Ouvidoria
Não à militarização das nossas escolas!
Descrição
Elizabeth dos Santos Braga*
Dirijo-me a professoras e professores, equipes pedagógico-administrativas e demais funcionários das escolas da rede estadual e municipal de São João del-Rei e região para tratar de um tema importantíssimo. Nasci nessa cidade; estudei em duas escolas públicas: Escola Estadual João dos Santos e Escola Estadual Cônego Osvaldo Lustosa. Fiz Pedagogia na época da Faculdade Dom Bosco e vivi a transformação das duas instituições de ensino superior locais em FUNREI, mais tarde UFSJ. Depois de várias experiências com docência e pesquisa, sou professora na Faculdade de Educação da USP desde 2009.
Foi com muita apreensão que li a notícia publicada neste portal no dia 04/02/2021 sobre o término do prazo da consulta pública para a adoção (ou não) do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares pela Escola Estadual Cônego Osvaldo Lustosa (EECOL).
Segundo a reportagem de Kamila Amaral, a direção da escola defende o programa porque contaria com apoio “técnico” na área de recreação, além de apoio financeiro e capacitação dos profissionais da escola. A matéria também registra a posição contrária do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind – UTE) de São João del-Rei, que aponta ser “um processo feito às pressas e sem prestar à comunidade escolar os esclarecimentos necessários para que ela possa decidir sobre o assunto.”
Mas quando e onde essa história começou?
Desde 1999, o Estado de Goiás implementou o sistema de militarização de escolas públicas como uma estratégia de melhoria da qualidade. Atualmente, é o estado com o maior número de escolas militarizadas no Brasil. Segundo artigo de Erasto F. Mendonça, doutor em Educação pela Unicamp, professor da UnB e membro do Conselho Nacional de Educação de 2012 a 2016, os governadores justificam a necessidade da transferência da gestão escolar para a Polícia Militar de seus estados em razão dos bons resultados escolares conquistados pelos alunos dos colégios militares stricto sensu. Será?
Conforme apontado pela Profa. Maria Jaqueline de Grammont, da UFSJ, doutora pela UFF e pós-doutora pela UFMG, em 2019 o custo anual por aluno de uma escola militar era de R$ 19 mil, três vezes mais do que o de uma escola regular (R$ 6 mil). Nas IFETs, esse custo era de R$ 16 mil e são elas que compõem a maioria no ranking de melhor desempenho no ENEM. Em seu artigo, Grammont considera uma falácia a ideia de que as escolas cívico-militares terão mais recursos financeiros como acontece com as escolas militares. O que resta de diferencial é a presença de militares e sua ideologia. Ou seja, não é preciso militarizar para obter melhores resultados, mas sim, mais verbas, professores bem remunerados, laboratórios equipados e boas condições de instalações.
NÃO É PRECISO MILITARIZAR PARA OBTER MELHORES RESULTADOS, MAS SIM, MAIS VERBAS, PROFESSORES BEM REMUNERADOS, LABORATÓRIOS EQUIPADOS E BOAS CONDIÇÕES DE INSTALAÇÕES.
Segundo Mendonça, “as supostas credibilidade e eficácia dessas escolas, aliadas ao rigoroso controle disciplinar e ao respeito à hierarquia, além da valorização do civismo seriam razões suficientes para entregar a gestão da escola pública à corporação dos policiais militares”. Justificativas como combate à violência, ao envolvimento com drogas estão entre os argumentos para ganhar o apoio das famílias ao projeto.
Voltando a Goiás, o educador avalia que a criação de cinco novos colégios militares da PM-GO em escolas estaduais já existentes foi uma reação ao enfrentamento de professores em greve durante um evento oficial em que o governador havia sido vaiado, “um castigo a professores baderneiros”.
Para ele, a militarização das escolas tem em sua origem um ataque à nova forma de organização da gestão escolar em Goiás, sua autonomia organizativa, e a necessidade de controle das lutas da categoria de professores. Acrescenta ainda que a expansão das escolas militarizadas nesse estado (seis em 2001, 18 em 2013, num total de 60 até 2018), abrangendo até a Educação Infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental em alguns municípios, parece ter contribuído para a criação desse tipo de escolas país afora.
Outro aspecto importante, destacado por Catarina A. Santos, professora da UnB, doutora em Educação pela USP e pós-doutora pela Unicamp (em texto de Andressa Pellanda): o processo em Goiás começou com o abandono da escola até seu sucateamento máximo, em todos os sentidos, para depois justificar a militarização.
Não à militarização das escolas são-joanenses
Agora essa capilarização de escolas militares chega também a São João del-Rei. É preciso debater profundamente a suposta eficácia desse modelo de ensino. Envolver professores, especialistas em educação, associações de pais e entidades de classe. Todos sabemos que a qualidade da educação está diretamente relacionada à qualificação e à remuneração dos professores, como mostram os rankings de melhores escolas públicas.
Segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), 6.157 militares da ativa e da reserva foram empregados em cargos civis no governo do presidente Jair Bolsonaro. O número é mais que o dobro do que havia em 2018, na gestão Michel Temer, 2.765. A militarização promovida pelo MEC é mais uma estratégia para implantar uma ideologia autoritária que agora pretende reprimir movimentos de alunos e professores dentro da própria escola, com a falsa argumentação de disciplina e respeito à hierarquia.
Faço um apelo a todos os colegas para que exijam o quanto antes consultas públicas devidamente convocadas, com espaço e prazo necessários para o aprofundamento desse debate, além de divulgação massiva na comunidade escolar, e uma discussão ampla pela categoria. Essa é uma decisão que envolve a todos que estamos preocupados com o futuro das novas gerações.
A MILITARIZAÇÃO PROMOVIDA PELO MEC É MAIS UMA ESTRATÉGIA PARA IMPLANTAR UMA IDEOLOGIA AUTORITÁRIA QUE AGORA PRETENDE REPRIMIR MOVIMENTOS DE ALUNOS E PROFESSORES DENTRO DA PRÓPRIA ESCOLA, COM A FALSA ARGUMENTAÇÃO DE DISCIPLINA E RESPEITO À HIERARQUIA.
- É doutora em Educação pela Unicamp, pós-doutora pela Universidade de Oxford e professora da USP.
Fonte: Notícias Gerais