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Procissão do enterro . Jota Dangelo
Descrição
De novo revirei baús procurando coisas para conservar ou jogar fora. Com o tempo, chega-se à conclusão de que há coisas que não merecem guarida em fundos de gaveta, que seu destino é o lixo e não o espaço das relembranças. Encontrei mais um dos sonetos que chamei experimentais", que escrevi na juventude, lá pelos meus 22, 23 anos, quando devorava versos de parnasianos como os de Raimundo Correa, Bilac, Olegário Mariano e até mesmo do funéreo Augusto dos Anjos. Conseguia, naquela época, conviver bem com parnasianos e modernistas, destaque para Drummond, Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Bueno da Rivera e Emílio Moura. No soneto abaixo, há nítida influência dos rituais litúrgicos católicos com os quais convivi na infância, adolescência e juventude, influência muito mais derivada da encenação teatral daqueles atos do que de convicção religiosa. Até hoje tenho profundo respeito por estas solenidades e me comovo diante delas: a fé é um dos atributos possíveis do ser humano que mais me causa admiração e perplexidade. Vamos ao soneto, intitulado, muito obviamente, Procissão do Enterro:
Nossos corpos se cruzam quando passas e eu passo por teu corpo sem te ver. E há tantos que choram se não passas quanto tantos que choram por te ver... Quantas vezes passaste como passas eu passei por teu corpo sem te ver? É preciso que eu veja enquanto passas, pois podes não passar e eu queira ver...
Concede-me, Senhor, mais esta graça: que meus olhos se ceguem quando passas
se passares por mim sem eu te ver.
Pois receio que um dia, por desgraça, o meu corpo também passe como passas, e não haja ninguém que queira ver...
Fonte: Gazeta de São João del-Rei . 23 de Abril de 2011