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Contexto histórico e cultural de São João del-Rei . Rogério Medeiros Garcia de Lima

Descrição

Rogério Medeiros Garcia de Lima/Sobre o autor e outros artigos de sua autoria

(São-joanense. Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Universitário. Autor de livros e artigos jurídicos. Cronista. Sócio correspondente da Academia de Letras e sócio benemérito do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. Artigo publicado na coletânea Academia de Letras de São João del-Rei 50 anos. 1971-2021, São João del-Rei/MG, 2021, p. 247-272).

Este artigo celebra os cinquenta anos da fundação da Academia de Letras de São João del-Rei. Agradeço aos organizadores da revista pelo convite para prestar a minha pequena colaboração. Reafirmo a incomensurável honra de ser sócio correspondente desta notável instituição arcádica da querida terra natal.

I – Os primórdios

No final do século XVII, ao se iniciar o declínio do ciclo da cana-de-açúcar, foram encontrados os primeiros veios de ouro em Minas Gerais.

O centro econômico da antiga colônia portuguesa foi deslocado do Nordeste para estas plagas mineiras. No lugar dos antigos engenhos, com suas casas-grandes e senzalas, surgiram e prosperaram centros urbanos. Um dos mais prósperos, desde então, é a nossa pujante cidade de São João del-Rei.

Com efeito, no limiar do século XVIII o bandeirante Tomé Portes del-Rei, paulista de Taubaté, acampou às margens do Rio das Mortes, no local chamado “Porto Real da Passagem”, onde se atravessava o rio em pequenas embarcações.

Assinalou ANTONIO GAIO SOBRINHO, de quem sou incansável leitor e admirador:

“Tomé Portes del-Rei, em fins do século XVII, assentou moradia à margem esquerda do Rio das Mortes, tendo merecido, no ano de 1701, ser designado para o cargo de guarda-mor distrital para a cobrança dos quintos reais devidos a passagem do Rio das Mortes, no Porto Real. A ele coube a dita de assistir a fundação do Arraial Velho de Santo Antônio, em 1702, antes de ser, neste mesmo ano, assassinado por alguns de seus pajens e escravos. De modo que ele pode e deve ser considerado o iniciador do povoamento desta região e o fundador da atual Cidade de Tiradentes.

“Quanto ao Arraial Novo, embrião da Vila e posterior Cidade de São João del-Rei, o certo é que sua fundação ocorreu em 1705, quando era autoridade regional o genro e sucessor de Tomé Portes, Antônio Garcia da Cunha, quem, por esta razão, como brilhantemente arrazoou Fábio Nelson Guimarães, pode e deve ser considerado o fundador de São João del-Rei”.

O diminuto núcleo nascente prosperou subitamente, quando foram achadas jazidas de ouro na região do Córrego do Lenheiro. A cobiça pelo precioso metal provocou a Guerra dos Emboabas, conflito sangrento entre paulistas e portugueses.

“Emboaba” – ou “perna cabeluda” - era a designação pejorativa aposta aos portugueses e forasteiros, que vieram disputar as minas de ouro. Em meio aos encarniçados combates ocorreu o legendário episódio do Capão da Traição. Os paulistas, diante da ardilosa promessa de trégua dos “emboabas”, depuseram armas às margens do Rio das Mortes. Os portugueses e aliados, escondidos em um matagal (ou capão), abriram fogo contra os paulistas. Inúmeros deles quedaram mortos.

Em 08 de julho de 1713, o arraial foi elevado a vila pelo governador de Minas e São Paulo, D. Braz Baltazar da Silveira (apud BUENO, 2002; FREYRE, 1983; GAIO SOBRINHO, 2013; GARCIA DE LIMA, 2019; SURUAGY e WANDERLEY FILHO, 2000; TORRES, 1980, vol. 1; e VIEGAS, 1969, passim).

II – Criação da Comarca do Rio das Mortes

Em 1714 foram criadas as primeiras comarcas mineiras: Vila Rica, com sede em Ouro Preto; Rio das Velhas, em Sabará; e Rio das Mortes, em São João del-Rei:

“À Comarca do Rio das Mortes foi nessa divisão, para a cobrança do ouro (...), atribuído o dilatado trecho da capitania que se estende do Ribeirão das Congonhas nas divisas da comarca de Vila Rica, até a Vila de Guaratinguetá pela Serra da Mantiqueira ao Sul, não lhe assinalando a linha do oeste, por se tratar, como explica Diogo de Vasconcelos, ‘de sertão desconhecido’” (VIEGAS, 1969:33-34).

Sobre a antiga Comarca do Rio das Mortes, discorreu FRANCISCO BRANT (2009:27, 66 e 67):

“Tamanho era o desmando em Minas que o desembargador José Vaz Pinto, nomeado em 1702 pela Coroa para colocar ordem nos arraiais do ouro, acabou expulso pelos paulistas, depois de se enriquecer escandalosamente com ouro contrabandeado. Ele não teve sucessor de imediato (...) porque o próprio Conselho Ultramarino do governo português capitulou. Os Conselheiros admitiram ‘ser notória a liberdade’ da vida em Minas e recomendaram suspender o envio de novas autoridades, porque não tinham ‘coação para administrar justiça’. (...).

“Em ‘Geografia do Crime – Violência nas Minas Setecentistas’, a historiadora mineira Carla Maria Junho Anastasia narra diversos casos sobre personagens e crimes cometidos na Comarca do Rio das Mortes. Ela explica que, na comarca, a falta de ação pronta da autoridade – localizada em São João del-Rei e distante, portanto, dos ermos da Mantiqueira -; o refúgio de criminosos em esconderijos acobertados; e as disputas em torno de limites entre as capitanias mineira e paulista ‘facilitavam a impunidade e o exercício reiterado do mandonismo bandoleiro’.

“Ainda segundo a historiadora, o que mais estimulava, todavia, o crime era a ausência de autoridade política e administrativa nas áreas ‘interditas’, a ‘terra de ninguém’: no caso, as vastas áreas sem lei do antigo Sul de Minas. Do mesmo modo que os sertões do São Francisco, os da Comarca do Rio das Mortes estavam nesta situação”.

III – Atividades econômicas

Tomé Portes del-Rei e o seu genro e sucessor Antônio Garcia da Cunha eram encarregados da cobrança dos quintos reais, devidos pelos que atravessavam o Rio das Mortes, no Porto Real.

O desbravamento do território das Minas do Ouro foi “um novo descobrimento do Brasil, mais importante talvez, para a Metrópole, do que o de 1500” (GAIO SOBRINHO, 2000:25).

Segundo JOÃO CAMILO DE OLIVEIRA TORRES, as consequências da descoberta do ouro foram muito importantes para a vida brasileira (1963:32):

“Primeiramente o aumento da população no interior do país, e o aparecimento de uma sociedade rica, necessitando ademais de elementos importantes para o desenvolvimento da indústria aurífera, como ferramentas, animais de carga e, triste contingência dos tempos – de escravos, isto criaria uma área de comércio no interior do Brasil, ligando regiões por vezes muito distantes uma das outras, mas interessadas em vender seus produtos para Minas Gerais. Para que se tenha uma ideia exata da importância deste comércio para Minas, basta lembrar que, no sul do Brasil, surgiu uma intensa criação de muares para vender em Minas – ou, então, o caso do Rio de Janeiro que, de reprente, tornou-se o porto de Minas, por onde entravam as mercadorias vindas da Europa para serem consumidas pelos homens que tiravam o ouro do fundo dos riachos”.

Contudo, o ciclo aurífero foi fugaz. Após a Independência, os mineiros, no Império, deixaram em parte a vida de mineração. Não seriam mais mineiros:

“Não que abandonassem completamente as velhas e ilustres cidades do ouro. Não que deixassem de mineirar. Sempre se tirou ouro, diamantes, sempre se faria a exploração do ferro. Mas, tudo reduzidamente, pois as riquezas antigas achavam-se praticamente exauridas, enquanto que novas formas surgiam. Por outro lado, se em Itabira e alguns lugares produzia-se ferro, as condições não permitiam a exploração em grande escala. E a mais importante mina de ouro do país, mais tarde de todo o mundo, a mina de Morro Velho, na atual cidade de Nova Lima, junto de Belo Horizonte, passaria a ser explorada por uma companhia estrangeira.

“Os mineiros, então, começaram a cuidar de outras coisas” (TORRES, 1963:65).

Visitando São João del-Rei, no século 19, o francês AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE exprimia (1974:106):

“Outrora a comarca produziu muito ouro; mas hoje é à agricultura e principalmente à pecuária que se dedicam os habitantes da região, favorecidos pela vantagem de serem vizinhos da Província do Rio de Janeiro e de poderem exportar facilmente os seus produtos. Uma grande parte do gado e dos porcos que se consomem na capital do país vão da comarca de S. João e principalmente zona do Rio Grande. A Comarca de S. João D’El Rei fornece também aos habitantes do Rio de Janeiro prodigiosa quantidade de toucinho e de queijos, algodão em rama, tecidos grosseiros de algodão, carneiros, cabras, açúcar, couros, enfim o fumo produzido no termo de S. Maria de Baependi”.

Também de passagem por aqui, no século oitocentista, apontou o pintor alemão JOHANN MORITZ RUGENDAS (1976:30-31):

“São João (outra cidade do Rio das Mortes), está situada ao pé de uma encosta de montanha nua e rochosa e a cavaleiro do córrego do Tijuco, o qual desemboca mais adiante no Rio das Mortes. Há aqui um contraste impressionante: de um lado, a brancura, a limpeza das casas da cidade, a rica vegetação que cerca as residências dispersas pela encosta das montanhas e pelos vales vizinhos; de outro, rochedos sombrios e uma região árida e selvagem. Isso dá à cidade um encanto particular, que se acresce ainda da atividade de seus habitantes. Todas as ruas são calçadas, as lojas bem providas de mercadorias europeias, de fazendas e artigos de luxo. Não faltam operários de todos os ofícios e os painéis que se veem em algumas igrejas ricas e belas revelam, mesmo, a existência de artistas indígenas.

“Embora haja ouro nas proximidades de São João, e a cidade possua uma fundição, e seja residência dos empregados das minas, ela deve seu bem-estar e seus 8.000 habitantes principalmente ao comércio de outros produtos, comércio mantido pela passagem das tropas do interior e sobretudo das cidades de Favinha e Tamanduá; essa passagem de tropas assegura também os meios de exportação para o litoral. Por selvagens que pareçam as vizinhanças de São João, as plantações dispersas nos vales próximos fornecem grande quantidade de frutas, de legumes, de milho e de pisang. Produzem também tabaco, açúcar e um pouco de lã, ao passo que as montanhas mais afastadas, e as pastagens, abastecem o mercado de São João de gado, porcos, carne-seca e toicinho. Daí são esses artigos levados para o Rio de Janeiro, São Paulo, e outros lugares da costa, onde as tropas trazem, na volta, mercadorias da Europa: sal, vinho e azeite.

“Nas imediações de São João, existe uma aldeia muito agradável, Arraial do Matozinho, à beira da estrada que se toma para ir a São José e Barbacena. Sua bela situação e a vizinhança do Rio das Mortes, já navegável por grandes canoas, permitem prever para essa aldeia um futuro muito mais próspero que o das cidades vizinhas, principalmente São João, que não poderão crescer, dada a sua má situação”.

Nas suas memórias, o professor ANTÔNIO DE LARA RESENDE (1972:49-51), pai do escritor são-joanense Otto Lara Resende, descreveu o cenário da cidade na primeira quadra do século XX:

“Imagino que, tal qual outrora, nas manhãs frígidas de abril até agosto, ainda ressoam, pelas avenidas, ruas e becos, os pregões arrastados e melancolizantes, a cantarolar, sem pressa e a todo peito – bo-le-ei-ro! O-lhem-os-bo-li-nhos-de-feijão! – enquanto sucessiva e gulosamente, portas e janelas se vão entreabrindo para os fregueses, puxando para dentro o ofertante e escolhendo os quentinhos e apimentados bolinhos-de-feijão branco, próprio, único, insubstituível para o café preto, lá mais nos fundos, oloroso e fumegante ao pé do fogo.

“E os vendedores de mocotó convocando também a clientela, já de água na boca ao ouvi-lo monodiando pela rua afora: mo-co-to-ei-ro! mo-co-to-ei-ro!

“E as pobres mulheres, vindas a pé de lá do Arraial do Rio das Mortes, cavando a vida com o bíblico suor a lhes perlar o rosto afogueado pelo sol e pela marcha, esgoelando para dentro de casa por casa: bassora de bascuiá! óia as bassora de bascuiá!

“E sobre as graníticas, leves e graciosas arcadas da Ponte do Rosário, não quer minha recordação dispensar, ainda agora, também vindo, pé no chão, do Rio das Mortes, o vendedor de passarinhos, esvoaçantes e aflitos dentro das gaiolas, aos quais o sexo era mudado sem cirurgia, a poder de simples toque de tinta pretinha na cabecita dos que deviam parecer machos, para prometerem ao comprador que cantariam...”.

Concluo com o professor GAIO SOBRINHO (2000:152):

“O século XX, finalmente, é o século da indústria e vai chegando ao final com o dinamismo que lhe permitem as injunções conjunturais de sua história. É também o século da explosão demográfica e do consequente alargamento de suas fronteiras urbanas. Novos bairros se descortinam, a perder de vista, sobre as várzeas ou ao grimpar dos montes, ricos de belas e modernas edificações. E, malgrado as vicissitudes da hora presente, o gênio são-joanense, fecundo e criativo, insiste sempre na inauguração de arrojadas alternativas, vertentes de futuro”.

IV – O antigo e o moderno em harmonia

LUÍS DE MELO ALVARENGA (1985) discorreu, com invulgar clareza, sobre a harmonia do antigo com o moderno no panorama urbano:

“São João del-Rei é uma cidade antiga, mas não está presa ao passado, com suas ruas tortuosas, suas casas e monumentos coloniais, pois soube harmonizar as coisas antigas com o presente, suavizando as impressões gravadas nas pessoas que a visitam”.

Será sempre convidativo o passeio sentimental sugerido pelo mestre, confrade e amigo EVANDRO DE ALMEIDA COELHO (2020:13):

“Amigo visitante, seja bem-vindo. São João del-Rei, ‘formosa odalisca que abre as portas do sul de Minas’, o espera com prazer. E espera um passeio proveitoso na cidade onde as casas do século XVIII se misturam harmoniosamente com as do século XIX e do século XX. A cidade não parou no tempo e pode ser considerada a mais eclética das que são históricas. Temos muitas tradições, mas acompanhamos a evolução das ideias e das coisas”.

IV – Arte e Religião

No século XVIII, desenvolveu-se a arte em Minas Gerais:

“Muitos fatores colaboraram para isto, como a existência de cidades, cheias de uma população variada e culta, como também à presença de muitas irmandades, ricas e prósperas, procurando rivalizar umas com as outras na construção de igrejas cada vez mais belas e na realização de festas cada vez mais suntuosas. E, naturalmente, ao fato de terem nascido homens de talento” (TORRES, 1963:35).

“Das capitanias brasileiras era certamente a de Minas a que mais motivos dava ao surto deste sentimento e aspiração (de cantar o Brasil, com a mesma intenção com que Camões cantara Portugal). Nos povos, como nos indivíduos, o principal estímulo à autonomia é a consciência, que lhes dá a abastança, de se poderem prover a si mesmos. Descobertas na segunda metade do século XVII, as minas que denominaram a região, e grandemente incrementada nesta a mineração do ouro e do diamante, afluiu-lhe da capitanias vizinhas, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, toda a gente, e foi muita, para quem aquelas julgadas fáceis riquezas eram irresistível chamariz. Assim se começou a fazer a população da Capitania de Minas Gerais, desde então a mais avultada, a mais densa e logo a mais rica do Brasil. como a riqueza cria a cultura, pelas facilidades que lhes proporciona, também a mais culta. (...)

“A riqueza feita a muitos dos seus moradores pela mineração, do mesmo passo que os excitava a uma vida larga e de luxo, largueza e luxo relativos, mas consoantes com o meio, e para ele até ostentoso, movia-os a mandarem os filhos não só a Portugal, mas também a outros países, seguir estudos superiores” (VERÍSSIMO, 1954:107).

Firmou-se o Barroco nestas plagas:

“O Barroco representaria (...) uma reação da Contrarreforma opondo-se ao renascimento pagão e Greco-latino, reação personificada fundamentalmente nas decisões do concílio de Trento (1545-1563) e nos seus principais agentes, os jesuítas. Tais hipóteses têm sido contestadas pela crítica histórica e artísticas, mormente quanto ao papel desses religiosos que, conforme estudos recentes, nunca estabeleceram um estilo para suas igrejas. Além do mais, em países protestantes são encontradas manifestações nitidamente barrocas. Sua religiosidade, porém, é indiscutível, presente na arte e na literatura, principalmente, no tocante a esta última, durante o século XVIII. No Brasil, sua influência foi considerável. Todos os historiadores salientam o caráter barroco da cultura mineira desse século, nas admiráveis esculturas do Aleijadinho ou nas pinturas de Manuel Ataíde” (AZEVEDO, 1990:49).

“Foi nesse ambiente, foi respirando esse ar de inconformismo, que viveu Antônio Francisco Lisboa.

“A construção de templos imponentes e suntuosos, como as matrizes de N. Sª do Pilar de Ouro Preto, N. Sª do Bom Sucesso de Caeté, capelas de S. Francisco de Assis de Ouro Preto e de São João Del Rei, de N. Sª do Carmo de Sabará e de Diamantina, a do Rosário de Vila Rica, o Santuário do Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas etc., foi criando uma espécie de euforia coletiva, um acendrado ufanismo, como dizia Sylvio de Vasconcelos. Daí à reação contra a Coroa foi um passo.

“O próprio contrabando do ouro em pó, que adquiriu proporções incríveis, constituiu uma forma de reação contra a metrópole” (BARBOSA, 1984:17-18; Antônio Francisco Lisboa era o famoso escultor apelidado Aleijadinho).

São João del-Rei foi erguida sobre fartos veios auríferos. A extração do ouro propiciou fortunas, que possibilitaram a edificação de majestosas igrejas: Carmo, Mercês, Pilar, Rosário, São Francisco e outras.

São templos que “conversam” com os fiéis pela “voz” dos sinos. Aqui - assinalou Otto Lara Resende - “os sinos falam”.

Os são-joanenses somos barrocos congênitos. Há mais de dois séculos cultivamos fervorosas tradições católicas. Organizamos inúmeras procissões. Culminam com o Enterro, na Sexta-Feira da Paixão. Desfilam pelas ruas religiosos, sob suntuosos pálios; irmandades em opas; fiéis com velas às mãos; e imagens seculares, sobre esplendorosos andores. A atmosfera se impregna do incenso emanado de turíbulos agitados. Orquestras bicentenárias e coros entoam cânticos sacros. De passo com a religião, a arte aflora com fecundidade.

V – Música e teatro

O surgimento da música data de 1717:

“O maestro Antônio do Carmo liderou uma banda de música no topo do Bonfim, por motivo da chegada do governador D. Pedro de Almeida, o conde de Assumar (Guerra, 1968, p. 15).

“Inaugurava-se, assim, oficialmente, uma de nossas melhores tradições pela qual, com muita honra, esta passou a ser chamada a terra da música. Bandas, orquestras, corais, conjuntos, cameratas e sinfônicas constituem longa série de atividades musicais, cujo maior símbolo são as duas centenárias orquestras, orgulho dos são-joanenses: a Lira Sanjoanense e a Ribeiro Bastos.” (GAIO SOBRINHO, 2000:36, negritos no original).

Depois veio o teatro:

“Intimamente ligada à música e ao canto, e tudo por sua vez à religião, está o teatro. Maravilhosa arte aqui sempre cultivada por grupos de amadores de que servem de exemplo os Discípulos de Talma, os Filhos de Melpômene, o Artur Azevedo e o Tunis.

“O prédio atual do nosso teatro foi inaugurado, em 1893, com a peça Dalila. Wm 1925, após remodelação de seu frontispício, quando tomou a moderna forma de teatro grego, foi reinaugurado com a peça Dança das Libélulas, pela Cia. Clara Weis. Seu mais remoto antepassado foi a Caza da Ópera, de que se tem notícia já em 1792, pelo Livro de acórdãos da Intendência Municipal. (...)

“Em 23 de julho de 1786, em comemoração dos desponsórios do príncipe D. João com D. Carlota Joaquina, realizaram-se em São João del-Rei imponentes festejos, entre os quais três noites de óperas – ‘em teatro firmando para isso no meio do curro, com nobre aparato’ (Cintra, 1982, p. 206)” (GAIO SOBRINHO, 2000:37).

VI – Imprensa e biblioteca

A biblioteca pública foi fundada em 1827:

“Outros setores culturais, em que São João del-Rei também se antecipou foi a criação pelo ilustre benfeitor, Batista Caetano de Almeida, da nossa Biblioteca Pública e do nosso primeiro jornal. A Biblioteca, fundada em 1827, tem hoje o nome de seu fundador e guarda precioso acervo de obras raras. (...)

“Instalou-se inicialmente em uma das salas da Casa de Caridade, atual Santa Casa da Misericórdia e, posteriormente, na Casa da Câmara e Cadeia, edificada em 1848, com a participação do mesmo benemérito Baptista Caetano de Almeida” (GAIO SOBRINHO, 2000:38-39).

São João del-Rei teve o segundo jornal impresso das Minas Gerais:

“O jornal, primeiro de nossa cidade e segundo de Minas, circulou de 1827 a 1839, com o nome de Astro de Minas. Ao ensejo do seu aparecimento, seu coirmão de Ouro Preto, O Universal, assim comentava, em 26 de novembro de 1827:

“‘Periódico verdadeiramente liberal, e que faz honra ao seu Author (...) Ele tem por epigraphe este pensamento de Bonnin: ‘Plus... l’instruction deviendra commune à tous les hommes, plus aussi les delicts seront rares dans la societé’. Bela máxima, sempre verdadeira e atual, que eu assim traduzo: quanto mais acessível a educação se tornar a todos os homens, tanto mais raros se tornarão os crimes na sociedade” (GAIO SOBRINHO, 2000:39, negritos no original).

VII - Educação

Em 30 de janeiro de 1774, instituiu-se, em São João del-Rei, uma “aula-régia de Latim”:

“Parece ter sido a primeira escola pública secundária criada na capitania” (GAIO SOBRINHO, 2000:42).

Vários e renomados estabelecimentos de ensino funcionaram e funcionam na nossa cidade, desde então.

Já no século XX, destacam-se o Colégio Nossa Senhora das Dores, Colégio Santo Antônio, Instituto Padre Machado e Colégio São João (GAIO SOBRINHO, 2000:10), bem como diversas escolas públicas, estaduais e municipais, e o Colégio Frei Seráfico.

A “Escola Estadual Dr. Garcia de Lima” homenageia meu saudoso avô paterno, o médico e educador Euclydes Garcia de Lima.

No ensino universitário, brilham a Universidade Federal de São João del-Rei-UFSJ e o Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves- UNIPTAN.

Remata GAIO SOBRINHO (2000:145-146):

“De tudo que vimos rememorando nesse breve escorço de sua história da educação, podemos concluir que esta é uma cidade que glorificou e enobreceu o Estado Mineiro, que encheu de orgulho os seus filhos, os quais, na trilha deixada por seus ancestrais, não se esmoreceram jamais em amar a cultura e em esforços envidar no sentido de tornar esta ditosa terra verdadeiramente um polo cultural de toda uma vasta região.

“Vimos sempre na educação um autêntico tesouro de Bresa de que fala Malba Tahan, mais precioso que o fulvo metal, que um dia brotou na raiz do capim e no fundo destas betas, qua ainda hoje testemunham nossa origem. Quantos colégios! Que ilimitado número de escolas! Tantas iniciativas estupendas! Muitas não resistiram às vicissitudes e às mudanças históricas. Não lograram se adequar aos novos momentos. Por isso, fecharam ou se transferiram. Mas, São João del-Rei não pára.

“São João del-Rei! Tantas vezes lembrada como lugar ideal para a fundação de aulas, escolas, colégios, cursos, academias e universidades. Eis chegada a sua tão suspirada vez e hora. Não! Não foram inúteis tantos esforços, não se frustrou tanta esperança! A 21 de abril de 1986, anivesário da morte de Tiradentes e Tancredo, o Presidente José Sarney solenemente assina, em uma de nossas mais belas praças públcias, em frente ao mais belo templo de Minas Gerais, mensagem e exposição de motivos do Min. Borhnausen, encaminhando aos legisladores pátrios o tão acalentado projeto de federalização das nossas escolas superiores. O sonho que acalentamos vais se tornar graciosa realidade. À sombra das vetustas palmeiras de São Francisco de Assis, ao sussuro dos gigantescos eucaliptos de São João Bosco, a FUNREI nascia e ensaiava seus primeiros passos corajosamente. Sua criação deu-se com a Lei nº 7.555, de 18 de dezembro de 1986, que federalizou as três faculdades aqui existentes. No ato de sua assinatura, em 23 do mesmo mês e ano, disse o presidente José Sarney: é a mão de Tancredo Neves que está sancionando esta lei!.

“A FUNREI, devemo-la, em primeiro lugar, aos que a sonharam possível, e devemo-la também aos que por ela vêm lutando denodadamente. Devemo-la, sobretudo, à memória de Tancredo de Almeida Neves, presidente do Brasil, tragicamente afastado de tomar posse. Instalada em 21 de abril de 1987, foi seu primeiro direito executivo o professor João Bosco de Castro Teixeira.

“São-joanense! Aí temos um precioso legado. Cabe-nos conhecê-lo, valorizá-lo, defendê-lo e enriquecê-lo sempre mais, para que, de fato e de direito, possamos repetir ao futuro, cheios de verdadeira e merecida ufania: Nós somos uma cidade educativa!” (negritos no original).

VIII – Inconfidência Mineira

OLIVEIRA TORRES (1963:38-46) descreve as Minas Gerais no final do século dezoito:

“Nos últimos anos do século XVIII, as Minas Gerais possuíam uma população estável, laboriosa, variada, culta, espalhada por várias vilas e povoados, próximos uns dos outros, com uma verdadeira opinião pública formada nos encontros de intelectuais em suas casas, na frequência às igrejas, e nas conversas que se travavam nas estalagens e nas estradas, opinião já acostumada a discutir problemas de interesses coletivos nas ‘juntas’ do princípio do século e nas eleições para as câmaras municipais, opinião dotada de um agudo sentido dos assuntos oficiais, sociais e políticos. Podemos dizer que já havia ‘povo’ em Minas, povo no sentido de uma população organizada e dividida em grupos e partidos.

“Como se isto não fosse suficiente, esta população, este povo, já se sentia radicado em Minas, já se sentia mais brasileiro do que português”.

Nesse ambiente, floresceu a Inconfidência Mineira. Foi uma conspiração separatista ocorrida em Minas Gerais e reprimida pela Coroa Portuguesa em 1789. A insurgência teve como principal motivação a cobrança excessiva de tributos:

“A Inconfidência Mineira teve relação direta com as características da sociedade regional e com o agravamento de seus problemas, nos dois últimos decênios do século XVIII. Isso não significa que seus integrantes não fossem influenciados pelas novas ideias que surgiam na Europa e na América do Norte. Muitos membros da elite mineira circulavam pelo mundo e estudavam na Europa. Em 1787, dentre os dezenove estudantes brasileiros matriculados na Universidade de Coimbra, dez eram de Minas. Coimbra era um centro conservador, mas ficava na Europa, o que facilitava o conhecimento das novas ideias e a aproximação com as personalidades da época. (...)

“Nas últimas décadas do século XVIII, a sociedade mineira entrara em uma fase de declínio, marcada pela queda contínua da produção de ouro e pelas medidas da Coroa no sentido de garantir a arrecadação do quinto. Se examinarmos um pouco a história pessoal dos inconfidentes, veremos que tinham também razões específicas de descontentamento. Em sua grande maioria, eles constituíam um grupo da elite colonial, formado por mineradores, fazendeiros, padres envolvidos em negócios, funcionários, advogados de prestígio e uma alta patente militar, o comandante dos Dragões, Francisco de Paula Freire de Andrade. Todos eles tinham vínculos com as autoridades coloniais na capitania e, em alguns casos (Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga), ocupavam cargos na magistratura” (FAUSTO, 1994:114-115).

JOÃO DE SCANTIMBURGO (1989:104) assinalou a influência, no Brasil, das ideias iluministas impulsionadoras da Independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa:

“A elite iluminista dos doutores de Coimbra (...) formou-se na universidade pombalina, da qual fora excluído o ensino jesuítico, todo ele fundado no aristotélico-tomismo. Eram, portanto, esses doutores, legítimo produto da filosofia das Luzes, introduzida em Portugal (...) pelo Genovese, e seu fiel discípulo Verney, arcediago de Évora. Todos quantos voltavam de Coimbra para a colônia traziam na bagagem cultural o iluminismo, a filosofia que se contrapusera aos baluartes da Contra-Reforma. Esse o fenômeno característico da época. Mais do que uma revolução armada, a revolução cultural – permitam-nos os leitores o anacronismo – precedeu-a, como os batedores dessa arrancada, a plêiade dos iluministas”.

Em Vila Rica, atual Ouro Preto, um grupo de poetas mineiros fez parte da conspiração:

“Dos principais escritores deste grupo, só não era brasileiro Tomás Antônio Gonzaga, nascido no Porto, mas foi o cenário e foi o teor da vida brasileira que deram protesto à sua sensibilidade poética; e aos seus confrades de Minas indissoluvelmente se ligou com os riscos e amarguras de conspiração” (SCANTIMBURGO, 1989:105).

As reuniões dos conspiradores ocorriam em vários locais, inclusive nas casas de Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Eram discutidos os planos da sedição e as leis para a nova ordem.

Foi desenhada a bandeira da República a ser instaurada: uma bandeira branca com um triângulo e a expressão latina “libertas quae sera tamen” – verso do poeta romano Virgílio, cuja tradução é “liberdade ainda que tardia”.

A conspiração foi debelada em 1789, depois da delação de Joaquim Silvério dos Reis, em troca do perdão de suas dívidas com a Coroa.

A próspera região da Comarca do Rio das Mortes foi importante núcleo da conjuração.

Abaixo do município de São João del-Rei, à margem direita do Rio das Mortes, no sítio do Pombal, nasceu, provavelmente em 1746, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. O local se situa hoje no município de Ritápolis (LIMA JÚNIOR, 1968:64; OILIAM JOSÉ, 1974:24-25):

“O Alferes Joaquim José da Silva Xavier, cognominado Tiradentes, é o maior herói nacional, já consagrado pelo apoio popular e por lei considerado o protomártir, o maior dentre todos os mártires do processo brasileiro de independência” (JARDIM, 1989:61-62).

Entre as medidas gerais planejadas pelos inconfidentes, destacavam-se a instalação da capital do novo país em São João del-Rei e a criação de uma universidade em Vila Rica, atual Ouro Preto (JARDIM, 1989: 359-360).

Era ouvidor da Comarca do Rio das Mortes - e residente em São João del-Rei - o poeta Alvarenga Peixoto:

“Inácio José de Alvarenga Peixoto nasceu no Rio de Janeiro, provavelmente em 1744. (...) Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, em1767, e seguiu carreira na magistratura portuguesa, sendo juiz em Sintra. Retornou ao Brasil em 1776, na condição de ouvidor da comarca do Rio das Mortes, Minas Gerais. Depois de casar-se, em 1781, com Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira. (...) (Contraiu) muitas dívidas (...) e a revolta seria, para ele, um provável meio de evitar a falência.

“Em Vila Rica, foi companheiro de Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Juntos, formaram o trio de maior expressão do Arcadismo em Minas Gerais, segundo Antonio Candido. Alvarenga Peixoto se distinguia, porém, no plano político, pela forma pouco discreta com que falava da inconfidência a outras pessoas, provável razão pela qual foi declarado, na sentença de 1792, ‘um dos chefes’ do movimento. Ele sugeriu que o novo Estado tivesse como bandeira e armas a figura de um índio rompendo seus grilhões, com a legenda ‘Libertas quae sera tamen’, tomada de Virgílio.

“Preso após a denúncia de Silvério dos Reis, negou sua participação e denunciou vários companheiros. Foi condenado à morte por enforcamento, em 1791, tendo a pena comutada para degredo perpétuo em Angola. Chegou a dedicar versos a D. Maria I, mas permaneceu desterrado. Chegando à África, resistiu pouco tempo às condições de vida no presídio de Ambaca, falecendo em janeiro de 1793.

“(...) Foi, segundo Antonio Candido, um ilustrado ‘à brasileira’ e, dentre os poetas mineiros, ‘o mais resolutamente envolvido na Inconfidência’” (VAINFAS, 2000:32).

No campo literário, o Arcadismo se associa aos poetas inconfidentes. Todavia, alguns traços diferenciaram os poetas árcades brasileiros dos portugueses:

“O que decididamente os sobreleva àqueles e os torna mais notáveis e, para nós ao menos, mais interessantes, são as suas novas contribuições à poesia portuguesa, com as quais também entra a nossa a se distinguir dela. Introduzem um novo elemento de emoção, o seu nativismo comovido, o seu patriotismo particular; um novo assunto, a gente e a natureza americana, e com isto, e resultante disto, novos sentimentos e sensações, indefiníveis talvez, mas sensíveis, que o meio novo de que eram, do qual ou no qual cantavam, lhes influía nas almas. Escapando, pelo seu mesmo exotismo ao predomínio absoluto das tradições literárias portuguesas, ao rigor da moda poética então na metrópole vigente, puderam ser e foram mais naturais, mais isentos dos defeitos e vícios em que se desmandava ali essa moda. São, em suma, menos gongóricos que os portugueses, sacrificam muito menos à mitologia e ao trem clássico do que eles” (VERÍSSIMO, 1954:111).

“É sabido que ambientes e figuras bucólicas povoaram os versos dos autores setecentistas. A gênese burguesa dessa temática, ao menos como ela se apresentou na Arcádia, parece hoje a hipótese sociológica mais justa. Nas palavras de um crítico penetrante, Antônio Cândido, ela é assim formulada:

‘A poesia pastoral, como tema, talvez esteja vinculada ao desenvolvimento da cultura urbana, que, opondo as linhas artificiais da cidade à paisagem natural, transforma o campo num bem perdido, que encarna facilmente os sentimentos de frustração. Os desajustamentos da convivência social se explicam pela perda da vida anterior, e o campo surge como cenário de uma perdida euforia. A sua evocação equilibra idealmente a angústia de viver, associada à vida presente, dando acesso aos mitos retrospectivos da idade de ouro. Em pleno prestígio da existência citadina, os homens sonham com ele à maneira de uma felicidade passada, forjando a convenção da naturalidade como forma ideal de relação humana. (...)

“No Arcadismo brasileiro, os traços pré-românticos são poucos, espaçados, embora às vezes expressivos, como em uma ou outra lira de Gonzaga, em um ou outro rondó de Silva Alvarenga. Em nenhum caso, porém, rompem o quadro geral de um Neoclacissismo mitigado, onde prevalecem temas árcades e cadências rococós. E sem dúvida foram as teses ilustradas, que clandestinamente entraram a formar a bagagem ideológica dos nossos árcades e lhes deram mais de um traço constante: o gosto da clareza e da simplicidade graças ao qual puderam recuperar a pesada maquinaria cultista; os mitos do homem natural, do bom selvagem, do herói pacífico; enfim, certo mordente satírico em relação aos abusos dos tiranetes, dos juízes venais, do clero fanático, mordente a que se limitou, de resto, a consciência libertária dos intelectuais da Conjuração Mineira” (BOSI, 1981:64-67, negritos no original).

A intersecção da arte mineira setecentista com a Inconfidência Mineira ainda está expressa na obra do célebre escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho:

“A obra do Aleijadinho está estreitamente ligada ao meio em que viveu o grande artista, onde borbulhava, bem vivo, um ressentimento contra o governo opressor.

“Note-se: o martírio de Tiradentes e a condenação ao exílio dos demais inconfidentes deram-se apenas quatro anos antes de o Aleijadinho iniciar os trabalhos em Congonhas. Era sabida a ligação do Aleijadinho com Cláudio Manuel da Costa, advogado da Ordem Terceira de S. Francisco de Assis, de Vila Rica, desde 1771; não é segredo que a morte misteriosa do poeta, na prisão, chocou profundamente a população de Vila Rica, que não aceitou o boato oficial do suicídio. Existem vários depoimentos nesse sentido. O enforcamento de Tiradentes, a exposição de sua cabeça num poste em Vila Rica, a morte de Cláudio, com testemunha ocular de que ele fora morto fora do cubículo em que se achava preso, o exílio dos réus da Inconfidência Mineira, o sequestro dos seus bens, tudo isso teve funda repercussão no seio do povo. (...)

“Há quem veja, nas sentenças inscritas nas cartelas de cada profeta, um grito de protesto contra os poderosos, sobretudo naquele período da nossa História. Sylvio de Vasconcelos sentiu isso e o exprimiu com estas palavras: ‘A significação que conferiu aos profetas de Congonhas do Campo, enfatizada pelas inscrições que portam, mostra, além de dúvidas, condenação aos poderosos e esperanças de libertação que se ajustam perfeitamente ao espírito da Inconfidência Mineira’” (BARBOSA, 1984:18,19 e 52).

IX - Instituto Histórico e Geográfico

O Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei foi fundado em 1º de março de 1970. Pesquisa temas históricos, publica revista periódica, é órgão consultivo do poder público municipal (Lei Municipal n° 1558. de 02.05.1977) e atua na defesa do patrimônio histórico, artístico e cultural da nossa cidade.

X – Academia de Letras

Em 8 de dezembro de 2020, a Academia de Letras de São João del-Rei completou cinquenta anos de existência.

José Antônio de Ávila Sacramento transcreve a fundamentação do Decreto municipal nº 621, de 08 de dezembro de 1970, o qual criou este nosso Sodalício:

“Considerando que São João del-Rei é uma cidade essencialmente intelectual, berço de inúmeros escritores, poetas, músicos e historiadores, que cultivam com acendrado amor as letras e as artes;

“Considerando que outras cidades idênticas à nossa já possuem a sua Academia de Letras, numa homenagem àqueles que muito fizeram no terreno da intelectualidade;

“Considerando que no século em que vivemos maior predomínio devemos dar àqueles que laboram na esfera das letras e artes, torna-se imprescindível que São João del-Rei também possua a sua Academia Sanjoanense de Letras, com o fim de cultuar as figuras exponenciais do passado, como: Bárbara Heliodora, Alvarenga Peixoto, Modesto de Paiva, Gastão da Cunha, Severiano de Resende, Basílio de Magalhães, Bento Ernesto Júnior, Franklin Magalhães, Lincoln de Souza e Adenor Simões Coelho – e no presente, inúmeros cidadãos ilustres que têm inegavelmente elevado o nome de nossa cidade no cenário intelectual da vida brasileira (...)”.

XI – Conclusão

Tenho imenso orgulho de ser nascido em São João del-Rei. Falo do rincão natal onde, quando e quantas vezes puder. Sigo a máxima de Leon Tolstói:

“Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”.

O saudoso cardeal são-joanense Dom Lucas Moreira Neves, escrevia no prefácio ao livro Galeria das personalidades notáveis de São João del-Rei, de Sebastião de Oliveira Cintra:

“As cidades, como as pessoas, são um composto de corpo e alma. O corpo é a estrutura externa, visível e palpável da cidade. A alma é a história, a tradição, a vida da cidade e a vida e a atitude das pessoas, que, num determinado período, representam o seu espírito”.

Não tenho dúvidas de que a cinquentenária Academia de Letras e seu irmão gêmeo Instituto Histórico e Geográfico são as melhores expressões da alma exuberante de São João del-Rei.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARBOSA, Waldemar de Almeida. O Aleijadinho de Vila Rica. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1984.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 3ª ed.,1981.

BRANT, Francisco de Assis Alves. São João del-Rei: ouro, guerra e fé no Rio das Mortes. Belo Horizonte: Editora do Autor, 2009.

BUENO, Eduardo. Brasil: Uma história – A incrível saga de um país. São Paulo: Ática, 2002.

CINTRA, Sebastião de Oliveira Cintra. Galeria das personalidades notáveis de São João del-Rei. São João del-Rei: Fapec, 1994.

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SACRAMENTO, José Antônio de Ávila. Brevíssimas elucubrações sobre a gênese da Academia de Letras de São João del-Rei- Minas Gerais, e, especialmente, a respeito da elaboração do seu brasão pelo renomado heraldista Alberto Lima, portal Pátria Mineira, disponível em http://www.patriamineira.com.br/imagens/img_noticias/111128210121/, acesso em 27.02.2021.

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VIEGAS, Augusto. Notícia de São João del-Rei. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969.

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