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São João del-Rei: dois tricentenários . Rogério Medeiros Garcia de Lima

Descrição

Rogério Medeiros Garcia de Lima/Sobre o autor e outros artigos de sua autoria
(Natural de São João del-Rei, onde nasceu em 08 de setembro de 1961. Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Universitário. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. Sócio-Correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei)

“As cidades, como as pessoas, são um composto de corpo e alma. O corpo é a estrutura externa, visível e palpável da cidade. A alma é a história, a tradição, a vida da cidade e a vida e a atitude das pessoas, que, num determinado período, representam o seu espírito” (Dom Lucas Moreira Neves, Cardeal são-joanense, prefácio ao livro Galeria das Personalidades Notáveis de São João del-Rei, de Sebastião de Oliveira Cintra, 1994).

A cidade de São João del-Rei, minha terra natal, comemorou duas importantes efemérides: os trezentos anos de elevação a vila (2013) e os trezentos anos da criação da antiga Comarca do Rio das Mortes (2014), com sede no município.

Origens

No final do século XVII, ao se iniciar o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, foram descobertos os primeiros veios auríferos nas terras mineiras. O centro econômico da antiga Colônia portuguesa foi deslocado do Nordeste para as Minas Gerais. No lugar dos antigos engenhos, com suas casas-grandes e senzalas, surgiram e prosperaram os centros urbanos. Um dos mais prósperos, desde então, é a nossa reluzente São João del-Rei.

Com efeito, no limiar do século XVIII o bandeirante Tomé Portes del-Rei, paulista de Taubaté, acampou às margens do Rio das Mortes, no local chamado “Porto Real da Passagem”, onde se atravessava o rio em pequenas embarcações. O pequeno núcleo nascente prosperou subitamente, ao serem descobertas jazidas de ouro na região do Lenheiro.

A cobiça pelo precioso metal provocou a Guerra dos Emboabas, conflito sangrento entre paulistas e portugueses. “Emboaba” – ou “perna cabeluda” - era a designação pejorativa dos portugueses e forasteiros, que vieram disputar as minas de ouro.

Durante aquela encarniçada guerra civil, houve o legendário episódio do Capão da Traição. Os paulistas, diante da ardilosa promessa de trégua dos “emboabas”, depuseram armas às margens do Rio das Mortes. Os portugueses e aliados, escondidos em um matagal (ou capão), abriram fogo contra os paulistas. Inúmeros deles quedaram mortos após o trágico episódio.

Elevação a Vila

Em 08 de julho de 1713, o arraial foi elevado a Vila pelo governador de Minas e São Paulo, D. Braz Baltazar da Silveira.

Inconfidência Mineira

Ainda no século XVIII, ganhou fama o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. O herói da Inconfidência Mineira foi batizado na Freguesia de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del-Rei, em 12 de novembro de 1746. O respectivo batistério foi recuperado já no século XX. Os Autos da Devassa registram depoimento no qual o intrépido Tiradentes se qualificou como natural da Comarca de São João del-Rei.

Também foi heroína da Inconfidência a poetisa são-joanense Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira. Foi casada com o ouvidor e poeta Inácio José de Alvarenga Peixoto. Demoveu o esposo de delatar aliados inconfidentes. Era preferível a morte à desonra da delação. O marido foi preso e degredado para o continente africano. Sobreveio à viúva ruína familiar e financeira. No entanto, a posteridade a entronizou como símbolo da coragem da mulher brasileira.

Independência e Império

Em 1808, a Família Real Portuguesa aportou no Rio de Janeiro. Fugia da invasão de Portugal por tropas de Napoleão Bonaparte. Foi aberto o caminho para a independência da colônia. Oliveira Lima considerou D. João VI “o verdadeiro fundador da nacionalidade brasileira”.

Passado o terror napoleônico, os portugueses exigiram a volta do monarca à Metrópole. Pior, queriam restabelecer o status colonial da emergente Nação brasileira.

Foram os últimos estertores da colonização lusa. O Príncipe D. Pedro, que estava investido na regência da colônia, foi instado a levar a cabo o processo da Independência. Viajou por diversas cidades brasileiras.

Aqui em São João del-Rei, foi recebido, com grande regozijo, em 03 de abril de 1822. Segundo Augusto Viegas, a calorosa recepção exerceu decisiva influência “no espírito do impulsivo jovem”.

Primeiro Imperador da nascente Monarquia Brasileira, D. Pedro I abdicou da Coroa em 1831 e voltou a Portugal, para disputar o trono com o insurreto irmão D. Miguel.

Nesses idos, ocorreu a célebre Sedição Militar de Ouro Preto (Vila Rica). Pugnando pelo retorno de D. Pedro I, restauradores exaltados depuseram o governo da Província de Minas Gerais em 22 de março de 1833. A Câmara Municipal de São João del-Rei oficiou ao governador, para que aqui instalasse a sede da capital mineira, por breve período, até o restabelecimento da capital em Vila Rica. O belo monumento, conhecido como Chafariz da Legalidade, foi erguido para imortalizar a importante efeméride.

Durante o seu longo reinado, D. Pedro II visitou São João del-Rei em 28 de agosto de 1881. Veio inaugurar trecho da Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas. Os festejos foram suspensos devido ao súbito falecimento do Conselheiro Manuel Buarque de Macedo, ministro da Agricultura, que se hospedara na casa de D. Maria Teresa Batista Machado. Não obstante o fatídico episódio, o monarca muito apreciou a nossa cidade.

República, Século 20 e Tancredo Neves

Talvez em virtude da empatia com D. Pedro II, nossa cidade resistiu à implantação da República. Em 23 de abril de 1889, Silva Jardim foi impedido por populares de discursar da sacada do hotel onde se hospedava.

Já no Século XX e durante a II Guerra Mundial, São João del-Rei registrou a participação heroica do 11º Batalhão de Infantaria (Regimento Tiradentes) na tomada de Montese – Itália.

Por fim, nos anos 1980, em pleno processo de redemocratização, oferecemos ao Brasil a homérica figura de Tancredo de Almeida Neves.

Dr. Tancredo era um político nato, probo, culto e habilidoso. Ainda jovem deputado, explicava porque apresentou emenda à Constituição Mineira de 1946, da qual resultou a construção da usina hidrelétrica de Itutinga. Foi movido pelas lembranças do passado de estudante e leitor voraz. Frequentemente as leituras noturnas eram interrompidas pela falta de energia na cidade. E concluía:

“Isso é que me levou a entrar na política e só por isto eu estou na política até hoje. Foi para tirar a minha terra das escuras, da escuridão em que ela vivia”.

Ao assumir o governo de Minas Gerais, em 1983, discursou da sacada do imponente Palácio da Liberdade:

“Mineiros, o primeiro compromisso de Minas é com a liberdade. Liberdade é o outro nome de Minas”.

Em 1985, proclamava aos brasileiros após sua eleição à Presidência da República:

“Se todos quisermos, dizia-nos, há quase duzentos anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, podemos fazer deste país uma grande Nação. Vamos fazer”.

O bravo são-joanense sacrificou a saúde e a vida para realizar o ideal democrático dos seus compatriotas. Foi sepultado no torrão natal, aos pés de São Francisco de Assis, santo da sua devoção. Repousa no panteão dos heróis da Pátria. Sobre sua modesta lápide se inscreve célebre sentença proferida outrora aos conterrâneos:

“Terra minha, amada, aqui terás os meus ossos, como última identificação do meu ser com este rincão abençoado”.

A Comarca

Em 1714, foram criadas as primeiras comarcas mineiras: Vila Rica, com sede em Ouro Preto; Rio das Velhas, em Sabará; e Rio das Mortes, em São João del-Rei. Anotou Augusto Viegas:

“À Comarca do Rio das Mortes foi nessa divisão, para a cobrança do ouro (...), atribuído o dilatado trecho da capitania que se estende do Ribeirão das Congonhas nas divisas da comarca de Vila Rica, até a Vila de Guaratinguetá pela Serra da Mantiqueira ao Sul, não lhe assinalando a linha do oeste, por se tratar, como explica Diogo de Vasconcelos, ‘de sertão desconhecido’”.

Sobre a criação da antiga Comarca do Rio das Mortes discorreu Francisco Brant:

“Tamanho era o desmando em Minas que o desembargador José Vaz Pinto, nomeado em 1702 pela Coroa para colocar ordem nos arraiais do ouro, acabou expulso pelos paulistas, depois de se enriquecer escandalosamente com ouro contrabandeado. Ele não teve sucessor de imediato (...) porque o próprio Conselho Ultramarino do governo português capitulou. Os Conselheiros admitiram ‘ser notória a liberdade’ da vida em Minas e recomendaram suspender o envio de novas autoridades, porque não tinham ‘coação para administrar justiça’. (...).

“Em ‘Geografia do Crime – Violência nas Minas Setecentistas’, a historiadora mineira Carla Maria Junho Anastasia narra diversos casos sobre personagens e crimes cometidos na Comarca do Rio das Mortes. Ela explica que, na comarca, a falta de ação pronta da autoridade – localizada em São João del-Rei e distante, portanto, dos ermos da Mantiqueira -; o refúgio de criminosos em esconderijos acobertados; e as disputas em torno de limites entre as capitanias mineira e paulista ‘facilitavam a impunidade e o exercício reiterado do mandonismo bandoleiro’.

“Ainda segundo a historiadora, o que mais estimulava, todavia, o crime era a ausência de autoridade política e administrativa nas áreas ‘interditas’, a ‘terra de ninguém’: no caso, as vastas áreas sem lei do antigo Sul de Minas. Do mesmo modo que os sertões do São Francisco, os da Comarca do Rio das Mortes estavam nesta situação”.

A atual Comarca de São João del-Rei

Atualmente, a Comarca de São João del-Rei possui as seguintes unidades de jurisdição: Vara de Família e Sucessões, 1ª Vara Cível, 2ª Vara Cível, 1ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude, 2ª Vara Criminal e de Execuções Criminais, Juizado Especial e Turma Recursal do Grupo Jurisdicional de São João del Rei.

Está integrada, além do município-sede, pelos municípios de Conceição da Barra de Minas, Lagoa Dourada, Nazareno, Ritápolis, Santa Cruz de Minas, São Tiago e Tiradentes.

No dia 1º de julho de 2011, com as presenças do governador do Estado de Minas Gerais Antonio Anastasia e diversas autoridades, o desembargador Cláudio Costa, presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, inaugurou o novo prédio do Fórum Carvalho Mourão, em São João del-Rei. O governador do Estado discursou:

“Obras bem planejadas e executadas, como o novo prédio do fórum, irão oferecer mais conforto e qualidade de atendimento ao jurisdicionado”.

Na ocasião, foi prestada justa homenagem ao desembargador e ex-presidente do TJMG José Costa Loures, pelo incansável empenho em prol da edificação do novo prédio.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

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