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A Igreja de São Francisco de Assis

Descrição

Edição: Sérgio Farnese
Texto: Antônio Gaio Sobrinho, presidente do Instituto Histórico e Geográfico
Versão inglesa: Abgar Campos Tirado
Concepção Gráfica: Luciano Cortez

A igreja branca de São Francisco
(Oswald de Andrade)

Além dos dois mestres citados, muitos outros artesãos de diversos ofícios e numerosos escravos negros se envolveram na realização dessa obra-prima que, segundo Germain Pasin, constitui a única, no seu estilo, do mundo.
Resistindo ao apelo da igreja, que Tristão de Athayde classificou como a mais bela jóia arquitetônica de Minas, demoremo-nos a examinar estas escadarias, onde a data de 1874 nos remete ao ano de sua construção e este adro de 1880, com seus balaústres de pedra de lioz, procedentes de Portugal. De fato, com exceção das linhas verticais, podemos ver, como escreveu José Gaede, que nada nesta igreja é reto, tudo tomba, enverga, torce, inclina, sai do prumo, da reta e do nível. É um movimento contínuo, que a embeleza sempre.

Frontispício
Desde a altura de suas torres cilíndricas e de sua imponente cruz de Lorena, dos seus enormes sinos e do seu frontão com a cena do Monte Alverne, até os mínimos detalhes de duas colunas e capitéis, de duas cimalhas e cornijas. Tudo enfim justifica plenamente as eloqüentes palavras de Augusto Viegas: esta fachada, suntuosa e magnificente, sonho que o gênio cristalizou na pedra, tem, com feito, o esplendor indefinível de um arrojado ideal turístico plena e faustosamente atingido em toda sua pureza. A portada, com sua exuberância de símbolos e detalhes, em pedra sabão clara, faz suspeitar a autoria de Aleijadinho. Entre Vários emblemas e anjos, coroada de esplêndida coroa, destaca-se aí a imagem da Imaculada, patrona das ordens franciscanas e do reino portucalense, com seu elogio litúrgico inscrito em sinuosa fita de pedra: Tota pulchra es Maria et macula originalis nos est in te. Esta portada serviu de inspiração mineira para a confecção da custódia na qual, em 1936, desfilou pelas ruas de Belo Horizonte, a hóstia consagrada, no encerramento do 2º Congresso Eucarístico Nacional. A peça de finíssimo lavor encontra-se guardada sobre o altar-mor da catedral metropolitana da Boa Virgem, na capital mineira.

A nave
Ultrapassando o tapa-vento, que Aureliano Pimentel definiu como obra de primeira qualidade formando especiosa marchetaria, eis-nos sob um dos mais arrojados cometimentos da engenharia barroca, do qual, em 24 de abril de 1881, o Imperador Pedro II, na ocasião certamente meio mal-humorado, registrou em seu diário: o arco abatido que sustenta o coro é o que tem de notável. A nave da igreja tem forma elíptica, grande altura e esplêndida luminosidade natural, conseguida pela ausência de sacristias laterais.
O teto, sustentado por quatro colunas de cada lado, emborca-se sobre a nave como uma grande barca, rodeada de um avarandado ou passarela, por onde se anda, numa largura de 76 centímetros. Em tempos anteriores à iluminação elétrica, ali se subia para acender e cuidar de 25 candelabros que pendiam dos ganchos que, ainda, lá permanecem. Dos vários altares, de rebuscada escultura, primam por sua beleza os consagrados a São Pedro de Alcântara e aos bem-casados São Lúcio e Santa Bona, nos quais, sustentando colunas retorças, vêem-se bem torneados anjinhos em forma de atlantes. No de São Lúcio e Santa Bona, uma imagem em madeira dourada de São João Evangelista, de autoria de Aleijadinho.
No altar de São Pedro de Alcântara, o destaque é para o tabernáculo que tem na portinhola esculpida a cena de Abraão levando Isaac ao Monte Moriá para ali, presumivelmente, sacrifica-lo em obediência ao Senhor Deus, conforme Gn 22,6: tulit quoque ligna holocausti et imposuit super Isaac. Em todos os altares da nave, podem-se ver lindas imagens de roca ou esculpidas em madeira por inteiras. Sob o altar do amor divino, encontra-se um maravilhoso Cristo jacente, em sereno repouso e relaxamento anatômico, após descido da cruz. Foi importado de Portugal em 1906.

A capela-mor
Um arco-cruzeiro de pedras graníticas de severas e pesadas colunas poligonais dá entrada à capela-mor de talha sobriamente dourada. Em suas laterais, duas telas de Alexandra de Bierry, de 1879, representam a última ceia e a prisão de Jesus, traído por um beijo de Judas. DO centro do teto pende um maravilhoso lustre de cristais coloridos da bacarat que, segundo garantem alguns, só tem similar no Museu do Louvre, em Paris. Foi doado a esta igreja por José da Costa Rodrigues, em fins do século XIX.
Nas peanhas do altar-mor, vêem-se as imagens de roca de Santa Rosa de Viterbo e Santa Isabel da Hungria e nos degraus centrais a grandiosa imagem de Nossa Senhora da Conceição. No alto do trono, com origem envolta em saborosa lenda local, a belíssima imagem do Cristo do Monte Alverne, anatomicamente perfeita, transmite a São Francisco de Assis os estigmas de sua paixão, as suas divinas chagas. Coroando toda a talha-mor, vê-se esculpida uma alegoria representativa da Santíssima Trindade, à qual dois anjos policromados, lateralmente distantes, se postam em sublime adoração.
Originalmente, toda a extensão da igreja era assoalhada de grandes e largas tábuas que, infelizmente, nos anos iniciais do século passado, foram substituídas pelo piso atual que, aqui na capela-mor, forma desenhos geométricos de esmerada marchetaria.

Seculares palmeiras imperiais, como velas acesas num altar, iluminam a paisagem do mais belo templo barroco mineiro, cujas linhas arredondadas casam-se harmoniosamente, com as curvas distantes da Serra do Lenheiro.
A construção desta magnífica igreja, iniciada em 1774, para substituir uma primitiva capela em 1742, constitui sagrado troféu da Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco de Assis, de São João del-Rei. Obra-prima de Francisco de Lima Cerqueira e Aniceto de Souza Lopes, representa um conceito arquitetônico ambicioso e adiantado, pela disponibilidade de recursos e materiais disponíveis à época de sua construção.
Com aquele espírito de encantamento que as obras eternas nos infundem, iniciaremos nossa visita a esse magnífico tempo, subindo lentamente a aléia principal do jardim, à sua frente, cujo desenho, visto do alto, parece um prolongamento do adro, assemelhando-se ou a uma campânula de sino ou a uma lira, cujas cordas as sombras das palmeiras parecem, conforma a hora, desenhar.
A balaustrada que, em curvas, delimita o adro, é composta de 186 bem torneados balaústres de mármore ou pedra de lioz, importados de Portugal e aqui colocados em 1880. Tudo aqui, o desenho dos jardins, as escadarias, que nos lembram as do santuário do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo, as alamedas laterais e as linhas do próprio templo, são curvas e mais curvas, sugerindo aquela contínua movimentação que é uma das características do Barroco.
Postemo-nos no último patamar desta bela escada e contemplemos o conjunto e, depois, cada detalhe desse gigante de pedra sabão, que a ousadia dos antepassados, no esforço dos escravos negros, nos legou. Uma sensação de vertigem parece faze-lo girar, como se sua silhueta ameaçasse desabar, diante das nuvens que o emolduram encantadas.

Sendo a sua forma oval,
Não existindo em todo obrado
(à exceção da perpendicular)
Uma só parte que seja em linha resta,
Tudo são curvas; o próprio telhado
No seu cimo ou cumeeira é curvo,
Pelo que judiciosamente disse uma
Notabilidade que o seu arquiteto
Não teve régua,
E que só se serviu do compasso.

José Antônio Rodrigues
Apontamentos e notícias cronológicas de São João del-Rei, 1859
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