São João del Rei Transparente

Publicações

Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

Acordemos para o novo dia . Breves reflexões sobre as potencialidades turísticas de SJDR . Antonio Emilio da Costa

Descrição

Um sentimento confortável de orgulho, mas também quase melancólico, nos envolve sempre que pensamos: como é bela nossa São João Del-Rei! Resquícios do que sobrou da delicadeza de outros tempos, registrados nas fachadas arquitetônicas, no leve desalinho das ruas, pródigas em sons e perfumes tão próprios – toques de sinos, jasmins, apitos, incensos, notas musicais, damas da noite ... – e na sombra verde ou roxa das montanhas ainda conseguem manter, da cidade, a alma singular. Uma cidade muito mineira. Recatada. Que não se mostra abertamente. Que muda sua face de acordo com a estação do ano, com a luz do sol ou da lua.

Comtudo isso, por que nossa cidade ainda não é verdadeiramente um pólo turístico? Porque muito pouco se faz para que isso aconteça. Vejamos: Nos últimos dez anos o nome de São João Del-Rei, como notícia na mídia nacional, apareceu ligado a fatos trágicos, indesejados, frustrantes ou desagradáveis, como a morte do presidente eleito Tancredo Neves, a grande enchente que fez muitos estragos, o destombamento de parte do centro histórico, a ameaça de asfaltamento de ruas seculares, os danos causados pela exploração contemporânea de ouro em betas próximas à igreja do Carmo e, mais recentemente, o trágico incêndio ocorrido no dia 7 de julho [de 1995].

Nosso carnaval, enfraquecido em suas raízes populares e criativas – e diante da explosão de novos ritmos – já não é mais notícia e até mesmo as celebrações da Semana Santa, a cada ano ocupam menos espaço nos telejornais e veículos impressos de circulação nacional. Estamos fadados ao esquecimento?

Situando esta problemática no mundo da comunicação, pode-se dizer que a imagem de São João Del-Rei, enquanto cidade histórica e turística, para o povo brasileiro, se associou a aspectos negativos – perdas, tragédias, ameaças, destruição. E como estes fatos não são objetos de desejo, ninguém os quer. A não ser que a breve experimentação de sensações inusitadas ou desagradáveis seja transformada em atração, como se faz na Europa. A Inglaterra, por exemplo, tira grande proveito de seus fantasmas; em Londres é muito concorrido o tour pelas galerias de teatros assombrados, passando por ruas sombrias, encobertas pela densa neblina. Como a indústria da persuasão é poderosíssima, criemos fatos positivos ou aproveitemos melhor nossas mazelas.

Enquanto a televisão alardeia nossas aflições e tormentas, São João Del-Rei esconde sua face. Institucionalmente, somos tímidos (discretos, diriam alguns; comedidos, defenderiam outros) ao falar de nossas tradições culturais, de nosso patrimônio e de tudo o que constitui nossa grandeza. Modéstia mineira, poderíamos justificar, mas “se não dissermos o que somos, permitiremos que, por ignorância, a nosso respeito pensem o que não somos”, ensinam os sábios.

Nem todos amamos São João Del-Rei com a mesma intensidade. Isso é facilmente percebido pelas agressões que muitos de nós – nossos vizinhos, nossos amigos, nossos superiores, nossos parentes, todos eles nossos conhecidos – cometemos contra o patrimônio são-joanense. Seja descaracterizando uma fachada, adulterando um detalhe ou não se comprometendo com a memória e com as tradições culturais da cidade. Mas todos nos beneficiaremos se a cidade vier a ser, ordenadamente, transformada em pólo de atração turística, pois o turismo é a indústria que mais gera recursos financeiros. E são estes recursos que possibilitam e impulsionam o desenvolvimento econômico, social e humano.

O que nos falta, se temos muita coisa que é ímpar, como as mais antigas orquestras em atividade das Américas; tradições religiosas inigualavelmente preservadas, arquitetura barroca singular, clima sempre favorável e culinária muito apreciada? Falta adequar todo esse potencial ao novo tempo em que o mundo se encontra, tratando esses recursos como uma indústria geradora de riquezas e de bem-estar.

Falta a união de todos – poder público, comunidade, universidade, empresariado, comércio, instituições culturais, entidades de classe – pela conquista de um ideal comum. Faltam projetos e determinação para implementá-los. Faltam desejos verdadeiros e coragem para realizá-los.

Como numa indústria, precisamos de planejamento, investimentos, administração e gerenciamento. Da mesma forma que em uma empresa, precisamos ter visão de mercado e de suas tendências. Precisamos construir e difundir a imagem, formando e mantendo opiniões positivas e favoráveis sobre todo o processo. Precisamos criar e viabilizar um produto que satisfaça – o melhor mesmo é que supere! – as necessidades e as expectativas dos clientes, sabendo que nossa melhor matéria prima e nossa mais qualificada tecnologia são a convivência harmoniosa da riqueza cultural do passado com a modernidade consciente que, unidas, resultam no pleno conhecimento e na mais completa valorização da cultura e da memória são-joanense.

Há muito tempo o extrativismo é uma ideologia anacrônica e superada. Acordemos para o novo dia que bate em nossa porta. Abramos os olhos, demo-nos as mãos. Construamos moinhos para aproveitar todo e qualquer vento – os bons e os maus – que, queiramos ou não, sempre estão soprando em nossa direção.

* Jornalista, gerente cultural do Arquivo Público do Distrito Federal.
*Publicado em A Voz do Lenheiro – Ano I Nº 4 – agosto/1995
Compartilhar Imprimir

ESSE PORTAL É UM PROJETO VOLUNTÁRIO. NÃO PERTENCE À PREFEITURA DE SÃO JOÃO DEL-REI.
Contribua ajudando-nos a atualizar dados, ações, leis, agenda cultural etc. Todos os créditos serão registrados.