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O Festival da identidade cultural . Entre Rios de Minas . Luiz Cruz

Descrição

Arande Gróvore! Arande Gróvore! Arande Gróvore! O espetáculo do Galpão Cine Horto, Arande Gróvore, abriu a programação do 3º Festival de Inverno de Entre Rios de Minas. Um trabalho plasticamente lindo, uma comunhão curiosa de interpretação, metalinguagem, voz, figurinos e arte circense. Não haveria melhor peça para abrir o 3º Festival de Inverno, que este ano teve o tema: nossa cidade, nossa história, nossa identidade cultural. Arande Gróvore foi encenada debaixo de uma exuberante árvore de pau ferro (Caesalpina férrea), que integra o conjunto arquitetônico da Praça Senador Ribeiro, tombada como Patrimônio Histórico do Município de Entre Rios de Minas. Esta mesma árvore foi ameaçada de ser cortada em dezembro de 2002, quando ventos e chuvas intensas provocaram a queda de um de seus enormes galhos. Isto foi motivo para alguns poucos condenarem-na ao desaparecimento. Porém, um grupo maior saiu em defesa do pau ferro e conseguiu impedir o seu corte. O casal Élson de Resende e Alessandra Leite de Resende mobilizou o povo, fez abaixo-assinado em defesa deste exemplar da flora brasileira. Conseguiu a atenção da imprensa estadual para a árvore, que fica exatamente em frente à residência do casal, a Casa Grande - um belo exemplar da arquitetura colonial mineira. A prefeitura tinha um laudo condenando a árvore e ia cortá-la, alegando a segurança da Matriz de Nossa Senhora das Brotas e de transeuntes. Um dia, chegaram os bombeiros com a motosserra para fazer o corte da árvore. Foi então que tudo se mobilizou em defesa do pau ferro. A árvore ganhou um advogado, o Dr. Geraldo Gomes Rodrigues. O Ministério Público saiu em defesa da árvore. O juiz Dr. Jacinto Montandan também a defendeu. O pau ferro tem 27,5 m de altura e sua copa com raio de 12 m passou por nova avaliação de especialistas da Universidade Federal de Viçosa. Os engenheiros florestais Acelino Couto Alfenas, Edivaldo Ângelo Zauza e Reginaldo G. Mafia diagnosticaram que o pau ferro, sofreara podas incorretas, ataques de cupins e tinha parte do tronco comprometida por acúmulo de matéria orgânica e água, que provocavam o apodrecimento do lenho. Além disso, um passeio de concreto impedia a absorção de água e nutrientes.
A poda correta foi feita. Houve a discupinização. A área apodrecida foi obturada com espuma de poliuretano. O concreto junto ao tronco foi removido. A árvore foi salva, porque os cidadãos se mobilizaram. Venceu o patrimônio de Entre Rios de Minas! Arande Gróvore só poderia ser encenada naquela praça, devido a existência dessa exuberante árvore, que faz parte da vida das pessoas desse lugar.
No dia fatal, em que o pau ferro seria cortado, lá estava o menino Paulo Eduardo Assis Maia, então estudante da 5ª série. Atualmente, Paulo Eduardo está no 3º ano do Ensino Médio e se orgulha de ter participado do movimento em defesa do pau ferro. Paulo Eduardo participou da Oficina de Interpretação do Patrimônio Cultural de Entre Rios de Minas, que integrou a programação do 3º Festival de Inverno. Esta oficina foi a oportunidade para que seus participantes obtivessem subsídios para melhor entender, apreciar e preservar o conjunto cultural. O patrimônio de Entre Rios de Minas é muito importante e carece de muita atenção. Lamentavelmente, não há entendimento de alguns segmentos locais, que ainda fazem demolições e desfigurações nos casarões. O conjunto arquitetônico já perdeu vários exemplares. Agora chegou ao limite máximo. Entre Rios de Minas não pode perder mais nenhum casarão! Se por acaso os poderes Executivo e Legislativo municipais não se posicionarem em defesa do patrimônio arquitetônico, caberá ao Poder Judiciário fazer o embargo, multar e até mesmo indisponibilizar as propriedades em nome da integridade do conjunto arquitetônico, que é o orgulho e o traço mais forte da identidade cultural de Entre Rios de Minas.
A Oficina de Interpretação do Patrimônio Cultural, além de transmitir conhecimentos teóricos, realizou visitas guiadas. Os alunos tiveram a oportunidade visitar a Capela Olhos d’Água, que fica na zona rural e lá encontrar um belíssimo templo, datado de 1733, mas necessitando de urgentíssima restauração. Outro ponto de destaque das visitas foi ao Hospital Cassiano Campolina, que teve sua capela restaurada e ficou um encanto, mas o restante do imóvel está a espera de restauração. A Capela Olhos d’Água e o Hospital Cassiano Campolina precisam, urgentemente, ser tombados pelo IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico.
Com Arande Gróvore a arte invadiu Entre Rios de Minas: pintura, desenho, marionetes, cerâmica, música, teatro, vídeo, dança e até gastronomia, com a Oficina Cores e Sabores, que despertou nas crianças a percepção para uma alimentação mais adequada e saudável, utilizando os produtos alimentícios da terra. Mesa redonda e palestras. As oficinas foram coordenadas pelos mais conceituados professores que atuam em Minas Gerais. Os eventos culturais foram cuidadosamente selecionados. Tanto que todas apresentações ficaram super lotadas. O show musical do Grupo Uakti, na Igreja de Santa Efigênia, foi maravilhoso e atraiu uma multidão. “Concessa tecendo prosa”, monólogo de Cida Mendes, contagiou e levou a platéia a deliciosas gargalhadas.
Este ano o Festival levou diversas atividades para o povoado do Castro. Lá, após a mesa redonda, com o mesmo tema do festival, houve a apresentação da Dança da Manguara. Esta dança é realizada na Comunidade de Natividade dos Ferreiros. É uma tradição herdada dos indígenas que ocuparam a região. A família de José de Arimatéia vem mantendo a dança, passando-a de geração a geração. No pátio da Escola E. Expedicionário Geraldo Baeta, do Castro, ou Crasto, José de Arimatéia e seus filhos, noras e genros apresentaram a curiosa dança, sob frio intenso e muitos aplausos. A grupo tem outras danças, como a do “Engenho” e a “Quadrilha Tradicional”. A Dança da Manguara é também um patrimônio cultural, devendo ser incentivada e preservada.
No encerramento do 3º Festival foi realizada na praça principal a atividade “Um abraço na cidade” e mais tarde, no Clube local aconteceu o baile, com a participação de vários músicos da cidade. O samba, a bossa e o rock fizeram a festa. Foram apresentados os trabalhos da Oficina de Pintura: A Paisagem da Região, coordenada pelo professor Carlos Wolney. O resultado da Oficina Arte no Computador, dos professores Roberto Andrés e Leandro Araújo fundiu fotografias de diversos exemplares de arquitetura e paisagens da região às obras de Maria Helena Andrés, resultando imagens fantásticas e de grande impacto visual. A Oficina de Vídeo, coordenada por Mariana Tavares e Alexandre Pires Cavalcanti, também exibiu o seu resultado, com o vídeo “Luz do Mundo”, com a participação de vários moradores apresentando as lendas de Entre Rios de Minas. Após as exibições, a boa música continuou noite adentro.
Nossa cidade, nossa história, nossa identidade cultural foi o tema que chegou na hora certa. Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçui e Jeceaba receberão expressivos investimentos com a instalação de uma grande empresa. Serão criados pelo menos quatro mil empregos diretos. Ou seja, milhares de famílias irão se instalar na região. O risco de perda de identidade é eminente e sério! Por isso, é preciso apreciar, conscientizar, preservar o nosso patrimônio cultural, aquilo que mais nos identificamos e que nos permite ser uma comunidade com identidade.

*Luiz Cruz
Professor de Educação Patrimonial e Presidente do Instituto Voçorocas

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