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Tipo: Artigos | Cartilhas | Livros | Teses e Monografias | Pesquisas | Lideranças e Mecenas | Diversos

Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo

 

Emeric Marcier – o pintor, reconstrutor de paisagens e de cenas sacras | Luiz Cruz

Descrição

Marcier não é um místico. Não é um místico que pinta. É um pintor. Essencialmente um pintor, que no cenário da religiosidade costumeira constrói a tela de sua paixão.
Affonso Romano de Sant’Anna, Emeric Marcier, 1983.


Emeric Marcier. Paisagem de Tiradentes. Óleo sobre tela. Coleção Particular.

Durante a Primeira Guerra, em Cluj, na Romênia, nasceu Emeric Racz Marcier (1916-1990). Durante a Segunda Guerra ele fugiu para Paris. Estudou artes e ao passar por uma casa litográfica, teve sua juventude marcada por esta técnica para sempre e sentiu necessidade em tomar aulas com o mestre litógrafo Léon. Estudou na Accademia di Belli Arti de Brera, em Milão, e na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, em Paris. Mas como insistente visor da liberdade, logo partiria para um roteiro mais audacioso: Lisboa e finalmente o Brasil. Porém, antes de embarcar, aproveitou os encontros com obras de pintores expressivos para a História da Arte, como Giotto e Piero Della Francesca. Conviveu também com artistas já consagrados, como Árpád Szenes, Maria Helena Viera da Silva, Antônio Bandeira e tantos outros. Sua monografia de conclusão de curso em Brera foi dedicada a Pablo Picasso (1881-1973), artista que exerceu forte impacto em sua vida.

De origem familiar judaica, ao decidir fugir das perseguições nazifascistas, optou por se estabelecer no Brasil. Seu amigo português, José Osório de Oliveira, concedeu-lhe três cartas de apresentação a Mario de Andrade, José Lins do Rego e Cândido Portinari.

Um romeno, judeu e artista no Rio de Janeiro precisava se instalar e ter um atelier para produzir. Viveu em diversos locais improvisados, até chegar ao bairro Santa Tereza, onde conheceu a pintora Djanira (1914-1979) e se tornou seu professor. Encontrou Julita, com ela teve sua prole e decidiu se instalar em Barbacena, no Sítio Santana.

Pintor de inúmeras paisagens das cidades mais antigas de Minas Gerais, como Tiradentes, Ouro Preto, Mariana, Diamantina, São João del-Rei e outras. Conhecemos Marcier na Rua Direita de Tiradentes, onde vinha frequentemente pintar. Chegava, andava um pouco pela rua, mirava a paisagem, estendia os braços e fazia Ls espelhados com os dedos e recortava a cena a ser pintada. Colocava o chapéu. Abria o cavalete, esboçava rapidamente a tela, montava sua paleta e pintava. Tentamos conversar, mas ele não respondia. Nos olhava e pintava. Era ele, a paisagem e a pintura, numa profunda introspecção, para captar o essencial de tudo, nas formas, nas cores, nos detalhes, para depois reconstruir a sua cena. Provavelmente tenha sido um dos mais refinados paisagistas a atuar no Brasil. Conseguia compreender a situação urbanística, a volumetria dos conjuntos arquitetônicos, o diálogo entre os cheios e os vazios, dos espaços edificados conectados com a vegetação e as serras azuis. De tudo, extraia o essencial, inclusive o cromatismo. Só os elementos necessários para expressar a alma daquela Paisagem. Em Tiradentes, realizou raras pinturas de ambientes internos, um deles foi o Consistório da Irmandade do Senhor dos Passos, da Matriz de Santo Antônio. Ao final da tarde, o pintor retornava para Barbacena, para o seu recanto, no Sítio Santana.


Emeric Marcier. Paisagem de Tiradentes com a Serra de São José. Óleo sobre tela. Coleção particular.


Emeric Marcier. Consistório dos Passos – Matriz de Santo Antônio. Tiradentes-MG. Óleo sobre tela, 1956. Coleção particular.


Emeric Marcier. Paisagem de Ouro Preto – Igreja do Rosário. Óleo sobre tela. Coleção particular.

 
Emeric Marcier. Paisagem de Ouro Preto – Matriz do Antônio Dias. Óleo sobre tela, 1966. Coleção particular.

O judeu Marcier se converteu ao catolicismo e se tornou um dos maiores pintores de cenas sacras, muitas delas impregnadas de densidade cromática e dramaticidade, muito além do espírito barroco. Executou diversas Vias Sacras. Lutou bravamente para conquistar o seu espaço de produção e conseguir a sobrevivência com seu trabalho de arte, como pintor de telas, de murais em afresco, desenhista e ilustrador. Ornamentou edificações religiosas e nos legou relatos sobre o árduo trabalho em andaimes e as condições propiciadas para a execução de seu trabalho:

Apenas de macacão azul, estava disposto dia e noite a permanecer nos andaimes improvisados a uma altura de seis metros, sem uma escada sólida, tudo como se o pintor tivesse que ser acrobata de Deus. [...] e me pergunto como havia podido pintar em tais condições de insegurança, num vasto espaço, de noite apenas iluminado por velas [...] (MARCIER, 2004, p.178).


Emeric Marcier. Pintura de afresco da Capela Cristo Rei, 1947. Mauá-SP. Fotografia: Acervo Matias Francisco Racz Marcier. (Fonte: AHLER, 2008, p.31).

Raros foram os pintores de afrescos e de tetos que deixaram registrados relatos sobre as precárias condições de trabalho sobre andaimes e a luminosidade possível para pintar. Provavelmente, os registros de Marcier são os mais amplos desta experiência.

A técnica para estas pinturas foi o afresco, sobre reboco de três camadas. Para trabalhar mais e como o revestimento secava rápido, ficava até à noite e aproveitava o silêncio para produzir. Com a mesma técnica, ornamentou as paredes da sua casa no Sítio Santana, em Barbacena.

De sua base em Minas Gerais, circulou intensamente pelas cidades mineiras, mas também entre outras localidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, para pintar e vender seus trabalhos. Conviveu com diversos intelectuais brasileiros, dentre eles artistas como José Pancetti (1902-1958) e Carlos Scliar (1920-2001), escritores como Lúcio Cardoso (1912-1968) e Murilo Mendes (1901-1975). Como artista gráfico, Marcier ilustrou alguns livros. Às vezes as viagens se estendiam do Rio de Janeiro à Europa, onde percorria a pintar paisagens.


Emeric Marcier. Livros ilustrados pelo artista.

Após anos consecutivos de dedicação às artes, aos poucos vieram as exposições, principalmente no Rio de Janeiro. Em Minas, praticamente não existia mercado e nem galerias para mostrar e comercializar. Ocorreu também o reconhecimento da importância da sua atuação, recebeu o título de cidadão honorário de Barbacena e a maior comenda do estado de Minas Gerais, a Medalha Inconfidência Mineira, concedida pelo governador Magalhães Pinto.


Paisagem de Barbacena. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.

Foi em sua base, a sua amada cidade de Barbacena, que vivenciou dias de amargura e desespero. Nos anos de chumbo, um grupo de jovens, ainda na adolescência, conversavam sobre “o regime de repressão” – “A nação amordaçada, seus melhores filhos entregues aos esbirros ou forçados a deixar o país.” No grupo estava Jorge Tobias Racz Marcier (1948-1982), o filho do pintor romeno, foi denunciado como o cabeça da “insurreição armada”. Os jovens foram presos, mas depois liberados. A imprensa divulgou o episódio como “guerrilha dos meninos”. Na especulação, um dos jornais marrons de Minas publicou em primeira página: “Jorge Tobias encontrou-se com Che Guevara na Serra de Tiradentes”.

Somente Jorge Tobias permanceu preso. Marcier teve que contratar advogados no Rio de Janeiro, para descobrir o paradeiro do filho, que desde cedo manifestou o gosto pelas artes visuais. Jorge Tobias foi transferido para Campo Grande, no Rio de Janeiro. Foi espancado:

Sob tortura, fizeram o jovem confessar: “o declarante furtou o revolver Rossi calibre 33 do seu pai, arma carregada, com tambor cheio, seis ou sete balas (...)”. Eis a decrição de uma arma que eu nunca tive.

[...] mandaram bater tanto em suas mãos, que chegando à sua cidade natal parecia ter colhido, desde todos os tempos, roseiras cujos espinhos cravariam feridas e sulcos de sangue naquelas mãos que desde tenra idade foram feitas para criar beleza... [...] (MARCIER, 2004, p.343, 344).

Após significativa mobilização de seus contatos, Jorge Tobias foi transferido para a EPCAR – Escola Preparatória de Cadetes do Ar, de Barbacena, mas esteve preso incomunicável. Seu pai foi impedido de visitá-lo. Deve ter sido difícil para um artista judeu/convertido que sempre evidenciou a liberdade e se refugiou no Brasil para viver e criar sua família. Ele nos alertou sobre aquele momento e também para o futuro: “Todos os regimes ditatoriais são mestres neste tipo de métodos.”

Emeric Marcier produziu obra intensa e vasta, atualmente dispersa em diversas coleções particulares, tanto no Brasil quanto no exterior. Barbacena era o lugar que adotou como “cidade do coração”, por diversos fatores, dentre eles a referência do escritor francês Georges Bernanos (1888-1948), também exilado. Além disso a paisagem, as montanhas, as manhãs pesadas de neblina, a luminosidade dourada, o clima e por ter conseguido realizar o sonho de construir o seu Sítio Santana. Da base, conseguiu circular pelo Sudeste e até mesmo a Bahia, onde executou belas paisagens; ainda, ornamentou igrejas com os afrescos e os painéis.


O preparo das camadas de reboco para a pintura de afresco, por Emeric Marcier, 1947.Capela Cristo Rei. Mauá-SP. Fotografias: Acervo Matias Francisco Racz Marcier. (Fonte: AHLER, 2008, p.69 e 43).


Emeric Marcier. Capela Cristo Rei, ornamentada com afrescos e telas. Santa Casa da Misericórdia, Mauá-SP. Fotografia: Acervo Prefeitura de Mauá-SP.


Emeric Marcier. Capela Cristo Rei, ornamentada com afrescos e telas. Santa Casa da Misericórdia, Mauá-SP. Fotografia: Acervo Prefeitura de Mauá-SP.

O Sítio Santana foi transformado em museu, sob a responsabilidade da Prefeitura de Barbacena. Durante certo tempo funcionou muito bem. Porém, por falta de manutenção, encontra-se fechado. O Museu Casa de Marcier aguarda reparos para ser aberto, assim oferecer à comunidade oportunidade de contato com a obra do artista e ainda opção de cultura, lazer e recreação. Mesmo fechado já há algum tempo, do centro da cidade até o museu está bem sinalizado e as pessoas ainda o mantém na memória.


Sítio Santana, Museu Casa de Marcier. Barbacena-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.


Sítio Santana, Museu Casa de Marcier. Barbacena-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.


Sítio Santana, Museu Casa de Marcier. Barbacena-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.

O mesmo não ocorre com a Casa do Escritor Georges Bernanos, não há informação sobre ela e muito menos sinalização. Perguntamos a diversos populares e nenhum soube informar onde ou quem foi tal personagem que escolheu Barbacena para viver durante seu exílio no Brasil.

Parece que o poder público em Barbacena perdeu o interesse pela cultura. A situação de conservação da Antiga Cadeia, que abriga a Casa da Cultura, é considerável. O prédio se encontra decrépito pela falta de manutenção. O Museu Casa Georges Bernanos está interditado por “danos estruturais, diversas rachaduras, afundamento de piso e risco de incêndio”. (G1 Zona da Mata, 15/06/2021).


Casa de Cultura - Antiga Cadeia. Barbacena-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.


Museu Georges Bernanos. Barbacena-MG. Foto: Disponível na internet: http://bibliotecas.cultura.gov.br/espaco/8094/

O Museu Municipal de Barbacena, localizado bem no centro, na Praça Conde de Prados, encontra-se a clamar por obra de restauração e revitalização. A visita guiada a este museu é enriquecedora, pela condução do Professor Jorge. Sua sede é um belo e imponente casarão, o acervo é precioso e reflete a cultura da municipalidade, mas precisa de atenção e recursos.


Museu Municipal de Barbacena. Barbacena-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.

O Museu da Loucura foi bem idealizado e montado, em prédio do Antigo Hospital Colônia. É o único no Brasil a tratar do tema “loucura”, mas com abordagem desmitificada e acertada. Inaugurado em 1996, recebe considerável fluxo de visitantes. Apesar do impacto, é um museu necessário para nos lembrar os fatos ocorridos naquele “hospital” e o senso de desumanidade empregado no tratamento dos doentes. Deveria ser visitado por diversos segmentos da sociedade, desde escolar, religioso, político, empresarial, até o artístico e outros. Não basta ir apenas uma vez, é preciso ser revisitado e sempre. Só este museu vale uma visita exclusiva à Barbacena.


Museu da Loucura. Barbacena-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.


Museu da Loucura. Barbacena-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.

Ao que tudo indica, a próxima administração de Barbacena terá muito trabalho e demandará recursos vultosos para as obras de restauração e de revitalização de seus espaços culturais, principalmente seus museus. A cultura agradecerá.

Em Belo Horizonte, quando se celebrou o centenário do artista Emeric Marcier 1916/2016, a Grande Galeria do Palácio das Artes abrigou expressiva exposição de sua obra. Sob a curadoria impecável de Edson Brandão, com apresentação do Secretário de Estado da Cultura, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, e de Augusto Nunes-Filho, presidente da Fundação Clóvis Salgado. Foi oportunidade para se apreciar um belo conjunto de obras raramente expostas por serem de coleções particulares.


Exposição Marcier 100, Grande Galeria do Palácio das Artes. Belo Horizonte-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2016.


Emeric Marcier, São Sebastião do Rio de Janeiro, óleo sobre tela, 1974. Coleção: Paulo Ribeiro Daltro dos Santos, Rio de Janeiro-RJ. Exposição Marcier 100, Palácio das Artes, Belo Horizonte-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2016.

Em 2022, a mesma galeria do Palácio das Artes, em Belo Horizonte, recebeu a exposição A Afirmação Modernista: a paisagem e o popular na Coleção Banerj, com 135 obras de artistas renomados e para celebrar o centenário da Semana da Arte Moderna, ocorrida em São Paulo, em 1922. Emeric Marcier esteve presente, juntamente com obras de: Alberto da Veiga Guignard, Alfredo Volpi, Anita Malfatti, Arlindo Daibert, Burle Marx, Cândido Portinari, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Djanira, Fayga Ostrower, Iberê Camargo, Inimá de Paula, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Ziraldo e outros. A curadoria primorosa ficou a cargo de Marcos Lontra Costa e Viviane Matesco.


Painel de Emeric Marcier. Exposição: A Afirmação Modernista: a paisagem e o popular na Coleção Banerj. Grande Galeria do Palácio das Artes. Belo Horizonte-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2018.


Detalhe do painel de Emeric Marcier. Exposição: A Afirmação Modernista: a paisagem e o popular na Coleção Banerj. Grande Galeria do Palácio das Artes. Belo Horizonte-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2018.


Detalhe do painel de Emeric Marcier. Exposição: A Afirmação Modernista: a paisagem e o popular na Coleção Banerj. Grande Galeria do Palácio das Artes. Belo Horizonte-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2018.


Detalhe do painel de Emeric Marcier. Exposição: A Afirmação Modernista: a paisagem e o popular na Coleção Banerj. Grande Galeria do Palácio das Artes. Belo Horizonte-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2018.

Sem dúvida, em A Afirmação Modernista: a paisagem e o popular na Coleção Banerj, a obra de Marcier nos impactou pela força e estética do conjunto de trabalhos apresentados. O artista romeno se tornou um dos mais expressivos mestres da pintura brasileira; por isso, nas grandes coletivas com a pretensão de mostrar cenários desta produção, devem contemplar seu nome e sua obra.

Nascido em núcleo familiar que sempre prestigiava as artes, com formação acadêmica na área artística, foi um homem que se cercava de livros e de boa literatura. Apreciava a música e a usava como fonte inspiradora. Aproveitou as oportunidades que teve para visitar os museus pelo mundo afora. Gostava de se encontrar com as obras de Turner e sua iluminação difusa. E deixou registrado: “Nunca fui dado a botequins. Cerveja e cachaça não eram, meu forte [...]”, gostava mesmo do ócio em seu Sítio Santana e a passar horas consecutivas a jogar xadrez.

Marcier em Minas

Conforme já demonstrado, sua cidade do coração, Barbacena, onde viveu, produziu e criou a família, nos últimos anos, parece ter empurrado a cultura para o abandono e o ostracismo. Pode até mesmo ser um tipo de apagamento de memória, coisas de certos gestores públicos. Na impossibilidade de se encontrar com Emeric Marcier em sua amada Barbacena, a solução é partir para as cidades onde o mestre pintor recebe atenção e valorização, uma delas é Tiradentes. A Quinta das Pitangueiras, no Largo das Mercês, é a sede do Instituto Mario Mendonça Arte, que abriga as obras do pintor Mario Mendonça (1934) e seu vasto acervo, com obras de artistas brasileiros e estrangeiros – de Picasso às esculturas de Fernando Botero.

O Instituto Mario Mendonça apresenta as obras na casa sede, no próprio atelier do artista e nas galerias construídas no amplo terreno da Chácara das Pitangueiras. A última galeria edificada ganhou o nome de Espaço Ângelo Oswaldo – sim, ele mesmo: Ângelo Oswaldo Araújo Santos, atual prefeito de Ouro Preto e homem de longa história com a cultura brasileira, especialmente a mineira. Esta galeria foi idealizada para receber as obras do pintor Emeric Marcier, com as cenas sacras, paisagens e retratos. É bela exposição das obras do mestre romeno, a valorizar sua arte e sua trajetória artística.

Além das pinturas do Espaço Ângelo Oswaldo, na casa sede estão expostos alguns desenhos de Marcier, de períodos distintos, das décadas de 1940 a 1970.

O Instituto Mario Mendonça é uma iniciativa do pintor Mario Mendonça e mantido com seus recursos próprios. As visitas devem ser agendadas através do telefone 32 99809-5314. A entrada é gratuita.


Quinta das Pitangueiras, Instituto Mario Mendonça Arte. Largo das Mercês, Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.


Quinta das Pitangueiras, sede do Instituto Mario Mendonça Arte. Largo das Mercês, Tiradentes-MG. Espaço Ângelo Oswaldo, dedicado a Emeric Marcier. Fotos: Luiz Cruz, 2024.


Emeric Marcier. Pietá. Óleo sobre tela. Acervo Instituto Mario Mendonça. Tiradentes-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.


Emeric Marcier. Autorretrato. Óleo sobre tela. Acervo Instituto Mario Mendonça. Tiradentes-MG. Foto: Luiz Cruz, 2024.


Emeric Marcier. Pietá. Detalhes. Óleo sobre tela. Acervo Instituto Mario Mendonça. Tiradentes-MG. Fotografias: Luiz Cruz, 2024.

Em Lagoa Dourada

Quem passa rapidamente pela cidade de Lagoa Dourada, não tem a menor ideia dos tesouros que esta cidade abriga, vai muito além do famoso rocambole de doce de leite e das empadinhas saborosas.

Na Casa Azul, edificada na década de 1930, vive Maria Imaculada de Rezende Faria, que foi casada com Carlos André Racz Marcier, o primogênito do pintor romeno. Neste imóvel funcionou o Cartório do 1º Ofício Judicial Notas e Registro de Imóveis, do tabelião José Barreto de Faria, casado com Maria Helena Rezende de Faria – ambos trabalharam juntos neste cartório. É uma casa particular. Mas, impregnada de memórias da cidade, com fotografias e diversos objetos antigos que podem nos contar histórias, ao serem indagados. Tudo está muito bem cuidado e organizado, a compor a ornamentação dos ambientes.

Dentre os pertences, estão obras de Emeric Marcier e Tobias Marcier, além de objetos pessoais, como a própria paleta do pintor e sua mesa de jogo de xadrez, onde tanto tempo se entreteve. Ainda, uma imponente imagem de Nossa Senhora da Conceição que o pintor ganhou de presente do governador Magalhães Pinto, por ocasião de sua homenagem, ao receber a Medalha da Inconfidência Mineira, em Ouro Preto. No conjunto de referências memoráveis, não poderiam faltar os registros fotográficos dos artistas Marcier e a família, como em uma fotografia de Dona Julita, com os filhos pequenos ao seu redor.


Casa Azul, Lagoa Dourada-MG. Fotografia: Luiz Cruz, 2024.


Emeric Marcier. Autorretado e Retrato de Carlos André Marcier. Aguada de naquim e grafite. Acervo: Maria Imaculada de Rezende Faria. Fotografia: Luiz Cruz, 2023.


Tobias Marcier. Pintura, óleo sobre tela. Casa Azul, Lagoa Dourada-MG. Acervo: Maria Imaculada de Rezende Faria. Fotografia: Luiz Cruz, 2023.

O pai Marcier teve razão em correr, contratar advogados, insistir com os seus contatos, criar grande mobilização para salvar o filho artista das arbitrariedades cometidas pelos militares torturadores dos tempos de chumbo. Jorge Tobias Marcier foi um artista refinado, produziu pinturas e esculturas bem cuidadas. Alcançou domínio técnico e construiu sua linguagem pictórica, densa e poética, conforme podemos observar nas obras da Casa Azul, em Lagoa Dourada-MG.


Paleta usada pelo pintor Emeric Marcier e a imagem recebida de Magalhães Pinto. Casa Azul, Lagoa Dourada-MG. Acervo: Maria Imaculada de Rezende Faria. Fotografias: Luiz Cruz, 2023.


Mesa de xadrez de Emeric Marcier. Casa Azul, Lagoa Dourada-MG. Acervo: Maria Imaculada de Rezende Faria. Fotografias: Luiz Cruz, 2023.


Acervo: Luiz Cruz.

De importância inquestionável no cenário das artes visuais do Brasil e da Europa, mas Emeric Marcier ainda não tem sua obra catalogada e é preciso ser estudada e analisada com mais profundidade, através de pesquisas acadêmicas. Poucos livros específicos tratam de sua obra, um deles é o do poeta e ensaista Affonso Romano Sant’Anna. É um livro bonito, significativo e bem ilustrado. Mas tanto o pai quanto o filho “Marcier” mereciam mais oportunidades para que os brasileiros pudessem conhecer suas obras e suas histórias de vida.


Acervo: Luiz Cruz.

Emeric Marcier passou os seus dois últimos anos em Paris. Em plena maturidade artística e a viver em uma das cidades que tanto prezou, parou com a atividade artística e se dedicou a escrever suas memórias. Como artista que sempre vislumbrou a liberdade, para assegurá-la, exilou-se no Brasil e percorreu longa trajetória para conquistar espaço para sua produção, sobrevivência, reconhecimento, criar seus filhos e cuidar para nos legar sua história. Deportado para a Vida é a autobiografia de Emeric Marcier, publicada em 2004, postumamente. Mais uma vez o artista nos surpreendeu, não somente por nos relatar detalhadamente sua caminhada, mas por nos conduzir através de uma escrita agradável, bem construída e atraente. Além da vasta obra, agora, para melhor compreender este homem das artes, da liberdade e da religiosidade, a leitura de sua autobiografia se torna elementar.

Muito além das serras mineiras inseridas em suas obras, Emeric Marcier foi artista de tantas paragens e pintor de Paisagem. Ao final das contas, sua origem pouco lhe significava, conforme destacou:

Nasci nas terras dos antigos dácios e deles herdei apenas sua imensa aspiração pela liberdade; pouco me importava se a cidade onde vim ao mundo se chamava Napoca, Koloszvar, Klausenburg ou Cluj – única denominação legível em minha certidão de nascimento.

Depois do barroco desvairado de Minas, os casarões carregados de mistérios, as serras azuis que separavam as terras do céu, não mais consegui familiarizar-me com esta paisagem, apesar de ter nascido aqui. Mais uma vez senti que se não tivesse tido a experiência brasileira, talvez nunca tivesse pintado paisagens!

Emeric Marcier, Deportado para a vida, 2004.

Da formação acadêmica europeia aos cantos do Brasil, Emeric Marcier, em sua autobiografia, reconheceu a relevância do aprendizado com a paisagem brasileira, das cidades coloniais mineiras e por todas as outras pintadas neste vasto país, tão rico em cores, formas, volumes e luminosidade.

Luiz Antonio da Cruz

Agradecimentos: Maria Imaculada de Rezende Faria, Instituto Mario Mendonça Arte, Instituto Cultural Biblioteca do Ó, Elton Belo Reis, Jorge Arnaldo Nascimento.

Referências:

AHLER, Silvia. Murais e Marcier em Mauá – Afrescos na Capela da Juventude Operária Católica. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte. São Paulo: USP, 2008.

ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013.

Capela Cristo Rei. https://www.portalopiniaopublica.com.br/noticia/232/pintura-da-capela-da-santa-casa-de-maua-e-tombada.html#foto

CERQUEIRA FILHO. Ilton José de. Interconexão entre pintura, via e religião: a obra mural sacra moderna de Emeric Marcier. Rio de Janeiro: Revista Mosaico (FGV CPDOC), V.8, Nº 13, 2017.

MARCIER, Emeric. Deportado para a Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2004.

Museu Georges Bernanos - https://www.ipatrimonio.org/barbacena-museu-georges-bernanos/#!/map=38329&loc=-21.218243999999995,-43.752102999999984,17

Parque Museu Casa de Marcier - https://www.facebook.com/watch/?v=193769925994157

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Estórias dos sofrimentos, morte e ressurreição do Senhor Jesus Cristo na pintura de Emeric Marcier. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1983.

Fonte: Luiz Antônio da Cruz | Luiz Cruz Março 11 de 2024

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