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Lombo com tutu . Rubem Braga

Descrição

In ABDALA (1997:32)

Um preto fazia funcionar a sua harmônica, ou talvez a sua concertina com bastante sentimento; e Seu Nhonhô cantou ao violão com a pureza e a operosidade inerentes a um velho funcionário municipal.

Mas nós todos sentíamos, no fundo do coração, que acima de tudo pairava o divino lombo de porco com tutu de feijão. O lombo era macio, e tão suave, que todos imaginamos que o seu primitivo dono devia ser um porco extremamente gentil, expoente da mais fina flor da espiritualidade suína. O tutu era um tutu honesto, forte, poderoso e saudável.

É inútil dizer qualquer coisa a respeito dos torresmos. Eram torresmos trigueiros como a doce amada de Salomão, alguns loiros, outros mulatos. Uns estavam molinhos; quase simples toucinho. Outros eram duros e enroscados com dois ou três fios.

Havia arroz sem colorau, couve e pão. Sobre a toalha havia também copos cheios de vinho ou de água mineral, sorrisos, manchas de sal e a frescura do vento que sussurrava nas árvores. E no fim de tudo houve fotografias.

É impossível que nesse intervalo tenhamos esquecido uma linguiça de porco e talvez um pouco de farofa. Que importa? O lombo era o essencial, e sua essência era sublime. Por fora era escuro com tons de ouro. A faca penetrava nele tão docemente como a alma de uma virgem pura entra no céu. A polpa se abria, levemente enfibrada, muito branquinha, desse branco leitoso e doce que têm certas nuvens às quatro e meia da tarde, na primavera. O gosto era de um salgado distante e de uma ternura quase musical. Era um gosto indefinível e puríssimo como se o lombo fosse lombinho de orelha de um anjo loiro.

Os torresmos davam uma nota marítima, salgados e excitantes na saliva. O tutu tinha o sabor que deve ter, para uma criança que fosse “gourmet” de todas as terras, a terra virgem recolhida muito longe do solo, sob um prado cheio de flores, terra com um perfume vegetal diluído, mas uniforme.

E do prato inteiro, onde havia um ameno jogo de cores cuja nota mais viva era o verde molhado da couve - do prato inteiro, que fumegava suavemente, subia para nossa alma um encanto abençoado de coisas simples e boas.

Era o encanto de Minas .

(BRAGA apud ANDRADE, 1967: 118-119)

1 Minas é a melhor invenção dos mineiros – Maria Arminda do Nascimento Arruda – contracapa de Receita da Mineiridade / Mônica Chaves Abdala
2 ANDRADE, Carlos Drummond de (org) Brasil, terra e alma: Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1967.
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