Nas janelas coloniais, nos cachecóis que protegem do frio, sobre as mesas de jantar ou nos pequenos detalhes da decoração doméstica, os trabalhos manuais se fazem presentes no nosso cotidiano. Contudo, muitas vezes não paramos para admirar e dar a devida atenção aos bordados antigos, aos de ponto-de-cruz e aos em pano xadrez, ou aos fios do crochê e do tricô, cuidadosamente entrelaçados por mãos experientes e talentosas.
Em São João del-Rei, devido a sua história, essa tradição dos trabalhos manuais ainda resiste. Na paróquia da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, o Clube de Mães e o Clube Feliz Idade mantêm as agulhas e os novelos trabalhando até os dias de hoje. Com o objetivo de arrecadar dinheiro para ajudar o Natal de pessoas necessitadas e contribuir com as vocações sacerdotais, esses clubes contam com o trabalho voluntário de senhoras, em sua maioria já aposentadas, que possuem talento para os trabalhos manuais.
O Clube de Mães, criado por D. Celina Viegas, já falecida, possui cerca de 30 anos de existência. Começou na casa da própria D. Celina e atualmente funciona em uma sala do salão paroquial da Igreja Nossa Senhora do Pilar, na rua Monsenhor Gustavo, nº 51.
O clube conta com uma média de 15 senhoras, de 60 a 90 anos de idade, que se encontram às quintas-feiras na parte da tarde para bordar, tricotar e conversar. “É um lazer e um meio de sair da ociosidade”, diz Maria Carvalho Lana, 82 anos, que aprendeu a crochetar e bordar ainda na infância e é membro do clube desde 1992.
Em meio a risadas e conversas agradáveis, os desenhos vão aparecendo no pano e os novelos vão se desenrolando em formas variadas. Os trabalhos são levados para casa para serem terminados e entregues na outra semana, quando novos trabalhos são iniciados, tudo contando com a criatividade e as ideias do grupo, pois nada é determinado ou estipulado. O último passo são os detalhes feitos pela parte de costura, normalmente realizada por Maria do Carmo Nascimento Santos.
Em Outubro, uma exposição a preços bastante acessíveis e com todos os trabalhos feitos os longo do ano é realizada para arrecadar fundos. A divulgação é feita através do programa da paróquia e o dinheiro é entregue aos cuidados do Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, tendo como destino a ajuda no Natal de pessoas necessitadas. “Mais bonito que o trabalho em si, é o fato de ser voluntário”, diz Maria Silvia Carvalho de Barros Rios, que confessa ir todo ano à exposição para comprar lembrancinhas para seus amigos e familiares.
Uma pequena parte do que é arrecadado é utilizada para obter novos panos e materiais para o próximo ano. No entanto, muito é comprado pelas próprias senhoras, como novelos, meadas e revistas sobre o assunto. Além disso, alguns trabalhos são adquiridos por elas mesmas: “Modéstia à parte, às vezes fazemos coisas tão bonitas que não resistimos e nós mesmas compramos”, brinca Maria.
Maria Terezinha Rossito Guimarães, coordenadora do clube, ressalta que todas são tão importantes que seu título de coordenadora é apenas formalidade, “todo mundo manda um pouquinho”, diz. Além disso, Terezinha destaca que o grupo é pequeno, mas primoroso: “Não nos preocupamos com a quantidade, mas sim com a qualidade dos trabalhos”.
Para ela, o clube une o trabalho voluntário e o aproveitamento do tempo livre e é, principalmente, uma forma de não deixar a tradição se perder: “Como os jovens não se interessam por essas coisas, somos nós que, enquanto pudermos, vamos manter essas artes manuais vivas”.
Vanda Rodrigues de Paiva, vice-presidente do Clube Feliz Idade, compartilha a mesma opinião: “Se os jovens não aprenderem, isso vai se perder”. Ela ainda destaca a importância e o valor cultural desses trabalhos manuais, pois embora os feitos por máquinas sejam interessantes em um mercado de consumo, não se comparam em beleza e qualidade aos feitos à mão.
Criado em 2000 e localizado na rua Marechal Bittencourt, nº 65, o Clube Feliz Idade, do qual Vanda é vice-presidente e faz parte há sete anos, funciona basicamente da mesma forma que o Clube de Mães. As diferenças residem, principalmente, no destino da arrecadação, nos dias dos encontros e nas datas da exposição. As reuniões acontecem às terças-feiras na parte da tarde e a ‘feirinha’ é realizada no final do ano, entre novembro e dezembro.
A quantia referente à venda dos trabalhos é totalmente repassada, na presença de todos os membros do clube, aos cuidados do Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva e se destina a ajudar as vocações sacerdotais. Os materiais necessários para a confecção dos novos trabalhos são doados pela presidente do clube, Maria Auxiliadora Torga Rodrigues Teixeira, e todas as outras senhoras que fazem parte do clube ajudam com o que podem: linhas, novelos e, principalmente, o trabalho voluntário.
Vanda de Paiva diz que o trabalho é sério e que se alguém falta à reunião procura-se logo saber o que aconteceu, pois se preocupam umas com as outras, como uma família.
A média de membros gira em torno de 30 senhoras, entre 50 e 80 anos, embora o clube conte também com a ajuda, por exemplo, do marido da presidente, Roberto Teixeira. É ele quem sempre serve um suco para as senhoras e no final do ano leva todos os trabalhos - que podem chegar a mais de 200 peças - até o local da exposição, que varia de um ano para o outro, e promove a divulgação através de folders e do boca-a-boca.
Vanda chama a atenção, ainda, para o fato de as atividades e do bate-papo servirem também como uma terapia. Segundo ela, já houve pessoas que passaram a frequentar o clube como forma de tratar a depressão, pois a conversa e os trabalhos ajudam a se distrair e a esquecer os problemas por um tempo - ou mesmo compartilhá-los.
Isso é reforçado por Clara Carvalho, membro do Clube Feliz Idade há dez anos e tesoureira desde 2003. Para ela, as reuniões são pontos de encontro e servem para trocar ideias. “O ambiente é ótimo e compartilhamos tanto a idade quanto as opiniões. Isso reflete na alegria de encontrar a turma e em um trabalho prazeroso”, diz.
No que diz respeito ao futuro não muito favorável desses trabalhos manuais, Clara conta algo positivo: “Quando minha sobrinha-neta de 5 anos de idade me visita, percebo que ela mexe nos novelos, fica rodeando enquanto faço crochê, pede para desmanchar quando erro. Eu digo que vou ensiná-la quando ela crescer. Não sei se esse interesse é só por agora, mas essa simples manifestação já é válida”.
Para Vanda, é normal o interesse não surgir. Entretanto, ela acredita que quando a aposentadoria e a idade chegarem, o arrependimento vai vir junto: “Precisamos de algo para fazer, para ocupar o tempo. Esses trabalhos podem parecer chatos agora, mas chato mesmo é ficar olhando para o teto ou assistindo televisão. É preciso diversificar. Eu acho isso ótimo”.
A paróquia da Igreja de Nossa Senhora do Pilar oferece também aulas noturnas para os interessados em aprender esses trabalhos. Dessas aulas saem peças que são vendidas em exposições, assim como no Clube de Mães e no Feliz Idade. Além disso, algumas senhoras dos clubes participam das aulas para se aperfeiçoarem cada vez mais.
Diferente do que muitos podem pensar, aprender esses trabalhos manuais não é ir contra o fluxo ágil e estressante da vida contemporânea, mas resgatar a delicadeza e a serenidade de outros tempos, mantendo viva uma manifestação artística que foi por tanto tempo passada de uma geração para outra. Não é também uma regressão da mulher profissional de volta aos trabalhos destinados ao marido e à família: é a manutenção de uma arte manual que ao invés de desaparecer, deve ser apreciada e valorizada. Mesmo porque, quando se trata da preservação artística e cultural, o convite não especifica sexo, idade, raça ou classe social: é para todos.
Texto e fotos de Quéfrem Vieira
Publicado no
Observatório da Cultura . 28 de outubro de 2010