a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

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Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo

 

Ginego . Edson Paz

Descrição

João da Cruz Magalhães, o “Ginego” – “a minha avó me chamava de Cinego, que a turma transformou em “Ginego” –, nascido e criado em São João, 76 anos, mudou-se para São Paulo em 1976. Vindo pouco à cidade, já foi homenageado pela escola Vem Me Ver e, no carnaval de 2004, pela Unidos de São Geraldo, com o enredo “Ary, Lamartine, Ginego e Agostinho apresentam: Joujoux e Balangandãs saúdam o povo e pedem passagem para sua majestade, o samba”. Confira curta entrevista com um dos sambistas mais antigos da cidade.

Sua história de sambista começa...
Ginego: Na época da guerra, foi suspenso o carnaval. Foi em 42. Em 45 não houve carnaval. Os pracinhas começaram a voltar em maio de 45. Em 46 começamos a sair, em 47 fundamos um bloco, que logo virou escola de samba. A Depois Eu Digo foi fundada em 1947, no Tejuco, para sair no carnaval de 1948. Ela desfilou de 47 até 1950 e depois houve uma folga da década de 50, e a escola volta na década de 60, só parando depois que eu fui embora, em 76. A gente levantava o tema e cada um dos grandes compositores ia trabalhar na música. A maioria dos diretores da São Geraldo são remanescentes da Depois Eu Digo.

Com a volta dos pracinhas, não houve uma espécie de carnaval? As escolas, os blocos, as baterias não saíram para saudar os pracinhas? Não houve carnaval improvisado em maio de 45?
Ginego: Não. Porque a gente vinha respeitando a lei do governo, que proibia aglomeração quase que em todo o território nacional. Se tivesse comemoração, poderia chegar a polícia e dizer: “oh, isso é uma conspiração”. Depois que acabou a guerra, começou a liberar, foi liberando. Começou pelo Rio de Janeiro e Recife. Nós fomos considerados o terceiro carnaval do Brasil. Primeiro o Rio de Janeiro com o samba, em segundo o Recife com o frevo e em terceiro São João del-Rei com o samba. A revista Cruzeiro, naquela época muito divulgada, é que noticiava isso. A cidade tava sempre cheia de repórteres, saía notícia na Cruzeiro.

E naquele tempo existiam mais escolas e sambistas na cidade?
Ginego: Eram poucas agremiações, mas agremiações boas. Tinha concursos com 1º, 2º e 3º lugares. E nós tivemos aqui também ranchos, bailes, vários cordões. Era uma aglomeração de gente. Tanto o cordão, como o bloco e o rancho sempre usaram instrumentos musicais. As escolas, naquele tempo, também usavam muito instrumento musical. Depois, a começar pelo Rio, foi caindo essa lei de usar instrumento, porque lá no Rio começou a eletrificação do som. Com isso a gente aqui foi obrigado, as escolas, a parar de usar instrumento. Se bem que naquela época nós não tínhamos som, não. Era na garganta mesmo! Antigamente era exigência, a escola inteira cantava. Nos ensaios era observado, se a pessoa não cantava e não acompanhava, então a gente não deixava nem sair. Antigamente, de ponta a ponta numa escola, você sentia a música, sentia a letra. Todo mundo cantava mesmo.

As letras eram iguais às de hoje, ou mais bonitas, mais poéticas?
Ginego: A letra do samba tem muito a ver com o compositor, né? Porque a escola dá o tema, né? Dá o enredo. E o compositor vai trabalhar. Há aquele compositor mais sentimental, que faz uma música de acordo com ele. E aquele mais atrevido faz uma música mais atrevida. Antigamente as músicas eram muito grandes. Aí depois a gente foi obrigado a diminuir, pra facilidade do povo aprender, guardar. Eram aquelas estrofes grandes toda vida, seis ou sete estrofes. E depois foi caindo, caindo, hoje são quatro no máximo... Antigamente, não. Era um cadernão.

Nesses seus trinta anos de carnaval são-joanense, qual samba marcou o senhor?
Ginego: De todos os sambas... o samba que pegou mesmo, são dois: “Surpresa”, que depois a Clara Nunes gravou em 1957, 1958... Outro que pegou também chama-se Lágrimas. Lágrimas porque o nosso fundador perdeu a mãe, nas vésperas do carnaval. Ele disse para nós: “esse ano eu não vou sair, pela perda da minha mãe”. Então, foi feito um samba que homenageasse ele e dizendo que o samba continuava nas mãos dele ainda. O samba era... [cantando]: “Lágrimas que o Roberto derramou/ quando o apito entregou/ esse ano ele não vai sair/ [inaudíve]/ Roberto, o apito ainda é seu/ Roberto, a nossa escola não morreu...”. E esse samba foi feliz que ele pegou...

“Surpresa”, que você diz a Clara Nunes regravou, é de quem?
Ginego: Foi composição do Roberto. Mas eu tenho as minhas dúvidas porque, há pouco tempo, o Jota Dangelo pesquisou que esse samba já existia. Mas na época, o samba que nós saímos, o samba era como de primeira mão... Agora, eu não sei, porque o Jota Dangelo disse que pesquisou. Nós saímos com esse samba em 49. Porque, no primeiro ano em que a escola saiu, 1948, nós saímos com um samba do Rio, aqueles sambas de rádio, né? Já no segundo ano, saímos com ele, e então tornou-se um hino nosso.

A Unidos de São Geraldo, no enredo de 2004, fala da era Vargas. Você se lembra do clima em São João na data da morte de Vargas?
Ginego: Teve uma revolta porque ele era muito querido pelo operariado, né? O Getúlio deu bobeira de voltar pela segunda vez. Porque a primeira vez ele foi muito querido. Eu tava no dia da morte dele viajando para São Paulo, e quando passamos em Volta Redonda e Barra Mansa, tava a bandeira a meio pau e os operários tudo lá na praça. E lá então é que eu fiquei sabendo: “oh, o Getúlio suicidou”, e tal. Eu fiquei vendo lá de dentro do trem. Contei pro pessoal do trem, teve uns caras que me chamaram a atenção: “ah, tá conversando fiado, e tal, e não sei o quê”. Então quando chegamos em São Paulo, tava um quebra-quebra... O comércio teve que fechar porque o povo saiu pra rua. E aquelas casas que não queriam fechar, eles quebravam. Então a gente passou uns três dias sem poder sair na rua porque, naquela época, eles faziam levantes... Mas depois foi indo e acalmou. Eu ainda não morava em São Paulo, mas todo ano tirava uma época pra ir visitar minha mãe... E coincidiu justamente no dia 24 de agosto de 54.

Essa era Vargas, cantada pela São Geraldo, despertou no senhor um sentimento, uma saudade de quando o senhor ainda era um rapaz, do carnaval e das coisas daquele tempo?
Ginego: Não, não muito. Porque cada escola aproveita o tema para fazer um enredo. Então uns fazem com pessoas ilustres, outros fazem com nome de cidade. Sempre o enredo nasce assim. Então contaram a história da época e convidando o filho do Agostinho, homenageando o Agostinho França, que já morreu, e o filho dele então representou ele. E me homenageando porque eu sou um dos mais antigos carnavalescos que têm vivo aqui em São João.

Nos últimos três anos, são 43 assassinatos em São João. O último aconteceu em plena avenida em pleno desfile oficial, diante do júri. Desses 43, a maioria eram jovens de 14 a 26 anos... Em janeiro foi o neto do falecido compositor e sambista Agostinho França. Briga de gangue entre o Tejuco, onde no tempo que o senhor morou não tinha gangue, e a da região do alto do Cristo Redentor...
Ginego: Eu conheço alguns filhos dele, do meu ex-parceiro e compositor Agostinho França, que são os mais velhos, né? Parece que seis ou sete filhos. Agora, a gente acostuma tanto com a violência lá fora, em São Paulo, que quando você me informa disso, a gente fica pesaroso só pela pessoa, não em si pelo ato. Porque lá fora todo bairro tem criminalidade. Depois que instituiu a droga, virou comum, banal. Bem poucas famílias não têm um na família que não usa droga. Pra nós que moramos em São Paulo, “oh, mataram fulano lá!”, “oh, quem foi?”, a gente não liga muito pra esse fato, não, né?

Em qual bairro o senhor mora na capital paulista?
Ginego: Eu moro no Jardim da Saúde, antigamente Bosque da Saúde. Hoje tem a Estação Saúde do metrô. Mas ela fica no bosque. É um bairro remanescente da Vila Mariana. Antigamente a Vila Mariana abrangia todos esses bairrosinhos pequenos... Pequenos, não, tem bairro lá bem maior que São João.

O senhor foi para São Paulo em 74, sua mãe morava lá. Foi por causa dela?
Ginego: Não, já estava falecida. Ela faleceu em 1956. Eu passei por uma dificuldade aqui em São João, sabe? E... eu me senti tão humilhado que fui embora. Eu tenho comigo – não sei se todo mundo tem essas coisas –, eu tenho comigo que eu fiz alguma coisa para São João del-Rei. Para manter o nome de São João, né? Eu sou músico, agora não, mas eu já toquei na Sinfônica, na Ribeiro Bastos, já viajei uma parte do Brasil com essas orquestras... Mas em determinado ponto eu sofri aí uma... Se eu falar, você pode achar que... Eu sofri aí uma calúnia, né? Acabei indo pra cadeia. E isso me deixou triste toda vida. E eu não fui embora com a minha família toda porque os meus filhos tavam estudando, né? E eu não pude tirar eles. Mas eu praticamente fiquei separado da família. Porque tive que deixar tudo aqui e tive que ir embora. Agora, depois a minha mulher adoeceu, acabou falecendo também... E eu acabei ficando por lá, e estou com outra agora, né? A gente enraíza num lugar que, depois... Pra mim, digamos, voltar para cá, o que é que eu vou fazer aqui agora? Eu, na idade que tô, vou abrir uma firma aqui? Lá eu tenho a minha firma de marcenaria, e eu vou ficando lá enquanto eu posso trabalhar. Já estou aposentado, se bem que aposentadoria, se fosse boa, eu nem precisava mais trabalhar. Mas, a minha aposentadoria é muito fraquinha, então eu continuo trabalhando. No dia em que eu não puder trabalhar mais, então eu...

Mas o senhor pensa, quando se aposentar ou não poder mais trabalhar, voltar para São João? Ou hoje a sua cidade é São Paulo?
Ginego: Hoje a minha cidade é São Paulo. E agora (ah), essa mulher que eu estou com ela, fiquei com ela, ela é viúva também, tinha três filhos. E os filhos já têm netos. Eu considero todos a minha família. E é tudo difícil porque tem o meu neto, a minha netinha, até minha bisneta, né, que já tem. E então é muito difícil falar assim: “vamo embora”. Eu não sei o que vai acontecer!

Nestes dias de desfile oficial do carnaval, o senhor ficava na rua Arthur Bernardes, e era cumprimentado por todos que passavam. Ao descer a porta-bandeira da Vem Me Ver, o senhor tirou o boné, colocou-o sob o braço, inclinou-se, cumprimentou a porta-bandeira e foi correspondido, beijou a bandeira... Essa respeitabilidade, cumprimentos, homenagem, é comum?
Ginego: Isso aí eu acho que todo carnavalesco usa, sabe? Como se fosse um respeito, né? Se você conhece aquele casal, então você beija a bandeira. É uma atitude que a gente tem, como se tivesse glorificando aquela agremiação. Às vezes vêm outros componentes da escola e cumprimentam. Eu pelo menos sou muito cumprimentado. Até porque eu sou um dos mais velhos aqui. Os meus colegas todos já passaram por aqui, foram tudo embora. Fico contente, porque todos têm muito respeito por mim.

E o carnaval de São Paulo, o senhor freqüenta ensaios, vai a desfiles?
Ginego: Já participei de um bloco, o Unidos de Americanópolis, ajudei a levá-lo até o segundo grupo. Tive cinco anos participando, depois parei. Era de São Bernardo.

A apuração dos votos das escolas são-joanenses, quarta-feira à noite, no Teatro Municipal, o senhor vai assistir?
Ginego: Olha, com sinceridade, aí é que eu tenho que reclamar. Sou muito conhecido, muito homenageado, gosto de todos, mas eu nunca tive um convite nem pra sentar na arquibancada. Em todo carnaval que eu venho, nunca recebi convite: “Ôh, venha ficar aqui na arquibancada”. Assisto tudo em pé. Nessa parte aí, eu dou zero para...

Mesmo o sr. sendo homenageado pela Escola Unidos de São Geraldo, o pessoal não teve a gentileza?
Ginego: Nunca, isso nunca aconteceu. Já fui convidado pra reuniões, e toda vez que venho em reuniões dou palpites. Mas nunca fui convidado pra nada. A arquibancada é tão grande, né? Eu não queria ficar lá no palanque junto com eles não. Mas pra sentar, né? Nunca liberaram, nunca convidaram. Mas eu também sou pirraçudo. Eu também não vou. Você entendeu? E teve um carnaval aqui em São João, que eu passava cá embaixo na platéia, “oh, Ginego, vem pra cá, vem pra cá!”. Que “vem pra cá”?!! Isso é maneira? “Vem pra cá!”. “Ah não, muito obrigado, eu preciso ir”. É a mesma coisa que, você tá numa mesa fazendo uma refeição... Já chega de cara e vai comer também?

Se a São Geraldo for campeã, o senhor terá sido homenageado duas vezes?*
Ginego: Não sei a pontuação que ela vai obter, mas se sair vencedora, ainda tem mais essa honra de ter saído com eles, viu?

* A escola Unidos de São Geraldo, campeã em 2003, ficou em sétimo lugar, por perda de pontos devido a atraso no primeiro dia de desfile e não ter se apresentado no segundo dia de desfile.

Fonte: Jornal Cultura Local . Editora Ponte da Cadeia
www.editorapontedacadeia.com.br

No carnaval de 2009 Mestre Ginego foi convidado de honra para se sentar nas arquibancadas e foi homenageado junto com o Mestre Quati, no "Carnaval de antigamente Atitude Cultural"

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