a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

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Seu Vicente e a cultura . Lília Diniz

Descrição

Manhã quente, sem brisa, sol impiedoso, sigo até a padaria.
Não costumo freqüentar padarias. Prefiro fazer um bejú, um cuscuz ou ainda cozinhar inhame ou macacheira para quebrar o jejum. Peço o pão de queijo, fico viajando nas notas e na música que toma conta do ambiente.
Cuitelinho, é a música que chega aos meus ouvidos. Me leva de volta à infância em algum lugar, de um passado que não vivi no interior de Minas Gerais. “A tua saudade corta / Como aço de navaia/ O coração fica aflito/ Bate uma, a outra faia / Os óio se enche d`água / Que até a vista se atrapaia, ai, ai, ai”. 
Cabelo grisalho e desgrenhado. Barba por fazer. Roupa suja. Violão em punho. Lá estava seu Vicente. 
Caminhoneiro que ao longo de 20 anos andou pelas estradas do Brasil. Destino final, Imperatriz. Antes, passou por Minas, aonde aprendeu amar viola de Minas.
Fico imaginando quantas figuras como seu Vicente existem neste país. O que o levaria a estar nesta manhã, sentado no meio fio, de frente para o sol quente das oito da manhã, em Imperatriz? 
Fico pensando no valor cultural de um homem como seu Vicente que, desgarrado de sua cultura natal, adota a viola como sua parceira. 
Quantas horas de solidão guarda no bolso este ser? 
Quantas notas lhe fazem companhia nas noites quentes desta cidade cega? 
Quantos sonhos já escapuliram da gaiola pensamento e se afogaram nas águas do Tocantins?
 
Encontraram, esses sonhos, outros sonhos afogados na imensidão do mar?
- Moça! Moça! Algo mais?
 
Pergunta a atendente, me retirando da viagem que eu fazia nas notas de seu Vicente. Quis dizer a ela: Sim. Quero Uirapuru, Tristeza do Jeca, Estradas do Sertão, Casinha de Palha... 
Paguei a conta e sai.
Com a alma à flor da pele, segui até aquele ser encantado que reencontro e que me faz acreditar o quanto minha cidade ainda tem por descobrir. Cumprimento com a cabeça e ele responde da mesma forma, me olha como quem diz:
- Quem é essa dona que parou aqui pra me ouvir cantando? Sendo assim, vai uma cantiga que eu sei que ela vai gostar. Que se parou pra ouvir é porque gosta de viola. Guenta dona!
“Bem te vi bem te vi andar por um jardim em flor/ Chamando os bichos de amor / sua boca pingava mel/ Bem te quis, bem te quis e ainda quero muito mais/ Maior que a imensidão da paz e bem maior que o sol”... 
Respirei fundo. Engoli o choro e perguntei se estava tudo bem com ele. Me respondeu que sim e resumiu sua vida de caminhoneiro, o aposento que nunca sai, a casa que quer comprar e não tem dinheiro, o feijão preto de cascavel que deu lugar à cana de açúcar.
Pergunto quantos anos ele tem, mais uma musica é desfiada com a simplicidade das rolinhas, que hoje cedo tomavam sol na “cumiêra” da casa da vizinha. 
Perguntaram a moreninha /quantos anos ela tinha /- eu tenho é 21 e uns dia /
pode soltar o moço /que eu fugir porque queria.
- Essa música, dona, é de Jacó e Jacozinho, eles já morreram tem é tempo, mas tem muita música bonita... Então, eu tenho 60 anos e uns dias. 
E sorriu com a leveza das canoas descendo rio abaixo. Rio, riu, rio, riu...
Perceber a figura, o personagem, o homem, seu Vicente, além do que ele aparentemente representa, é um desafio para o poder público, especialmente para a unidade gestora de políticas públicas para cultura. 
Reconhecer nele, em dona Silvéria, que celebra o Divino há 86 anos; em dona Francisca do Lindô, seu Constâncio oleiro, seu Felipão e tantos outros e outras que fazem nossa cultura de modo silencioso, um pedaço do Brasil acanhado e escondido nas ruas de Imperatriz, não é tarefa fácil para quem foi acostumado a engolir o lixo cultural sistemática e continuadamente despejado pela mídia nesta cidade.
O desafio é pensar, elaborar e implementar políticas públicas, que valorizem de maneira ampla as diversas manifestações, abraçando os “novos talentos” e reconhecendo o que temos de acúmulo histórico cultural, nossos bens materiais e imateriais.
Políticas públicas que sobrevivam à alternância do poder, que garantam o fomento às manifestações culturais que perpassam o fazer artístico. Afinal não é somente a “classe artística” que produz cultura.

Fonte: Pensando Cultura

Lília Diniz
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