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Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo
Tradições religiosas em São João del-Rei . Rogério Medeiros Garcia de Lima
Descrição
Artigo dedicado ao Papa Francisco e a Dom Célio de Oliveira Goulart, ambos na trilha redentora de São Francisco de Assis.
No final do século XVII, ao se iniciar o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, foram descobertos os primeiros veios de ouro em Minas Gerais.
O centro econômico da antiga Colônia portuguesa foi deslocado do Nordeste para estas terras mineiras. No lugar dos antigos engenhos de açúcar, com suas “casas-grandes e senzalas”, surgiram e prosperaram os centros urbanos. Um dos mais prósperos, desde então, é a nossa amada São João del-Rei.
No início do século XVIII, o bandeirante Tomé Portes del-Rei, paulista de Taubaté, acampou às margens do Rio das Mortes. O local era conhecido como “Porto Real da Passagem”. Dali se atravessava o rio em pequenas embarcações. O diminuto núcleo nascente prosperou subitamente, quando foram descobertas jazidas de ouro na região do Córrego do Lenheiro.
A cobiça pelo precioso metal provocou a Guerra dos Emboabas, conflito sangrento entre paulistas e portugueses. “Emboaba” – ou “perna cabeluda” - era a designação pejorativa aposta aos portugueses e forasteiros, que vieram disputar as minas de ouro.
Em meio aos encarniçados combates, ocorreu o legendário episódio do “Capão da Traição”. Os paulistas, diante da ardilosa promessa de trégua dos “emboabas”, depuseram armas às margens do Rio das Mortes. Os portugueses e aliados, escondidos em um matagal (ou capão), abriram fogo contra os paulistas. Inúmeros deles quedaram mortos.
Em 08 de julho de 1713, o arraial foi elevado a vila pelo governador de Minas e São Paulo, D. Braz Baltazar da Silveira.
Desde a Inconfidência Mineira, com o Tiradentes e Bárbara Heliodora, no século 18, até a memorável eleição do são-joanense Tancredo de Almeida Neves à presidência da República, marco da transição democrática de 1985, São João del-Rei protagoniza fatos históricos no país.
Nesses trezentos anos de gloriosa existência, a cidade muito progrediu. Agricultura, comércio, indústria, universidade federal, medicina de vanguarda, turismo e serviços movimentam a vida urbana. Não obstante, escrevia Augusto Viegas (Notícia de São João del-Rei, 1969), a mudança de hábitos trazida pela modernidade não ofuscou as nossas tradições religiosas.
A prosperidade econômica do ciclo do ouro fez com que Minas Gerais se tornasse a capitania mais culta do Brasil (José Veríssimo, História da Literatura Brasileira, 1954, p. 107). Propiciou, além disso, o surgimento da Arte Barroca. Nas cidades históricas mineiras foram erguidos suntuosos templos católicos, adornados com ouro e valiosas peças de pintura e escultura religiosas. Era um modo de impressionar os fiéis e os atrair para a fé católica.
A nossa terra é um vivo exemplo da pujança artística e religiosa do barroco colonial. Ainda mais encantadora pela peculiar “linguagem” dos sinos, destacava o escritor são-joanense Otto Lara Resende: “São João del-Rei é a capital dos sinos. Lá os sinos falam” (A árvore do menino, jornal O Globo, 17.03.1985).
Há mais de dois séculos, antigas irmandades promovem pomposas festas na cidade, conforme o calendário religioso anual. Há quermesses, novenas e procissões, comovedoras pela fé, beleza e dramaticidade. A Semana Santa atrai enorme contingente de peregrinos e turistas.
Dona Risoleta Tolentino Neves, viúva do presidente Tancredo Neves, contou-me, certa feita, sobre uma viagem do casal a Madri, Espanha, para um congresso internacional de parlamentares. Ela insistiu com o marido para que fossem a Santiago de Compostela, onde haveria, naqueles dias, famosa procissão. Dr. Tancredo não queria ir, mas cedeu à insistência da esposa. Terminada a longa procissão, ele desdenhou:
- Viemos de muito longe para assistir a essa procissão, mas a Festa dos Passos, em São João del-Rei, é muito mais bonita...
Essa singela narrativa ilustra o vigor da tradição religiosa local. No entanto, nossas belas procissões ainda são desconhecidas em grande parte do país e mundo afora. Precisamos divulgar mais amplamente esses inesgotáveis espetáculos de arte e fé, que se repetem ano a ano. Está tudo pronto, há mais de duas centúrias. É criação nossa, com muito orgulho, amigas e amigos são-joanenses!
***São-joanense. Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; artigo publicado pela Gazeta de São João del-Rei, 05.10.2013, p. 6.