significativas do pais porque, para além do lado religioso enquanto celebração litúrgica mais importante da Igreja Católica , conjuga um forte componente histórico e cultural. O modo como se celebra o Tríduo Pascal atravessa séculos e chega até os nossos dias graças a um forte empenho de diversas forças.
Estas celebrações que se repetem há mais de trezentos anos preservam uma série de tradições originadas no princípio de sua história: os ritos religiosos, a música sacra em sua prática de coro e orquestra e os toques dos sinos em suas múltiplas modalidades rítmicas ligando-se ao passado através dos fios de continuidade. As práticas e cerimônias são motivadas por elementos objetivos e subjetivos, reunindo os mais diversos motivos e pretextos.
A existência e a persistência destes componentes fazem deste período um momento especial para o (re)conhecimento de traços fundamentais de identidade. O significado da sua manutenção torna-se bem maior que um "apego à tradição" ou o orgulho de conservar as relíquias do passado. Arriscamos afirmar que, para os sanjoanenses, a continuidade das festividades herdada sustenta a manutenção da tradição porque ver acabá-la é como morrer um pouco.
Minas Gerais constitui um dos maiores potenciais para o turismo cultural no país tendo como principal atrativo o patrimônio cultural herdado de tempos coloniais. Além disso, a Semana Santa de São João del Rei, enquanto uma forma particular de manifestação cultural, representa um forte atrativo para o turismo cultural que é uma atividade voltada para consumo e para a divulgação das manifestações da cultura em seus mais diversos tipos de expressão, valorizando-os como atrativos. Algumas ações vem sendo conjugadas nos últimos anos, visando ao fortalecimento dessa atividade como a criação oficial de alguns circuitos como o da Estrada Real e da Trilha dos Inconfidentes, atualmente amparados por iniciativas de apoio oficiais do Governo do Estado e do Governo Federal e nos quais São João del Rei e as cidades da região estão inseridos. Mas ao que me parece, nossa cidade não conseguiu ainda inserir-se nesta rota tão promissora em muitos sentidos.
Considerando o investimento de R$400 mil na promoção do Carnaval desse ano e a revelação de que em 2008, a Prefeitura Municipal investiu R$60 mil na Semana Santa e que, nesse ano, o município deve investir apenas R$25 mil causa um impacto bastante negativo na comunidade e demonstra, entre outros fatores, a ausência de um correto planejamento e de uma política cultural coerente da atual gestão. Tive a oportunidade de participar por três anos da elaboração do Relatório do Município visando o recebimento do fundo de cultura do Estado (ICMS cultural) e pergunto: não temos este recurso reservado? Ou foi todo destinado para o Carnaval? E por que não inserir este evento nas Leis de Incentivo à Cultura e beneficiar do patrocínio privado?
Em que medida o comércio e a indústria da cidade participam? Os tempos mudaram, existem muitos e diferentes caminhos e tomemos como exemplo o Inverno Cultural da UFSJ que iniciou-se com o trabalho voluntário de artistas e produtores e é hoje um evento de dimensão nacional, com uma grande parte do seu orçamento advindo de patrocinadores.
Permito-me aqui, a título de exemplo, que poderá auxiliar na reflexão sobre o nosso contexto, apresentar um modelo de uma outra forma de gestão cultural. Trata-se da Semana Santa de Braga, cidade portuguesa localizada na região do Minho, norte de Portugal e de onde veio a maior parte dos imigrantes que povoaram nossa região a partir do inicio do século XVIII, influenciando sobremaneira as formas das nossas celebrações festivas de caráter religioso. Naquela cidade, chamada de "Roma Portuguesa", a Semana Santa é celebrada com grande pompa, mantendo-se a maior parte da ritualística tradicional, ainda muito mais antiga que a nossa (o chamado Rito Bracarense).
Por este motivo, é o maior atrativo do turismo religioso e cultural do pais; e Braga é a sede da Agência Nacional de Turismo Cultural Religioso (TUREL). Como São João del Rei, Braga recebe todos os anos um grande número de turistas vindos daquele país e do exterior. Toda a programação, que conjuga também outras atividades paralelas que se traduz na realização de concertos, exposições, decoração das ruas e concursos de vitrines alusivas ao tema da paixão de Cristo.
A cidade entende que as duas facetas são modos diferentes, mas ambos pertinentes, de celebrar a fé, fazer evangelização e progredir economicamente. Acrescente-se ainda as diversas tradições e costumes mantidas, como a culinária típica (o bacalhau, o cabrito, o folar e o pão de ló...), como a distribuição de amêndoas (como fazemos também...), entre outras.
A Semana Santa de Braga é elaborada por uma comissão organizadora composta por três entidades religiosas (Cabido da Sé, Irmandade de Santa Cruz e Irmandade da Misericórdia) e três civis (Câmara de Braga, Associação Comercial e Região de Turismo Verde Minho), a que se juntam ainda a paróquia e Junta de S. Victor e muitas pessoas a título individual. "Para além do lado religioso, a cidade é a primeira beneficiária deste investimento, tanto em movimento de pessoas, com grande afluência de turistas, como em dinamização do comércio", lembra o cônego Jorge Coutinho, presidente da Comissão em entrevista a mim concedida para minha pesquisa de doutoramento.
A Comissão se reúne e trabalha concretamente, e de mãos dadas, durante todo o ano para a montagem do evento, que implica na elaboração de todo o programa, preparação da logística, captação de recursos e divulgação. O programa da Semana Santa desde ano está orçado em 105 mil euros!!!! A tais apoios, materiais e logísticos, acresce os órgãos de comunicação social locais, um vasto leque de entidades privadas e suas associações representativas e a disponibilidade de muitos milhares de bracarenses que, nas diversas vertentes, dão corpo ao programa da Semana Santa e asseguram o êxito e adesão crescente que esta vem registando. Tive a oportunidade de observar da Semana Santa de Braga e de freqüentar algumas reuniões da comissão durante três anos consecutivos e constatar o quanto um esforço organizado e determinado pode resultar em um excelente produto.
Em São João del Rei, a Igreja se manifesta com certa indignação, colocando-se ainda assim esperançosa de uma possível revisão da decisão por parte do Governo Municipal. Outros representantes de entidades locais como a presidente da Associação de Hotéis e Pousadas de São João del Rei, Nilza Afonso Alvarenga da Silva, e o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de São João del Rei, Wainer Pastorini Haddad, destacam as evidentes vantagens deste evento turístico para o incremento das atividades comerciais para o município. Mas, para além destas importantes vantagens materiais vislumbremos muitas outras como, por exemplo, o envolvimento apaixonado dos seus moradores nas solenidades, os sentimentos de orgulho e auto-estima despertados, fazendo com que os laços fraternos e identitários se reforcem....
Enquanto forma de expressão de fé, enquanto patrimônio cultural material e imaterial, enquanto elemento de mobilização da atividade cultural ou instrumento de fomento da atividade turística, a Semana Santa de São João del Rei deve merecer o compromisso e o apoio de todas as entidades públicas e privadas. Nossa cidade orgulha-se do repetir-se, compreendendo os significados culturais armazenados através dos tempos. A Semana Santa de São João del Rei deve ser de todos e para todos: entidades religiosas e civis, crentes e mesmo não crentes, participantes ativos e simples espectadores.
*Antropóloga, programadora Cultural da UFSJ, doutranda Sorbonne/Paris

Fonte: Gazeta de São João del-Rei . 14/03/09
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