São João del Rei Transparente

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Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

Lendas de SJDR dão vida a passeio noturno na cidade . Walquíria Domingues

Descrição

São João del-Rei, que já foi Capital Brasileira da Cultura em 2007, tem o dom de eternizar suas tradições culturais. Ela possui peculiaridades como a Linguagem dos Sinos, que se tornou patrimônio nacional e o Ofício de Trevas, ritual religioso centenário realizado na Semana Santa, que não é mais praticado como aqui nem mesmo no Vaticano. O que também chama a atenção é uma série de lendas que instigam a imaginação e a curiosidade de moradores por gerações e também de turistas que visitam a cidade. 

Criadas pelas antigas gerações, as lendas talvez não possuíssem nenhum registro escrito. Apenas foi passada de ‘boca em boca’ cada história, cada causo. Algumas das lendas contam histórias inacreditáveis, como o caso d’ O Senhor do Mont’Alverne: a aparição misteriosa de uma imagem em tamanho real do Senhor do Mont’Alverne, que foi levada para o altar-mor da Igreja de São Francisco de Assis, onde se encontra até hoje.

Outras lendas são a da “Chica mal-acabada”, “A missa das almas”, “A Bisbilhoteira” e o “O segredo”. Verdade ou não, imaginação ou não, as histórias atravessaram séculos, décadas, viajaram gerações e desembarcaram na atualidade. Todas as lendas podem ser lidas no portal www.sjdr.com.br, no livro "Contam que...” de Lincoln de Souza, ou vividas em um belíssimo passeio noturno turístico, com a encenação das histórias são-joanenses nas ruas e esquinas da cidade. 

Durante a noite as ruas ganham vida e são vistas com outros olhos. Enquanto o guia apresenta a riqueza arquitetônica e cultural de São João del-Rei, das vielas e dos sobrados, surgem personagens atípicos: uma senhora vingativa, uma velhinha e um padre amedrontados, uma bisbilhoteira, uma jovem louca, uma senhora ciumenta e vingativa, um coronel assustador.

A partir de 2007, estas lendas se tornaram teatro vivo de rua integrado a passeio turístico noturno, em um Projeto desenvolvido pela Coopertur – Cooperativa de Condutores de Turistas de São João del-Rei, o Lendas São-Joanenses. “O Lendas começou com um grupo, um curso oferecido pela Unesco, chamado ‘Monumenta’, capacitando as pessoas para serem guias turísticos. E a maioria que fez o curso trabalhava durante o dia, então eles tinham que estudar a noite. Logo, eles iam passear a noite para estudar e ver os monumentos da cidade. O Cristóvão começou a perceber que a cidade a noite era maravilhosa. Daí a gente pensou em fazer um tour noturno. As idéias foram crescendo, e não queríamos só o tour”, conta Karla Vitalino, integrante do projeto. “Pensamos em contar as lendas, mas ainda faltava algo, então pensamos que encená-las era mais interessante”, diz. 

Interessante é pouco. Os personagens vivos interagem com os turistas e participantes do passeio. A Dona Virgínia, papel interpretado por Monique na lenda “A missa das Almas”, pede ajuda para subir as escadarias da Matriz do Pilar e por ali fica, afinal, depois de participar de um Ofício de Mortos à meia noite na igreja, diz que nunca mais entra em nenhum templo na cidade. “Que Deus me perdoe”, implora, “mas agora eu rezo só em casa”.

Tia Tudi, a Bisbilhoteira, do sobrado a vê indo embora, e conta seu causo, e assim as lendas se entrelaçam e vão sendo descobertas com atenção, admiração, sustos e risos. As pessoas se encantam, como Augusto, de Curitiba, que resolveu acompanhar o passeio. “Achei muito legal, e não tinha visto nada parecido. Na verdade eu fiquei surpreso com tudo, é muito melhor do que um guia simplesmente comentando o passeio. Com as histórias daqui é muito melhor e mais interessante entender e conhecer a cidade”, conta o turista, feliz com o passeio. 

O Lendas São-Joanenses, que tem como principal finalidade difundir a valorização e preservação do patrimônio histórico cultural da cidade, conta com um grupo atual de 12 pessoas, envolvendo guias de turismo, atores e equipe de apoio, e todos são muito unidos. Monique, que faz Teatro na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e um curso profissionalizante para atores da Cia teatral ManiCômicos, conta que é a segunda atriz do Lendas. Orgulha-se em dizer que a união do grupo a faz se sentir em família e que “quando falta um ator, o outro faz o papel, sem problemas. O pessoal é muito unido, desde o início, e isso é muito importante pra manter o projeto vivo”, diz. E Karla acrescenta que isso mostra como todos têm a mesma importância dentro da equipe. “Ninguém é mais que ninguém”, fala.

 
Acreditando que é preciso conhecer para preservar, o passeio, que ocorre no terceiro sábado de cada mês, mas que também realiza apresentações para públicos fechados quando solicitado, tem contribuído para a preservação da cultura local e divulgação turística de São João, focando sempre o turismo. “Passamos nas pousadas e hotéis e entregamos nossos panfletos e tem grupos que fecham um pacote com a gente”, conta Monique, que interpreta todas as personagens femininas das lendas, como a Dona Virgínia e a Chica Mal Acabada. Mas, apesar de o foco ser o turismo, a participação da comunidade em eventos culturais como este é tão bem vinda quanto à de turistas, e isto contribui para que não morra o que São João tem de mais rico, que é seu patrimônio material e imaterial. 

O trabalho foi todo embasado no livro "Contam que...” de Lincoln de Souza. Monique explica que a partir das leituras das histórias, eles mapearam as características dos personagens, “alguns ilustres da cidade, como o irmão Moreira, que realmente existiu e que tem uma homenagem sua até hoje na entrada da Santa Casa”, conta. A equipe analisou o psicológico de cada personagem, a postura deles através das narrativas, e assim conseguiram montar a estrutura física do teatro de rua, tudo de forma amadora, segundo eles, mas feito com muito carinho. 

Apesar de hoje o espetáculo, seguido com explicações dos guias turísticos sobre a cidade, ser um primor de dedicação, a equipe está à procura de novos atores, que tenham disponibilidade noturna, e também de um diretor “para dar um profissionalismo e uma cobrança maior na equipe. Até hoje fizemos tudo muito no ‘achismo’, e queríamos alguém que nos guiasse melhor. Só temos medo de que o diretor chegue e queira mudar tudo. Nós queremos que continue como é, que é a nossa essência, a essência da cidade”, comenta Karla. 

Apesar do considerado amadorismo, o trabalho conquistou em 2010 um troféu do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade de Preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. Cristóvão Vitalino, um dos coordenadores do projeto, mandou um material riquíssimo depois de ler o edital, e o Lendas São-Joanenses foi selecionado para concorrer em Minas, na categoria Salvaguarda de Bens de Natureza Imaterial. “O Jadir (um dos coordenadores) e a Fabrícia (integrante do projeto) foram em Diamantina receber o troféu pela indicação”, conta Karla, muito orgulhosa, e isso fez com que o projeto fosse mais bem reconhecido, a nível nacional, e o mais importante, aqui na cidade. “Todo mundo já conhece o Lendas, e este era o sonho do Cristóvão. Aliás, ele tem dois sonhos. Primeiro que isso seja de fato uma realidade, e segundo que o Lendas ganhe uma mídia nacional, como já ocorreu no programa Terra de Minas e na TV Panorama”, conta Karla, que acompanha os sonhos do Lendas e os vêem sendo realizados. 

O projeto, que também foi aprovado pela Lei Rouanet, e que já conseguiu 20% da verba com o patrocínio da Cemig, conseguiu contratar um figurinista “que vai nos ajudar a sair do achismo”, diz Karla, muito empolgada. “Uma vez um padre nos disse que na época retratada na lenda, os padres não usavam estola, por exemplo”. Para ajudar na verba, a fim de aprimorar o projeto, “é cobrada uma taxa de R$10, além da venda de suvenires do projeto, como camisetas, bonés, e os famosos bonequinhos dos Monges, os mascotes do projeto, além das Agendas, Cartazes e Calendários de mesa doados pela Atitude Cultural e projeto Ser nobre é ter identidade, também de São João. 

Giuliana, que hoje mora fora do país, mas que foi criada em São João del-Rei, voltou à sua terra para prestigiar o projeto em que a irmã, Márcia, é participante. “É muito legal a dedicação deles, eles tem um grupo muito interessante”. Ela conta que trabalha em Londres, mas mora numa cidadezinha chamada York. “É também uma cidade turística e muito antiga, e eles tem uma coisa bem parecida, que se chama ‘Caminhada dos Fantasmas’. York tem a fama de ser a cidade mais mal assombrada do mundo. E no passeio, eles ficam na rua, no lugar turístico, e ficam chamando o pessoal pra vir acompanhar, todos os dias, às 19h no verão, e vão contando as suas histórias”, explica. 

O Lendas, possivelmente o único passeio deste tipo no Brasil, tem se tornado um ícone para quem visita São João del-Rei, e desta forma, como vem sendo tão bem feito, não só as lendas, como toda a cultura da cidade continuará viajando pelo tempo à frente, se eternizando juntamente com a cidade. Jadir, Karla e Cristóvão Vitalino podem se orgulhar, afinal “Se você foi pra São João e não foi no Lendas, com certeza estará faltando alguma coisa”.

Walquíria Domingues
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