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O planeta urbano . Veja
Descrição
As oportunidades e os desafios de um mundo em que , pela primeira vez , mais da metade da população vive nas cidades.
Estação Sé , em São Paulo: a extensão da malha de metrô da capital paulista é um sexto da londrina: o transporte define a qualidade de vida nas megalópoles .
Duzentos anos atrás , apenas 3% da população mundial vivia em cidades . Há um século , na esteira da Revolução Industrial , a porcentagem tinha subido para 13% – ainda uma minoria em um planeta essencialmente rural . Em algum momento deste ano , de acordo com estimativas das Nações Unidas, pela primeira vez na história o número de pessoas que vivem em áreas urbanas ultrapassará o de moradores do campo . Segundo o mesmo estudo , nas próximas décadas praticamente todo o crescimento populacional do planeta ocorrerá nas cidades , nas quais viverão sete em cada dez pessoas em 2050. A população rural ainda deve aumentar nos próximos dez anos , antes de entrar em declínio gradativo . A atual migração para as cidades é de tal ordem que se pode compará-la, de forma alegórica, a um novo salto na evolução . O Homo sapiens cedeu lugar a seu sucessor , o Homo urbanus.
O que move a humanidade em direção à vida de colméia? Estima-se a idade do homem moderno em 130 000 anos . A agricultura e a vida sedentária , que permitiram viver em aldeias ou vilas , existem há apenas 11 000 anos . Cidades da forma que as conhecemos hoje só apareceram 5.500 anos depois na Mesopotâmia e no vale do Rio Nilo, no Egito. Desde cedo , a cidade teve o mérito de dar ao homem a possibilidade de evoluir além da luta pela sobrevivência pura e simples . Sua primeira função foi de local de proteção , de armazenagem de alimentos e de entreposto de trocas . A segurança urbana permitiu o desenvolvimento do trabalho especializado, que liberou as pessoas para se engajar em atividades como as artes , a ciência , a religião e a inovação tecnológica . A lei é a essência da vida urbana desde os tempos babilônicos . Primeiro , porque as cidades são centros de comércio , e essa atividade exige regulamentos . Segundo , porque elas atraem diferentes tipos de morador, que precisam viver juntos e dependem de normas comuns de comportamento . "É graças a esse convívio que o ser humano desenvolve sua capacidade de criação e inovação ", diz a arquiteta Raquel Rolnik, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas .
O filósofo grego Platão, no diálogo Fedro, diz que o campo e as árvores nada podem lhe ensinar , ao contrário dos homens da cidade . É uma afirmação exagerada, mas que mostra o princípio básico pelo qual os seres humanos habitam as áreas urbanas. O lugar que melhor sintetiza a urbanização em escala global é a megalópole . Esse é o nome que se dá aos aglomerados urbanos com mais de 10 milhões de habitantes . Um em cada 25 habitantes do planeta vive em uma das dezenove megalópoles existentes. Seus moradores desfrutam uma vasta gama de serviços especializados, comércio disponível noite e dia , programas culturais para todos os gostos , infinitas alternativas de lazer – mas o trânsito pode ser tão congestionado que se torna difícil usufruir as ofertas ou a preocupação com a segurança é tal que obriga os pais a criar os filhos sob um controle extenuante. Essa situação é agravada pelo fato de quinze desses gigantes estarem localizados em países pobres ou emergentes . Em menos de vinte anos , quando as megacidades forem 27, pelo menos 22 estarão em países em desenvolvimento .
As cidades geralmente representam um peso desproporcional na economia nacional . A Grande São Paulo responde por 21% do produto interno bruto do Brasil. Sua produção de riquezas supera a soma das do Peru , Paraguai, Uruguai, Bolívia e Equador . Mumbai é responsável por 40% da arrecadação de impostos na Índia . O prefeito de Tóquio representa mais eleitores que o presidente de Portugal. Se nos últimos séculos os países foram os principais eixos da economia mundial, hoje esse papel cabe às metrópoles . Não é difícil entender alguns fatores básicos que contribuem para isso . A densidade populacional ajuda a reduzir os custos de produção e, ao mesmo tempo , concentra enormes mercados consumidores de bom poder aquisitivo. A convivência e a diversidade cultural também catalisam os processos de inovação , um dos motores do capitalismo . Uma equipe da Universidade de Loughborough, na Inglaterra, mapeou o que chamou de "cidades globais ". Foram identificadas 55 cidades , de Seul a Santiago do Chile, que servem não somente como centros financeiros nacionais , mas também como pontos de conexão de pessoas e empresas em escala mundial. Em comum elas têm grandes mercados consumidores , os melhores serviços para o desenvolvimento de empresas multinacionais e são cenário para a tomada de decisões a respeito da economia internacional . As trinta principais cidades da lista abrigam apenas 4% da população mundial, mas são responsáveis por 16% da riqueza produzida. Nas palavras da americana Saskia Sassen, da Universidade Colúmbia e autora de A Cidade Global : "Se alguém quer levar seu produto ou serviço para além de suas fronteiras nacionais , fatalmente terá de passar por uma dessas cidades ".
O continente em que a urbanização ocorre de forma mais rápida é a África. Nos países mais ricos , a supremacia numérica dos moradores das cidades é um fato consolidado desde os anos 50. Nas últimas décadas , guerras e secas ajudaram a empurrar as pessoas para as cidades africanas. Lagos , na Nigéria, é a metrópole de mais rápido crescimento do mundo e também uma das mais faveladas. De acordo com a previsão da ONU, um terço dos deslocamentos populacionais dos próximos trinta anos deve ocorrer na Índia e na China, os países mais populosos do mundo . Metade dos futuros migrantes vai se alojar em cidades médias , com até 500.000 habitantes . Elas têm uma oportunidade rara : a de não repetir os erros das atuais megalópoles .
De modo geral , há desafios comuns às grandes concentrações urbanas. Um deles é o trânsito , que pode definir a qualidade de vida de uma cidade . São Paulo, nesse sentido , é um dos piores lugares para morar . Com apenas 0,01% do território brasileiro , concentra 12% de todos os veículos existentes no país . A quantidade não é o único problema . Boa parte dos paulistanos depende de veículos particulares para ir ao trabalho ou levar os filhos à escola . A solução é evidente : um bom sistema de transporte público . Mas isso pode não ser suficiente , porque as pessoas preferem o carro . Uma pesquisa com americanos mostrou que 83% dos entrevistados preferiam morar distante e depender do carro a viver em uma região central e usar o transporte público . Nesses casos há recursos mais radicais . Cingapura foi a primeira a cobrar pedágio dos veículos que trafegam em sua área central . Londres e Oslo copiaram a medida . A prefeitura de Nova York tentou seguir o exemplo , mas na semana passada o projeto foi rejeitado pelos vereadores . "As cidades precisam fazer os motoristas pagar pelos custos que seus carros impõem à sociedade ", diz o engenheiro brasileiro Paulo Custódio , consultor de transporte público e professor da Universidade de Shandong, na China. Há problemas que são mais graves em um lugar que nos outros . A poluição do ar em Pequim, por exemplo , é tão intensa que ameaça o desempenho dos atletas na Olimpíada deste ano .
Dificuldades próprias da pobreza , como as favelas , são mais agudas no Terceiro Mundo . "Na maioria dos países emergentes , o crescimento das cidades acontece sem nenhum planejamento , criando enormes espaços de pobreza ", diz o brasileiro Ivo Imparato, especialista em urbanismo do Banco Mundial, em Washington. Existe solução para as áreas faveladas? O brasileiro Jonas Rabinovitch, conselheiro de governança da ONU que tem no currículo a reconstrução de Cabul, a capital do Afeganistão, destruída pela guerra civil , diz que a melhor estratégia não é combater ou tentar erradicar as favelas , e, sim , urbanizá-las. O subsídio do governo também é necessário porque a população mais pobre tem muita dificuldade para obter linhas de crédito . "Não se trata de paternalismo , pois boa parte dos moradores de favela tem condições de pagar um aluguel e o faz", disse Rabinovitch a VEJA. Nos últimos oito anos , a prefeitura de Medellín, na Colômbia, empreendeu um dos mais conhecidos programas de urbanização de favelas . Foram construídas escolas , postos de saúde , bibliotecas e alternativas de lazer ao botequim . E também instalados dois teleféricos que conectam o morro com o metrô .
Nem todas as cidades podem encontrar seu lugar no primeiro time da globalização . Algumas são pobres demais para isso ou carecem de indústrias ou dos serviços necessários . Outras ainda precisam resolver problemas elementares , como falta de água , luz e esgoto . O que está claro no planeta urbano é que nenhuma metrópole está condenada, por pior que pareça sua situação . Ao contrário , o fenômeno mais surpreendente é o das cidades que se reinventam. O melhor exemplo é Bilbao, antigo pólo industrial decadente na Espanha. O arquiteto americano Frank Gehry projetou um prédio extravagante para o museu Guggenheim, que serviu para transformar a imagem da cidade em uma metrópole ultramoderna. Animada com o exemplo , Abu Dhabi, nos Emirados Árabes , está construindo suas próprias filiais do Guggenheim e do Louvre. Dubai, o emirado ao lado , foi além : a cidade foi reconstruída com praias e ilhas artificiais , canais que lembram os de Veneza e, para servir de cartão-postal , um magnífico hotel dentro do mar , cujo formato lembra a vela de uma embarcação do Golfo Pérsico. O homem quer tanto viver em cidades que as constrói até no deserto .
Fonte: Revista Veja 16/04/2008
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