São João del Rei Transparente

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Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

Impactos socioculturais do turismo na comunidade de Tiradentes - MG . Gisela Maria Rezende de Souza . Cynthia Maria Brasiel deFilippo

Descrição

Gisela Maria Rezende de Souza (UNA)1
Cynthia Maria Brasiel deFilippo(UNA)2

Resumo
O artigo aborda a percepção de impactos socioculturais provocados pela atividade turística na comunidade de Tiradentes - MG, através de um recorte da vida de moradores e de como estes se relacionam com as mudanças. Em uma primeira fase foram aplicados questionários e, posteriormente, foram selecionados alguns perfis para entrevistas, focadas em suas histórias de vida, visando resgatar o passado da cidade e de seus moradores. Os entrevistados são pessoas comuns que, em suas trajetórias, vão re-elaborando seus espaços, adaptando-se às novas dinâmicas sociais, e integrando-se com a chegada de turistas na cidade. Os depoimentos refletem relações complexas entre os "de fora" e os nativos, revelam a transformação dos valores e comportamentos, o conflito sutil entre culturas, a alteração nos padrões de consumo, a transformação da identidade cultural e a exclusão social, entre outros efeitos que são  provocados pelo desenvolvimento rápido do turismo.

Palavras-chave: Histórias de vida. Tiradentes. Turismo.

1. Introdução
Tiradentes se encontra no Campo das Vertentes, em Minas Gerais, a 190 km de sua capital, Belo Horizonte. A cidade possui uma população de 5.759 habitantes, segundo censo demográfico de 2000 do IBGE  (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Atualmente, tem o turismo como principal atividade  econômica, resultado da conservação de seu Centro Histórico e de atrativos naturais como a Serra de São José, que fica no entorno da cidade.
Após o término do ciclo do ouro, iniciou-se na cidade um declínio socioeconômico que perdurou muitas décadas, até o início dos anos 80, quando o Sr. Yves Alves, alto executivo da Rede Globo realizou importantes projetos na cidade, através da Fundação Roberto Marinho, em parceria com entidades públicas
e privadas. Dentre as realizações, destacam-se a fiação elétrica subterrânea, a criação do Centro Cultural Yves Alves e a restauração da Igreja Matriz de Santo Antônio.
Tiradentes, hoje, é uma cidade repleta de recordações de um passado marcado por movimentos políticos e revoltas, cenário de grandes acontecimentos históricos. O casario colonial, as igrejas e a paisagem  bucólica atraem muitos turistas, que se entregam às nostalgias remanescentes das Minas Gerais.
As lutas travadas ficaram no passado, existem somente na memória, mas os choques culturais ainda persistem. Nativos e turistas se embaralham e se confrontam, revelando uma disputa silenciosa,  conseqüência de um processo competitivo. A cidade é marcada pela transformação dos valores e  comportamentos, conflito entre culturas, alteração dos padrões de consumo e da identidade cultural, exclusão social, entre outros efeitos provocados pelo desenvolvimento rápido do turismo. Em especial, a especulação imobiliária e a migração dos moradores para bairros periféricos, além da segregação de seus moradores, que não usufruem da infra-estrutura turística.
Este trabalho tem como objetivo analisar como os moradores de Tiradentes se relacionam com o turismo, se estes se sentem beneficiados ou excluídos, qual sua percepção em relação aos impactos causados pela atividade turística e a importância que sua sociedade dá ao passado através de suas histórias de vida.
Segundo Rodrigues (2001):

                                                                 A memória social será tão mais significativa quanto mais representar
                                                                 o que foi vivido pelos diversos segmentos sociais e quanto mais
                                                                 mobilizar o mundo afetivo dos indivíduos, suscitando suas
                                                                 lembranças particulares. Nestas e só nestas, alcançado pelo
                                                                 sentimento e sustentado pela sensação, o passado é reconstruído
                                                                 plenamente. Feito de fantasias, parecendo sempre melhor que o
                                                                 presente, ele aflora idealizado, porque reconstruído por nós que já
                                                                 não somos o que éramos e, movidos pela nostalgia, que queremos
                                                                 que ele nos traga de volta as sensações já vividas. (RODRIGUES,
                                                                 2001, p.18)
2. Referencial Teórico
A análise da percepção do turismo pelos moradores é um dos meios mais adequados para avaliar sua relação com os turistas e quais são os impactos socioculturais provocados na comunidade de Tiradentes. Através do contato com os moradores e suas histórias e trajetórias de vida, é possível reconstruir um passado recente de forma menos excludente e mais dinâmica.
Atualmente, o debate sobre o turismo sustentável privilegia os impactos ambientais, relegando a um segundo plano os impactos socioculturais, em parte porque esses ocorrem de forma mais lenta e discreta, sendo detectados ao longo do tempo. Swarbrooke (2000) afirma que esses impactos em geral são invisíveis e intangíveis, e com pouca ou nenhuma oportunidade de serem revertidos após ocorridos.
Muitos autores têm destacado os impactos negativos do turismo sobre a comunidade local, mas é preciso revelar que muitos impactos são positivos e trazem inúmeros benefícios para a cidade e seus moradores.
No caso de Tiradentes, por se tratar de uma cidade tombada, com uma forte referência à história de Minas Gerais e do Brasil, seu patrimônio edificado tem um grande valor para grande parte da comunidade local, que o admira e o conserva. Na opinião de Oliveira (2003), o patrimônio presente evoca caminhos pessoais que nos conectam com o passado e com a natureza e desenvolvem o senso de nós próprios e de nossa comunidade. Se esses valores não são protegidos, toda a sociedade sofre uma perda de identidade.
O turismo cultural que é um dos segmentos com maior destaque em Tiradentes, pode ser visto como um elo da sustentabilidade no processo de desenvolvimento local. Segundo Azevedo (2002) o turismo cultural promove a preservação da memória histórica e atua como elemento de continuidade que permite às comunidades se apropriarem do conhecimento de seus bens patrimoniais, e perceberem o  correspondente valor econômico.
Há também a importância do valor humano. Para Giovannini Jr. (2001), cidades como Tiradentes  concentram, em um espaço pequeno, uma efervescência cultural bastante original, interpenetrando-se pessoas e culturas de vários lugares, tornando-se um espaço privilegiado para o estudo sobre o contato intercultural. Este contato entre os nativos e os "de fora" acontece num contexto bastante heterogêneo,
em que pessoas de cultura e origem diversas se relacionam. Ainda segundo Giovannini Jr. (2002), o turista, geralmente originário de cidades grandes, possui razoável poder aquisitivo, bem como certo nível  intelectual, e viaja até esses lugares principalmente pelo seu valor histórico e cultural.
A falta de interação entre turistas e moradores pode ocasionar uma gradual exclusão social da comunidade, que acaba por não participar dos eventos que ocorrem na cidade, e não ter acesso a lojas e restaurantes destinados aos turistas.
Para Butler (2002), a integração ideal do desenvolvimento do turismo numa comunidade ou destino deveria torná-lo mais aceitável, tanto para os residentes quanto para os que utilizam os recursos existentes, ao contrário de um desenvolvimento turístico que é imposto de forma segregada e indesejável.
Goodey (2002) afirma que a comunidade local, que em geral reluta em aceitar o visitante, ou que se ressente com sua presença, oferece uma valiosa qualidade, que é a personalidade local, do qual o patrimônio cultural faz parte.
Em muitos casos, os nativos gradativamente vão perdendo o controle de sua cidade, e começam a participar de uma nova realidade sociocultural marcada pela exploração turística. Para Giovannini Jr. (2001) os espaços concretos são disputados a cada dia entre os "de dentro" e os "de fora", desde espaços físicos
como moradia e comércio, a espaços sociais de decisão e organização política.
Goodey (2002) ressalta que a comunidade, em todos os seus segmentos, deve ter consciência de seu patrimônio, tanto do patrimônio material quanto do imaterial; e que deve decidir sobre aquilo que deseja compartilhar e o que deseja guardar só para si.
Para Oliveira (2003) as transformações que ocorrem numa comunidade mostram a necessidade de se trabalhar as necessidades específicas de cada localidade, o que permitiria prever conflitos e antecipar soluções, objetivando amenizar os inevitáveis impactos negativos decorrentes do fluxo turístico.
Irving (2002) afirma que em uma relação desigual de dominantes e dominados, o saber está em vinculação direta com a concentração de poder e a exclusão social. A participação emerge, nesse cenário, como um elemento de contracultura; constitui a única garantia ética de sustentabilidade de um processo efetivo de desenvolvimento.
A partir do levantamento de todas as questões acima mencionadas, faz-se necessário um estudo para verificar os prováveis impactos socioculturais atribuídos a atividade turística, através da percepção da comunidade. O estudo se mostra fundamental para um melhor entendimento do desenvolvimento do turismo em Tiradentes e das relações entre nativos e turistas.
3. Aspectos Históricos
O Ciclo do Ouro Segundo relato de Santos F. ° (1979), a história da cidade de Tiradentes teve início em 1702, com a fundação do Arraial de Santo Antônio do Rio das Mortes, em pleno ciclo do ouro, considerado um dos lugares que mais teve ouro de superfície no Brasil. Em 1718 o arraial tornou-se Vila de São José Del Rei e em 1860 a vila foi promovida à cidade. Anos mais tarde em 1889, um grupo de republicanos em visita a cidade, sugere a mudança de seu nome para Tiradentes, para homenagear um de seus filhos mais ilustre, o herói da Inconfidência Mineira.
Sobre a Vila de São José Del Rei, Saint-Hilaire (1974, p.116), deixou o seguinte depoimento, quando de sua visita à região:
                                                                                   (...) é pequena mas conta com casas muito bonitas e fica-se
                                                                    admirado do tamanho da igreja paroquial... as colinas que cercam
                                                                    São José, cavadas e reviradas em todos os sentidos demonstram
                                                                    quais eram as ocupações dos primeiros habitantes dessa vila. Seus
                                                                    arredores fornecem muito ouro e é de ver-se que este lugar foi de
                                                                    grande importância, para que, tão perto de S. João se criasse outra
                                                                    vila (Saint-Hilaire, 1974, p.116).
A mineração entra em decadência na Capitania das Minas Gerais, refletindo no desenvolvimento da Vila de São José, quando no início do século XIX, as minas de ouro se esgotam. Portugal lança a derrama, apesar da escassez do ouro, exigindo o pagamento compulsório de impostos atrasados do quinto do ouro que, em 1788, somavam mais de oito mil quilos. A decisão opressora da coroa propicia o surgimento do ideal revolucionário da elite, que reuniu militares, comerciantes e intelectuais no movimento mais tarde chamado de Inconfidência Mineira. A delação do coronel Joaquim Silvério dos Reis em 1789 situa São José Del Rei entre as vilas mineiras envolvidas na conspiração. Dentre os inconfidentes estão o alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes e o padre Carlos Correa de Toledo e Mello, vigário da então Freguesia de Santo Antônio, considerado um dos líderes do movimento.

O Declínio da Cidade
O século XIX foi o século da decadência da Vila de São José, as minas de ouro já não produziam mais como antigamente, poucos mineradores conseguiam se manter através da exploração do metal. Houve uma migração de boa parte da população, que havia feito fortuna, para o Vale do Paraíba, buscando no plantio do café uma nova alternativa econômica, fato que deu origem às novas cidades do ciclo
do café. A vila se manteve através da agricultura e da suinocultura.
Nessa época, Tiradentes se encontrava em total abandono, enfrentando um grave declínio econômico após o surto do ouro, que promoveu seu rápido desenvolvimento até meados do século XIX e assistia à  diminuição intensiva de sua população. A cidade, antes com suas ruas tão movimentadas, entrou em
decadência, e parte de seu casario abandonado e demolido serviu para a construção de novas casas em São João Del Rey. Monumentos importantes da cidade, como a Igreja Matriz de Santo Antônio, viram-se ameaçados por infiltrações.
Este declínio socioeconômico perdurou até a segunda metade do século XX e apesar do abandono que tomou conta da cidade, este foi um fator decisivo na preservação de seu extraordinário conjunto arquitetônico. Diante deste quadro, a cidade contou com a cooperação e a dedicação de instituições como  o SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que tombou seu conjunto arquitetônico e urbanístico em 1938 pouco tempo depois de sua criação em 30 de novembro de 1937, pelo então presidente Vargas, sendo o primeiro órgão federal dedicado à preservação.

O Ciclo da Prata
Após o ciclo do ouro, Tiradentes se rende a exploração da prata, na década de 1940, que se tornou a  principal fonte de renda e geração de emprego do município, segundo os moradores mais antigos.
A atividade voltada para a confecção de jóias artesanais e outros artefatos, utilizando a prata como matéria-prima, desenvolveu-se na cidade, atraindo ourives e comerciantes, que abriram oficinas e lojas que  movimentaram sua economia.
Grande parte da população de Tiradentes trabalhava com a confecção e o comércio da prata, que surgira como forte alternativa econômica em tempos de escassez de empregos. No entanto, após alguns anos, a atividade entrou em crise, atingida por imitações rudimentares, o que provocou seu lento declínio. Na década de 1990, restaram poucas oficinas e lojas que ainda ofereciam os artigos de ourivesaria, outrora tão procurados.

O Turismo em Tiradentes
O conjunto arquitetônico de Tiradentes influenciou o despertar do turismo cultural na cidade. Desde as últimas décadas, esta passa por um período de revitalização com a exploração da atividade turística, apoiada por grandes eventos culturais, como a Mostra de Cinema e o Festival Internacional de Cultura e
Gastronomia, que acontecem em janeiro e agosto, respectivamente, desde 1998. A cidade sedia eventos que proporcionam um grande afluxo de turistas e uma constante divulgação na mídia, o que atrai um  número cada vez maior de turistas.
A agenda cultural da cidade é bastante movimentada, além dos dois eventos citados, há também o encontro de motos Harley Davidson, o carnaval e as festas religiosas como a da Semana Santa e da Santíssima Trindade que atraem um grande público. Outro fator marcante em seu desenvolvimento turístico está relacionado às freqüentes filmagens que têm a cidade como cenário, e sua inserção no roteiro da Estrada Real.
Tiradentes se consolidou como um dos principais destinos turísticos de Minas Gerais, não somente pelos eventos, mas por seus atrativos histórico-culturais e seu entorno, onde se destaca a imponente Serra de São José. Este crescimento turístico possibilitou que outras atividades fossem retomadas pelos moradores, principalmente o artesanato em ferro e madeira, entre outros tantos, que agregam valor aos atrativos da cidade.
Sendo uma cidade pequena, sua infra-estrutura turística atual é surpreendente, com mais de cem  pousadas e inúmeros restaurantes e lojas, que empregam grande parte de sua população e atrai investidores locais e de outras cidades e estados em busca de boas oportunidades de negócios. A cidade
apresenta um enorme potencial turístico, que viabiliza o desenvolvimento econômico da localidade. No entanto, este crescimento gera impactos sociais e culturais, que provocam profundas modificações na estrutura da comunidade.

4 - Impactos Socioculturais
A atividade turística proporciona muitos benefícios econômicos à cidade de Tiradentes, mas,  paradoxalmente, traz uma série de impactos socioculturais que são marcantes para o desenvolvimento da comunidade. São perceptíveis a descaracterização da cultura local, a transformação da identidade e de
manifestações tradicionais e exclusão social, e a especulação imobiliária.
Estas transformações são conseqüências do grande fluxo de turistas, do aumento populacional e da implantação de infra-estrutura e equipamentos voltados para o lazer, que modificam o espaço físico e promovem a valorização do uso do solo urbano. Este processo culmina na segregação dos residentes que, em geral, não têm acesso à infra-estrutura voltada para o turista.
Para Goodey (2002), pode-se observar uma gradual alienação, linhas distintas separando o visitante dos moradores, uma crescente degradação do produto que é oferecido ao visitante, o consumo dos recursos tangíveis e intangíveis, uma mudança fundamental de longo prazo para a comunidade, em troca
de vantagens em curto prazo.
Em Tiradentes, pode-se perceber a transformação na distribuição espacial dos residentes, do lazer e da economia local e, consequentemente, a consolidação do Centro Histórico como território dos novos residentes e turistas e o surgimento de bairros periféricos voltados para os nativos. Para Archer e Cooper (2002), os donos de terra locais são incentivados a vender a sua propriedade e o resultado é que,
embora possam obter ganhos em curto prazo, no final a única coisa de que eles dispõem é seu trabalho de baixa remuneração.
A cidade encarece para seus moradores, que em sua maioria não tem poder de compra para consumir o produto turístico por ela ofertado. Para Lage e Milone (2000), os turistas têm sempre uma capacidade de gastar mais que os residentes, seja porque dispõem de um poder aquisitivo maior, seja porque poupam mais para as viagens e sentem maior inclinação para isso, por estarem gozando situação de férias.
O contraste socioeconômico entre turistas e residentes favorece o surgimento de conflitos. Archer e Cooper (2002) citam o “efeito demonstração” da prosperidade em meio à pobreza que, não raro, leva a população local a ter o desejo de imitar o modo de vida dos turistas. Isso pode gerar um sentimento de privação e frustração capaz de encontrar uma saída na hostilidade e até na agressão.
Como evitar situações de ressentimento, quando na maioria dos casos, turistas e residentes vivem realidades opostas? Uns buscam o lazer e a diversão sem se preocupar com os impactos socioculturais causados pelo turismo e os outros, em contraponto, se encontram em pleno trabalho em pousadas, restaurantes e lojas, desgastados pela sucessão sem fim de turistas que chegam e partem de sua
cidade.
É como na fábula de La Fontaine em que a formiga e a cigarra representam dois estilos de vida antagônicos. Contudo, é preciso lembrar que os turistas em férias estão longe de sua rotina diária, e aqueles dias preciosos de lazer são o resultado de um descanso merecido após árduo trabalho. Segundo Krippendorf (2000) o dinheiro de um é o pão do outro. Como querer mal aos que vivem do turismo pelo fato de se interessarem, em primeiro lugar, pelo aspecto financeiro, e não pelo aspecto humano do turista?
Este confronto sutil gera relações complexas, onde os atores se relacionam em um espaço de interação, proporcionando diversos contatos e experiências culturais.

5 - Metodologia Aplicada
O trabalho de pesquisa se iniciou com a aplicação de 101 questionários a residentes de vários bairros de Tiradentes. A partir daí, foram selecionados alguns moradores que se encaixavam no perfil pretendido, ou seja, aqueles que vivenciaram as transformações que ocorreram na cidade, e em função destas, optaram por permanecer em suas residências ou mudar para novos bairros que foram construídos no entorno do Centro Histórico.
Em uma segunda etapa, foram feitas entrevistas com sete moradores selecionados na amostra obtida, pessoas do sexo masculino e feminino, sem determinação de faixa etária, ou nível sociocultural mas, preferencialmente, aqueles que poderiam contribuir de alguma forma com o trabalho através de seus
depoimentos, declarando o motivo de sua permanência ou mudança de suas residências.
Dentre os entrevistados, cinco foram selecionados, por representarem algumas mudanças ocorridas na comunidade local. As entrevistas foram realizadas em suas próprias casas e os entrevistados nos forneceram suas percepções acerca do turismo em Tiradentes e de seus impactos, através de questões que eram abordadas e suas histórias de vida. Cidadãos comuns, que em sua trajetória de vida
vão reelaborando seus espaços, adaptando-se às novas dinâmicas sociais, integrando-se com a chegada dos turistas na cidade.
Consideramos a história de vida a metodologia mais indicada para atingir os objetivos propostos do trabalho, por nos proporcionar um relato da história de indivíduos e do grupo social em que estão inseridos, através de suas memórias pessoais e por se tratar de uma abordagem eficaz para analisar fenômenos sociais mais amplos.
Histórias de Vida
Em momentos de nossas vidas, temos a necessidade de voltar ao passado, recordar através de lembranças, procurando situar passagens, imagens, sons, sensações. Em nossas memórias estão presentes o espírito, o pensamento e o sentimento, fazendo com que os fragmentos do passado voltem  vivificados. Sobre lembrança, Ecléa Bosi (1994) diz que:
                                                                                     (...) Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser
                                                                                 lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da
                                                                                 localização, ela seria uma imagem fugidia. O sentimento
                                                                                 também precisa acompanhá-la para que ela não seja uma
                                                                                 repetição do estado antigo, mas uma reaparição.
                                                                                 BOSI,    1994, p. 81)
A história de vida surgiu a partir de ciências, como a psicologia e a antropologia, tendo o indivíduo como objeto de estudo, através da análise de depoimentos pessoais que possam ser associados a fenômenos sociais, buscando a compreensão de determinados problemas.
Essa metodologia de trabalho científico pode ser considerada como alternativa válida para escutar os excluídos sociais, os dominados. A possibilidade de pessoas comuns falarem de suas histórias de vida faz com que resgatem suas memórias. A lembrança é individual e social, na medida em que o grupo pode
transmitir, omitir ou ressaltar recordações que podem individualizar a memória da comunidade.
No ato de trazer à lembrança, as histórias de vida são resgatadas, trazendo o que de mais significativo permaneceu. Este processo envolve alegrias, tristezas, conquistas, mudanças, perdas e, acima de tudo, vivências.
Atualmente nossa sociedade enfrenta uma crise em relação às suas crenças e valores e, é neste contexto, que a vida cotidiana assume um grande valor, por ser real e tangível, ganha uma dimensão de credibilidade, mas é preciso estar atento para não transformar indivíduos comuns em heróis. É importante reforçar a ligação do discurso do indivíduo com o meio sociocultural e econômico no qual está
inserido. Através de depoimentos de alguns indivíduos podemos alcançar uma dimensão mais ampla da sociedade.
Na metodologia da história de vida é preciso transcender o texto e não somente analisar o que foi dito (ou não!) pelo entrevistado, mas fazer uma análise discursiva, incluindo seu contexto social.

6- Entrevistas
Foram destacados os principais trechos dos depoimentos concedidos por cinco entrevistados, personagens fundamentais deste trabalho, que colaboraram na composição da realidade sociocultural de Tiradentes. As histórias narradas revelam as percepções e reações de indivíduos da comunidade local, que são fatores fundamentais como limitadores da aproximação e do distanciamento que ocorre
entre os mundos diferentes, a partir de valores e visões diferenciadas.
Na opinião de Goodey (2002):
                                                                 Para sobreviver no futuro, toda comunidade carrega consigo suas
                                                                 memórias do passado - personagens, eventos, rituais, canções,
                                                                 estórias e objetos. São memórias e referências que sustentam uma
                                                                 cultura que nem sempre se mantém face aos desastres, à opressão, 
                                                                 e aos meios de comunicação do mundo atual. Muitas destas
                                                                 memórias são privativas e reservadas às comunidades, mas algumas
                                                                 podem e merecem ser compartilhadas com os visitantes, tanto para
                                                                 aumentar a auto-estima local quanto para proporcionar um
                                                                 rendimento extra, fruto da visitação (GOODEY 2002, p.138).

D.ª Maria José Moura Nascimento - antiga moradora do Centro Histórico
"Eu nasci em Tiradentes e vivo aqui há 73 anos. A casa que eu moro tinha um porão, onde ficavam os escravos. Aqui morava uma senhora, dona de escravos. Esta casa tem quase trezentos anos. A mulher morreu, vendeu a casa para um tio do meu pai, que depois vendeu para meus pais.
Tiradentes mudou muito, não tinha restaurante, pousada, tinha clube, de vez em quando, íamos aos bailes. Tinha um trem que saía de Campolide para São João Del Rei, este era o nosso passeio. Os jovens iam aos bailes, não tinha muito que fazer, mas corria muita paz. O passeio na Serra em julho era de acampar. Era mais tranqüilo.
Antigamente tinha indústria de prata, depois começaram a falsificar, decaindo o comércio. Hoje a prata não é mais muito falada. A cidade em certo ponto melhorou, o turismo trouxe dinheiro. O carnaval é muito tumultuado, já na Semana Santa, são pessoas de mais idade, com fundo religioso e as festas mantêm a
tradição.
Acho que falta lazer. Muita gente de fora quer ganhar algo, mas para fazer alguma coisa não faz. Tinha que ter recreação para os jovens. No carnaval tem muita droga, bebedeira. Eu gosto do turista. Alguns inibem o povo, pois acham que são superiores. Muita gente simples fica frustrada e não tem coragem de vir aqui nas
festas.
Gosto muito daqui, tenho vizinhos, amigos. Atualmente as pessoas mudaram. Foram saindo aos poucos. Os turistas compraram os imóveis, as pessoas venderam iludidas, mas depois se arrependeram. Minha vizinha se arrependeu. Já recebi proposta de um senhor de Belo Horizonte que tem loja aqui perto. Quis alugar minha sala, mas não aluguei. Perguntei a ele: O senhor viu alguma placa de aluga-se? Ele
disse que iria conseguir alugar uma casa nesta rua, mas a minha ele não consegue!"

D.ª Ruth Maria Costa Ramalho - antiga moradora do Centro Histórico
"Sou nascida em Tiradentes e criada aqui. Faço doce, mas trabalhei na oficina de ourives que tinha na cidade. Casei e passei a mexer com doce. A família da minha mãe fazia apito de barro e a do meu pai fazia tijolos. Ao casar passei a fazer doce e já faz 23 anos que faço doces. Tiradentes naquela época já tinha
turistas, mas foi após a morte do Presidente Tancredo Neves que incentivou mais a gente a fazer doce, pois vinha muita gente visitar o túmulo em São João e passava por aqui.
Antigamente eu trabalhava com a prataria, mas foram falsificando e o mercado caiu muito. Fazendo de material inferior e dizendo que era prata. A queda da prata foi há 20 e poucos anos. Agora foram criando artesanato de ferro, fazendo tapetes, há restaurantes. Todo fundo de horta tem uma oficina. Agora está melhor. O convívio com as pessoas de fora nos fizeram aprender muito. Fui criada aqui e não estudei, aprendi com os turistas. O que não gosto daqui é do trânsito de carro grande. As casas, ruas foram feitas para carroça, não tem estrutura para carro, atrapalha muito.
Acho que Tiradentes daqui a 10 anos não vai crescer mais do que já está. A tendência é ficar igual. Quem não paga aluguel ficará igual, mas quem paga aluguel só vai piorar, o aluguel é muito alto. Não quero sair daqui, tenho outra casa mais não saio daqui. Tem movimento, festas, filmagens na minha porta. É importante participar, do carnaval, das procissões.
Minha filha trabalha na loja, quero que meus filhos estudem, não dependam do turismo. Quero para eles uma coisa mais certa. Tiradentes já teve duas vezes a prataria, o movimento vai e volta. Na alta estação fica bom. Mais o estudo é importante. Ficar esperando artesanato e turismo não dá certo. O pior é o carnaval.
Este ano foi melhor, proibiram alugar casa. Pois tempos atrás alugaram 600 casas, faltou água, foi um tumulto. Tinha muita molecada e faltaram banheiros. Falta lazer para a população, podia ter um encontro que aproximasse as pessoas. Antes era mais unido. Hoje as pessoas são muito ocupadas, não têm tempo para conversar."

D.ª Francisca Maria Rocha - ex-moradora do Centro Histórico, atual moradora da Mococa
"Moro no bairro da Mococa há treze anos. Só existia no bairro uma barraquinha aqui embaixo, o bairro cresceu muito. Antes conhecia o bairro todo, mas hoje eu não saio, e por entrar gente e sair gente do bairro, eu não conheço todo mundo.
Não sou natural de Tiradentes, quando casei eu morava em Santa Cruz e depois vim para cá. Tem 43 anos  que estou em Tiradentes. Meu esposo era daqui.
Quando ele morreu, eu achei que ia embora, mas meu filho maior não quis ir. Morei no n. ° 111 no Centro Histórico, descendo a Santíssima, morei lá 26 anos. Criei meus filhos ali. Saí do Centro Histórico porque a casa foi feita com material de primeira e como está em uma área de Patrimônio Histórico, precisava
ser reformada com material semelhante. Como era caro e eu não tinha dinheiro, preferi mudar para um outro local. Ganhei esta área do meu sogro, área grande. Dei para meus filhos um lote para cada um e perguntei se eles queriam vender a casa do centro. Dividi em partes iguais para os filhos e nem tirei a minha parte. Foi a melhor coisa que fiz, foi todo mundo construindo e se não tivesse vendido lá, não
teriam casa. Ninguém paga aluguel, e isso é uma beleza. Foi muito difícil morar aqui, não tinha água, luz. Fiquei um ano e meio sem água e luz. A gente buscava no chafariz. Eu era nova, há treze anos atrás tinha
disposição. Por este motivo fui ficando aqui. A mudança foi para melhor, todos os 15 meus filhos tem casa hoje. Pelo menos ninguém está na pior. Dividi e dei o dinheiro que na época dava para fazer dois cômodos e me ajudei também, hoje tenho esta casinha.
Eu gostava da minha horta na Santíssima, plantava de tudo. Porém da rua não gostava muito. Esta festa cansa muito a gente. Você já pensou a gente ficar nestas festas durante quinze, vinte dias. Aqui foi um cantinho do céu que achei. Antes era necessário ir a São João Del Rey, hoje não, melhorou muito, já tem
Santa Casa. Tiradentes era difícil, tinha que buscar apoio em outra cidade. Atualmente Tiradentes é uma cidade boa para conseguir emprego.
Todo mundo é amigo, por isso ainda estou aqui. Meus filhos trabalham aqui. Tenho que agradecer a Deus porque criei meus nove filhos sem pedir esmola, por isso não posso falar mal de Tiradentes.
Aqui mudou muito, melhorou muito, pois há quarenta e três anos era uma miséria, uma pobreza. Eram os casarões caindo, não tinha condição. Muitos moradores venderam suas casas por não terem condição de reformar, por ser patrimônio. A gente que é pobre preocupa-se com a economia, quer colocar tudo
mais barato: porta de vidro, mas o patrimônio não deixa. Os turistas foram comprando, reformando.
Hoje Tiradentes é melhor. Dizem, eu não lembro, que aqui tinha muitos casarões. Foram caindo e agora não, graças a Deus, o turista deu vida a Tiradentes. Ninguém expulsou ninguém. Eu não tinha condição e fiz a melhor coisa, estou no lugar que eu gosto. O turismo melhorou muito, senão Tiradentes já tinha acabado.
Aqui era ruim, ruim mesmo. Não tinha serviço. O turismo aqui valeu a pena. Quando mudei para cá existiam dois carros: uma rural velha e um jipe.
Era o que tinha na cidade. A maioria dos restaurantes na praça eram casas. Hoje tem muitos restaurantes, empregos. Aqui falta uma área de diversão para os jovens. Restaurantes e barzinhos são muito caros, nós do lugar não podemos dar este luxo de comer e beber, não podemos pagar. Aqui já teve baile, ambiente familiar. Todo mundo podia entrar (jovem, criança, idoso). O jovem hoje chega à noite, faz o quê?
Já teve um cinema, mas acabou. O jovem e adolescente não tem o que fazer. Antigamente gostava de baile, a Semana Santa de rua, festa junina. Não perdia nada, só se estivesse chovendo. Aproveitei enquanto pude.
A casa que morei no Centro Histórico foi vendida para pessoas de Tiradentes que também tinham uma casa próxima à matriz. Eles venderam a da matriz e ficaram com a minha. O comprador já morreu, a família ainda mora na casa, nunca mais voltei lá. Cortaram os pés de laranja, olhei, fiquei triste. Eu tinha de tudo, fruta, verdura. Acabaram com a horta, virou um matagal, não voltei mais lá, fiquei chateada.
Aqui melhorou muito. Gente que sabe mais, que conversa melhor. A gente de primeiro era um atraso de vida. Aprendi muito, convivi com uma mulher do Rio que me ajudou muito. Eu era muito dependente, meu marido morreu. As pessoas de fora me ajudaram muito."

D.ª Rosana de Araújo Rosa - antiga moradora do Centro Histórico, atual moradora do Cascalho
"Morei desde que nasci no Centro Histórico, na casa onde hoje é a Pousada Três Portas. Casei e continuei morando no centro. Tem cinco anos que estou no Cascalho, é sossegado. Mudei do Centro Histórico, pois tinha um morador que vendia maconha e eu precisava tomar remédio para conseguir dormir. Ia dormir às 5
da manhã. Fiquei com raiva dos maconheiros. No Cascalho não tem confusão.
No Centro Histórico eu fazia quitanda e ainda faço: pé de moleque, doce de leite, cocada. Se me encomendarem, eu faço. Minha família está toda em Tiradentes. Acho que e a cidade está cada vez
melhor, aqui não tinha nada. O turismo mudou a cidade. Agora vive cheio de turistas.
A casa em que eu morava, hoje é uma loja. A outra casa eu aluguei para um restaurante. Tenho duas casas, não pretendo vender. Apareceu comprador, mas não quero vender. Moro com os filhos.
Gosto de Tiradentes, apesar de já ter morado em São João Del Rey, voltei para cá, morei em São João por dois meses e vim embora. Não sei do que não gostei de São João, mas quanto mais os vizinhos me agradavam, mas eu não gostava. Aqui eu gosto da vizinhança.
No Centro Histórico mudaram todos, as pessoas foram saindo. Não agüentavam os maconheiros, foram todos saindo. Só tem uma moça para cima da minha casa, mesmo assim, quer mudar de lá. Só o que me incomodava eram os maconheiros. Cheguei a falar que ia chamar a polícia e saiu todo mundo correndo.
Mesmo com o movimento ficaram fumando na calçada.

Sr. Antônio Lucas da Costa - comerciante no Centro Histórico, e atual morador do Cuiabá
"Nasci em Tiradentes, sou a 4ª geração da fundação da cidade. Nunca saí daqui. Minha bisavó tinha 30 escravos e tirava ouro na cidade. Já era descendente da região. Ela morava na fazenda, hoje o Sítio do Ipê. A casa existe até hoje. Sou nascido na propriedade dela. Os herdeiros estão conservando. Nossa família é
grande, uns foram embora e não voltaram mais. Não tenho vontade de mudar daqui, pois é tranqüilo. O bairro do Cuiabá antigamente era um grande bairro. Tinha uma casa de santeiro, onde fazia santo. Após a morte de Tiradentes doze famílias ficaram tomando conta da cidade.
Nós trabalhávamos de lenhador. Meu pai fornecia lenha para a Maria fumaça. A lenha era da região. Meu pai já preservava e deixava as árvores crescerem de novo.
A área de Tiradentes é bem preservada pelo povo. As pessoas que vem de fora conservam as matas. São pessoas conscientes e que preservam a cidade. A convivência é harmoniosa. Quem quis mudar a cidade não teve aceitação. Tenho um bar na rua direita que tem quarenta anos. Antes vendia para lavradores, carvoeiros, tropeiros, lenhadores, no armazém vendia remédio, instalações elétricas, café.
Depois de dez anos, no governo de Israel Pinheiro, ligaram Tiradentes a São João. A cidade era isolada até então. Após esta estrada, os visitantes passaram a vir para cá. Hoje temos grande parte do turista freqüentando a cidade. Gosto do turista que vem admirar a cidade, que nossos antepassados fizeram com tanto carinho. O turista quer preservar a cidade. Tiradentes mudou muito, muitas famílias, cresceu a cidade que vivia de lavoura. Hoje o povo vive do turismo, se não investir no turismo não há como recebê-lo. O turismo está dando certo. Alguns invasores querem construir de uma forma que a cidade não adapta. O governo precisa ajudar a conservar. Tenho medo do crescimento elevado de Tiradentes, pois pode trazer problemas. Estamos levando esta questão para as autoridades para não deixar crescer demais a cidade.
Não gostei do carnaval na cidade, pois apesar de trazer dinheiro, a cidade é pequena e não comporta tanta gente. Tira a característica da cidade. Este ano melhorou um pouco.
O turismo foi divulgado pela Rede Globo. As pessoas gostam de vir para cá, por ser antigo. Os filmes, novelas gravadas aqui fizeram o Brasil querer conhecer Tiradentes. Lutei muito para a restauração da Matriz. Tive que enfrentar setenta e duas pessoas. As pessoas da irmandade são conscientes, porém padres, vereadores, não tomam conscientes. Só querem explorar o turismo."

7 - Considerações Finais
Analisando os depoimentos dos cinco moradores escolhidos para a pesquisa deste trabalho, percebemos que a atividade turística que movimenta Tiradentes, de modo geral, é vista com aprovação por todos os entrevistados, que reconhecem os benefícios gerados por ela, como o aumento da infra-estrutura local e a geração direta de empregos e renda.
O grande afluxo de turistas na cidade também se revela como um impacto positivo, criando oportunidades econômicas e proporcionando uma interação entre os "de fora" e os moradores, que apreciam este contato, além de revitalizar a cultura local, principalmente o artesanato. Outro ponto de destaque em seus relatos ressalta que o turismo é fundamental na conservação da cidade, agindo como colaborador na preservação do patrimônio histórico edificado, fator de reconhecimento por parte da comunidade local.
Durante as entrevistas com os moradores, constatamos que há opiniões divergentes quanto à saída de algumas famílias do Centro Histórico, caracterizada por muitos, como exclusão social e conseqüência da especulação imobiliária. No entanto muitas famílias que venderam suas casas no centro e compraram
residências em outros bairros não se consideram prejudicadas ou arrependidas, mas beneficiadas, por terem adquirido novas residências e não terem tido de arcar com as despesas da preservação de imóveis tombados. Assim, vêem a mudança de forma positiva, o que demonstra a importância da atuação do órgão de proteção ao patrimônio enquanto agente transformador na comunidade.
O contato entre turistas e nativos, aparentemente harmonioso, revela algumas contradições. Em sua maioria, os moradores gostam dos turistas, mas há um conflito sutil gerado pela competição por espaço na cidade. Alguns moradores se sentem excluídos, em função de a maior parte das atividades de lazer e eventos serem direcionados aos turistas. Todos lamentam a falta de lazer para o morador, principalmente para o jovem, que não tem poder aquisitivo para freqüentar os bares, restaurantes e eventos que ocorrem na cidade, e por este motivo, a comunidade se sente afastada de seus bens culturais e meios de produção, o que gera certo ressentimento local.
Algumas situações provocam disputas entre moradores e turistas, em função de choques culturais, desigualdades econômicas, diferenciados padrões de comportamento e ocupação de espaços físicos, situações estas, que fazem parte do jogo de relações interculturais. Estes impactos precisam ser minimizados, para evitar uma ruptura nas relações até então consideradas amistosas.

Abstract
This paper approaches the perception of sociocultural impacts imposed by tourism in Tiradentes, MG. This is accomplished through a O artigo aborda a percepção de impactos socioculturais provocados pela atividade turística na comunidade de Tiradentes - MG, através de um recorte da vida de moradores e de
como estes se relacionam com as mudanças. Em uma primeira fase foram aplicados questionários e, posteriormente, foram selecionados alguns perfis para entrevistas, focadas em suas histórias de vida, visando resgatar o passado da cidade e de seus moradores. Os entrevistados são pessoas comuns que, em suas trajetórias, vão reelaborando seus espaços, adaptando-se às novas dinâmicas sociais, e integrandose com a chegada de turistas na cidade. Os depoimentos refletem relações complexas entre os "de fora" e os nativos, revelam a transformação dos valores e comportamentos, o conflito sutil entre culturas, a alteração nos padrões de consumo, a transformação da identidade cultural e a exclusão social, entre outros efeitos que são provocados pelo desenvolvimento rápido do turismo.

Keywords: Life histories. Tiradentes. Tourism.

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1 Mestranda em Turismo e Meio Ambiente pelo Centro Universitário UNA. Especialista em Agência de 
Viagem e Transportadora e professora universitária na área de Turismo. gisela@mgconecta.com.br
2 Mestranda em Turismo e Meio Ambiente pelo Centro Universitário UNA. Especialista em Turismo, Hotelaria e Entretenimento pela Fundação Getúlio Vargas. Coordenadora do curso de Pós-graduação em Gestão de Empreendimentos Hoteleiros Senac Minas.cmbdf@hotmail.com
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