No dia 20 de abril de 1992 aconteceu em São João deI-Rei - MG, berço do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o I Encontro de Historiadores, que teve como tema principal o resgate da memória e consciência nacional. O evento faz parte das comemorações do Bicentenário da Execução de Tiradentes naquela histórica cidade, organizadas por egrégia comissão presidida pelo Procurador-Geral da República, Aristides de Alvarenga Junqueira, e desdobrou-se em duas vertentes:
. um grupo de historiadores e estudiosos de todo o Pais discutiu a cidadania desmemoriada e a preservação do patrimônio histórico, reunindo-se na FUNREI - Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei
. outro grupo de estudiosos locais, representantes da comunidade sanjoanense, reuniu-se no Museu Regional para apresentação e discussão de diversos trabalhos voltados para questões relativas à memória e ao patrimônio nacional e da cidade.
Ao final do primeiro grupo de trabalho, com participação de Severo Gomes, Paulo de Tarso Santos, Edmur Fonseca, Geraldo Forbes, Ovídio de Andrade MeIo, Wilson Coutinho, Marco Antônio Coelho, Fábio Lucas, Luís Antônio Valle Arantes, Galba Ribeiro Di Mambro, Lídia Avelar Estanislau, Eduardo França Paiva, Geraldo Guímarães, Antônio Gaio Sobrinho, José da Paz Lopez, Mônica de Fátima Massara e Ricardo Seitenfus, foi redigida e assinada a "Carta de São João del-Rei", promulgada em sessão solene, no Salão Nobre da Prefeitura na noite do dia 21 de abril.
O segundo grupo de trabalho, coordenado pelo Diretor do Museu Regional, Jairo Braga Machado, e formado por Aluízio Viegas, Carlos Magno de Araújo, Pedro Paulo Correia, Sueli Franco, Beatriz Gaede e o autor desta matéria, houve por bem aprovar um elenco de recomendações às autoridades constituídas do nosso Pais, especialmente aquelas responsáveis pelo nosso importante patrimônio cultural, e aos intelectuais preocupados com a preservação de nossa memória. Esse documento, aprovado na Sessão Local do Encontro de Historiadores, repassado de espírito cívico, é reflexo de um amor apaixonado pela conservação e restauração dos testemunhos de nossa História.
Ambos os trabalhos que abaixo transcrevo objetivaram lançar um alerta à Nação, denunciando a possibilidade do desmantelamento de instituições de pesquisa e preservação de elementos culturais, por falta de apoio oficial, reforçando o perigo da cidadania desmemoriada e do desleixo com a preservação do patrimônio histórico da Nação.
CARTA DE SAO JOAO DEL-REI
Brasileiros.
Nós, signatários desta carta, cidadãos de várias partes deste país, queremos, neste 21 de abril, comemorar o bicentenário da execução de Tiradentes, relembrando as razões de sua luta e o alcance de seus ideais, para compartilhá-los com todos os brasileiros.
Não podemos relegar ao esquecimento os feitos de nossos antepassados e de todo o nosso povo, sob pena de perdermos a consciência de nossa identidade e comprometermos nossa soberania. A memória da cultura comum só se perpetua através da preservação de nossos documentos e monumentos históricos.
Se as grandes datas, os nossos monumentos, nossos fundadores e os arquivos da nossa memória forem sepultados, em pouco tempo nada mais teremos a celebrar.
É fundamental que cada um de nós, no exercício da cidadania, se torne defensor de nosso patrimônio cultural, que escolas, sindicatos, empresas e governo promovam em todo o país o conhecimento de nossa história e o sentimento de respeito e amor a tudo que nos pertence.
Ligados sempre pelo uso da língua comum, a brasilidade é um amálgama fundido no cadinho da diversidade que mistura esforços de variada origem em cinco séculos de história. Herdamos um gigantesco país criado pelo índio, pelo branco e pelo negro, e consolidado por todos quantos a ele deram seu amor, sangue e engenho, na admirável construção da nacionalidade brasileira.
O Brasil de hoje, porém, não é o Brasil sonhado por nossos antepassados; menos ainda o Brasil que desejamos transmitir a nossos filhos e netos. Interesses externos atingem nossa soberania e nossos propósitos de desenvolvimento e bem-estar social. A miséria inaceitável escraviza a metade de nossos conterrâneos. A indigência cultural agrilhoa quase outro tanto.
A nós cabe não esquecer essa triste realidade, quando comemoramos o martírio do Alferes. Devemos lembrar-nos de que esta situação não nos é imposta pelos fados, nem é inelutável. Temos certeza de que a força do povo, consciente de sua cidadania, suplantará as terríveis dificuldades do presente por meio da democracia e do estado de direito.
Tiradentes, o herói enlouquecido de esperança, de que nos falava Tancredo Neves, lutou, até à morte, por este valor supremo do homem: a liberdade. No mundo atual, sabemos todos, não há liberdade sem justiça social e sem soberania, sem educação e sem cultura, sem trabalho e sem progresso.
São estes valores inalienáveis, a que juntamos a vida pacífica e segura, em nossa paisagem, na defesa do verde e do límpido azul, na indivisível República Federativa do Brasil que, sob a memória reverenciada de Joaquim José da Silva Xavier, pretendemos defender e promover, com nosso amor e convicção.
"Se todos quisermos poderemos fazer deste país uma grande nação".
São João del-Rei, 21 de abril de 1992
Sessão local do encontro de historiadores
RECOMENDAÇOES
Historiadores, pesquisadores, professores, músicos e representantes da comunidade sanjoanense, reunidos na tarde do dia 20 de abril de 1992, no Museu Regional de São João deI-Rei – 13ª CR-IBPC; ao fim da apresentação e discussão de diversos trabalhos voltados para questões relativas à memória e ao patrimônio de São João del-Rei, aprovaram as seguintes recomendações:
. Fortalecimento das instituições culturais em âmbito municipal, estadual e federal, particularmente aquelas voltadas para a preservação do patrimônio cultural e da memória brasileira;
. Destinação de recursos públicos para as ações de identificação, documentação, proteção e promoção do patrimônio cultural em sua pluralidade;
. Formação de recursos humanos para a pesquisa da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira e para as ações de conservação e restauração dos testemunhos de nossa história, em seus diferentes suportes (oral, musical, escrito, fotográfico, iconográfico, arquitetônico e paisagístico);
. Realização de Encontros Anuais de Pesquisadores e Estudiosos da Cultura Sanjoanense, para troca de informações e experiências sobre a preservação do patrimônio cultural e da memória brasileira, em especial a de São João del-Rei;
. Retorno de livros e documentos importantes da história de São João del-Rei, que estão hoje sob a guarda da Biblioteca Nacional;
. Efetivação de todos os esforços visando possibilitar a complementação do restauro da matriz de Nossa Senhora do Pilar;
. Intensificação das ações de divulgação e difusão cultural do patrimônio sanjoanense, tendo em vista a conscientização da comunidade local para a importância de tão importantes bens;
. Reconhecimento da naturalidade sanjoanense do Alferes Joaquim José da Silva Xavier.
São João del-Rei, 20 de abril de 1992 . 200º Ano da Execução de Tiradentes
Publicado na Revista Cultura Vozes – março/abril de 1992, nº 2