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O Rococó e o Padre Toledo, a Arte e a Inconfidência: Possibilidades . Rafael Augusto Gomes -

Descrição

O Rococó e o Padre Toledo, a Arte e a Inconfidência: Possibilidades

Introdução

O Rococó foi um movimento estético que apareceu na França no fim do século XVII e se desenvolveu ao longo do século XVIII. Conhecido como o “estilo da luz”, devido a seus edifícios com amplas aberturas e sua relação com o setecentos, o Rococó nasceu como uma reação da aristocracia francesa ao Barroco suntuoso, palaciano e solene praticado no reinado de Luís XIV. O nome Rococó advém da palavrarocaille, que em Francês quer dizer concha. A rocalha e a voluta são os elementos mais importantes desse estilo, que faz de ambos seus “protagonistas”.

O século XVIII (principalmente no caso francês) marca a consolidação social da burguesia. Como já é sabido, a classe mais ameaçada por esse processo foi a nobreza, o que acarretou, por essa oposição, “uma necessidade de redimensionamento do espaço da alta burguesia e da nobreza” (KLAUSING, 2004). E esse redimensionamento produziu uma nova figuração social, cultural e material, mas também artística, daquela sociedade.

Neste contexto, cada vez mais a burguesia necessitava de um estilo artístico/arquitetônico que representasse a sua própria forma de vida, em contraste com aquela praticada pela nobreza ¹. Logicamente, existiram diálogos entre essas classes. Sabemos que a nobreza incorporou hábitos e símbolos da nobreza, como no plano artístico, onde visualizamos a incorporação das rocalhas e das volutas (elementos originalmente barrocos e “nobres”) pelo Rococó “burguês”.

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Teto da Sala dos Espelhos. Neste forro do Museu Casa Padre Toledo, em Tiradentes (MG), podemos observar as rocalhas (elementos em forma de concha) e as volutas (espécie de volta que forma as letras “C” e “S”), elementos centrais no Rococó.
(Foto: Andressa Ferreira). 

Como sublinhado, na tentativa de afirmar seus próprios valores, a burguesia precisava de um estilo artístico também próprio. Assim, ela opôs à forte religiosidade barroca a temática mundana do Rococó, como a exaltação à jovialidade e a edificação do prazer, por exemplo. Outra característica desse estilo é a afirmação do tédio e da melancolia como os estados emocionais humanos, ao ao contrário da sentimentalização dramática e religiosa do barroco.

Mas, apesar de conter esse caráter hedonista (teoria  que afirma o prazer como o maior bem da vida humana) em seus primeiros anos, o Rococó absorverá bastantes temas religiosos ao longo de sua história, a exemplo de sua difusão em países como Portugal e Espanha e em suas colônias, como demonstrado por Myriam Ribeiro Oliveira em seu livro O Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus (2003). E é isso que veremos neste artigo, por meio do padre e inconfidente Carlos Correia de Toledo e Melo (1731-1803).

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Escultura de madeira do século XIX intitulada “O Salvador”. A peça rococó, pertencente à coleção brasiliana da UFMG, possui uma clareza e uma serenidade muito diferentes daquele jogo de sombras da dramatização barroca. Além disso, apelo emocional barroco não é presente no Rococó: aqui as chagas de Cristo, apesar de visíveis, não são exploradas enquanto marcas de sofrimento, e convivem com um Cristo sereno e tranquilo.
(Foto: Andressa Ferreira). 

A Casa e o Padre: Coisas a se pensar

A antiga residência do padre e inconfidente Carlos Corrêa de Toledo e Melo (museu Casa Padre Toledo) possui um conjunto de belos forros rococó. Eles possuem a ornamentação característica do estilo, com rocalhas e volutas pintadas, e também temas hedonistas, que retratam a possibilidade de felicidade no mundo, experimentada por meio do uso da sensibilidade humana.

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Forro em formato de gamela da sala dos cinco sentidos do museu. Cada um dos cinco planos desse forro representa um dos sentidos humanos e é ilustrado com personagens da religiosidade greco-romana, como o plano do paladar, ilustrado por Dionísio (ou Baco). A temática da sensibilidade e dos prazeres é essencialmente hedonista.
(Imagem extraída de O Globo). 

Podemos pensar nessa relação como algo estranho, mas o fato de nascer em oposição ao barroco não impediu o Rococó de se conciliar com a religião. Apesar de inicialmente negar questões religiosas, ele as adaptou à sua esfera, pois, durante a Ilustração e o século XVIII, até mesmo “a fé cristã passou por uma mudança de concepção, tornando-se mais serena e positiva” (KLAUSING, 2004). No caso brasileiro, herdeiro da tradição portuguesa e pensado aqui por meio da casa e da figura do Padre Toledo, não foi diferente. Carlos Correia de Toledo e Melo é talvez uma das chaves para esclarecer essa falsa (e não questionada) incompatibilidade entre luzes e religião ².

Padre Toledo foi, além de homem de ofício religioso, liberal e proprietário. Ele, que já nascera abastado em bom berço, possuía bens e negócios na região de São José Del-Rei (atual Tiradentes). Em Resende Costa, era dono de uma “uma fazenda e uma casa na sede, com escravaria, plantações de milho e feijão e terreno de mineração”, e, no Arraial de São Tiago, possuía “terras minerais e mais escravos” (CRUZ, 2011).

Sabidamente, além de “empreendedor”, padre Toledo era um intelectual. Ele estudou em Portugal, onde sofreu grande influência do Iluminismo (ainda que “à portuguesa”) e entrou em contato com os ideais empíricos que mais tarde o fariam pintar os cinco sentidos no teto de sua casa (como bem poetizou Cecília Meireles no Romanceiro da Inconfidência). Toledo também possuía uma biblioteca considerável, que, mesmo menor que a monstruosa coleção do Cônego Vieira (padre que o antecedeu na paróquia da Vila de São José-Del Rei, atual Tiradentes), continha 105 volumes polêmicos, e alguns proibidos pela Igreja por meio do Índex. O pároco citava frequentemente o Abade de Raynal nas reuniões conspiratórias da Inconfidência. Sabe-se que Raynal foi um dos mais importantes defensores do comércio no século XVIII, e segundo Toledo, ensinava “o modo de fazerem levantes”.

Podemos, deste modo, pensar em algumas interpretações. Fazia todo o sentido para o padre incorporar o Rococó à arquitetura de sua casa, pois todos aqueles símbolos artísticos davam sentido à sua existência, enquanto liberal e também enquanto intelectual. Dito isso, nos indagamos com as questões abaixo propostas.

QUESTÕES:
(1) A posição social do padre (de elite) foi de alguma forma reforçada (ou influenciada) por uma arte de origem burguesa, o Rococó? (2) Suas convicções políticas e intelectuais poderiam ser identificadas no Rococó (corrente artística que nasce em oposição à arte da nobreza) como forma de contestar a figura e a legitimidade de Portugal? Ou então, (3) a decoração da casa era apenas um reflexo da personalidade e das ideias do padre?

Considerações Finais:

Podemos observar como o Padre Toledo viveu a religiosidade e a Ilustração (via artes e práticas conspiratórias) a partir da articulação da arquitetura de sua casa com o seu ofício de pároco. Apesar de aparentemente incompatíveis, o Rococó mundano e a fé sagrada se articularam-se na figura do padre inconfidente, colocando uma pulga atrás da orelha do curioso. O estudo desse caso pode nos ajudar a compreender pontos ainda nebulosos, como os apontados no tópico “questões”  deste texto.


Museu Casa Padre Toledo, em Tiradentes-MG.
(Imagem extraída de O Globo).

Notas:

Pensemos numa sociedade em que os símbolos de poder eram extremamente importantes. Depois, pensemos o papel da arte enquanto um símbolo de poder…

Muitas vezes por meio da generalização da figura de Voltaire (filósofo que pregava a tolerância religiosa na França, mas claramente anticlerical) como uma espécie de “espírito do Iluminismo”. Assim, erroneamente, generaliza-se a Ilustração como um movimento totalmente anticlerical.

Bibliografia:

CRUZ, Luiz. Padre Toledo, um líder inconfidente. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/padre-toledo-um-lider-inconfidente, acessado em 28/04/2016.

KLAUSING, Flávia Gervásio. “OLIVEIRA, Myriam Ribeiro. O Rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003”. Disponível em:http://www.fafich.ufmg.br/varia/admin/pdfs/31p278.pdf, acessado em 01/06/2014.

MARTINS, Simone R.; IMBROISI, Margaret H. Rococó. Disponível em:http://www.historiadaarte.com.br/linha/rococo.html, acessado em 01/06/2014. 

SOUZA, Rainer. Rococó. Disponível em:http://www.brasilescola.com/historiag/rococo.html, acessado em 01/06/2014.

Colaboração: Rafael Augusto Gomes
Educativo Casa Padre Toledo
Fonte: Blog do Tcheba
 

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