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Para Relaxar . Não é bom perder algum tempo para apreciar um pedacinho do Centro Histórico da cidade? Jota Dangelo
Descrição
Vem comigo, vem. Não, não, sem este vinco sobre a raiz do nariz, sem este sulco na testa, sem tensões, este repuxado no canto da boca. Vem sereno, vem. Vem comigo. Mas dispa-se do dia-a-dia. Leve. Quero você leve, pronto para flutuações. Vem comigo, mas sem o tormento da TV, do rádio, da imprensa, da bufunfa do Senado, da mixórdia da Câmara Federal, da impunidade avassaladora, da morosidade da justiça. Vem aberto, diáfano, começando aqui, bem em frente ao cemitério do Carmo. Não, não, nada a ver com a morte. Não olhe o interior, só o magnífico portão, uma escultura em ferro forjado, soberba obra de arte. Viu? Olhe daqui como é bonita a torre direita do Carmo, as janelas enfileiradas da lateral do templo, os lampiões do Largo. Vem comigo. Demore-se um pouco na frente da portada. Há quanto tempo você não lança um olhar carinhoso e afável, curioso e emocionado para este frontão, estes querubins, este medalhão, estes umbrais? É, eu sei. Não dá para fotografar o templo de corpo inteiro, não é? Até hoje as autoridades ainda não perceberam que ali não pode ser permitido estacionamento, em nenhuma hipótese, em lado nenhum.
Vem comigo. Não, não, pela Rua Direita, não. Vamos subir este beco em zigue-zague para desaguar no Largo da Cruz. Há quanto tempo você não passa por aqui? Como? Sei, sei. Passa, mas não vê nada. Só passa. Não toma tento. Não assunta. Por esta razão é que estou insistindo para que venha comigo. Não para passar, mas para ver. Sente-se aqui neste banco. O recanto convida. Augusto Viegas está vigiando a casa em que morou. E também as outras da praça, para não despertar invejas. Repare bem as residências de porta e janela, tão humildes, tão prosaicas, tão simples. Veja: à direita o velho sobrado tripudia sobre o casario modesto; imponente, exige respeito. Já esteve em ruínas, mas salvou-o a consciência de proprietários que prezam a história, a cultura e o patrimônio. Como? É, tem sim, uns exemplares que não resistiram à modernização. Repare como ficam estranhos naquele entorno. Estranhos no ninho, é. Olhe o Cruzeiro vetusto na fachada daquela casinha humilde, perto do "Passo", ora de portas fechadas.
Mas vamos lá, vem comigo. Para o Beco do Cotovelo. Há lendas sobre ele. Diz-se que, na quaresma, folhas de jornal andam sozinhas, sem nenhum vento, por suas curvas. Repare nestas curvas. São antigas, tão antigas quanto o próprio Largo da Cruz, que antes nem existia.
Pronto: do Beco ao Largo da Câmara. Ali, bem onde agora você vê o Hospital das Mercês, ficava a Casa Legislativa da cidade, daí o nome daquele espaço amplo. Isto foi há muito tempo. Um tempo em que os vereadores não eram pagos. Seus serviços eram de relevância pública. Hoje...é...bem, deixa pra lá. Onde está o jardim, na minha infância era apenas um gramado onde jogávamos peladas e, eventualmente, os circos montavam sua lona. Hoje está florido, com o Pelourinho no centro. Quantos escravos foram nele castigados? Vem mais um pouco adiante. Repare a imponente escadaria das Mercês e a própria igreja, sem portada, mas de beleza singela, de torre única lateral e recuada. E, ao lado dela, da igreja, o Cruzeiro vetusto que eu, criança, vi mudar três vezes de lugar.
Viu? Não é bom perder algum tempo para apreciar um pedacinho do Centro Histórico da cidade?
Fonte: Gazeta de São João del-Rei 25/07/09