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Tiradentes: descompasso entre os avanços econômico e político
Descrição
- Uma cidade vitimada pelo crescimento desordenado, pelo trânsito caótico nos feriados prolongados, pela circulação de veículos pesados (caminhões e ônibus) no centro histórico, pela baixa qualidade da educação e pela falta de saneamento básico. São alguns dos gargalos que colocam Tiradentes numa encruzilhada, ou no mínimo num momento de transição. “A cidade tem potencial turístico para 100 anos, mas do jeito que vai não chega aos 20 anos”, alerta o vereador em primeiro mandato Rogério de Almeida, o Rogerinho, ex-secretário de Cultura e atual presidente da Câmara Municipal.
Na raiz de tudo, pode-se dizer que há um descompasso entre os avanços da economia e da política em Tiradentes. A representação política está evoluindo, mas de maneira ainda lenta, admite Rogerinho que foi eleito sem gastar um real, “o que é muito difícil”.
Duas facções políticas revezam-se historicamente no poder, lideradas atualmente pelo PMDB e pelo PSDB. Na verdade, são famílias que comandam estes grupos há anos, diz o carioca Sérgio Santos, dono do bar “Conto de Reis” há 17 anos. “Não há ideologia partidária, não importam as siglas partidárias.”
Tiradentes é uma cidade setecentista que sempre foi regida pelo coronelismo, pelo paternalismo, pelo compadrio, admite Rogerinho. “As pessoas estão acostumadas com político que cuida de tapar buraco, com o assistencialismo. Mas eu não culpo as gerações anteriores; todos contribuíram cada um à sua maneira; não posso mudar o jeito deles de administrar.”
Alem disso, “nativos” tradicionalmente não votam nos “de fora”, os chamados “ETs”, observa Sérgio. É que o desconhecido causa certo desconforto, acrescenta a professora de Turismo Maria Lúcia Oliver, da PUC Minas. Cidades que recebem grupos de fora para implantar negócios e administrar espaços consideram esses grupos “usurpadores de lugares que seriam desta comunidade, mesmo que ela não tenha mão de obra especializada para determinadas funções. No caso específico de Tiradentes, isto acontece em maiores e menores proporções”. Vicente Martins Filho, músico e diretor do Duo Jazz Festival, também vê com naturalidade certa resistência dos “nativos” em aceitar os “de fora”.
“Isto só vai mudar quando os mais antigos saírem de cena e essa geração emergente começar a participar da política”, admite Sérgio. “Acho que essa mudança vai acontecer, é um processo natural. Com o tempo, isso vai se ajeitando”, prevê Vicente. “Já tem uma segunda geração de políticos com visão mais aberta”, opina Sérgio, que apontaRogerinho e Felipe Wagner Gomes Barbosa, vereador eleito e atual secretário de Turismo, como políticos da nova geração tiradentina. “Eles são os dois únicos jovens metidos na política com uma nova visão de política.”
Os empresários, que geram emprego e renda, tem pouca representatividade na política local, observa Vicente. Para ele, o ideal seria que esta representação política fosse fruto de mesclagem entre “nativos” e os “de fora”. Por enquanto, alguns vereadores brigam por status e o sistema político-partidário está esfacelado, na visão do empresário Marcus Vinicius Resende Barbosa, do Hotel Pousada Mãe D´Água. “O ideal é que os empresários se unam para eleger um grupo de vereadores.” Ele considera Felipe e Rogerinho como vereadores identificados com as ideias dos empreendedores.
Desde 2006 vivendo em Tiradentes, o leopoldinense Vicente vê falta de vontade e de articulação da parte de “pessoas ilustres”, ligadas a turismo, educação, construção civil, cultura etc., com capacidade para “abraçar as causas da cidade”. A professora Maria Lúcia, natural de Itabira e há quatro anos em Tiradentes, considera “necessário uma sensibilização para que haja uma maior integração dos comerciantes, artistas, administradores e investidores na cidade, para uma atuação política e uma modernização administrativa”. Ela sente falta de uma Associação Comercial “que se manifeste de forma mais pontual na cidade. Temos cidades na Europa que estão tendo o maior sucesso pela integração da comunidade local e investidores comprometidos com esta comunidade”.
Baixa arrecadação – O cobertor curto da receita municipal de impostos não atende à necessidade de serviços e obras da cidade, de acordo com Marcus que é ex-presidente da Associação de Pousadas e Hotéis de Tiradentes. Ele atribui a baixa arrecadação ao enquadramento do comércio local no Simples Nacional, que estabelece tratamento diferenciado e favorecido a microempresas e empresas de pequeno porte.
Rogerinho acrescenta ainda a “injustiça” no pagamento de IPTU (Imposto Predial e
Territorial Urbano), que pesa mais sobre os moradores dos bairros do que sobre os que se encontram no centro histórico. Mas acredita-se que haja elevada sonegação de tributos na economia local. “Os impostos cobrados são irrisórios e a clandestinidade de negócios também”, diz a professora Maria Lúcia. “Para prestar um bom serviço de saúde, educação, comunicação e outros, se faz necessário uma receita mais compatível. Para isto, seria necessário que gradualmente fosse ajustando os recolhimentos até o patamar justo, para as propriedades e negócios.”
A professora insiste que qualquer ajuste deva ser gradual, para “a adaptação da própria comunidade à realidade do valor do seu imóvel”, para que “as pessoas se ajustem melhor e a política seja respeitada”. Quanto às empresas, defende que “a ilegalidade deve ser corrigida. Como o município terá forma de beneficiar toda comunidade com ausência de receitas adequadas?” Para Rogerinho, “Tiradentes só será sustentável desde que todo mundo pague seus impostos.”
De outro lado, a prefeitura é inchada de funcionários públicos, embora faltem profissionais melhor qualificados para assumir cargos gerenciais na administração municipal, observa Marcus. “A limitação financeira impede a prefeitura de pagar melhores salários para pessoas capacitadas. Muitos empresários poderiam exercer cargos, mas não aceitam pelos salários.” Apesar das restrições orçamentárias, ele diz perceber obras como pavimentação de ruas nos bairros e o calçamento da entrada da cidade pela estrada velha. “Também sei que o prefeito fez acordo com a Copasa para a instalação da rede de esgoto.”
Rogerinho acredita que a solução passa pela reforma tributária, “espinhosa, mas necessária”, para aumentar a receita de impostos, com justiça social e sem alta demasiada na carga de impostos sobre as atividades econômicas. Na verdade, a reforma do código tributário seria um dos itens do plano diretor de Tiradentes. Outros itens seriam zoneamento urbano, código de posturas, projeto viário etc.
Segundo o presidente da Câmara Municipal, o processo de votação do plano diretor de Tiradentes já está maduro, com os vereadores prontos para discutir o tema. “Hoje, todos os vereadores acham o plano importantíssimo.” A Fundação João Pinheiro já elaborou o “termo de referência” que dá as diretrizes para o plano diretor. O custo do plano diretor é estimado em R$ 400 mil, e os recursos já estariam sendo captados.
Crescimento desordenado – O plano diretor deve atacar outro problema sério que é o crescimento desordenado da cidade. Fora da área central preservada (que segue regras ditadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN), Tiradentes está se espalhando, com construções que vão de condomínios de luxo a moradias simples em barrancos, conta Marcus. Ou seja, construções irregulares estão se proliferando na cidade, “muita gente com poder aquisitivo e também muita gente sem poder aquisitivo”.
A especulação financeira continua forte, alerta Rogerinho que está preocupado com a falta de planejamento. “A cidade cresceu espantosamente e chegou ao seu limite. Hoje, falta estudo de capacidade de carga, os engarrafamentos são grandes. Será que a cidade aguenta receber tantos turistas? A cidade tem de saber até quanto pode suportar.”
Definir a missão da cidade, é o que pede o presidente da Câmara. “Turismo de eventos ou turismo cultural? Eu não sei. Se forem os dois, tudo bem. Então, seriam duas normas, dois critérios a serem trabalhados.” Em outras palavras, definir o conceito de turismo de Tiradentes. “No turismo, o menos é mais. Eu quero turismo de qualidade, e não de quantidade.” Temos de criar um turismo que não seja predatório, acrescenta Sérgio. “Temos de priorizar o turismo que traga retorno para a cidade.”
Desaceleração - Segundo Vicente, Tiradentes vive um momento de “desacelerada”, depois da fase ascendente a partir da intervenção da Rede Globo (por meio do executivo Yves Alves) nos anos 1980 e da chegada, nas décadas seguintes, de empreendedores de diversos tipos de comércio. “Acho que está uma coisa mais madura. Talvez essa desacelerada seja boa para se repensar o futuro.”
Neste “repensar o futuro”, Rogerinho defende que Tiradentes seja administrado por técnicos e, para isso, propõe parcerias com universidades da região para aproveitar o trabalho dos alunos que “precisam de horas acadêmicas”. Exemplo é o projeto de lei de sua autoria, aprovado pela Câmara Municipal, que autoriza convênio com o Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), para elaborar projetos de moradias para famílias carentes. Esta medida poderia ser estendida para departamentos como psicologia, letras, economia, comunicação, direito, gestão ambiental, ciências contábeis e turismo.
A presença das universidades faz parte da proposta de “gestão compartilhada”, que envolveria ainda a ação política (prefeito deve buscar recursos), as organizações não-governamentais como associações (devem definir diretrizes) e os conselhos deliberativos criados por lei (o do meio ambiente, por exemplo). “O segredo é uma gestão compartilhada para a melhoria da qualidade de vida”, resume Rogerinho.
A gestão municipal deveria ser feita por metas, das quais educação e cultura seriam o carro-chefe, defende o presidente da Câmara. “O resto vem naturalmente. Assim, gasta-se menos com saúde, com limpeza, com preservação ambiental, saneamento básico etc. E o turismo é consequência de uma cidade bem cuidada”. E a própria formação profissional dos jovens tiradentinos seria beneficiada, lembra Sérgio. “Quando nossos jovens vão estudar ou disputar vagas fora – em São João del-Rei, Barbacena, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo – eles dizem que ficam em desvantagem.”
A professora Maria Lúcia concorda com o foco na educação. “Se sensibilizarmos a comunidade de forma pontual, com uma educação de base para sua verdadeira vocação (turismo), a educação técnica e a qualificação de mão-de-obra, tudo pode acontecer.” E vai além: “O mundo mudou e, se não houver uma visão mais ampliada do que é administrar uma cidade, principalmente uma cidade turística, continuaremos na mesmice de sempre.”
Fonte: Jornal das Lajes . Setembro de 2011
Texto de José Venâncio de Resende