Publicações
Tipo: Artigos | Cartilhas | Livros | Teses e Monografias | Pesquisas | Lideranças e Mecenas | Diversos
Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo
Identidade São-joanense: singular e/ou plural? Antônio Emílio da Costa
Descrição
Texto de participação no I Simpósio Virtual do
"Reflexões acerca da Identidade e Identificação do Museu" . De 21 a 27 de setembro 2020
Blog de Antônio Emílio da Costa . Tencões e Terentenas
Apenas para contextualizar, sou são-joanense e vivi uma boa parte de minha vida no centro histórico desta cidade. Tempo suficiente para forjar e fortalecer minha identidade são-joanense. Tanto que há 2 anos retornei para cá. Mesmo depois que deixei a cidade para estudar em Brasília, continuei estreitando laços e fortalecendo minha identidade com esta terra, vindo sempre a São João del-Rei, principalmente em datas e eventos importantes na cultura local.
A experiência de viver fora, em uma cidade que é o oposto de São João del-Rei, trabalhando com difusão cultural de uma memória muito recente, me possibilitou uma visão ampla e diversificada do assunto que vamos tratar nesta tarde. Ditas estas coisas, vamos em frente...
Até algum tempo atrás, eu pensava a identidade são-joanense apenas na esfera individual. A São João del-Rei em mim. A São João del-Rei que sou. A São João de e em cada um. A cidade que, em mim, me faz ser em tudo quem eu sou.
A São João corporificada individualmente em cada são-joanense, que a preserva consigo e em si, ou que a pretere, substitui, destrói, mutila ou descaracteriza em seus sonhos pessoais, seus projetos, seus espaços, seus desejos, suas lembranças e em suas vivências.
Depois, comecei a perceber que a São João del-Rei única, igual e uniforme é uma utopia, uma miragem. Que a cidade real é um mosaico muito rico e diversificado.
Um caleidoscópio dinâmico no qual os cacos de vidro - que são a própria vida de seus habitantes - se movimentam formando composições que às vezes são coloridas, transparentes, leves, harmônicas, integradas e belas. Porém, outras vezes, formam composições rígidas, angulosas, isoladas, delimitadas, antagônicas, incomunicáveis, quase ou eventualmente desconhecidas umas das outras.
São as várias São João del-Rei geograficamente, espacialmente, temporalmente, economicamente e culturalmente constituídas e estabelecidas. Cada qual com o seu peculiar são-joanense.
Há um mês me veio uma inquietação, sobre a qual desejo muito ainda refletir, mas que me adianto dividindo com vocês a seguinte questão: quem é, coletivamente, o são-joanense? Qual é sua identidade coletiva? Ele - o único e ideal são-joanense - e ela - a identidade coletiva - existem?
Foi pensando nisto que em agosto passado escrevi o texto “Quem mantém viva e acesa a alma de São João del-Rei”, que publiquei no Almanaque Digital Tencões e Terentenas. O texto é apenas uma provocação poética sobre o que projetamos ser o são-joanense ideal, mas acho importante lê-lo aqui, como parte das reflexões que desejo propor. O texto é assim:
“O são-joanense. Você o conhece? Então me diz:
- Quem é este ser, esta entidade, a quem pensamos estar nos referindo, quando genericamente dizemos "o são-joanense"?
Longe de ser apenas um adjetivo gentílico, esta não é uma condição nata dos que vieram à luz sob o céu de São João del-Rei. Nem tampouco é um título que se concede aos cidadãos que escolheram o vale da Serra do Lenheiro para aqui viver. "O são-joanense" em questão é muito mais do que isto.
São-joanense é aquele que herdou do tempo uma bagagem imensurável e intangível de mistério e sentimento e a materializa, corporalmente, no seu modo de ser, de pensar e de agir. De compreender este mundo e ainda em vida transitar pelo outro, quase todo dia. O são-joanense "legítimo" segue o relógio do sol, mede pelas festas religiosas e pelas estações do ano o seu tempo, que é a própria eternidade.
Ele tem códigos próprios de comunicação e conduta, valores peculiares, linguagem inconfidente, coragem insuspeitável, medos intransponíveis e segredos à flor da pele. O verdadeiro são-joanense é a reencarnação de seus ancestrais, que mais pelo inconsciente do que pela razão ele permanentemente os revisita, os vivifica, os alimenta e os eterniza. Na comida de sabores, cores, odores e temperos seculares, nos provérbios e ditados populares, no gosto estético vibrante, mas refinado, na sofisticação do que for extremamente simples, porém cerimonioso e ao mesmo tempo despojado.
No pensamento tão cauteloso que por si só é atrevido e arriscado. Nas ilusórias modéstia e humildade e, sobretudo, no balaio da contradição, que mistura no mesmo tacho festa, gozo, pesar, fartura, moderação, delírio, parcimônia, contentamento, comedimento, tristeza, ousadia, desafio, conciliação, risco, covardia, desejo de morte, medo da morte, enfrentamento da morte e convívio com a morte.
Os velhos são-joanenses, aos poucos, vão se indo - uma pena! E é também uma pena que não conseguiram transmitir completamente à toda sua geração sucessora, a chama que mantém acesa, viva e quente, em toda sua plenitude, a essência do que é ser são-joanense. Não é de hoje que é árdua a luta do peculiar contra a padronização, cada vez mais imposta pelo modelo globalizante.
Mas felizmente a força ontológica e cultural de nossa terra resiste. O lume genuinamente são-joanense, como a cigarra que sai da terra para saudar a primavera, brota como uma faísca no peito de muitos jovens, dando-lhes a tocha de fogo que eles empunharão pelo tempo afora de suas vidas. E a entregarão acesa às gerações vindouras, que repetirão esta missão e este gesto, pelos séculos amém!”
Romanticamente, o são-joanense pode ser definido como uma construção assim...
Mas relacionando a questão de que estamos tratando com o tema deste evento – identidade e identificação – e seus objetivos em relação ao Museu Regional de São João del-Rei, considero muito importante buscarmos, na medida do possível, conhecer a identidade individual, e também a identidade coletiva, do(s) são-joanense(s). Deste modo, a meu ver, será mais fácil alinhar e orientar as ações do Museu e de outras instituições culturais com a citada identidade, promovendo fecundo inter-relacionamento entre a(s) comunidade(s) de São João del-Rei e estas instituições.
Dissemos há pouco que São João del-Rei são muitas. Principalmente o centro histórico e adjacências e os bairros mais antigos, destacadamente Tijuco, Bonfim, Senhor dos Montes, São Geraldo, Dom Bosco / Fábricas, Matosinhos e Colônia, cada qual tem particularidades muito peculiares, que em maior ou menor grau influenciam fortemente a identidade de suas comunidades.
Deste modo, não é fácil encontrar o elemento agregador, que funcione como amálgama da identidade coletiva dos são-joanenses do centro e de todos os bairros. Algo que signifique para todos, indistintamente, fator de autoestima, orgulho, união e até mesmo de solidariedade. A expansão imobiliária e a descentralização urbana contribuíram fortemente para esta fragmentação, do mesmo modo que a modernidade impulsionou relativo afastamento entre as gerações na transmissão de conhecimentos e de valores, impondo novos modelos e novos ideais.
Com isso as referências das gerações mais antigas, entre as quais as referências culturais, que eram elementos constitutivos da identidade coletiva são-joanense, foram sendo enfraquecidas, perdendo importância e até mesmo sendo rejeitadas e esquecidas. Assim, muitos conhecimentos, saberes, percepções, códigos e afetos foram deixando de ser transmitidos pelas pessoas mais vividas às mais novas.
Exceto os valores éticos e morais esperados de todos os cidadãos de qualquer localidade, hoje precisamos de uma dose de atenção para elencar assertivamente os elementos mais presentes ou que melhor expressem a identidade coletiva de nosso povo são-joanense.
Sem dúvida, um deles é a religiosidade católica, com forte presença dos aspectos populares. Sua prática, crença e confiança estão presentes, indistintamente, em toda a cidade, muitas vezes independentemente de idade, sexo, classe social, nível econômico, escolaridade ou outros. A maior prova disto é a quantidade de pessoas que cotidianamente se benzem com o sinal da cruz ao saírem de casa a caminho do trabalho e, várias vezes por dia, também na rua, ao passarem diante de uma igreja, de um cruzeiro ou cemitério.
Mesmo a maioria das paróquias tendo as suas comemorações e liturgias individuais, muitos são-joanenses de todos os bairros preferem assistir as celebrações realizadas na Paróquia do Pilar, por sua tradição, complexidade, beleza, expressividade e “barroquismo”. Isto vale não somente para a Festa de Passos, a Semana Santa e a Festa da Boa Morte, que são as mais concorridas, mas também para as festas em louvor de Nossa Senhora e dos santos mais populares festejados nas igrejas do centro histórico.
Tradição resgatada após 100 anos de interrupção, a Procissão do Fogaréu, apesar de seu horário tardio, é outro evento religioso que atrai um grande número de são-joanenses de todos os bairros. Diferente das outras, uma procissão enigmática, que sai às 11 horas da noite de Quinta-Feira Santa, carregada de dramaticidade, simbolismo e mistério.
Ainda de caráter religioso, porém fora do centro da cidade, são motivo de orgulho das populações dos bairros (e também de velada e saudável competição!) as festas tradicionais em louvor ao Senhor do Bonfim, Senhor do Monte, Bom Jesus de Matosinhos e São José, realizadas em homenagem aos padroeiros locais. Em linhas gerais, este é um panorama da presença religiosa na identidade dos são-joanenses.
Juntamente com a religiosidade, a música é outro elemento determinante da identidade são-joanense. Não tenho aqui dados quantitativos, mas é certo que são-joanenses de todos os bairros, sexos, idades, condições sociais, econômicas e níveis de escolaridade participam das bicentenárias orquestras Lira Sanjoanense e Ribeiro Bastos, da Sociedade de Concertos Sinfônicos e das bandas Theodoro de Faria, Municipal Santa Cecília, Militar do 11º Batalhão de Infantaria, Salesiana Meninos e Meninas de Dom Bosco e Banda Sinfônica do Santuário Bom Jesus de Matosinhos. Isto mesmo: São João del-Rei possui 5 bandas de música atuantes e muito apreciadas por toda a população.
Além disso, podemos confirmar a força da música na identidade são-joanense destacando a grande demanda pelos cursos de música oferecidos pelo Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier, que tem 1.624 alunos ativos. O ingresso ao Conservatório pode começar aos 6 anos de idade e os cursos vão da educação musical à educação profissional em 21 modalidades, entre canto e instrumentos.
Temos também os cursos de Graduação e Pós-Graduação em Música da Universidade Federal de São João del-Rei.
Um dado curioso é que grande parte dos são-joanenses conhece de cor e salteado as músicas barrocas da Semana Santa e informalmente costumam cantá-las em seu dia a dia, em improvisado latim. Não raro, alguns vão mais além e até costumam acompanhar baixinho as orquestras, durante as cerimônias.
Já aqui é importante observar que os dois elementos mais comumente destacados como expressão máxima da identidade são-joanense - que são a religiosidade, presente com as cerimônias barrocas e os templos herdados do período colonial, e a música setecentista e oitocentista de compositores locais, executada pelas orquestras bicentenárias Lira Sanjoanense e Ribeiro Bastos - são manifestações tradicionais, dotadas de respectiva formalidade, realizadas no centro histórico.
Por sua condição “mais elevada, tradicional e erudita” e por tudo o que envolve sua realização, ambas foram classificadas como expressões da “alta cultura”, conforme Tatiane Chaves Ribeiro, em seu artigo “A identidade cultural são-joanense no discurso da Capital Brasileira da Cultura”.
Inegavelmente, existe entre os são-joanenses grande gosto pela festa como expressão coletiva da alegria, vivida, merecida ou apenas sonhada. Em São João del-Rei, para tudo existe uma festa – um movimento coletivo de celebração social que cumpre diversas funções, entre elas comemorar, confraternizar, marcar a passagem do tempo, amenizar diferenças, reforçar ou flexibilizar hierarquias. Até as comemorações religiosas aqui são chamadas popularmente de festas: Festa de Passos, Festa da Boa Morte, Festa das Mercês...
Por esta natureza festiva, o carnaval é um elemento forte e democrático da identidade são-joanense, no centro e nos bairros, com os blocos de rua. Os bairros mais antigos e o centro possuem escolas de samba, que mobilizam e unem toda a comunidade, como participantes do desfile, carnavalescos, compositores, figurinistas, costureiras, aderecistas, ritmistas e outros. E acima de tudo, como torcedores!
Uma peculiaridade do carnaval são-joanense é uma escola de samba que realiza seus ensaios em frente ao portão de um cemitério, consolidando o Largo do Carmo, com sua auréola de religiosidade, como território do samba, da cerveja e da alegria. A convivência dos vivos com os mortos, aliás, é outro aspecto marcante da identidade são-joanense – certamente uma herança barroca de caráter religioso, que até hoje integra a identidade local. As encenações do grupo Lendas São-joanenses não deixam dúvidas sobre isso.
Pensando no protagonismo e na autonomia dos são-joanenses quanto à criação, promoção e manutenção de eventos culturais coletivos, observa-se que as manifestações culturais livres e espontâneas não são o forte da cultura e da identidade de São João del-Rei.
Exceto alguns blocos carnavalescos de rua, os grupos de congada e folias de Reis e do Divino, são muito raras as manifestações realizadas pelas comunidades, livres de algum tipo de institucionalização que lhes garanta patrocínio. Este, inclusive, é um traço do perfil cultural dos são-joanenses, que merece ser estudado, pois, institucionalizadas, as manifestações culturais se tornam normatizadas e oficiais, por isso pouco expressando o sentimento popular ou a necessidade que as motivou e gerou.
Um exemplo perfeito do que foge a esta institucionalização é a parte externa da Festa de Nossa Senhora do Rosário do Distrito do Rio das Mortes. Com a participação genuína do grupo de congada que dizem ter raiz tricentenária, o cortejo dos reis e rainhas, no ponto alto da festa, ao devolverem as coroas de lata, fazem sua doação simbólica para contribuir com o custeio daquele evento, que sem dúvida é o mais importante do lugar, onde nasceu a beata Nhá Chica. Este evento acontece no último domingo de outubro e, apesar de pouco divulgado, leva para aquele distrito uma grande quantidade de são-joanenses de vários bairros.
Penso que a identidade é como uma moeda de duas faces. Uma exibe o nível pessoal e corresponde à autoidentificação do cidadão com aspectos de sua cultura de origem ou de residência. Costumo dizer que esta identificação é como o cordão umbilical que liga o cidadão a um lugar, por meio da cultura local. Esta modalidade de identificação constitui um vínculo tão forte que gera amor, autoestima, orgulho, pertencimento, compromisso e outros sentimentos que levam o autoidentificado a lutar pela conservação, preservação, defesa, proteção e manutenção do que constitui essa identidade.
Na minha percepção, a outra face da moeda corresponde à identificação externa do cidadão, ou seja, como o ele é visto e identificado pelos outros, sejam seus iguais ou não. No caso de ser identificado por seus iguais, simultaneamente pode ocorrer também o reconhecimento cultural, favorecendo sua inclusão naquele grupo. Já no segundo caso, a identificação se dá com base na identidade com que seu local de nascimento ou de origem se apresenta e é conhecido.
Já falamos que São João del-Rei são muitas. Que é uma cidade singular e plural. Indagamos também se o que é divulgado como identidade são-joanense - e portanto identidade de todos os são-joanenses - não é uma construção idealizada, inspirada somente na cultura, tradição, erudição, desejos e influências de uma parcela distinta, que não é majoritariamente representativa da população são-joanense.
Como a São João del-Rei dos bairros se identifica e se relaciona com os atributos apresentados como identidade “oficial” são-joanense? Como os são-joanenses jovens que moram nos bairros e periferias, se veem nesse espelho que é mostrado como sua identidade?
E os também são-joanenses de pouca ou nenhuma escolaridade e mínimo poder aquisitivo? Sabemos que eles existem e não são poucos. Como se sentem diante da identidade são-joanense oficial? Com o quê verdadeiramente se identificam e com o quê são identificados pela sociedade local?
Outro ponto a considerar é que, já há mais de duas décadas, São João del-Rei abriga um grande contingente de estudantes universitários, vindos todo ano de diversas cidades de Minas e do Brasil. Naturalmente eles trazem consigo novos elementos que nem sempre encontram correspondentes na cultura local. Como eles são apresentados à identidade são-joanense e que ações são empreendidas para melhor aproximá-los dela e integrá-los, durante o tempo em que viverão na cidade?
Aliás, em uma sociedade global hiperconectada e dinâmica, não se pode mais conceber uma identidade estática. Em pouco tempo ela estaria defasada, ultrapassada e anacrônica, contrariamente à impermanência, que cada dia é mais veloz. O que podemos fazer para ampliar e manter vivos, atualizados e valorizados os aspectos tradicionais da identidade são-joanense nesta mutante realidade?
Pelo que vimos sobre a diversidade e a pluralidade de São João del-Rei, convém que a identidade são-joanense também se reveja, se amplie, se torne mais ampla e inclusiva. Que contemple, nos seus ideais e representações, elementos culturais que são próprios e têm grande significado para as comunidades que nela são pouco representadas.
Não sendo assim, certamente estas comunidades, por não terem grandes e fortes afinidades com a identidade estabelecida, não se identificarão com a imagem projetada.
Pelo contrário, até intuitivamente a rejeitarão ou criticamente a recusarão, fieis à própria origem, história e realidade. É como se, olhando em um espelho, vissem a própria imagem distorcida, falseada, ou refletindo outra pessoa.
Não se sentindo incluídos nem representados, os são-joanenses dessas localidades terão mais dificuldade e resistência para se reconhecerem na identidade são-joanense oficial e, consequentemente, para se inserirem e se envolverem em iniciativas e ações que visem não só fortalecer esta identidade, mas também zelar, defender, conservar, preservar, consumir e divulgar o patrimônio, a memória e a cultura de São João del-Rei.
Já caminhando para o fim de nossa conversa sobre a identidade são-joanense, gostaria de sinteticamente elencar aqui alguns itens que, se forem considerados, questionados, analisados - e se for o caso, desenvolvidos, aperfeiçoados e aplicados -, poderão ser úteis para as instituições culturais de nossa terra, no cumprimento de suas missões. São eles:
Primeiro – São João del-Rei é uma cidade múltipla, diversa e plural. Assim como foi protagonista de um passado glorioso e digno, que muito contribuiu para a história, para a cultura e para o desenvolvimento do país, hoje a cidade vive um presente de esforços e desafios, cujos resultados da resiliência atual não convém serem comparados às conquistas e vitórias de outros tempos. O presente, tal qual ele é, também faz parte da história de São João del-Rei e um dia se juntará ao que hoje é passado.
Segundo – Nesta ótica, e de um modo bem simples, o centro histórico e tudo o que se relaciona a ele são a expressão viva das grandes conquistas já realizadas, assim como os bairros consolidados e desenvolvidos há menos tempo configuram retratos de uma realidade mais atual. Deste modo, ambos precisam ser integrados na construção de uma única identidade, mais abrangente e diversa.
Terceiro - São João del-Rei é um caleidoscópio, cujas composições visuais se alteram conforme as interações e articulações sócio-econômico-culturais de todos os são-joanenses e suas características, peculiaridades, pluralidades e diversidades, que são muitas e muito marcantes.
Entretanto, a identidade apresentada como sendo de São João del-Rei e, portanto, dos são-joanenses, privilegia aspectos considerados nobres e eruditos, fundamentados ou mantidos pela tradição, em detrimento de expressões culturais consideradas mais populares.
Quarto - É compreensível que, pelo fato de São João del-Rei ser uma cidade histórica, se busque difundir dela uma imagem vinculada ao Brasil Colônia, iniciada no ciclo do ouro e coroada sobretudo pelo fausto do barroco, com sua arte, sua música, suas tradições.
Entretanto, em que pese a necessidade e a conveniência de reforçar as características das artes e tradições barrocas no perfil cultural, turístico e mercadológico da cidade, e também se alinhar e se integrar-se com outras cidades históricas, outros elementos devem ser considerados na busca de uma identidade mais completa, que melhor contemple a ampla diversidade da população são-joanense, ou seja, uma identidade mais plena e mais rica, porque mais inclusiva.
Quinto - Reiteramos que a identidade é como o cordão umbilical que liga o cidadão a um lugar, criando um vínculo tão forte que gera amor, autoestima, orgulho, pertencimento, compromisso e outros sentimentos que o incentivam a lutar por sua conservação, preservação, defesa, proteção e manutenção.
Portanto, havendo verdadeira e forte identificação com o lugar e com a cultura, menores serão as atitudes de descaracterização da paisagem, abandono e demolição de imóveis de valor artístico ou histórico e a decadência e extinção de manifestações culturais.
Sexto - Apesar de o planeta viver hoje o apogeu da tecnologia, sabemos que nem todos conseguiram entrar no mundo digital e ter acesso a tudo o que ele oferece. Prova disso é a dificuldade que a educação formal tem encontrado nesses tempos de pandemia para levar atividades escolares via internet, para alunos do interior do país, da periferia das grandes cidades, por motivos que vão da falta de computadores e celulares até a precariedade ou ausência de sinal digital.
Segundo recente pesquisa do IBGE, 25% da população brasileira com idade superior a 10 anos, ou seja, 46 milhões de pessoas, ainda não fazem parte do mundo digital. Privados do acesso à informação, à cultura e ao conhecimento e que se pode ter através da internet, é esse contingente de excluídos digitais que mais precisa do olhar e da ação das instituições culturais.
Para alcança-los, é preciso contar com plena consciência do compromisso público e da responsabilidade socio-cidadã das instituições culturais quanto ao cumprimento de sua missão. Para isso, boa alternativa é multiplicar exponencialmente a criatividade e a disposição de encontrar meios e alternativas para chegar até as populações excluídas, apresentar-se a elas e convidá-las a virem conhecer de perto, se integrar ativamente, e desfrutar dos espaços públicos de cultura, conhecimento, cidadania, sabedoria, educação e lazer.
Com esta mensagem eu encerro aqui as minhas palavras, lembrando um pitoresco ditado popular, que diz o seguinte: “Se Maomé não vai à montanha, então que a montanha vá a Maomé”! Com muito entusiasmo e satisfação, vemos que o nosso Museu Regional de São João del-Rei já desenvolve ações neste sentido e, como a própria instituição declara nos objetivos deste Simpósio, está disposta a permanentemente aperfeiçoar e inovar em sua atuação, buscando sempre aproximar, cada vez mais, os são-joanenses de seu patrimônio cultural.
Fontes
https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/vertentes/v.%2019%20n.%202/Tatiane_Chaves.pdf
http://www.camarasaojoaodelrei.mg.gov.br/?INT_PAG=6719
http://noticiasgerais.net/sao-joao-del-rei-a-cidade-da-memoria-complexa-e-da-identidade-plural/
https://datasebrae.com.br/ig-sao-joao-del-rei/
https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUBD-AKJNWR
file:///C:/Users/Antonio/Downloads/24091-Texto%20do%20artigo-71677-1-10-20200819.pdf
file:///C:/Users/Antonio/Downloads/17740-Resultados%20de%20pesquisa-56168-1-10-20190519.pdf
file:///C:/Users/Antonio/Downloads/3912-Texto%20do%20artigo-8111-1-10-20190107.pdf
file:///C:/Users/Antonio/Downloads/Marcella%20Franco%20de%20Andrade.pdf
http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/USP_1896c480cf7f2f0e6a000b449e7677eb