São João del-Rei, Tiradentes e Ouro Preto Transparentes

a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

ser nobre é ter identidade
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O Casarão do Comendador e o Museu Regional de São João del Rei . A construção da identidade nacional

Descrição

A construção da identidade nacional

No Brasil, com a instauração do Estado Novo (1937 - 1945), a reforma administrativa foi ampliada, e o Estado passou a ser apresentado como o representante legítimo dos interesses da nação, por sua vez entendida como “indivíduo coletivo”. Maria Cecilia Londres Fonseca, em seu livro O Patrimônio em Processo; trajetória da política federal de presetvação no Brasil, afirma que a partir do Estado Novo, com a instalação, mais que de um novo governo, de uma nova ordem política, econômica e social, o ideário do patrimônio passou a ser integrado ao projeto de construção da nação pelo Estado¹. A temática do Patrimônio surge, segundo a autora, assentada em dois pressupostos do movimento modernista, enquanto expressão da modernidade: o caráter ao mesmo tempo universal e particular das autênticas expressões artísticas e a autonomia relativa à esfera cultural em relação às outras esferas da vida social.
A questão da identidade Nacional era um tema comum a praticamente todos os grupos modernistas, que se expressavam, em suas manifestações mais elaboradas, através de uma visão crítica do Brasil europeizado e da valorização dos traços primitivos de nossa cultura, até então tidos como sinais de atraso. Para os modernistas, Minas Gerais se constituiu, desde a segunda década do século passado, em pólo catalisador e irradiador de idéias. Foi em viagens a Minas que descobriram o barroco como emblemático, e como a primeira manifestação cultural tipicamente brasileira, além da necessidade de proteger os monumentos históricos. 
No ano de 1924 ocorreu a famosa viagem dos modernistas às cidades mineiras que gerou o conjunto de representações, ligadas a conceitos de patrimônio e de identidade nacional. Este grupo era composto pelo casal Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, o poeta francês Blaise Cendrars, pseudônimo literário de Frédéric-Louis Sauser, Mário de Andrade, Olivia Guedes Penteado, Godofredo da Silva Teles e René Thiollier. Tendo como ponto de partida a Semana Santa em São João dei-Rei, passaram ainda por Tiradentes, Ouro Preto, Divinópolis, Congonhas do Campo, Mariana, Saberá e Belo Horizonte².
Mário de Andrade, o maior nome do modernismo, serviu de elo entre os vários intelectuais modernistas de todo o pais através de seus contatos pessoais, viagens e correspondências. A preocupação em valorizar o popular foi, sem dúvida, um traço marcante na sua obra, tanto cultura! quanto institucional: o popular enquanto objeto e o povo enquanto alvo. Ele considerava que o valor histórico deveria prevalecer e que o objeto seria tombado por esse mesmo valor histórico. A preocupação maior de Mário de Andrade não se restringia à conceituação de patrimônio, mas também dizia respeito à caracterização da função social do órgão, o que implicava detalhar atividades que facilitassem a comunicação com o público. Dizia ele que “defender o patrimônio histórico e artístico é alfabetização”. Em sua atuação como homem público não dissociava produção e coletivização do saber.
Atendendo ao Ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanarna, durante o Governo de Getúlio Vargas, elaborou um anteprojeto onde desenvolveu uma concepção de patrimônio extremamente avançada para seu tempo. O anteprojeto de Mário definia com clareza o alcance e os limites da participação social na construção dos patrimônios históricos e artísticos, apontando as diferenças e as pecuilaridades nos níveis nacional e local e caracterizando a função social do intelectual como mediador entre os interesses populares e o Estado. A primeira versão apresentada por Mário de Andrade, foi formulada de forma definitiva no decreto-lei 25 de 1937, de autoria do advogado, jornalista e contista Rodrigo Melo Franco de Andrade, tratando o tema de forma abrangente e articulada, propondo uma única instituição para a proteção de todo o universo dos bens culturais, recrutando intelectuais que assumiam em suas respectivas áreas posturas inovadoras. 

¹Fonseca, Maria Cecíha Londres. O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de preservação no BrasiL 2 ed. Rio de Janeiro: Editora IJFRJ; MinC — IPHAN, 2005.

²FLORES, RaIf José Castanheira. São João dei-Rei: tensões e conflitos na articulação entre o passado e o progresso. Escola de Engenharia de São carlos — USP — São Cados — SP, 2007 (arquivo digital).

As diferenças entre Mário e Rodrigo residiam no modo como viam a ação cultural enquanto ação política. Se para Mário a preocupação de socializar o saber era um imperativo ético, com raízes profundas na sua formação cristã, Rodrigo e seus colaboradores, embora considerassem essa tarefa imprescindível ao sucesso da proteção, fizeram do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — SPHAN, por razões de estratégia política e de princípio, uma instituição eminentemente técnica, que desenvolvia um trabalho altamente especializado e de grande responsabilidade científica e social, na medida em que era juridicamente responsável pela constituição do patrimônio histórico e artístico nacional e penalmente responsável pela proteção dos bens tombados.
O SPHAN começou a funcionar experimentalmente em 1936, já sob a direção do próprio Rodrigo Meio Franco de Andrade e, através da lei nº 378 de 13 de janeiro de 1937, passa a integrar oficialmente a estrutura do Ministério da Educação e Saúde (MES).
O primeiro gesto de adesão ao ideário modernista no MES foi com relação á arquitetura, ao apoiá-la e, ao mesmo tempo, utilizá-la para a criação de símbolos de uma nova era. Além de serem os construtores desses simbolos foi no SPHAN que os arquitetos modernistas atuaram enquanto integrantes da estrutura institucional montada pelo Estado Novo. Nos anos de 1930, a arquitetura moderna, recém introduzida no Brasil e praticada por arquitetos que tinham ligações pessoais com os modernistas, recebeu apoio oficial através de Gustavo Capanema, com a nomeação de Lúcio Costa para a direção da Escola Nacional de Belas Artes e a construção do novo prédio do Ministério da Educação e Saúde, o Palácio Gustavo Capanerna, que se converteu no monumento aos novos tempos.
O movimento que os modernistas fizeram na direção da tradição, foi feito também no campo da arquitetura individualmente por Lúcio Costa, a partir de 1928, ao passar da adesão ao estilo neocolonial para a arquitetura moderna. Seus seguidores procuraram produzir uma arquitetura que, inspirada nessas raízes, terminou por se converter em uma cópia cujo efeito era evocar o passado. Lúcio Costa procurou, porém, fazer uma análise mais profunda dos princípios da arquitetura colonial brasileira. Fez, portanto, um movimento inverso dos modernistas do início dos anos 1920, para chegar ao mesmo ponto: integrar modernidade e tradição a partir de uma reflexão sobre a especificidade de seu campo profissional e de sua relação com a realidade brasileira.

A “musealização’ do patrimônio.
Márcia Regina Romeiro Chuva, em Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40), afirma que o grupo de intelectuais mineiros que esteve engajado no processo de institucionalização do SPHAN, tais como Rodrigo M. F. de Andrade, na direção, Carlos Drummond de Andrade, como seu chefe de gabinete, vinculados a Gustavo Caparema, no ministério da educação e saúde, constituíram uma teia, uma “rede mineira” de agentes cujos laços pessoais passavam pelo sentimento de pertencimento à “mineiridade”. Essa centralidade mineira, a que se refere a autora, configurou-se também, nas representações acerca do patrimônio histórico e artístico nacional, onde a produção artística e arquitetônica do século XVIII de Minas Gerais não somente foi consagrada, como considerada paradigmática e modelar para o restante do Brasil, cujo patrimônio passou a ser analisado e comentado à luz do patrimônio mineiro — padrão de qualidade a ser buscado.
A um só tempo, o patrimônio passa a ser metaforicamente representado, como a base concreta de sustentação da “identidade nacional” conferindo objetividade à nação através de sua materialização em objetos, prédios e monumentos, entre outros.
Lúcio Costa a pedido de Rodrigo M. F. de Andrade viajou para São Miguel das Missões a fim de averiguar o estado em que se encontravam as ruínas das antigas missões jesuíticas. Ao retomar propõe a constituição de um pequeno museu para “dar ao visitante uma impressão tanto quanto possível aproximada do que foram as Missões” (CHUVA, 1995). O Museu das Missões, criado em 1940 pelo Decreto-lei nº 2077, se tornou um “padrão-ideal para os museus regionais monográficos que o SPHAN iria organizar” com função educativa, tendo sempre em vista o alcance popular.
Nessa mesma linha foram idealizados o Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, e o Museu do Ouro, em Sabará, ambos em Minas Gerais, respectivamente, criados pelo Decreto-lei n° 965, de 1938 e pelo Decreto-lei n° 748 de 1945. Persistindo, na temática mineira, no segundo governo de Getúlio Vargas foi alado o Museu do Diamante pela lei n°2200, de 12 de abril de 1954, na cidade de Diamantina, também em Minas Gerais.
A
criação de museus vinculados ao SPHAN, no Governo de Getúlio Vargas, período do Estado Novo (1937 — 1945), teve um caráter estruturante das concepções e práticas que vinham se constituindo. Buscava-se formular uma vertente museológica para o SPHAN, que conjugasse as representações espaciais que ao imóvel-sede do museu pudessem ser atribuidas, com o acervo que nele seria exposto. Os monumentos e os objetos móveis, ambos como semióforos, tomavam-se também ícones da idéia de cultura. Nesse sentido, a “coletividade” que a nação representava devia ser protegida através da conservação daquilo que ela possuísse. Os objetos recolhidos aos museus mudavam do status de propriedade particular, objetos de um tempo passado, para o status de arte, passando a ser incluídos como parte integrante da cultura tradicional da nação. Dessa forma, proteger o patrimônio cultural como propriedade pertencente à coletividade do grupo-nação, implicava em fazer o inventário do que se possuía, a aquisição de tudo aquilo que se mostrasse autêntico, genuíno e representativo do ser nacional e a proteção, pelo isolamento dessa propriedade por regras especiais e pela construção de museus nacionais, onde deveriam ser expostos. (CHUVA, 1995).
Esses foram passos decisivos para a consagração do tempo recortado como origem da nacionalidade e seus icones. Foram valorizadas as temáticas relativas ao período colonial, como mais um exemplo dos inúmeros investimentos feitos no sentido da consagração e do reconhecimento da história contada pela agência estatizada, reafirmando as Minas Gerais do séc. XVIII como marco desse processo de fundação na nação. Além disso, na proposta de museus temáticos, esse investimento caracterizou-se pela conjunção dessa história selecionada numa materialidade que a autenticava, através de objetos tanto arquitetônicos quanto imóveis.

O Casarão do Comendador e o Museu Regional de São João delRei

O Casarão do Comendador.
Na década de 1940, o IPHAN inicia o processo de tombamento do casarão, exemplar da “autêntica arquitetura brasileira de estilo imperial”, mas sofre pressão dos proprietários que pretendiam construir outro prêdio no local. Vendida em 1946 a uma firma de construção são-joanense, a CIMOSA, a casa começou a ser demolida para no terreno ser construído um hotel. Conseguindo sustar a demolição, o SPHAN tomba o prédio em agosto daquele ano e, logo após, se dá a sua desapropriação por determinação presidencial.
Enquanto prosseguia a campanha pela imprensa contra o SPHAN, no ano de 1946, afirma Flores (2007), a bancada udenista de Minas Gerais encaminhou à Assembléia Nacional Constituinte requerimento para que o Ministério da Educação fundasse na cidade um museu histórico. A reação da população foi imediata: enquanto aceitavam a iniciativa do museu, eram contra a sua localização, chegando mesmo a sugerir outros locais para a sua implantação.
A campanha dos partidários da empresa CIMOSA conseguiu aglutinar várias personalidades locais, o que aponta como a ação do grupo do Patrimônio passava longe dos interesses e de um envolvimento com a população. Ainda de acordo com o autor, o programa de ação do SPHAN não havia sido difundido ou debatido nem com a população local, nem com os grupos detentores do poder. A cidade no entendimento do SPHAN fazia parte de algo mais importante que ela própria, uma vez que seu acervo arquitetônico histórico era uma peça fundamental no conjunto de símbolos da nação.
“para se criar uma cultura nacional havia que desconsiderar os vínculos entre cada um dos elementos que compunham esta cultura e as condições locais que os originaram. Havia que, paradoxaimente, desregionalizar cada um destes elementos, destacá-los de suas raízes, de suas peculiaridades e idiossincrasias. Havia que abstrai-los, para assim poder precisar o que seria sua verdadeira “essência” nacional.” (FLORES, 2007, p.177)

O Museu Regional de São João dei-Rei.
Prevalecendo a autoridade do SPHAN, a partir de 1947, parcialmente destruída, a edificação passa por uma longa restauração a fim de abrigar um Museu Regional. A partir de 1954, ano de conclusão das obras, se inicia a aquisição do acervo. Num primeiro momento se forma o núcleo arquivístico com a transferência dos documentos cartotiais dos séculos XVIII e XIX, pertencentes à antiga Comarca do Rio das Mortes. À semelhança do que fora feito em outras cidades históricas, dava-se início a um setor de pesquisa, colocando à disposição dos estudiosos documentos fundamentais para o conhecimento da história mineira. Aos poucos, o museu vai constituindo o seu acervo com objetos na maioria procedentes da região. Aberto à visitação pública a partir de 1963, o Museu Regional apresenta como resultado uma exposição que contém testemunhos significativos de aspectos da vida mineira nos séculos XVIII e XIX exibindo um acervo composto por coleções de imaginária, mobiliário, pinturas, máquinas, equipamentos de trabalho, instrumentos musicais e meios de transporte.
O museu não buscaria reconstruir o ambiente onde aconteceu a vida da elite local, recolhendo objetos notáveis, nem tampouco exaltando algum episódio da “História Nacional”. O objetivo do Museu Regional serva mostrar o importante momento dentro da evolução das artes, maiores e menores, no Brasil e tornar conhecida pelo público a evolução das idéias e da produção artísticas e arquitetônicas brasileiras.

O Tombamento
O tombamento é um instrumento administrativo com vistas a proteger esses bens ou sítios considerados relevantes para o patrimônio cultural ou natural. São as medidas legais adotadas para manter as características essenciais dos bens materiais, que o identificam e a partir das quais ele foi valorado. O bem tombado se mantém sob a posse e propriedade originais, porém, não pode ser destruído ou descaracterizado, garantindo-se, desta forma, a sua preservação.

A implementação de ações de proteção do “patrimônio nacional” foi estratégica para a ampliação das redes territoriais na formação do Estado e para a construção de sentimentos de pertencimento a uma comunidade nacional imaginada, na medida em que essas ações geraram uma territorialização particular da nação, garantindo a permanência, no tempo e rio espaço, de objetos monumentalizados. (CHUVA, 1995).
Além do Decreto, a própria Constituição Federal, especialmente nos artigos 215 e 216 definem o Estado como responsável pelo apoio, valorização à difusão das manifestações culturais, garantindo a todos o pleno exercício dos direitos culturais, e dispõe sobre a competência do Poder Público para promover a proteção do patrimônio cultural local, respectivarnente.

Arquivo: Museu Regional
 

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