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José Trindade da Costa | Zé da Lilina/carpinteiro, pedreiro, entalhador e sineiro restaurador | por Luiz Cruz
Descrição
Fotos: Acervo do IPHAN de Tiradentes
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Um dos mestres mais habilidosos da região Campo das Vertentes. É carpinteiro, pedreiro, entalhador e sineiro restaurador. Foi MESTRE da Equipe de Mão de Obras do Iphan de Tiradentes, onde se aposentou. Por todas as obras em que passou, como a da Casa Padre Toledo, deixou impressa a boa qualidade de seus trabalhos e de suas habilidades refinadas. Em cada telhado, cada teto, cada porta, cada guilhotina, cada parede, parou, pesquisou sobre os materiais, as técnicas empregadas e executou as intervenções cuidadosamente. Respeitou as formas, os volumes, as texturas. A cada detalhe perdido, entalhou e reconstituiu o desenho. Dominou todos os segredos da cal virgem e da nata de cal para os seus mais diversos empregos, a seguir os princípios da tratadística vitruviana do “bem fazer”.
Não frequentou a academia, mas tem a acuidade para a pesquisa, o estudo de cada material e cada detalhe intervencionista. Sempre se destacou pelo “fazer” – por colocar as mãos na “massa” e aprender com as matérias primas e com os estilos.
Zé da Lilina é um MESTRE sensível, ponderado, obstinado pelo silêncio dos bens culturais, prefere ouvir deles mesmos as diretrizes para as obras e para com eles encontrar os seus mais recônditos segredos.
Tornou-se Mestre Sineiro Restaurador e ao longo dos anos recuperou diversos sinos dos campanários do Campo das Vertentes e de várias cidades mineiras; foi além, já recuperou sinos dos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.
Em Tiradentes, depois de quase meio século quebrado, por iniciativa de Zé da Lilina, o velho bronze “Jerônimo”, datado de 1784, foi restaurado, e feita cópia, batizada como “Pedro”, que se encontra a compor o campanário da Matriz de Santo Antônio. A cerimônia de batismo do sino “Pedro” foi presidida pelo saudoso bispo diocesano Dom Célio de Oliveira Goulart, o vigário padre Ademir Sebastião Longatti e o padre Rogério, de Niterói-RJ, convidado especialmente para tal.
Promoveu oficinas de técnicas construtivas vernaculares e transmitiu suas experiências para jovens aprendizes. Na década de 1980, no Antigo Fórum, ministrou a Oficina de Pipas, ensinou meninos e meninas a confeccionarem pipas e papagaios, dos mais simples aqueles bem sofisticados. Ele nasceu com o dom de MESTRE, que transmite os ensinamentos com firmeza, prazer e orgulho.
A Oficina de Restauração de Sinos do Zé da Lilina fica no Bairro Cascalho, em Tiradentes. Atualmente, ele restaura um dos sinos da Matriz da Barra de São João, município da mesorregião do Norte Fluminense, no estado do Rio de Janeiro. É um sino magnífico, fundido em Paris, no “Anno 1881”. Há mais de dois meses ele trabalha nesta peça, tudo feito manualmente, valendo-se dos recursos tradicionais, com o emprego de madeiras antigas e ferragens batidas. Brevemente, o sino estará de volta à janela sineira da edificação, devidamente restaurado e com as providências ideais para suportar as condições ambientais daquela localidade, em especial a impermeabilização.
A cada detalhe da peça, Zé da Lilina dispende atenção milimétrica, do peso ao contrapeso, da forma à leveza, da cor ao contraste, da beleza à elegância do corpo do sino. Da resistência e da fragilidade da bacia em bronze. O badalo ligeiramente aplainado precisa bater no ponto exato da aba do sino, para que ele tenha funcionalidade adequada e longevidade. É tudo pertinente à Estética, mas também à Matemática e à Física.
O sino da Matriz da Barra de São João é uma obra prima, pelo formato, acabamento delicado de seus relevos e sobretudo por sua sonoridade espetacular.
É importante salientar que os SINOS são bens integrados e devem ser devidamente preservados. “Toque de Sinos em Minas Gerais” tem reconhecimento como Patrimônio Nacional, pelo Iphan. Em 2009, foi inscrito no Livro das Formas e Expressões, as referências são os toques mantidos em Catas Altas, Congonhas, Diamantina, Mariana, Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei, Serro e Tiradentes.
Hoje, dia 2 de maio de 2024, na sede do Iphan de Tiradentes, será inaugurada a Exposição: "As mãos da obra - Os trabalhadores do Iphan e a Cidade de Tiradentes", oportunidade para conhecer e apreciar as atividades desenvolvidas por esta equipe e dentre eles o trabalho do Zé da Lilina. É uma exposição imperdível!
Referências:
CRUZ, Luiz. O batismo do sino Pedro. Disponível em: https://virusdaarte.net/o-batismo-do-sino-pedro-em.../, 2016.
CRUZ, Luiz Antonio da. Os sinos de Tiradentes – Inventário e Toques. Tiradentes: IHGT, 2016.
CRUZ, Luiz Antonio da. e BOAVENTURA, Maria José. Manual de Técnicas de Preservação e Manutenção de Patrimônio. Tiradentes: IHGT, 2016.
DANGELO, André Guilherme Dornelles. BRASILEIRO, Vanessa Borges. Sentinelas Sonoras. Belo Horizonte: Estudio 43 – Artes e Projetos, 2013.
https://saojoaodelreitransparente.com.br/
Fonte: Luiz Cruz Maio de 2024
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Distrito de Barra de São João – Município Casimiro de Abreu, Rio de Janeiro. Edificada nos primeiros anos do século XVII, em 1619 já se encontrava concluída a Capela de São João Batista, de Barra de São João, no litoral fluminense. Foi implantada num platô e se destaca no ambiente, na foz dos rios Peruíbe, São João e o mar. A edificação e o seu cemitério, ao fundo, conformam um conjunto único, em uma paisagem deslumbrante. A região foi ocupada pelos povos originários – os indígenas da tribo Saraçu, da antiga etnia dos Goitacás – guaîtaká, antes da colonização portuguesa.
A capela tem proteção através do instrumento tombamento, como bem cultural, pelo Inepac – Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, mas ficou fechada por certo tempo devido à precária situação de conservação.
Agora, a Capela de São João Batista recebe atenção através da obra de restauração executada pela empresa Boa Arquitetura, sob orientação do Inepac.
A torre sineira da edificação abriga três sinos e ambos também recebem atenção e restauração. Os dois maiores foram fundidos em 1881, em Paris. O primeiro já foi restaurado e o segundo se encontra na Oficina do Zé da Lilina – José Trindade da Costa, para ser recuperado, aqui em Tiradentes-MG. José Trindade integrou à Equipe de Obras Emergenciais do IPHAN. É mestre da arte da restauração da carpintaria e da alvenaria. Autodidata – aprendeu os mais delicados segredos do fazer com sua percepção e sensibilidade. É homem que põe suas mãos no trabalho e vai muito além dos discursos teóricos. Para cada intervenção, estuda o bem, pesquisa e trava intenso diálogo com ele, para propor as melhores soluções. Já restaurou diversos sinos de edificações religiosas e civis, de Minas, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Ao longo do tempo, ao acumular estas experiências, tornou-se a principal referência desse trabalho, que é interdisciplinar, pois ao restaurar um sino e devolvê-lo ao campanário, o profissional necessita de habilidades distintas da madeira, ferro, bronze, pintura, física, matemática, entalhe, música e estética. Nosso Mestre José Trindade é um artífice completo e seu trabalho resulta em qualidade primorosa.
Fonte: Luiz Cruz