São João del Rei Transparente

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Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

No ateliê de Carlos Bracher . Jota Dangelo

Descrição

Entrar no ateliê do artista plástico Bracher é como entrar num santuário. Um cheiro forte de tintas - as bisnagas estão espalhadas por toda parte - cria uma atmosfera de capela ou sacristia, como se estantes,
livros, discos, CDs, peças de artesanato, telas e arcas e teto de saia e camisa fossem mobiliário de um consistório, enquanto cavalete imponente e o furta-cor fossem uma charola barroca sendo preparada para
uma procissão. Das janelas de guilhotina vê-se um retalho de Vila Rica, o telhario em planos, cercado ao longe pelos morretes  que encarceram a cidade.
O artista, solícito, nos recebe com a efusiva agitação de quem se paramenta para uma cerimônia. Arrasta cadeiras, ajeita almofadas, passa a mão nervosa pelos cabelos despenteados, pesquisa ângulos de melhor observação, verifica a incidência da luz, prepara tela e cavalete e corrige minha postura, já que vai pintar o meu retrato. Aí sinto-me constrangido, penso em meu próprio rosto: devo arquear as sobrancelhas? Repuxar os lábios em pretenso sorriso? Não estou dilatando demais as narinas? Para onde dirijo o olhar?
Bracher respira fundo. Pede desculpas porque vai introduzir na sala um novo elemento. Liga o som. Não pergunto o que é. Mas é uma música sacra, maravilhosa e suave como passar a mão em seda, que ele solfeja em grunhidos. "Não sei pintar sem ouvir música", é o que diz. E, então, são 20 minutos de estertores criativos. Ouvindo a música o pintor manipula pincéis como se fossem a batuta de um regente, espreme bisnagas, maneja espátulas, afasta-se do cavalete que estremece diante de suas pinceladas em fúria. Ao fim, distancia-se para uma última avaliação. A curiosidade está me saindo pelos poros.
Não ouso pedir para ver o resultado. Algo me diz que só ele, Bracher, pode me dizer quando. Ele desliga o som. O ritual termina. Tenho a impressão de que uma cerimônia religiosa chegou ao fim. Alguém traz uma bandeja com cerveja, boa pinga e tira-gostos variados. O Rapo rola descontraído, mas sempre sobre arte. Até que, uns 30 minutos depois, ele diz, informal e simples: ''vamos ver no que deu"? Exibe a tela. O
ato criador revela-se. E eu me vejo, não como num espelho, mas no que tenho de mais íntimo, como se tivesse posado para um psiquiatra e não para um pintor.
Despeço-me de Bracher como se tivesse comparecido a uma sessão de pajelança Caminho pelas ladeiras de Ouro Preto com a certeza de que Bracher pratica exorcismo enquanto pinta: liberta-se de seus demônios e revela os que se escondem nos retratados. Inesquecível. Faz muito frio. Na Praça Tiradentes paro embevecido admirando a imponência do antigo Palácio dos Governadores de Vila Rica. O sol começa a furar as nuvens densas e dourar os telhados do casario.

Fonte: Gazeta de SJDR, 8 de Outubro de 2011
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