Papo & Compasso . Outubro/2006
Reforma a atual, abre nova e passa a oferecer até oito sessões entre matinê, ‘Classe A’ e comerciais
Às vésperas dos 60 anos de provocações oníricas – 17 de agosto de 2007 –, o Cine Glória revitaliza o significado do seu nome: do feito heróico de sobreviver numa cidade do interior, para ambicioso. Após mais de duas décadas com poucos espectadores devido ao domínio da televisão e o advento do vídeo caseiro, o Cine Glória, que criou em 1987 sua própria locadora para se “auto-sustentar”, lança-se agora a um sonho, realidade em dezembro: a modernização de suas instalações no prédio da avenida Tiradentes, sala no anunciado shopping em construção, e a transformação do acervo de “24 mil fitas VHS” em “7 a 8 mil DVDs”.
O que essas medidas significam? Mais do que aconchegantes poltronas acolchoadas com suportes para refrigerante e pacote de salgadinhos nas duas salas, maquinário de projeção e sonorização de “última geração” na nova sala – Cine Glória II – e aprimorado na atual, carpete e ar refrigerado na que ainda será aberta ao público e amplo palco na tradicional, a cidade salta de duas para sete ou oito sessões diárias de filmes. “Serão quatro no Cine Glória II e no mínimo três no Cine Glória. Não pretendo deixar a sala atual abaixo da nova. Elas serão concorrentes, uma brigando pelo público com a outra”, diz o proprietário Wellerson Itaborahy, o ‘Lilinho’, 62.
Elas concorrerão entre si com filmes comerciais, de consumismo fácil, mais do mesmo? Wellerson anuncia que a programação será “variada. O Cine Glória não vai se dedicar especificamente a filmes adultos, sérios, nem o Cine Glória II a filmes específicos para a juventude. A programação prevê uma matinê infantil (Glória II), uma sessão ‘Classe A’ e as demais, filmes comerciais. Matinês poderão ocorrer também no Glória, e a sessão ‘Classe A’ alternar-se-á periodicamente entre os cinemas. Somadas, as duas salas exibirão diariamente quatro diferentes filmes, e os horários de ambas serão distintos, para que se um espectador perder um horário possa pegar a tempo outro filme na outra sala”.
‘Classe A’
O que será essa sessão ‘Classe A’? Wellerson diz, genericamente, que a proposta é de apresentar obras de qualidade e que escapam dos padrões cinematográficos comerciais. Relembra uma iniciativa anterior, fracassada, de onze filmes exibidos de agosto a outubro de 2003 em sessão às 16h – ‘Classe A’ – do Cine Glória, que, à exceção de um filme (‘Frida’, sobre a vida da pintora surrealista mexicana Frida Kahlo), “não ultrapassou a média de cinco espectadores por dia. Agora, o público destes filmes precisa comparecer, é fundamental que prestigie. O que não posso é ter prejuízo com o aluguel e despesas desses filmes”.
Depois de, com a sessão ‘Classe A’, evitar que a cidade ingresse em 2007 como Capital Brasileira da Cultura mergulhada num festival comercial de até oito sessões diárias reprodutoras do mesmo modelo e padrões estabelecidos, resta outro paradoxo: a mudança do acervo da locadora de VHS para DVDs fez o público freqüentador ganhar em qualidade técnica, mas a redução das “24 mil fitas” para “7 a 8 mil DVDs” – o número de exemplares não equivale ao de títulos, pois “os filmes que saem mais a locadora tem de seis a dez cópias” – resultou em perda de títulos, principalmente os ‘não comerciais’. “Esses filmes estão saindo em DVD aos poucos, e aos poucos também vamos adquiri-los. Mas é preciso que sejam procurados por esse público fiel”.
Salas de aula, cineclubes
Por que o cinema é pouco utilizado pelos professores como meio de expressão que abre perspectiva ao conhecimento? Wellerson diz que professores de História ou outras disciplinas podem alugar filmes para exibição, debate e aprendizagem em sala de aula. Antecipa que se professores de 1º e 2º graus propusessem ao cine que filmes como ‘Zuzu Angel’ (um episódio da ditadura militar) tivessem sessões especiais para colégios, com a sala de mais de 500 poltronas do Cine Glória com boa ocupação a preço abaixo da meia-entrada, atenderia.
Por que não há cineclubes (onde se congregam amantes de cinema para trocar idéias após a exibição de filme) na cidade universitária capital brasileira da cultura? Wellerson dá a entender a mesma resposta: os amantes do cinema podem alugar “filmes de arte” para exibição entre os aficionados seguida de debate, sem visar lucro. Em 2004 o Centro Acadêmico de História mantinha um cineclube no Centro Cultural da UFSJ, com sessão única nas tardes de sábado e filmes alugados da locadora Cine Glória. Os presentes colaboravam livremente com 10 ou 20 centavos para o aluguel da fita e eventuais fotocópias de críticas. Fechou.
Apesar da manutenção ininterrupta de uma sala por 60 anos, o que há na Capital Brasileira da Cultura 2007 para ter um liame com o cinema – criação e realização artística, de inteligência e sensibilidade – tão frágil? Com sua anunciada – mas realizada? – sessão cultural, Wellerson acresce, inconscientemente, talvez despropositado subtítulo ao título da cidade no ano que se aproxima: Capital Brasileira da Cultura ‘Classe A’. Ele espera que o público corresponda. E vice-versa.
Fonte: Jornal Cultura Local . Editora Ponte da Cadeia
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