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Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo
“Eu sou João da Matta” - Monografia apresentada no IHG de São João del-Rei por Francisco José dos Santos Braga
Descrição
João Francisco da Matta (foto restaurada pelo historiador Silvério Parada em 2009) a pedido de Aluízio José Viegas |
Numa passagem do primeiro capítulo "Picada de Goiás" ¹ do seu livro de memórias, [CHAGAS, 1977, 5] expõe um paradoxo quando coloca a seguinte dúvida: "É possível fixar os limites entre a lenda e a história?", a partir da qual levanta certas implicações. Em suas palavras: "Onde a verdade? Na tradição da história ou na tradição da lenda? Demais, nem sempre é fácil estabelecer com precisão estes limites: onde acaba a lenda e começa a história ou, ao reverso, onde acaba a história e começa a lenda." E arremata sua reflexão com fina ironia: "E como desconhecer o fato, deveras relevante, de que a lenda também faz a história e de que a história também faz a lenda?" São essas algumas importantes questões para o historiador que precisa trabalhar com fatos, mas às vezes se vê cercado por relatos de ficção, nos quais se observa uma visão predominantemente romanceada da trajetória do protagonista, como é o caso de meu biografado maestro-tropeiro, especialmente após sua morte em junho de 1909. Desde logo, observo que a história de vida do meu biografado está quase toda ela mergulhada em lendas e valida o provérbio de que "quem conta um conto aumenta um ponto". Apesar do grande volume dessa literatura romanceada, darei ênfase ao que existe de factual produzido durante a sua vida, quer em fontes primárias, quer em documentação de periódicos, enquanto vivo.
PROBLEMA INICIAL: LOCALIZAÇÃO DO REGISTRO DE BATISMO E ÓBITO
Preliminarmente, considero a busca do registro de batismo de João Francisco da Matta um desafio. Apesar das dificuldades que abaixo serão discutidas, afirmo inicialmente que só faz sentido buscá-la, porque ele próprio se autodeclarou são-joanense, o que aumenta a probabilidade de seu batismo estar registrado no arquivo paroquial da Matriz de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del-Rei.
Infelizmente, a data de nascimento de João Francisco da Matta carece de uma comprovação definitiva. Entretanto, há hipóteses bastante plausíveis para a sua data de nascimento, não obstante sua ascendência ser desconhecida, o que é um complicador. Outra dificuldade para o historiador: é difícil, se não impossível, localizar o sobrenome "da Matta", muito incomum nos arquivos paroquiais do século XIX. Se a criança tivesse nascido em 8 de fevereiro, haveria alguma esperança, porque 'São João da Mata' era o santo desse dia comemorado pela igreja católica. Além disso, o descendente de escravos não tinha o seu nome por extenso na margem do assento batismal, sendo costume anotar apenas o prenome nesses casos, acompanhado ou não de outras características especiais. Na margem do assento certamente vai haver uma expressão do tipo: simplesmente o prenome "João" ou algo mais extenso, do tipo prenome+algumas características especiais, como "João, innocente, crioulo, escravo" ².
Após ter sido localizada a anotação na margem com o respectivo assento do batismo, o historiador pode enfrentar outras dificuldades, que não são poucas, até mesmo quando está de posse da certidão de óbito, sendo necessária a conferência dos próprios dados da certidão cartorial ³. Foi a providência que tomei: solicitei a certidão de óbito, expedida em 28/08/2017 pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e Anexo de Notas de Serranos-MG e obtida através dos préstimos do confrade e historiador deste IHG, José Passos de Carvalho.
Certidão de óbito de João Francisco da Matta |
São conhecidas objetivamente a data em que morreu (04 ou 05 de junho de 1909), notícia confirmada por vários periódicos, bem como a idade do falecido (75 anos). Supondo que seja digna de fé essa informação sobre a idade de João Francisco da Matta contida no seu atestado de óbito, então ele teria nascido em 1834, visto que, em 1909, teria 75 anos.
Tendo em vista o que foi relatado, é evidente que o historiador não deve se contentar com quaisquer informações, mesmo quando provenientes de documentos oficiais, tais como as que constam de uma certidão cartorial. É preciso que ele faça pelo menos algumas ressalvas quanto ao objeto sob análise, verificando se as informações são dignas de fé, mesmo as constantes de documentos oficiais.
Aceitando a hipótese de que João da Matta tenha nascido em 8 de fevereiro (dia de São João da Mata), segundo [COELHO, 2014, 211-2], quando relatou que “Aluízio Viegas também teve grande disponibilidade em rever alguns trechos já escritos e ajudar na pesquisa no Arquivo Diocesano da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei. (...)”, onde identificou um registro com o prenome João nascido em 8 de fevereiro e batizado em 24/03/1844, conforme Livro de Batizados nº 5 (1843-1854), fl. 46. O problema é que, se ele morreu com 75 anos, o ano de óbito teria sido 1919, e não 1909. Ou seja, esse suposto João (da Mata) em 1909 estaria com 65 anos.
Transcrição: “João – innocente – crioulo – escravo ⁴–
Aos vinte e quatro dias do mez de Março de mil oitocentos e quarenta e
quatro nesta Igreja Matriz de N. S. do Pilar da Cidade de São João d’El
Rei, o Reverendo Coadjutor Bernardino de Souza Caldas baptisou
solemnemente e pos os Santos Oleos a João, innocente, crioulo, filho
natural de Maria Africana, escrava de D. Anna Narciza de Jesus, nascido a
oito de Fevereiro do mesmo anno. Foi Padrinho José Pedro Guimarães,
solteiro, todos desta Freguesia. E para constar mandei fazer este
assentamento que assignei. Era ut supra.
O Vig.° Luiz José Dias Custódio”
Por outro lado, aceitando-se a hipótese de que ele tenha atingido a idade de 75 anos ou próxima, foi buscado outro registro de um menino com o prenome João, não necessariamente nascido em 8 de fevereiro. Foi localizado um registro de batismo em 28/05/1832, ou seja, quase 12 anos antes do registro anterior, filho legítimo de João da Mata e Antonia Maria de Sam Pio, sem especificar a data de nascimento do menino, conforme Livro de Batizados nº 36 de 1819-1837, fl. 311v. Ou seja, esse menino com prenome João em 1909 estaria com 77 anos.
Transcrição:
“(...) Aos vinte oito de Maio de mil oito centos e trinta e dois nesta
Matriz de Nossa Senhora do Pillar da Villa de São João de El Rey o
Reverendo Coadjutor Joaquim Joze de Souza Lira baptisou e pos os Santos
Oleos a João filho legitimo de João da Mat(t)a e Antonia Maria de Sam
Pio, sendo os padrinhos Manoel Joze da Costa Machado, e Joanna Maria
Joze Albuquerque (?) Cornelo (?) todos desta Freguezia.
O Vig.° Luiz José Dias Custódio”
Devo manifestar minha simpatia por essa segunda hipótese pelas seguintes razões:
1) O pai do menino com o prenome João chama-se João da Matta, o que é indicativo de que aquele possa ter querido por o seu nome no filho, acrescentando Francisco para facilidade da identificação do filho. Por isso, supostamente tenha optado pelo nome João Francisco da Matta. É possível até imaginar que ele possa ter nascido em 24/02, data em que se comemora São Francisco de Sales.
2) A idade de 77 anos está mais próxima de 75 anos (idade constante da certidão de óbito).
3)
Este registro de batismo, que se encontra aos cuidados do Museu de Arte
Sacra, contém uma lacuna, que, de acordo com Aluízio José Viegas,
seria, com muita probabilidade, o de João da Matta, conforme já defendi
em outro trabalho. ⁵ Mas, lamentavelmente, este registro está
rasurado ou danificado na margem pelo cupim, como também a grafia
oferece grande dificuldade ao pesquisador (diferentemente do registro
anterior, que está íntegro e legível).
Mesmo à vista das informações oficiais do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais e Anexo de Notas de Serranos, vê-se que o crivo do historiador é indispensável para "por ordem na casa". Primeiro, requer-se do historiador o conhecimento de causa que só se adquire através de pesquisa circunstanciada do material existente sobre algo ou alguém. Também uma pitada de bom senso, juízo e discernimento pode ser indispensável para essa seleção criteriosa dos fatos, para se chegar a uma exposição racional de todos os elementos que vão entrar na narrativa histórica. Mesmo com essas qualidades teoricamente desejáveis, muitas vezes o historiador vai encontrar dificuldades insuperáveis, podendo ser esse o caso desta busca pela comprovação definitiva da naturalidade em questão, ou seja, a de João da Matta.
Estas são, em linhas gerais, algumas dificuldades que me desafiaram para realizar uma exposição mais realística possível sobre essa "figura singularíssima nos reinos de Euterpe" ⁶.
TROPEIRO JOÃO DA MATTA
[COELHO, idem, 214-9] reconhece
a importância do tropeirismo no Brasil Colônia e Império, defendendo
que ele "contribuiu para o surgimento e o desenvolvimento de vários
núcleos populacionais, constituídos a partir dos pousos, das tavernas e
das áreas de invernada existentes ao longo dos caminhos que ligavam
Minas às principais províncias e à sede do Império." Apesar disso, "a
profissão de tropeiro deixava João da Matta numa posição não muito
honrosa para a sociedade mineira do século XIX, apesar de as tropas e os
tropeiros terem exercido um papel de destacada importância na formação
social de Minas desde o século XVIII." Continuando, analisa a profissão
de tropeiro de João da Matta e o tipo social de tropeiro na época em que
viveu, concluindo que "ele não deveria ser da classe dos comerciantes que se aventuravam no comércio de tropas, mas é mais provável que estivesse vinculado à profissão como camarada,
ou seja, mão de obra. Se até entre os comerciantes que se enriqueciam
com as tropas a atividade era escondida devido à falta de nobreza que
ela carregava, a situação do maestro-tropeiro deveria ser mais
complicada no que diz respeito ao prestígio e inserção social."
Outro fato importante a ser considerado e a se ter em mente, quando falamos de João Francisco da Matta, é o contexto histórico que se verificava por ocasião do seu nascimento: por imensa pressão da Inglaterra para que a escravidão fosse extinta no Brasil, foi promulgada a primeira lei brasileira, de 07/11/1831, que proibia o tráfico transatlântico de escravos, da África para o Brasil: a Lei Feijó. Essa lei acabou se tornando uma norma "para inglês ver": mesmo depois de promulgada e, portanto, com a proibição de importação de novos escravos no país, floresceu um eficiente sistema de contrabando, responsável por aportar 750 mil africanos em solo nacional nessas condições, de acordo com informação de [VEIGA, 2021] obtida do historiador Bruno Rodrigues de Lima, pesquisador no Instituto Max Planck, em Frankfurt.
Além disso, [RIBEIRO, 2024, 46-52], na seção intitulada O benemérito... escravagista ⁷, resgata um fato relevante sobre um escravagista chamado Joaquim Ferreira dos Santos, que "[...] emigrou para o Brasil em 1800 e fez uma fortuna no tráfico transatlântico de escravos. Em 1832, fugiu para Portugal, ao ser apanhado a traficar pessoas ilegalmente (o Brasil baniu o tráfico em 1831). Em 1866, já conde, morreu sem descendentes, tendo deixado a imensa herança à Santa Casa, com instruções para construir um hospital psiquiátrico no Porto e 120 escolas primárias em todo o País. [...]" E o autor termina a seção, indagando: "Que famílias têm ainda hoje dinheiro ganho dessa forma?"De fato, passados mais de 130 anos da escravidão, ainda existem famílias cujas riquezas se originaram deste nefasto tráfico negreiro. São famílias que se perpetuam no poder e aproveitam a falta de conhecimento histórico da sociedade para manterem seu status.
MULATISMO CULTURAL
Segundo [NEVES, 1980, 95], durante o século XVIII e início do XIX, a contratação dos músicos no plano civil era feita pelo sistema de arrematação, por meio da qual o Senado da Câmara pagava pela música das festividades estatais e das celebrações religiosas que promovia. A música se beneficiava dos recursos públicos devido à instituição do regime do padroado, no qual o Rei acumulava as funções de chefe de Estado e de líder religioso. O sistema de arrematação desapareceu na segunda década do século XIX, o que, para José Maria Neves, provocou um desaquecimento na atividade musical.
O pesquisador e musicólogo [VIEGAS, 1987, 62] tinha uma opinião divergente: defendia que
"[...] em São João del-Rei, o que se nota foi a profusão de compositores no século XIX, ao contrário de outras vilas." Segundo ele, "a vida musical de São João del-Rei intensifica-se na segunda metade do século XIX. O calendário musical religioso amplia-se. Há um dito sanjoanense que diz: "Festa sem padre, música e foguete não é festa"... E realmente para todas as festas que em São João del-Rei se realizam há assistência de música. As duas corporações musicais (Orquestras Lira Sanjoanense e Ribeiro Bastos), compostas de coro e orquestra, sentem a necessidade de ampliar seus repertórios, num sentido competitivo de fornecer a melhor música a quem as contratasse." Com isso, a atividade musical se tornou uma via que conferia prestígio aos melhores executantes e, principalmente, aos compositores. Daí, o crescente surto de composições em São João del-Rei no século XIX. E continua Aluízio Viegas: "[...] Os repertórios são ampliados e variados, através de composição de autores locais, nacionais e estrangeiros, predominando, neste caso, os italianos. Há o apoio da imprensa em divulgar fatos acontecidos ou eventos por acontecer no meio musical, tanto religioso como profano. Através dessas notícias é que se sabe da intensa vida musical de São João del-Rei. [...]"
Há um século atrás, Mário de Andrade,
escritor e folclorista paulista, organizou a Caravana Modernista, com a
intenção de viajar no tempo. Participavam da Caravana, além do escritor e
folclorista Mário de Andrade, a artista plástica Tarsila do Amaral; o
escritor e dramaturgo Oswald de Andrade; Olívia Guedes Penteado,
fazendeira, incentivadora do Modernismo e de artistas brasileiros; o
jornalista René Thiollier; o advogado Gofredo Silva Telles e o poeta
franco-suíço Blaise Cendrars, ou seja, uma equipe interdisciplinar
altamente qualificada nas áreas de ciências sociais, letras, artes
plásticas, artes cênicas, ciência política, arquitetura e história. O
roteiro partiu de Belo Horizonte, seguiu por Cataguases, Congonhas (que
possui um expressivo conjunto de riquezas barrocas e um significativo
acervo de Aleijadinho exposto a céu aberto), Barbacena, São João
del-Rei, Ouro Preto e Mariana, encontrando aí o “lastro cultural de uma
identidade nacional”. Ou seja, foi aqui que a Caravana se inspirou para
pavimentar o seu projeto modernista. Ela, que foi considerada uma
“viagem de redescoberta do Brasil”, viu nas cidades mineiras uma
“sociedade de pensamento que fala em independência e república”, já com a
participação de mulatos e artesãos.
O grande envolvimento dos mulatos com a música fez com que Francisco Curt Lange cunhasse com a expressão “mulatismo cultural” a atividade musical no Brasil, principalmente em Minas Gerais. Esse termo associa a figura do mulato com música e brasilidade.
É sabido que, em São João del-Rei, na época do Brasil Colônia e Brasil Império, a organização social se achava muito estratificada com base na cor de sua população e as corporações musicais e irmandades de São João del-Rei refletiam essa situação. É claro que não havia uma regra rígida para essa estratificação. Em casos especiais havia uma flexibilização da regra, dependendo de alguns fatores, tais como a expertise na execução de instrumentos, na composição e na regência, para as quais se admitia a ascensão social e econômica de mulatos de grande talento. A Lira Sanjoanense, fundada em 1776 por Mestre José Joaquim de Miranda, avô do compositor Pe. José Maria Xavier, era integrada por "rapaduras" (membros negros, negros forros, pardos, etc.), ao passo que a Orquestra Ribeiro Bastos, fundada em 1840 por Mestre (Francisco José das) Chagas e concorrendo com a Lira Sanjoanense, era integrada por "coalhadas" (membros oriundos da elite branca). Também as irmandades religiosas são-joanenses se dividiam entre aquelas que faziam contratos para suas missas semanais e funções litúrgicas com a Orquestra Lira Sanjoanense (Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte dos Homens Pardos, Confraria de Nossa Senhora do Rosário e Arquiconfraria de Nossa Senhora das Mercês) e com a Orquestra Ribeiro Bastos (Irmandade do Santíssimo Sacramento e Ordem Terceira de São Francisco de Assis). A Irmandade de São Miguel e Almas e a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte Carmelo contratavam somente para a festa anual de seus padroeiros. Ambas as orquestras precisavam atender uma escala de atividades para todo o ano (missas, setenários, novenas, tríduos, festas do santo, Vias-Sacras, procissões, encomendações de almas, Te Deum, etc.). Além das celebrações do culto local, a Lira Sanjoanense era responsável pela missa na Festa de Santa Rita em Ritápolis (22/05) e na Festa de Nossa Senhora da Conceição em Conceição da Barra de Minas (08/12). O entrosamento entre as orquestras e a Igreja local deve muito à atuação de dois párocos da Catedral Basílica Nossa Senhora do Pilar: os Monsenhores Almir de Resende Aquino (1948-1967) e Sebastião Raimundo de Paiva (1967-2010).
Foi nesse ambiente que floresceu o talentoso João Francisco da Matta, que, em busca de ascensão social e econômica, além de sentir em si a comichão do pendor para a música, fez-se aluno disciplinado do Maestro Martiniano Ribeiro Bastos na escola "coalhada" que este possuía na Rua da Prata. Negro e pobre, foi, no entanto, um compositor prolixo, deixando em várias cidades mineiras composições em partituras originais. Desempenhou, paralelamente à música, a atividade de tropeiro, o que lhe permitiu peregrinar pelos sertões de Minas Gerais, onde espalhou sua música, tirando proveito das estações da rede ferroviária nas várias cidades para a locomoção de si próprio e de suas bestas de carga e gado. Consta que tocava todos os instrumentos de sopro que possuem 3 chaves ou válvulas (tendo sido virtuose no oficleide) e, entre os de corda, o violino e, certamente, o violão (de acordo com [TERRA, 1903]), além de pianista, tendo se apresentado em concertos em todo o Oeste e Zona da Mata mineira, atuando também como insigne professor de música, hábil afinador de pianos e compositor ativo e fértil, com forte influência da ópera italiana, como a maioria dos seus contemporâneos.
Oficleide |
JOÃO DA MATTA VISTO POR HISTORIADORES
Certamente incomoda a todos nós são-joanenses vermos na página 89 da 3ª edição de obra "Notícia de São João del-Rei" do conceituado historiador Dr. Augusto Viegas que ele apressadamente atribuiu naturalidade oliveirense ao nosso biografado. Em suas palavras,
"Cabe aqui lembrar, neste tópico (galeria dos grandes músicos são-joanenses), o grande músico João da Mata, natural da vizinha Cidade de Oliveira, pois que aqui, ao lado de insignes musicistas e notáveis mestres, revelou sua individualidade artística. Como compositor deixou magníficos trabalhos, notabilizando-se também como exímio executor, que tocava, com perícia, diversos instrumentos de sopro e de corda."
A primeira edição desse livro do escritor são-joanense é do ano de 1942, publicado pela Imprensa Oficial de Minas Gerais.
Preliminarmente, cabe aqui fazer a seguinte afirmação: o historiador, quem quer que seja, tem que considerar digna de fé a declaração do próprio interessado, no caso, de João da Matta, afirmando ser são-joanense, conforme fez publicar em anúncio estampado na edição de 26 de setembro, reiterado nas edições de 3, 17 e 24 de outubro de 1889 do jornal A Pátria Mineira, chamando os são-joanenses de "meus bons conterrâneos". Desta forma, confirmada a naturalidade sanjoanense de João da Matta, fica a cargo dos historiadores e genealogistas descobrirmos a ascendência e a data de nascimento do maestro e compositor, através do seu assento batismal.
Também o notável historiador oliveirense Luiz Gonzaga da Fonseca publicou sua obra "História de Oliveira" em 1961, na qual não endossou a opinião do preclaro Dr. Augusto Viegas. No capítulo VIII do seu livro, ele divide a evolução cultural de Oliveira em três ciclos: ciclo embrionário, ciclo sanjoanense e ciclo oliveirense.
Ao tratar do ciclo sanjoanense, [FONSECA, 1961, 237-8] esclarece que "a verdadeira eclosão intelectual de Oliveira começa em 1860, com a vinda de um jovem sacerdote de 33 anos — padre José Teodoro Brasileiro — cuja inteligência robusta e cuja personalidade poderosa abrem na história local um novo ciclo de cultura. Ora, por todo o oeste mineiro se irradiava, nessa época, um movimento cultural que podemos chamar de irradiação sanjoanense. Das margens do rio Grande às do São Francisco, as cidades pensavam através de um cérebro: São João del-Rei. Em São João vicejava uma elite intelectual composta de tribunos, jornalistas, escritores, poetas, artistas e maestros. Sanjoanense como era, o vigário José Teodoro Brasileiro, então moço e idealista, procurou atrair para Oliveira uma centelha da cultura sanjoanense, trazendo de lá músicos e educadores: maestro João da Mata, maestro Marcos dos Passos, prof. Francisco de Paula Brasileiro e sua esposa, a mestra Ambrosina Brasileiro. (...) O ano de 1887 (...) enseja a emancipação cultural de Oliveira que começa a sair da tutela sanjoanense: é criada no lugar uma imprensa própria, que logo, pelas colunas da Gazeta de Oliveira, começa a difundir já uma cultura oliveirense propriamente dita."
JOÃO DA MATTA NA IMPRENSA OLIVEIRENSE
O
livro de Luiz Gonzaga da Fonseca, — professor, escritor, jornalista,
poeta e membro do IHG-MG e da AMULMIG (cadeira 031-B), nascido em Itaúna
— dá informações precisas sobre a trajetória do maestro-tropeiro em
Oliveira, durante uma época em que ali se estabilizou razoavelmente,
quando o maestro são-joanense se distinguiu por um volume enorme de composições variadas, sacras e profanas.
Entre os visitantes ilustres de Oliveira, [FONSECA, ibidem, 251-2] relata a chegada de Dom Macedo Costa, bispo do Pará, chegava à cidade de Oliveira em 08/05/1888, vindo de São João del-Rei, onde fora buscar melhoras para a sua saúde combalida, bispo-mártir Dom Macedo Costa, que se fazia acompanhar do cônego Francisco de Paula da Rocha Nunan, vigário de São João del-Rei. Foi triunfal a entrada de Dom Macedo na referida localidade, quando a "briosa Corporação Musical Oliveirense" executava um ECCE SACERDOS MAGNUS, musicado, a propósito, em Oliveira, pelo maestro João Francisco da Mata.
Os bispos D. Macedo Costa e D. Vital, bispo de Olinda e Recife, foram protagonistas da "Questão Religiosa" epíscopo-maçônica.
[FONSECA, ibidem, 371-2] ainda continua o seu louvor ao Maestro João da Mata, quando fala dos Vultos Curiosos em Oliveira:
"João Francisco da Mata era pobre, preto e plebeu, percorrendo os três PPP que José do Patrocínio atribuía a si mesmo. Mas era um gênio esse esmolambado João da Mata que percorria as ruas de Oliveira, bebendo a sua cachacinha e espargindo à flux as suas magníficas composições musicais. Se estala a Abolição da Escravatura, brota-lhe do cérebro o Hino da Liberdade. Se vem o 15 de Novembro de 1889, rabisca João da Mata um Hino Republicano, para concorrer com os maiores compositores do país. Em Oliveira, fez ele muita música bonita que, reunida, constituiria uma boa contribuição ao patrimônio musical do Brasil”.
[FONSECA, ibidem, 387] estampa clichê, sob o qual colocou a seguinte legenda: "Estudo para um busto do grande compositor João da Mata, feito pelo artista oliveirense Francisco Virote. João da Mata compôs um Hino à República além de dezenas de outras composições". Ao lado deste busto figura na mesma página 387 outra legenda com os dizeres: "Oliveira sempre participou e vibrou com os grandes acontecimentos da vida nacional. A libertação dos escravos foi aqui comemorada com entusiasmo. Na foto, a primeira página da edição de 20 de maio de 1888, da Gazeta de Oliveira, estampando com destaque a lei sancionada pela Princesa Isabel", abolindo a escravidão no Brasil. João da Matta representava essa liberdade tão cara aos cativos africanos e crioulos.
[FONSECA, ibidem, 413-4] informa
que, na noite de 20 de maio de 1888, domingo, as ruas se encheram de
negros, novos cidadãos brasileiros, que partiram da praça do Cruzeiro,
onde se reuniram, e se dirigiram à casa do redator-chefe da Gazeta de Oliveira.
"Pela primeira vez foi tocado nesse mesmo lugar o hino da Liberdade,
sublime composição do insigne maestro mineiro João Francisco da Mata." [FONSECA, ibidem, 426] informa
que "João da Mata compõe, em Oliveira, um hino à República e o envia ao
Ministério do Interior para figurar num concurso aí aberto".
ENTREVISTA DO REGENTE MÚCIO LO BUONO
Em 16/02/2018 fizemos minha esposa Rute Pardini e eu uma entrevista com o saudoso regente Múcio Lo Buono em sua residência. Ele tinha sido regente de coro na Igreja dos Passos e lamentava-se de ter sido afastado por causa da idade. Conservara-se solteiro e, já bem debilitado e idoso, precisava da companhia de cuidadores. Dava-se por feliz em receber semanalmente em sua sala algumas cantoras fiéis do seu antigo coral para alguns ensaios. Em sua homenagem escrevi o artigo "110 anos sem o compositor João F. da Matta", publicado no Blog de São João del-Rei em 1º de maio de 2019 com a seguinte dedicatória:
"Em memória do Sr. Múcio Lo-Buono (✰ 1929 ✞ 30/04/2019), Juiz de Paz de Oliveira-MG, professor do Ginásio Prof. Pinheiro Campos, fundador da Lira Municipal Oliveirense (05/05/1973), executante do harmônio e regente do Coral Múcio Lo-Buono, coordenador dos atos externos da Semana Santa e do Setenário das Dores e responsável pela organização de procissões e do Desfile de 7 de Setembro "
Entrevista com Múcio Lo Buono em 16/02/2018 em sua residência |
Pedi-lhe para falar sobre Pe. José Teodoro Brasileiro. Foram essas as palavras ditas pelo ex-regente:
"No céu da Igreja Católica, na paróquia de Oliveira, brilhará sempre, como uma estrela de primeira grandeza, a memória do Padre José Teodoro Brasileiro.
Nasceu em São João del-Rei a 15 de outubro de 1826. Era descendente de uma família numerosa. Dois de seus irmãos foram também sacerdotes: Pe. Américo, vigário de Candeias, e Mons. Aureliano Brasileiro, apelidado "Lica", de Lavras.
Possuía uma vasta cultura. Foi deputado provincial, na Monarquia. Isto lhe permitiu conviver com altas personalidades, dando à Oliveira a oportunidade de se tornar conhecida. Era ótimo orador sacro e músico de primeira classe.
Incrementou as artes, principalmente a música, que teve seu período áureo. Trouxe para a cidade músicos notáveis, como João da Matta, célebre compositor mineiro de músicas sacras e profanas. São de sua autoria as belíssimas partituras do Setenário das Dores, festa de preparação para a Semana Santa. O Setenário das Dores em Oliveira inicia-se no sábado, véspera do Domingo da Paixão, e termina na sexta-feira de Dores, antevéspera do Domingo de Ramos.
Como vocês sabem, a Igreja celebra duas festas em honra de Nossa Senhora das Dores.
A primeira, na sexta-feira da Semana da Paixão, anterior à Semana Santa. Essa festa é comemorada desde o século XVIII. João da Matta produziu as seguintes peças musicais para o Setenário das Dores: O vos omnes, Cui comparabo te, Veni Sancte Spiritus, Plorans ploravi in nocte, Vide Domine, Qui est homo qui non fleret e Stabat Mater (música diferente de outra peça), Falou ainda dos motetos de Dores, cada um num Passinho, sendo o 1º na Igreja dos Passos e o último na Matriz de Nossa Senhora de Oliveira (o certo seria "da" Oliveira, como em Guimarães, Portugal). João da Matta foi tão genial que ainda deixou para Oliveira uma Ladainha de Dores, um Minueto das Dores e, além disso, compôs ainda a Marcha de Dores "Vítima" (tocada no depósito e na Procissão de Dores).
A segunda festa que em São João del-Rei vocês chamam de Festa da Boa Morte (vulgarmente conhecida por Semana Santa dos negros), e que também exalta Nossa Senhora das Dores, é celebrada no dia 15 de agosto, data fixada pelo Papa São Pio X para comemorar a assunção de Nossa Senhora aos céus ao final de sua vida terrena."
Lo Buono recomendou-nos ainda conhecer o piano e a mesa da sala de jantar utilizados por João da Matta para compor suas peças. Indicou-nos uma casa da rua Dr. Coelho de Moura, nº 14, (parte de cima da Rua Direita), onde ele próprio nascera, pertencente a Maria Antônia Silveira (que assinava Brasileiro, quando solteira, antes do casamento com Roque Emílio da Silveira), criada por Pe. José Teodoro Brasileiro. Contou-nos Lúcio Lo Buono que ela era considerada sua "avó". Seguimos para lá e pude tocar o mesmo piano em que João da Matta costumava compor. Fomos muito bem recebidos por Maria do Carmo Costa ("D. Mariinha"), atual moradora da notória residência.
A casa onde nasceu Lo Buono que acolheu João da Matta |
Testando o piano Schimmel no qual tocou João da Matta |
A mesa sobre a qual João da Matta compunha |
JOÃO DA MATTA NA IMPRENSA SÃO-JOANENSE
Cabe observar nesta altura que não há praticamente nada sobre a trajetória de vida do maestro-tropeiro na imprensa são-joanense durante sua vida, com exceção de anúncios que João da Matta publicava nos periódicos locais suplicando a seus conterrâneos que adquirissem suas partituras para custear sua ida a Mar de Hespanha ou à corte.
Vejamos, a título de exemplo, antes de falar da passagem relativamente estável do músico por Oliveira, dois dos seus anúncios localizados nos periódicos são-joanenses:
1) A Pátria Mineira de 26/9, reiterado nas edições de 3, 17 e 24/10/1889, publicou o seguinte anúncio, onde nas próprias palavras do anunciante fica patenteada a sua naturalidade são-joanense, pacificando essa questão de forma definitiva:
Musicas à venda
"Tendo de demorar-me nesta cidade de 8 a 15 dias, partecipo aos meus amigos e apologistas que trago em rascunho excellentes quadrilhas a 5.000 rs. a collecção; marchas a 4.000 rs. cada uma; dobrados a 5.000 rs., polkas a 2.000 rs., walsas a 2.000 rs. e modinhas a 1.000 rs. cada uma; Hymno da Princeza ou 2º Hymno Nacional, 10.000 rs.; Hymno do Tiradentes, 10.000 rs.
Espero que os meus bons conterraneos me favoreçam, comprando-me algumas musicas, visto ser o seu producto para auxiliar a minha viagem à côrte, onde vou publicar uma artinha musical e diversas composições minhas.
Quem dignar-se auxiliar-me pode deixar o seu recado no escriptorio desta folha.
S. João del Rey, 24 de Setembro de 1889.
JOÃO FRANCISCO DA MATTA"
Parece que o dinheiro arrecadado com a venda das partituras não tenha sido suficiente para custear a viagem do maestro à Corte, pois [GUERRA, 1968, 70] registra que, em 18/10/1889,
"no salão da Filarmônica São-joanense realizou-se um concerto em benefício do talentoso músico conterrâneo João da Matta, com apreciável atuação do violinista Tibúrcio Pegada e da famosa orquestra Ribeiro Bastos".
2) Seis anos antes, em 1883, assim noticiava o jornal Arauto de Minas a presença do famoso musicista passando por sua cidade natal, na sua edição de 11 de outubro:
“Acha-se nesta cidade, de passagem para Mar de Hespanha, onde pretende dar alguns concertos, o nosso inteligente conterrâneo, João Francisco da Mata, insigne professor de música e hábil afinador de piano. O nosso maestro, retirando-se da Cidade de Oliveira, trouxe honrosos atestados de autoridades e pessoas altamente colocadas, asseverando ter sido irrepreensível o seu procedimento naquele lugar.”
Essa publicação era extremamente conservadora. Ainda assim, reservou espaço a João da Matta por considerar sua importância artística. Com esse discurso, mencionando as autoridades, o texto parece dizer: ‘Fiquem tranquilos. Ele é um bom homem.’
Observe-se, neste segundo anúncio de 11/10/1883 no jornal são-joanense Arauto de Minas,
o anunciante João da Matta alegou estar a caminho de Mar de Hespanha
onde já tinha agendado alguns concertos, se intitulou maestro (título
que gostava de exibir, trazido de Oliveira, onde tinha sido regente de
banda) e professor de música, acrescentando que era portador de honrosos
atestados de procedimento irrepreensível das autoridades de Oliveira,
numa tentativa de passar a imagem de homem bem ajustado socialmente (o
que não correspondia à realidade já que era conhecida pelos
são-joanenses sua vida de boemia e sua condição de alcóolico, dependente
de cachaça e de pimenta, consumida em excesso como antídoto para o
álcool).
JOÃO DA MATTA, MÚSICO EVENTUALMENTE PROFANO
Confirmando o pujante talento de João da Matta para a composição musical, o pradense [FONSECA, 2008, 8], afirma que o acervo de partituras da Fundação da Biblioteca Nacional ⁸ dispõe de várias peças deste autor, dentre as quais citou:
1) Marcha Fúnebre (RJ/Casa Narciso & Arthur Napoleão/1870),
2) Minh'alma é triste (poesia de Casimiro de Abreu musicada),
3) Os Monarchas (quadrilhas para banda),
4) Missa [Assumpção de Nossa Senhora! Quarta Missa] (a quatro vozes.../Dedicada a D. Pedro II),
5) Miragem! (marcha festiva...),
6) Marcha de Santa Anna...,
7) Canção dos cantos miridionaes [sic] (por Luiz Fagundes Varela-1841-1875-poesia musicada),
8) Romance do moço loiro (poesia de Joaquim Manuel de Macedo-1820-1882-musicada).
O mesmo articulista consultou edições do jornal A Gazeta Mineira de 1891, nas quais era anunciada para venda a música “Tango das Moças”, de João da Matta, impressa em Juiz de Fora na tipografia dos Drs. Leite Ribeiro & Cia.
Mencionou ainda que "João da Matta deixou músicas que marcaram a vida de várias gerações dos mais variados lugares, como, por exemplo, uma belíssima Marcha Fúnebre, que há mais de 110 anos é executada na Procissão do Enterro, na Semana Santa de Prados." Também, após a visitação aos passinhos na Quarta-feira Santa, que ocorre ao término da Procissão das Dores, a banda inicia o toque dessa Marcha Fúnebre no adro da igreja, seguindo para o interior do templo. "É maravilhoso e tocante o solo de bombardino que se apresenta nele. É incrivelmente lamentoso e espetacular, e seus acordes penetram, profundamente, na alma e nas entranhas do exultante ouvinte. Naquela cidade essa marcha é conhecida simplesmente por "João da Matta" e todo o povo a reverencia como um hino à Paixão de Cristo", completa o autor pradense.
JOÃO DA MATTA, MÚSICO ESSENCIALMENTE SACRO
No dia 04 de setembro de 2023 (data inicial da obra) fez 150 anos da composição Veni Creator Spiritus-Solo ao Pregador de Joao Francisco da Matta (para solenizar a festa do Divino que neste ano caiu em 19/05/2024), partitura de Lavras datada de 4 de setembro de 1883. A filarmônica da USP Ribeirão Preto se apresentou na Igreja do Rosario em Lavras e o tenor solista apresentou a composição junto à Filarmônica. A gravação é uma realização conjunta da Filarmônica e do regente e pesquisador oliveirense Lívio Antônio Silva Pereira, tenor solista na gravação. ⁹
O Veni Creator Spiritus é um hino em honra à terceira Pessoa da Santíssima Trindade: o Espírito Santo. Desde que foi composto o hino, no século IX, vem sendo entoado pela Igreja, de modo especial na Solenidade de Pentecostes. Solo ao Pregador ou Ária ao Pregador é o nome dado à composição musical baseada em textos religiosos que, na tradicional liturgia católica, é executada ocasionalmente nas missas solenes após o evangelho e antes da homilia, ou então, precedendo o sermão feito antes do canto alternado do Te Deum, que finaliza as comemorações da festa ou solenidade que se celebra. Geralmente cantados em latim, os textos referem-se à festa própria ou ao santo homenageado. A peça apresenta, na grande maioria, dois andamentos contrastantes: lento e rápido. Nota-se em várias obras a estrutura de recitativo e ária, com o emprego de ornamentos e coloraturas na linha vocal, revelando a influência do bel-canto e da ópera italiana.
No acervo das duas orquestras são-joanenses, Lira Sanjoanense (1776) e Ribeiro Bastos (1840) encontram-se 26 no arquivo da primeira (sendo 13 de Pe. José Maria Xavier) e 6 no da segunda.
Este tipo de composição foi muito frequente no Brasil durante o século XIX. Mas, encontra-se registro dela, também, na segunda metade do século XVIII.
A prática de se executar essa música circunstancial não é prescrita pela liturgia, constituindo-se, portanto, numa manifestação paralitúrgica.
A partitura digitalizada do Veni Creator Spiritus-Solo ao pregador para solenizar a festa do Divino já está disponível na Internet (editoração de Lívio Pereira no portal Musica Brasilis) ¹⁰.
Também os vídeos de outras obras de João Francisco da Matta estão disponíveis no YouTube sob a regência de Lívio Pereira com o seu Vocalis Barroco de Oliveira-MG, a saber:
4º Responsório Fúnebre: Libera me Domine
3º Responsório Fúnebre: Ne recorderis
2º Responsório Fúnebre: Memento mei
1º Responsório: Subvenite Sancti Dei
Missa Stella Maris: Kirie
Missa de São Sebastião: Kirie
Ecce Sacerdos Magnus
Igualmente, da cidade de Oliveira, o regente Lívio Pereira tem feito também um belo trabalho de editoração de outras partituras de João da Matta, todas disponibilizadas pelo regente na Internet no portal Musica Brasilis. Até o presente momento, já foram divulgadas as seguintes partituras ¹¹:
Ave Maria (harmônio, violino, voz)
Flores d'alma (piano, voz)
Ladainha de Dores (orq.)
Minueto das Dores (orq. de metais) 1885
Responsórios Fúnebres (orq.) 1885
Ave Maris Stella (orq. e barítono) 1891
Ecce sacerdos magnus (banda e coro) 1891
Ecce qui tollis (orq.) 1901
OBRAS SACRAS DE JOÃO FRANCISCO DA MATTA
Além das já citadas neste trabalho, apresento abaixo uma relação de suas partituras conhecidas até o presente:
Tota pulchra es Maria – antífona (hino católico mariano festivo)
Missa Stella Maris
Missa São Sebastião
Missa de Santa Cecília
Missa Assunção de Maria
Missa da Sacra Família
Missa “La Speranza”
Missa Nossa Senhora de Lourdes
Veni e Domine da Sacra Família
Veni e Domine para a Novena de Nossa Senhora do Carmo
Sub tuum præsidium – antífona
Hino à Santíssima Trindade
Hino à Santíssima Virgem – Tota pulchra (em si bemol)
Ave Regina Cælorum
Ave Maria
Hino de Santa Teresa de Jesus
Stabat Mater nº 1 em si bemol (executada na Sexta-feira Santa na Solene Ação Litúrgica durante a Adoração da Cruz, em nossa cidade)
Stabat Mater nº 2
Vidit suum
Te Deum nº 1 Te Deum de Santa Efigênia
Te Deum “Rosa de Ouro”
Tantum Ergo
Ecce Sacerdos Magnus
Semeorum – antífona
O Sacrum Convivium
Ave Maris Stella – antífona
Quem terra pontus – solo ao pregador
Regina Mundi – antífona
Benedictus – alternado – a cappella
Marcha Fúnebre conhecida por "João da Matta" (executada tanto na Quarta-feira Santa, após a visitação aos "passinhos" e ao término da Procissão das Dores, no interior da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Prados, quanto também na Procissão do Enterro)
Marcha de Sant'Anna
JOÃO DA MATTA, INCURSO EM CONFUSÕES
[COELHO, ibidem, 23] observa
que, no seu primeiro contato com a obra do compositor são-joanense, se
sentiu desconfortável de lidar com a "dicotomia entre a obra do artista
refinado e o estilo de vida rude de um negro tropeiro que vivia
arrumando confusão pelos sertões de Minas Gerais".
Como resultado da sua bebedeira desregrada, há inclusive dois episódios da vida do nosso homenageado que lamentavelmente deslustram o seu esplendor. [COELHO, idem, 226-8] relata que, por causa de sua dependência da cachaça, o maestro se viu envolvido em dois processos criminais: um, em Oliveira, e outro, em São João del-Rei, nos quais figurou como réu no crime de ofensa física. Em Oliveira, foi condenado a 3 meses e 15 dias de prisão simples, acusado de ferir Vicente Mendes no dia 03/08/1891. Em São João del-Rei, foi acusado por Cândido José Fernandes de feri-lo com uma facada nas costas em 12/06/1896, ao que o maestro alegou que estava embriagado e fora de si; foi preso e só recebeu o alvará de soltura em 12/04/1897. Continua o autor da vizinha cidade de Resende Costa:
"Os dois crimes ocorridos bem próximos no tempo: um em 1891 e outro em 1896 renderam ao maestro mais de uma no de cadeia, o que, sem dúvida, o impediu temporariamente de continuar seu tropeirismo. (...) A primeira condenação deve ter tido um efeito adicional de retirá-lo de uma das poucas experiências de fixação em uma cidade durante sua vida. Em Oliveira, ele parece ter passado uma época estável, quando assumiu o cargo de maestro."
FUNDADOR DA LIRA DO ORIENTE SANTA CECÍLIA
No Histórico feito por Roberto Múcio da Silva em 30/10/1995, em homenagem ao primeiro centenário da Corporação Musical “Lira do Oriente Santa Cecília”, ele observou que esse grupo musical atuava tanto como Banda de Música quanto como Orquestra Sacra, está sediado no distrito de Rio das Mortes Pequeno e fora fundado em 22/11/1895 por dois Mestres-fundadores, a saber: Srs. Pedro “Sapo” e João da Matta, ambos negros e membros integrantes da Orquestra Lira Sanjoanense. Segundo o Histórico, os dois Mestres-fundadores teriam dito que estavam fundando a “Lira do Oriente”, por não serem aceitos na “Lira Sanjoanense”, com a qual ficaram descontentes diante de restrições sofridas à sua participação musical nas principais festividades onde a presença da Lira Sanjoanense era solicitada, mencionando ainda que sofriam duas discriminações: pela sua cor negra e pelo fato de se exaltarem em bebidas. Quanto a João da Matta, [SILVA, 1995] esclarece que ele “exercia a profissão de tocador de porcos, desta região para a Zona da Mata”. Em minha visita aos arquivos daquela corporação musical, localizei pelo menos duas marchas festivas da autoria de João da Matta, intituladas “Belleza” e “João da Matta”, cujas cópias me foram gentilmente cedidas por seu então dirigente e instrutor Márcio dos Reis.
PROJETO DE MONUMENTO A JOÃO DA MATTA EM BELO HORIZONTE
[COELHO, 2014, 232] apud [CINTRA, 1995] reproduz trecho em que este cita na Tribuna Sanjoanense que: "[...] anos após sua morte, no período em que Fernando de Melo Viana chefiou o governo de Minas (1923-1926), o escritor Gustavo Pena ventilou pela imprensa a ideia de se erigir em Belo Horizonte um monumento dedicado à memória de João da Matta. Tal monumento não consagraria unicamente aquele músico genial e humilde, mas valeria também como um preito de reconhecimento a todos os negros que trabalharam pela cultura musical mineira. A ideia, parece, esteve a ponto de se concretizar. Veio outro governo, e não se pensou mais nela.”
Continuando, [COELHO, idem, idem] informa que SIQUEIRA ¹² cita, de uma forma um pouco diferente, esse acontecimento. Segundo este, um deputado se propusera mandar exumar por conta do Estado e depositar em mausoléu artístico os restos mortais desse humilde filho de São João del-Rei. O estudo para o monumento, no entanto, foi feito e é a única imagem que restou do maestro tropeiro João Francisco da Matta. Luiz Gonzaga da Fonseca informa que o estudo foi obra do artista oliveirense Francisco Virote.
[CINTRA, ibidem, idem] informa que "o citado estudo encontra-se no Museu Bárbara Eliodora", em São João del-Rei. Suponho que o autor esteja se referindo à "maquette" em madeira para o busto em bronze do artista oliveirense Francisco Virote, que hoje se encontra na sede da Lira Sanjoanense. Em 2017, a saudosa Lourdes, irmã de Aluízio Viegas, relatou-me que o busto de João da Matta foi localizado no barracão da Prefeitura pelo saudoso regente Dr. Pedro de Souza, o qual o resgatou para a corporação musical são-joanense onde João da Matta atuou enquanto vivo.
Busto do ilustre músico são-joanense João Francisco da Matta, existente na sede da Orquestra Lira Sanjoanense, em São João del-Rei |
FILHO DE JOÃO DA MATTA: VIOLONCELISTA E TROMPETISTA
O saudoso Aluízio Viegas contou-me ainda que um filho do maestro, Targino da Matta, violoncelista e trompetista, brilhou na Orquestra Ribeiro Bastos no final do século XIX e início do XX, notabilizando-se em Belo Horizonte, para onde se transferiu posteriormente, "como instrumentista de execução magnífica, capaz de tirar do instrumento uma bela sonoridade numa interpretação perfeita".
JOÃO DA MATTA NO ESTANDARTE DA SOCIEDADE LYRA SANJOANENSE
LUIZ BAPTISTA LOPES, professor de música e regente da Lyra Sanjoanense, confeccionou um Estandarte, abençoado em 31/03/1889 e atualmente conservado na sede da orquestra. No artigo intitulado "Lira S. Joanense" na edição de 30/03/1889 do jornal GAZETA MINEIRA, lê-se:
“[...] Sobre essa moldura, enlaçada por uma corôa de louros, um livro aberto registra os nomes A. Santos, Pe. José Maurício, J. Joaquim Americo, Padre João de Deus, Manoel Dias, Padre José Maria Xavier, João F. da Matta e Presciliano Silva, escriptores musicaes mineiros, cujas produções são assaz estimadas e sempre ouvidas com enthusiasmo, sem que o tempo consiga fazel-as envelhecer.(...)”, reproduzido por Antônio Guerra nas pp. 69-70 do seu livro Peq. Hist. de Teatro..., registrado em 30/03/1889.
Estandarte
da Sociedade Lyra Sanjoanense, trabalho de Luiz Batista Lopes,
originalmente benzido solenemente em 31/03/1889 e refeito em 1976 a
partir do original. O nome de João F. da Matta aparece à direita do ramo
verde superior. Crédito pelas imagens: Rute Pardini. |
As glórias, que vêm tarde, já vêm frias...
Lira 14, cap. I de Tomás Antônio Gonzaga
Vejamos
como o maestro negro João Francisco da Matta, de poucas posses e de
vida itinerante, foi pranteado e homenageado pelos jornais da sua cidade
natal e de Minas Gerais após sua morte em 04/06/1909 no distrito de
Serranos, em Aiuruoca, ficando evidenciado como seu nome era
reverenciado na cidade e no meio musical. Qualquer que seja o prisma que
se vá analisar o "fenômeno" João da Matta, o historiador irá se
surpreender com sua "trajetória ímpar do músico na história da música
são-joanense", com o seu autodidatismo, com a sua capacidade de
exploração de diversos gêneros de música, do profano ao sacro, musicando
poemas, compondo hinos, mostrando um domínio completo da paleta vocal e
instrumental, algo impensável em um compositor pobre com a profissão de
tropeiro pelo sertão oeste mineiro, Zona da Mata até a Corte.
A notícia do falecimento de João da Matta (O REPÓRTER, Anno V, nº 47, edição de 17 de junho de 1909, p. 2.
Em nota publicada em 20/06/1909, edição nº 1.119 da Gazeta de Minas, de Oliveira, pode-se ler: "Noticia o nosso estimável colega "O Repórter" o falecimento no dia 11 em Serranos de Ayruoca, do Maestro João Francisco da Mata, o genial compositor mineiro, sanjoanense que residiu por muitos anos em Oliveira. Morre assim ignorado e tristemente um músico notável que bem podia ombrear o Padre J. M. Xavier e tantos outros compositores de música sacra; no arquivo musical do finado vigário José Theodoro Brasileiro, seu grande protetor, existem belíssimas missas, antífonas destacando-se entre estas últimas a antífona “Regina Mundi”, celebre por ter recebido aplausos encomiásticos do bispo de Olinda quando preso na Ilha das Cobras. É uma notabilidade musical que desaparece e teria João da Mata a consagração do talento se não fosse o seu natural erradio boêmio, incônscio do que valia e insociável pela vida desregrada que levava. Era, entretanto, um grande coração e o seu falecimento repercutiu aqui com vivo pesar entre a corporação musical que regeu durante anos."
O periódico A Opinião, nº 7, de 31/07/1909, publicou, sob o título "João da Mata", a reprodução do que escreveu Francisco Lins, no Jornal do Comércio, de Juiz de Fora, na seção O DIA, onde este autor relata outra versão, apud Folha Fluminense, do caso passado em Pitangui contado por Asterack Germano de Lima; no caso em questão, a correção pelo compositor se passa durante o ensaio de uma de suas missas.
O livro de Albino Esteves "O Teatro em Juiz de Fora" (Tip. do Fato, Juiz de Fora, 1910) traz a crônica de Gustavo Pena de 1890, sobre um concerto musical que o famoso filho de São João del-Rei realizara no Teatro Novelli, em Juiz de Fora, e onde transcreve o juízo de Carlos Gomes a respeito do maestro mineiro João da Mata, cerca de 17 anos atrás, portanto 1873.
ARTIGOS NA IMPRENSA SÃO-JOANENSE APÓS A MORTE DE JOÃO DA MATTA
— Longo trecho sobre João da Matta no artigo A MÚSICA EM SÃO JOÃO DEL-REI por Bento Ernesto Júnior, em A Tribuna, nº 1268, em edição especial de 40 páginas, de 07/04/1935
— Por ocasião do 1º centenário da Cidade de São João del-Rei festejado em 1938, os jornais são-joanenses trouxeram as impressões de vários autores sobre os traços marcantes de João da Matta, sua vida e sua obra, a saber:
1) A NOSSA MÚSICA E O SEU PASSADO, por Asterack Germano de Lima, conta o episódio em Pitangui em que duas moças, uma violinista e outra pianista, são corrigidas pelo maestro-tropeiro por considerarem que o intruso não tinha cabedal para criticá-las. Ao perguntar-lhes qual era o autor da música, elas disseram: João da Matta. Foi quando ele retrucou com a célebre citação-título desta monografia, para surpresa delas: "Eu sou João da Matta". (publicado por O CORREIO, edição de 28 de julho de 1938)
2) JOÃO DA MATA por Alvino Ferrari, publicado por O CORREIO, Ano XIII, nº 619, edição de 7 de setembro de 1938, p. 2.
— Lacônico trecho sobre João da Matta no livro NOTÍCIA DE SÃO JOÃO DEL-REI por Augusto Viegas, 3ª edição, 1969, 273 p., onde escreveu à página 89: “[...] Cabe bem lembrar neste tópico o grande músico João da Mata, natural da vizinha Cidade de Oliveira, pois que aqui, ao lado de insignes musicistas e notáveis mestres, se revelou sua individualidade artística. Como compositor deixou magníficos trabalhos, notabilizando-se também como exímio executor, que tocava, com perícia, diversos instrumentos de sôpro e de corda. [...]”
— JOÃO FRANCISCO DA MATA - GLÓRIA DA CULTURA MUSICAL SANJOANENSE por Sebastião de Oliveira Cintra, publicado na TRIBUNA SANJOANENSE, edição de 14/11/1995, Ano XXVII, nº 824, p. 2, onde apresenta um release dos principais trabalhos escritos até a data sobre o Maestro-tropeiro João da Matta.
ARTIGOS PUBLICADOS EM OLIVEIRA NA GAZETA DE MINAS NO POST MORTEM
1) UM MULATO DE GÊNIO por João Gaio, publicado por Gazeta de Minas, Oliveira-MG, 20 de fevereiro de 1938, nº 8. Do artigo extraio o seguinte trecho:
"[...] E a musica sacra composta por João da Matta, embora sem as profundezas mysticas das reveladoras e exaltadas creações de Novalis e Ruysbroeck, é de um idealismo suave, é ascensional, elevadora, para o vulgo tão dominavel pelo que não comprehende, Como o mysticismo, ella é como um cantico celestial. Na ladainha do Setenario das Dores é a prece musicada de um crente, talvez a mais perfeita das obras de João da Matta, a orchestração tem effeitos e coloridos surprehendentes, a partitura, tanto das (...) dos instrumentos revela a ativa personalidade de um grande artista. [...]"
2) JOÃO DA MATTA pela redação da Gazeta de Minas de 20/02//1938, do qual extraio um trecho:
"Exposta
na vitrine da Casa São Pedro, desta cidade, acha-se a “maquette” para o
busto do saudoso maestro João Ferreira (sic) da Matta. [...]
O busto
de João da Matta feito para estudo em gesso deverá ser fundido em
bronze. É uma dessas homenagens justas e imprescindíveis, que o nosso
povo sabe prestar aos seus vultos queridos.
Mas, no caso do busto de
João da Matta, ainda apparece uma verdadeira revelação, digna do
desvanecimento de nossa gente: João Virote, o artista que o talhou.
João Virote já era um pintor conhecido em nosso meio. Seus trabalhos a oleo eram apreciados de todos que os viam.
No busto de João da Matta, Virote foi ainda mais admiravel. Alli está, gravada em gesso, um’alma de artista.
O
busto de João da Matta, comparado com o retrato que serviu de modelo,
se apresenta como trabalho perfeito em todas as suas linhas e coloridos
expressivos.
Podemos affirmar, sem exagero, que João Virote é uma esperança nas artes a que se dedica."
3) JOÃO DA MATTA pela redação da Gazeta de Minas de 13/05//1938, com carta sobre o busto de João da Matta escrita por João Virote, que o esculpira em bronze, onde se lê o seguinte trecho:
"[...]Oxalá o bronze perpetue os traços physionomicos daquelle cuja obra já o immortalizou. À nossa geração cabe essa glorificação, e, foi com esse pensamento que me recorri, em tempo, da critica que culminou na apreciação do vosso jornal; basta. Decerto se accentua o cultivo do sentimento de brasilidade, pois considere-me feliz de ter satisfeito um desejo do povo. É que a copiosa obra de João da Matta acha-se esparsa por todos os recantos das zonas oeste-sul mineiras, onde nasceu e peregrinou o genial maestro bohemio. [...]"
4) JOÃO DA MATA por Pe. Miguel Angelo Freitas Ribeiro que, na edição 1.119 da Gazeta de Minas, periódico de Oliveira, inicia seu artigo com a seguinte citação:
"Referente a este ilustre sanjoanense só duas referências breves encontrei nos livros. João Dornas Filho em seu A Escravidão no Brasil (coleção
Brasiliana, Companhia Editora Nacional, RJ, 1939 à pág. 120), ao falar
da miscigenação relembra a presença do músico em Minas:
“O amor pela miséria e o canto, que faz de cada brasileiro um cantador emérito de modinhas e de sambas, é herança do negro escravo que nos deu mestiços de grande talento artístico e os nomes de José Maurício no Rio e João da Mata em Minas, este, boêmio de gente, um rapsodo mulato que espalhava de cidade em cidade a inquietação do seu estro de fogo, ainda vive numa obra numerosa e rica por todo o país. Luiz Gonzaga da Fonseca registra sua passagem por Oliveira, o que transcrevo da "História de Oliveira" (1961, pág. 371-2): [...]”
JOÃO DA MATTA NA CORTE COMO PRECURSOR DO SAMBA NO BRASIL
"Almirante" – Henrique Foréis Domingues (1908-1980) –, na sua notável série na Rádio Tupi, “História do Rio pela música” (1942), citou João Francisco da Matta, na cidade do Rio de Janeiro, como companheiro dos precursores do samba no Brasil.
TRIBUTO DA CIDADE NATAL A SEU FILHO JOÃO FRANCISCO DA MATTA
Por fim, localizei no arquivo da Prefeitura Municipal a Lei nº 436, de 26/02/1925, aprovada por Basílio de Magalhães, então chefe do Executivo Municipal, decidindo renomear a rua Progresso no bairro do Bonfim, com a nova denominação de "João da Matta", em honra ao ilustre maestro e compositor, que lecionou e se apresentou profissionalmente em concertos na corte e por todo o Oeste e Sul de Minas, projetando com o seu talento artístico o nome de São João del-Rei.
[CINTRA, 1995, 2], após comemorar a nova denominação para a rua, finaliza seu artigo com um reconhecimento justo e grato: "A memória de nosso talentoso conterrâneo, maestro, compositor e instrumentista João Francisco da Matta alcançou indubitavelmente renome privilegiado na história da música em São João del-Rei." Finalmente, acrescento eu.
***
O autor deste trabalho se considera realizado se tiver conseguido ampliar o debate salutar sobre o genial João Francisco da Matta, trazendo a lume o que já existe escrito sobre ele e, ao mesmo tempo, contando com o compartilhamento de novas informações e produções do compositor são-joanense ainda desconhecidas, porventura existentes nas cidades que ele percorreu em sua profissão de tropeiro.
NOTAS EXPLICATIVAS
¹ O texto "Picada de Goiás" está reproduzido no Blog de São João del-Rei e publicado em 09/05/2024.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/05/picada-de-goias.html
No princípio, o caminho existente para se atingir Goiás consistia na "Trilha dos Bandeirantes", que partia da Vila do Sabará, cortava a Vila de Pitangui e, a seguir, tomava o destino do Arraial de Paracatu.
A denominação "Picada de Goiás"
foi um caminho aberto entre os anos de 1733 e 1736, que partia de São
João del-Rei e, rumando para o Centro-Oeste mineiro pelos arraiais de
Oliveira, Formiga, Bambuí e Araxá, se chegava a Paracatu, antes de
atingir Goiás. Havia inúmeros "desvios" que se ligavam à estrada
principal, sendo o caso de Morro do Ferro, Itapecerica, Candeias, Campo
Belo, Carmópolis de Minas, Piumhi, etc. Muitos dos citados desvios
ligavam a primitiva Trilha dos Bandeirantes à Picada de Goiás.
² No Brasil, historicamente, o termo "crioulo" designava o negro nascido no continente americano.
³ De
acordo com a certidão de óbito que possuo, expedida em 28/08/2017 de
Serranos-MG e obtida através dos préstimos do confrade e historiador
deste IHG, José Passos de Carvalho, dela constam as seguintes
informações adicionais: que ele faleceu em 05/06/1908 (data
completamente equivocada, pois todos os periódicos que noticiaram a
morte de João da Matta registraram seu óbito em 04/06/1909); que o
falecido morreu com a idade de 75 anos; que era casado com Ambrosina
Silva da Matta; que o local onde o corpo foi sepultado é "adro"; que,
após o nome do falecido, consta entre parênteses o termo MASHESTO.
Suponho que o termo correto tenha sido MAESTRO que o declarante Eleazar
Alves de Carvalho tenha querido dizer; que a causa da morte foi
"retenção", o que em medicina se entende a acumulação de uma substância,
ordinariamente um líquido, numa cavidade, donde deveria ser normalmente
evacuada, o que interpreto como "insuficiência renal aguda"; e que
Sabino Carlos da Silva e José Joaquim Ferreira foram as testemunhas que
atestaram o óbito.
⁴ [COELHO, idem, 212] entende
que "ele poderia ter nascido escravo, mas não descarta a hipótese de
ter sido alforriado ainda criança, haja vista que ele recebeu algum tipo
de educação formal além da educação musical propriamente dita. Sua
caligrafia nas peças originais, ainda conservadas nos arquivos das
orquestras, demonstra isso."
⁵ Em artigo intitulado "João da Matta, maestro e compositor são-joanense"
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2017/08/joao-da-matta-maestro-e-compositor-sao.html
⁶ Expressão
muito feliz forjada por Bento Ernesto Júnior e mencionada no artigo “A
Música em São João del-Rei”, publicado no periódico A TRIBUNA, em
edição especial de 40 páginas, nº 1268, de 07/04/1935. Nesse mesmo
artigo, ele relata o episódio que envolveu o nosso homenageado e Carlos
Gomes, que levou o autor a um elogio lapidar: “O pobre negro, em a
noite de sua desgraça, teve um farto raio de luz a iluminar-lhe a
personalidade humilde na grande admiração que por toda parte se lhe
dedicava e a consagração invulgar da mais rutilante glória da música
brasileira — o grande, o imortal Carlos Gomes, que proclamou João
da Matta uma das mais admiráveis organizações musicais, que lhe fora
dado conhecer.”
⁷ RIBEIRO, Luís: Quem tem medo de olhar para trás?, in revista VISÃO, edição de 16/05/2024, nº 1628, pp. 46-56, reproduzido no Blog de São João del-Rei.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/05/quem-tem-medo-de-olhar-para-tras.html
⁸ Provavelmente estas partituras se encontrem hoje na DIMAS-Divisão de Música da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
⁹ O vídeo da apresentação de 04/09/2023 na Igreja do Rosário em Lavras pode ser apreciado no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=X-T_HmkoNtg
¹⁰ Disponível no link: https://musicabrasilis.org.br/partituras/joao-francisco-da-matta-veni-creator-spiritus
¹¹ Todas estão disponíveis no link: https://musicabrasilis.org.br/compositores/joao-francisco-da-matta
¹² Título não informado do artigo a que se refere, publicado no jornal são-joanense A TRIBUNA, edição de 19/04/1925.
VÍDEOS apresentados durante a apresentação de minha monografia ao IHG de São João del-Rei:
Link: https://www.youtube.com/watch?
Link: https://www.youtube.com/watch?
AGRADECIMENTO
À
minha amada esposa Rute Pardini Braga pelas fotos, aos confrades Paulo
Chaves Filho pela editoração e Arlon Cândido Ferreira pela projeção no
data show.
BIBLIOGRAFIA
BRAGA, Francisco José dos Santos: Festa de São Sebastião em S. João d'El-Rey em 1919, publicado pelo Blog de São João del-Rei em 30/06/2017
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________________________: Considerações de escritores sobre o Maestro e compositor são-joanense João da Matta, publicado pelo Blog de São João del-Rei em 29/08/2017
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________________________: Veni Creator Spiritus: solo ao pregador de João Francisco da Matta, publicado pelo Blog de São João del-Rei em 08/09/2023
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Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/05/quem-tem-medo-de-olhar-para-tras.html
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VIEGAS, Aluízio José: Música em São João del-Rei de 1717 a 1900. Revista do Instituto e Geográfico ide São João del-Rei, São João del-Rei, nº 5, 1987, pp. 53-65.
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Colaboração: FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA
Fonte: Blog de São João del-Rei de FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA