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Celidônio Mazzei . Pioneiro da fotografia na região/Ubá
Descrição
Celidônio Mazzei - o Pioneiro da fotografia na região, seu acervo representa um dos mais preciosos registros da vida política e cultural não só de Ubá, mas de seu entorno.
Por: RedaçãoFonte: jornalista José Antonio Severo
Foi fotógrafo, cinematografista, jornalista e líder empresarial. Pioneiro das artes visuais na região da Zona da Mata, seu acervo representa um dos mais preciosos registros da vida política e cultural não só de Ubá, mas de seu entorno; para os viciados de hoje em tudo captar instantâneos em suas câmeras de celulares e digitais em que a foto e sua exibição integram um momento logo deletado, Mazzei começou com uma câmera modelo 1911, com chapa de vidro e ampliador a luz a fogo de vela do início do Século XX, que demonstram porque naqueles tempos um fotógrafo era visto como um ser extraterrestre aos olhos dos abismados camponeses e, nas rodas educadas integravam o espaço destacados dos poucos homens cultos que se distinguiam no interior do país, ao lado dos bacharéis, médicos, padres e outros integrantes da elite intelectual das comunidades do hinterland.Para as pessoas simples, a mágica da fotografia era um mistério tão fascinante que parecia ser produto de um relacionamento divino, tanto que o cangaceiro Lampião, um dos mais cruéis assassinos da história do banditismo, somente poupava padres e fotógrafos. Celidonio Mazzei foi parte desse folclore certa feita, quando trabalhava captando freguesia de fazenda em fazenda, levando o equipamento em lombo de cavalo. Em Guiricema teve de dividir um quarto para dormir numa herdade com um matador que só poderia estar ali para executar alguma encomenda para o proprietário... Temeroso, chegando com cuidado, logo foi acalmado pelo pistoleiro: “Não tenha medo; não mato retratista”. Com isto, ajudado pelo cansaço, Celidonio dormiu tranquilo.
Celidonio nasceu em Lucciano, uma aldeia do município de Tizzana, província de Pistoia, na Toscana, Itália. Aos oito anos veio para o Brasil. Seu pai ouviu um convite de um amigo que já emigrara, estabelecendo-se em Minas Gerais, acenando com terras e trabalho, um verdadeiro paraíso para um italiano naquela crise que assolava toda a Europa no final do Século XIX. A família de Angiolo Mazzei desembarcou no Rio de Janeiro com mulher e três filhos pequenos e logo seguiu para seu destino, registrando-se na hospedaria dos imigrantes em Juiz de Fora dia 1 de setembro de 1897. Dali foi para a Fazenda Sant’Ana da Serra, na Serra da Onça, no atual município de Guidoval. Ali começou sua vida brasileira, como colono. No Brasil teve outros três filhos.
Como era comum entre os imigrantes, Celidonio foi educado no trabalho, cortando café, fumo, trabalhando com animais. Alfabetizado em italiano e, depois, em português, em 1910 tomou seu rumo, deixando o meio rural e se estabelecendo em Visconde de Rio Branco, também na Zona da Mata. Ali começou a vida trabalhando como pedreiro, mas estudando música e pintura. Logo foi incluído na banda da cidade, tocando bombardino, instrumento de base, metal, semelhante à tuba, responsável pela marcação do ritmo. Mas foram as artes plásticas que o cativaram. Descobriu a fotografia, na época uma atividade de vanguarda. Embora tenha chegado ao Brasil trazida pelo imperador Pedro II, a fotografia não era difundida e as raras imagens existentes na região foram produzidas por fotógrafos vindos do Rio, a maioria estrangeiros, que, de tempos em tempos, sempre muito espaçados, chegavam trazidos pelos governos ou por potentados locais. Assim com vinham, já se iam, deixando raros registros de algum baronete e sua família, que eram admirados com espanto pelos incrédulos habitantes da Zona da Mata. Celidonio escolheu essa arte revolucionária. Em 1913 encheu-se de coragem, juntou suas economias e tocou-se para o Rio. Ali se inscreveu na Casa Berthe, revendedora de equipamentos e material fotográfico e que formava profissionais na nascente atividade. Adquiriu um manual, comprou uma câmera horto cromática, preparos e tudo o mais por 500 mil réis. Sem luz elétrica, usava iluminação de velas ou luz natural. Assim percorria fazendas e arraiais. Em 1918 decidiu fixar-se em Visconde do Rio Branco. Em 1921 entrou para a imprensa, fundando, junto com o jornalista Luiz Aroeira, a revista “Terra Mineira”. Em 1925 expôs seus trabalhos na cidade pólo da região, Ubá. Sua mostra obteve tanta repercussão que resolveu, por isto, mudar-se para a cidade e entrou de sola na vida cultural da região.
Celidonio dava asas à sua veia jornalística. Nas décadas dos dez e vintes, um tempo em que eram raros os fotógrafos no País e, mais ainda, profissionais fortes e duros para enfrentar os caminhos precários do interior, acompanhou repórteres que se aventuravam por toda Minas Gerais, principalmente italianos que vinham da Europa registrar a vida dos imigrantes e descendentes, algo muito caro às pátrias-mães.
Ao mesmo tempo, registrava a vida e o crescimento de Ubá e redondezas. Fotografou o presidente Arthur Bernardes. Também registrou as visitas à cidade, ao longo dos anos, dos presidentes Eurico Gaspar Dutra e Humberto Castello Branco, ambos com relações no lugar, pois Bernardes tinha fazenda no atual município de Senador Firmino e Castello Branco era casado com uma ubaense, dona Argentina. Também registrou o governador de Minas Ozanan Coelho. Em campanhas políticas, o governador de São Paulo Adhemar de Barros, candidato presidencial, o do Rio, Carlos Lacerda, o brigadeiro Eduardo Gomes, o candidato Tancredo Neves, o senador Levindo Coelho e, ao longo de suas vidas, desde muito jovens, o futuro vice-presidente José de Alencar, o compositor Ary Barroso, o ator Mauro Mendonça e o matemático e escritor Malba Tahan. Enfim, ninguém que vivesse ou passasse por ali escapava da máquina esperta de Celidonio Mazzei.
A fixação de um fotógrafo em Ubá foi tão bem acolhida que a Sociedade Italiana ofereceu-lhe um lugar para morar, no andar térreo do sobrado da Casa d’Itália, na praça, defronte à Igreja São José. Certa manhã de 1930 viu as pessoas passarem na rua, correndo e olhando para o alto, e já saiu porta a fora de seu estúdio Dom Viçoso com a câmera na mão. Pairando acima estava o gigantesco dirigível Graf Zeppelin que, nesse tempo, fazia a linha Europa/América do Sul. Ali estava aquela maravilha da tecnologia, um enorme balão, que voava a 200 metros de altitude e fazia a rota Lisboa/Rio no espantoso tempo de quatro dias de viagem. Não perdeu tempo e clicou a nave. Clicar é uma maneira de dizer, pois destampou a lente e registrou numa placa de vidro. Celidonio contava que o balão ancorou sobre o rio-Ubá e seu comandante desembarcou e conversou em italiano com ele. Também registrou os momentos dramáticos da Revolução de 1930, quando a cidade foi bombardeada e, dois anos depois, a partida dos milicianos da Legião de voluntários que demandava a São Paulo para sustentar o governo federal ameaçado pela levante da Revolução de 1932. Entretanto, a maior parte de seu acervo é uma rica documentação antropológica, com as festas e as personalidades da cidade, com suas roupas e seus costumes. Como desde os primeiros tempos do velho manual italiano, Mazzei continuou atualizando-se na sua profissão. Terminada a II Guerra, foi ao Rio e levou para a Zona da Mata as primeiras câmeras reflex e iluminação por spot light. Muitos fregueses recusavam-se deixar-se fotografar naquele estranho caixotinho, pedindo para serem retratados na velha câmera de lambe-lambe. Também comprou uma filmadora de 16 mm, com que passou a registrar a vida da região. Seus filmes são um dos documentos mais preciosos da evolução urbanística e econômica da cidade, destacando-se a cerimônia de inauguração da fábrica União dos Cometas, do vice-presidente José Alencar Gomes da Silva, então ainda um jovem empreendedor. Um de seus filmes mais difundidos, inclusive pela Rede Globo, foi o desfile inicial de um então caótico bloco carnavalesco denominado “Filarmônica em Boca Dura”, cujo formato e espírito foram levados para o Rio de Janeiro pela locomotiva cultural Ferdy Carneiro e tomou o nome de Banda de Ipanema, um dos ícones do carnaval carioca de hoje.
Na área empresarial, Celidonio foi um dos criadores da Semana do Fazendeiro de Viçosa, sócio fundador da Associação Comercial de Ubá e da Associação dos Empregados do Comércio de Ubá. Como fotógrafo trabalhou durante 70 anos ininterruptamente, deixando, além do irmão, quatro filhos fotógrafos, José, que foi um dos mestres da fotografia em Juiz de Fora, Italo, Geraldo e Ricardo, em Ubá, e a filha Adélia, a primeira mulher fotógrafa profissional de toda a região. As filhas mais moças de Celidonio, as gêmeas Celia e Celma, seguiram a carreira artística, tornando-se cantoras e apresentadoras de televisão. São formadas em Licenciatura em Música, no Instituto Villa Lobos, no Rio. Autoras de dois livros sobre cozinha regional da Zona da Mata, intitulados "A Cozinha Caipira de Celia & Celma”, e “Do Jeitinho de Minas”, este premiado internacionalmente, em 2007.Celidonio trabalhou até seus últimos dias. Faleceu em 1980. Sua vida e sua obra foram lembradas em 1988, quando completava 100 anos, com uma exposição na Associação Comercial de Ubá. Em 2019, a Unifagoc, em parceria com a família de Celidonio, organizaram a exposição "100 anos de arte fotográfica", marcando o centenário do trabalho do fotógrafo.
Texto: jornalista José Antonio Severo- São Paulo
Fotos: Facebook "FOTO MAZZEI - CELIDONIO: 100 ANOS DE FOTOGRAFIA"
Nota do Editor: Qualquer registro histórico da nossa cidade, assim como essa editoria Memória, só é possível graças ao trabalho e ao talento de Celidonio Mazzei. Ele não só é o responsável por eternizar momentos pessoais, mas também por registrar nossa história. Conhecer nosso passado é fundamental para nortear nosso futuro e, por isso, devemos muito a ele.
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Pioneiro da fotografia na Mata Mineira, ele registrou a história e a vida sociocultural dessa importante região, pelo que sua obra documenta trecho notável do desenvolvimento do Brasil.
Legou-nos também as admiráveis gêmeas Célia e Celma, que recolhem o mais genuíno cancioneiro popular e enriquecem a nossa cultura musical.
Angelo Oswaldo . Prefeito de Ouro Preto