a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

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Tipo: Artigos | Cartilhas | Livros | Teses e Monografias | Pesquisas | Lideranças e Mecenas | Diversos

Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo

 

Legislação, governança e estratégias de Estado para a sustentabilidade . Patricia Almeida Ashley

Descrição

20/08/2012 | 07:01 

Este artigo é destaque na Edição 30 de Plurale em revista que está circulando

Como evento paralelo à Rio+20 no período de 17 a 20 de junho de 2012, no Rio de Janeiro, foi realizado o I Congresso Mundial sobre Justiça, Governança e Legislação para a Sustentabilidade (documento em inglês). A participação de advogados, magistrados, procuradores, ministros e membros do Poder Judiciário Federal e Estadual, do Ministério Público, de Tribunais de Contas do Brasil acompanhados por equivalentes autoridades do exterior, de dirigentes da Comissão de Direitos Humanos, do Programa Ambiental das Nações Unidas, do Banco Mundial e com participação ativa da Fundação Getúlio Vargas, nos trouxe importantes reflexões sobre o papel da legislação e governança para uma justiça e sustentabilidade ambiental. Houve dois eventos mundiais preparatórios para esse congresso que subsidiaram com documentos, consensos em reflexões mundiais. Recomendo a leitura da declaração final do I Congresso Mundial sobre Justiça, Governança e Legislação para a Sustentabilidade.

Quando pensamos no contexto brasileiro, nem sempre a legislação federal é suficiente para vigorar no nível federativo dos estados e dos municípios. O modelo brasileiro de Estado e de Direito por ser dedicado a permitir uma república federativa oferece margens para regulamentação infra-constitucional por estados e municípios, além do nível federal. Federal não é o mesmo que Central e, assim, Governo Federal não é o mesmo que Governo Central (como o é na Inglaterra). Processos de mudança no marco institucional brasileiro de legislação para o desenvolvimento sustentável requerem pactuação do federal com o nível estadual e o nível municipal, melhor ainda se apoiado por confederações de municípios e estados (a exemplo do I Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, organizado pela Frente Nacional dos Prefeitos que tive a grata satisfação de participar e testemunhar compromissos alinhando diretrizes federais e municipais para o desenvolvimento sustentável). 

Como profissional de educação, de forma indissociável entre ensino, pesquisa e extensão universitária, penso que o Brasil trará lições para lidar com um contexto nacional complexo, heterogêneo, por vezes difuso, por vezes complicado, por vezes incompreensível, mas que só nascendo ou vivendo profundamente as surpresas maravilhosas que o Brasil nos traz para compreender como emergem, de forma complexa e, por vezes, silenciosa, as inovações que vem ocorrendo aqui em políticas públicas, empresariais e da sociedade civil, em legislações, em ciência e tecnologia que possam nos mostrar vetores e caminhos para o desenvolvimento sustentável. Onde pecamos no Brasil ainda é uma tradição copiar e colar (mimetismo) o conhecimento dos outros de fora, pela importação e mercantilização de soluções institucionais, educacionais e tecnologias adotadas para contextos culturais e legais distintos do nosso, pelo clientelismo para favores pessoais, pela privatização da coisa pública para garantir uma sobrevivência mais parecida com a nobreza ou serviçal à nobreza.

Essa tradição de mimetismo de fora para dentro do Brasil, no meu entendimento, é em parte fruto de um passado de Brasil colônia escolhida para então ser depósito de rejeitos ou degredados (tanto humanos, como padrões tecnológicos e materiais) e supridor de recursos e serviços ambientais e matérias-primas (fora o tráfico humano e sexual). Imagino a fala nos séculos a partir do Descobrimento do Brasil, dita por governos portugueses e aliados. "Se não se comportar e se corrigir, te deportamos para o Brasil". Penso, às vezes, que ficamos sem rei ao encerrarmos o governo imperial no século XIX, mas transportamos o ideal de rei, de nobre, de máximo garantidor do brio de nação aos que exercem funções diretivas, executivas, abandonando formas colegiadas, participativas, parlamentaristas. A fusão da função de presidente como Chefe de Estado e Chefe de Governo sem ter maioria parlamentar é algo extremamente complexo, ao contrário de sistemas parlamentaristas em que o governo é fruto da maioria parlamentar da situação ou coalizão representada pelo Primeiro Ministro. Quando mantemos a figura de Chefe de Estado separada do Chefe de Governo, fica mais clara a distinção entre a função pública de Estado da função pública de Governo. É o caso de países conhecidos como a Holanda, Inglaterra, entre outros. Bom, aqui não temos mais Rei ou Rainha (nunca tivemos a figura feminina como Rainha, mas como Princesa, a Isabel), não temos Chefe de Estado separado de Chefe de Governo e, ainda, temos o Poder Legislativo eleito de forma separada do Poder Executivo. E ainda sem sincronia com eleições estaduais e municipais.

Não seria a hora de fazermos uma séria reflexão sobre se Desenvolvimento Sustentável é para ser assunto de Governos (planejamento de curto e médio prazo em mandatos de 4 anos) ou assunto de Estado (planejamento de longo prazo de diretrizes estratégicas de nação)? Como fazermos o desenvolvimento sustentável se só pensamos (quando pensamos) em planos de governo ou no máximo em Planos Plurianuais ou um pouco mais em Planos Decenais de Saúde, de Educação, de Planejamento Urbano? Bom, 10 anos é inviável para ser sustentável o desenvolvimento. É para pensarmos 20, 30 a 50 anos na frente. Dez anos são equivalentes a duas turmas de graduação de 5 anos ou 5 turmas de Mestres formados. Não sei como mudarmos eixos em dez anos. Ok, que pensemos em 20 anos. Mas é pouco. Ou seja, hoje no Brasil desconheço qualquer consenso entre técnica e política para 20 anos, na minha limitada rede de conhecimento. Uma exceção é o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado - o PMDI que está previsto na Constituição Estadual de Minas Gerais. Planejamento de longo prazo é para mim um grande desafio para trazer a abstração conceitual do desenvolvimento sustentável para a concretude consciencial participativa de acordos de governança, legislação e políticas públicas e privadas em âmbito nacional, estaduais e municipais nesse sentido.

Retomando o ponto da governança ambiental global pela Rio+20 e da governança global para a Sustentabilidade no I Congresso Mundial sobre Justiça, Governança e Legislação para a Sustentabilidade. A questão é que tratar da governança global, passando uma régua global para a governança ambiental (estou aqui fechando o foco na sustentabilidade ambiental) me parece surreal, como alguns pensam em transformar o PNUMA em uma agência ambiental (vejam: ambiental é uma perna só do desenvolvimento sustentável) similar aos poderes de uma Organização Mundial do Comércio (OMC). Sustentabilidade Ambiental como tema para uma agência global me lembra fragmentação, visto que o ambiental só não basta para o sustentável, ou concentração e globalização de governo por regras a serem concebidas para defender interesses não necessariamente nacionais, de uma pátria, mas globais (é por consenso? como consensuar pátrias desiguais em recursos e capitais? difícil consenso! então é por votação? nossa, vence a maioria dos países em desenvolvimento ou a minoria dos países que concentram a produção de emissão de carbonos no mundo?).

A sustentabilidade global passa fundamentalmente por apontar o dedo para o que estamos excedendo e não o que estamos carecendo. O Brasil avançou muito em programa de redução da pobreza, da miséria. Mas, estamos errando novamente, como interesse de Estado e prioridade estratégica para a sustentabilidade da nação e futuras gerações, a remuneração e condições de trabalho dos profissionais de educação e ao considerarmos educação como gastos e não como investimento como % do PIB. Não é tendo mais coisas consumidas e maior patrimônio acumulado a cada ano que vamos ser uma nação sustentável, o que é medido pelo PIB. É a felicidade por exercício pleno de nossos direitos sociais e humanos (ter dignidade pelo acesso a bens públicos, serviços públicos, sem distinção), que incluem o direito a uma natureza protegida (não só os serviços ambientais a participarem de uma economia verde a ser mercantilizável). É também podermos viver uma vida contemplativa, com tempo para convivência familiar, comunitária e intercultural. É não ter que trabalhar 40 horas e, pior, 44 horas ou, pior ainda, três turnos de aulas para ministrar como professores, trabalhadores, para garantir um salário para sobreviver e, mais, não ter que ficar 3 ou 4 horas no deslocamento casa-trabalho. É também não precisarmos de carros para nos deslocarmos e podermos contar com sistemas públicos de transporte de qualidade e limpos em fontes energéticas e não geradores de resíduos.

Bom, retornando a uma perspectiva da razão de ser Brasil, nos tempos atuais os degredados que foram os colonizadores no Brasil se ilustraram, criaram identidades locais e se renovaram para se misturarem a outros degredados. Criamos uma nação diferenciada em que não se encontra mais a cor legítima, a etnia pura, graças a Deus! Somos a miscigenação de todos os povos do mundo, com muito prazer, mas também com muita luta, coragem, enfrentamentos e persistência para criarmos uma nação que faz diferença. Entendo que esse passado insustentável está com os dias contados. Isso pois, se não mudarmos, não só o Brasil se esgota como nação potencialmente altiva e soberana, mas a conta global será um passivo para toda a humanidade. Não somos mais supermercado de coisas reproduzíveis, produção em série, produção em massa. Os degredados estão emancipados e buscam um futuro de um Brasil para todos, sem pobreza material e espiritual.


Outros artigos desse colunista

11/06/2012 | 06:30 | Artigos e Estudos
Patrícia Almeida Ashley: Desenvolvimento Sustentável: Estado Sólido, Líquido ou Gasoso?

Da Professora Patricia Almeida Ashley, Colunista de Plurale, Coordenadora da Rede EConsCiência e Ecocidades da Univesidade Federal Fluminense

Faço aqui uma reflexão sobre as discussões em andamento sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Goals) para uma possível ação a ser acordada entre os países representados na Rio+20. 

Percebo uma ansiedade por um "estado sólido", paupável, mensurável, segurável, assegurável, verificável, comprovável, comparável, planejável, previsível, reproduzível, sempre que se fala em Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como resultados e impactos a serem desdobrados em Indicadores e Metas para serem usados por todos os países e regiões no mundo. Haja números e estatísticas e equações!!!. Para mim, reflete uma racionalidade mecanicista, positivista, típica da abordagem científica hipotético-dedutiva e cartesiana, que pressupõe equações lineares, métodos estatísticos e métricas parametrizáveis para comparações, rankings, previsões. Típica de formação de engenharias e outras ciências que requerem, para a sua contribuição na formação do conhecimento humano, estruturas mensuráveis.

Quando passamos a conceber os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável como algo mais pertinente a processos e capacidades para que as sociedades renovem seus sistemas jurídicos, normativos, suas lógicas anacrônicas para a educação, reprodução, produção e consumo, estamos passando para um "estado líquido" de concepção de desenvolvimento sustentável, algo como a água que não se perde ao cruzar com as pedras, mas as contorna, sofre com contaminações, mas se evapora, se desmancha para um novo ciclo de vida. Ou seja, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável não passam mais a ser comparáveis em métricas entre países, pois somos águas e terrenos distintos, mas somos passíveis de trocas, intercâmbios, aprendizagens, intenções e ações para que nossas águas sempre se renovem e gerem vida.

E se caminharmos para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável como algo mais pertinente a princípios, valores, sensações, sentimentos, afetos, daí caminharemos para a qualidade espiritual da humanidade em harmonia com a Terra e com o Cosmos, passando a enxergar o quão grande é a família a que pertencemos e o que viemos fazer aqui e agora e com todos que percebemos estar e viver e morrer. Digo que é desenvolvimento sustentável como "estado gasoso" que trabalha pela inteligência espiritual, pela evolução de consciências, pelo desapego à limitação da expressão sólida apenas perceptível pelos cinco sentidos. Como medir em indicadores e metas o que atingimos e atuamos quando podemos nos abraçar profundamente e sem medo? Já experimentou algo assim? Percebe o que muda em sua hierarquia de valores? Entende por que podemos ser plenamente realizados sem ter que ter que ter que ter, mas sendo o ser para ser o ser entre seres?
O artigo Why we need sustainable development goals?, que replico mais abaixo e originalmente publicado em Why we need Sustainable Development Goals - SciDev.Net, foi o que me provocou as reflexões que escrevi acima. Coloco, como contraposição, o excelente artigo elaborado por Benedito Silva Neto e David Basso, publicado na Revista Ambiente e Sociedade, em 2010, sob título A ciência e o desenvolvimento sustentável: para além do positivismo e da pós-modernidade, que nos ajuda a sair do estado sólido, transitar pelo necessário estado líquido para atingir e recuperarmos o estado gasoso do desenvolvimento sustentável.


22/11/2011 | 06:26 | Artigos e Estudos
Patrícia Almeida Ashley: Sustentável para quem?

Em conversas e eventos, programas e mídias, salas de aula e livros, revistas e jornais, as palavras “sustentável” e “sustentabilidade” ecoam repetidamente e de forma crescente, ainda mais com os eventos preparatórios para a Rio +20 em 2012. Essa repetição freqüente de palavras passa a nos fazer crer, criar e enxergar uma sensação de que todo mundo está pensando e falando em sustentabilidade, tanto como principio a se fundamentar, quanto como referência para processos e ferramentas e como meta para resultados.
Será de fato que estamos apenas pensando e dizendo ou também estamos agindo em direção ao que se diz e pensa? E quando nos aprofundamos nas leituras e nos fatos, nos perguntamos: do que está se falando mesmo? Como é que eu descrevo o que é, como fazer, como verificar, como reproduzir e como delimitar o que não é sustentável e o que é sustentável?

E, daí, sigo para mais uma pergunta que não consigo responder: sustentável para quem? Para manter, sustentar as desigualdades no uso dos recursos naturais, no acesso aos serviços públicos, aos bens e serviços produzidos e vendidos no mercado? Sustentável em que as mulheres e homens acessam e ocupam posições decisórias de forma diferenciada em organizações, em que a ressonância afetiva nas relações é negligenciada como valor social, ao invés das posses, propriedades e títulos?

Quando, então, tentamos juntar as palavras “desenvolvimento”, a qual, por sua vez, tem várias correntes e definições que se expressam em diversos modelos de desenvolvimento, e “sustentável”, esta em discussão internacional sobre sua operacionalização, medição e viabilidade, trazemos à tona uma expectativa de proposta de modelo de desenvolvimento capaz de suportar as necessidades atuais sem prejudicar a capacidade de atender às necessidades das gerações futuras.

E novas perguntas vem: e do que necessitamos hoje? E do que as gerações futuras necessitarão? E quem somos nós os sujeitos das necessidades? Necessidades de quem, para o quê, em função de quem, negando o quê, aceitando e concordando com o quê, reproduzindo quais hábitos e descontinuando quais outros? Em que contexto geográfico, cultural, legal, político, econômico, etc? São necessidades do incomparável consumo de obras de arte, passagens aéreas, bolsas e artigos sofisticados e fundos de investimento e aplicações financeiras por uns, do consumo de cerveja, cigarro, cachaça, drogas, CDs e DVDs piratas por outros e do consumo de serviços de passagem de ônibus, trem, de alimentos básicos, roupas e uniformes escolares, contas de luz, água e gás, celulares por outros? Sustentável em que a mulher é associada à cerveja, ao entorpecer, e a cerveja à imagem de sucesso social entre amigos e encontros, em que basta consumir de forma “responsável”, se beber, não dirija e se dirigir, não beba? É sustentável suportar e dar continuidade ao insustentável do que produzimos e consumimos no contexto histórico de uma sociedade escrava da competição pelo consumo, produção e patrimônio material, do ter e não do ser, em que se acredita que o indivíduo é mais importante que o coletivo, em que homem usa a natureza para o seu dispor, como sendo uma escrava usada pelo seu senhor em tempos de “outrora”? Será que não continuamos reproduzindo uma atitude senhor-escravo ou senhor-servo em nosso cotidiano de trabalho, de família e de política, subentendendo-se uma lógica de dominação sobre o outro, ao invés do tão falado “stakeholder engagement” propagado em modelos de gestão organizacional e de democracia participativa? Onde escondemos o nosso “escravo” e o nosso “senhor” em nosso cotidiano em casa, nas vias públicas e nos locais de trabalho e de estudo?

E quando acontecem grandes eventos de entretenimento, trazendo uma grande euforia que esvazia e, ao mesmo tempo, ocupa os corpos, mentes e espíritos de jovens e adultos com um produto integrado de música, lazer, ídolos, fãs e vemos a quantidade de lixo descartado, os furtos, as agressões, pensamos: ah, deixa disso, dessa história de sustentável, pois o que importa não importa agora, somente a partir de 2012, depois da Rio +20. Até lá, o cenário de evento tão especial será pensado de forma diferente e o cenário mundial será coerentemente em prol da sustentabilidade. Para os que, de agora, sobreviverem, verão, assim como para os que, das próximas gerações, virão. Ou não?

06/07/2011 | 06:01 | Artigos e Estudos
Patrícia Almeida Ashley: CONEXÕES PLURALE, Ed. 23/ Responsabilidade social no Brasil: Tecendo os fios e desatando os nós

Brasil, 1999: Tecendo fios

Em tempo de buscas por conhecimento científico em ‘organizações responsáveis’, me deparei com o termo “business social responsibility”, traduzido para o Brasil como responsabilidade social empresarial ou responsabilidade social corporativa. Na época, em buscas no Yahoo e no Altavista sobre o tema no Brasil, dois sites apareciam: o do IBASE, em torno do tema do Balanço Social; e o do Instituto Ethos, em torno dos Indicadores Ethos de Responsabilidade Social. A pesquisa durante o Doutorado no IAG, PUC-Rio, contribuiu para conhecer e divulgar que havia diversas perspectivas e entendimentos, tanto no Brasil como no exterior, sobre o que significava e como se exercia a responsabilidade social empresarial. A pesquisa gerou um mapeamento de perspectivas brasileiras e estrangeiras em um meta-modelo para a responsabilidade social empresarial, publicado no Brasil e, mais recentemente, no exterior.

Em síntese, os resultados mostraram que há entendimentos de que a responsabilidade social empresarial é uma ação pós-lucro, não inserida nos processos de negócio, bem similar ao que se propagava no Brasil nos fins do século XX. Alternativamente, há as perspectivas pré-lucro em que se concebe a responsabilidade social nos processos de negócio, requerendo novas competências, modelos e tecnologias ambientais, sociais e econômicas para a inovação empresarial. Em ambas as vertentes pós-lucro e pré-lucro da responsabilidade social empresarial, variando conforme o contexto legal, econômico, ambiental, social e cultural, dependendo do tipo e porte do empreendimento, podemos contemplar três níveis de desafios éticos nas relações empresa-sociedade. O primeiro nível de desafio ético é o cumprimento da lei, incluindo as de abrangência local, nacional e internacional, como são os acordos internacionais em órgãos multilaterais. O segundo nível de desafio ético é ir além da lei no contexto temporal e espacial em que a empresa está operando, produzindo e comercializando, já atendendo a novas expectativas sociais nesse contexto e avançando políticas e práticas em relação ao que a lei determina. O terceiro nível de desafio ético é atuar de forma coerente com a aspiração a ideais éticos, que nem o contexto de operação, produção e comercialização da empresa demanda ainda, muito menos é exigido em lei, mas emerge da consciência diferenciada de líderes que possam influenciar decisões na empresa.

Brasil, 2011: Tecendo fios
Um novo retrato sobre responsabilidade social. Encontra-se, neste país, uma impressionante quantidade de prêmios, certificados, cartas de princípios, códigos de ética, marcas e selos de responsabilidade social, relatórios de sustentabilidade, índices de ações de empresas selecionadas pela política de responsabilidade social, uma lista enorme de sites e links, de artigos, reportagens, eventos, cursos, livros, vídeos.

Brasil a partir da Holanda, 2009, 2010 e 2011: Tecendo fios
A partir de lá, como representante da América Latina em pesquisas sobre responsabilidade social empresarial, me deparo com perguntas sobre: Como é que o Brasil conseguiu tantos casos de repercussão em políticas e práticas de responsabilidade social empresarial, a exemplo da premiação de relatórios de sustentabilidade promovida pela Global Reporting Initiative e pela grande números de candidatos brasileiros a esta premiação? Respondo ao renomado especialista, ex-presidente de empresa na área de finanças e com grande influência internacional: “o Brasil não tem limites, somos invasivos, somos intrometidos, somos curiosos e não suficientemente ‘limitados’ a formatos pré-estabelecidos, inovando e articulando ideias com pessoas de vários segmentos (governo, políticos, membros do judiciário, empresários, consultores, educadores, agentes da sociedade civil, donas de casa, jornalistas...). É essa a minha visão”.

Brasil, daqui e agora em diante: Desatando nós
O que nos falta caminhar nesse terreno do discurso e da prática da responsabilidade social, no contexto brasileiro? Respondo que é lidar com a inconsistência, a incoerência e a incongruência de responsabilidades sociais entre acionistas, diretores, empregados, especialistas consultores, fornecedores, compradores, financiadores, isso no âmbito das empresas. E mais, com a inconsistência, a incoerência e a incongruência de responsabilidades sociais entre Poder Público Executivo, Judiciário e Legislativo (federal, estadual e municipal), instituições de educação, famílias e detentores de capital e agentes financeiros.

Os resultados das pesquisas que venho me envolvendo desde 1999 mostram que as perspectivas e práticas de responsabilidade social empresarial podem ser compreendidas como relacionadas com as culturas e os contextos institucionais em que as empresas estão situadas. Neste sentido, cultura se forma e se transforma com o desenvolvimento da cidadania em todas as esferas sociais (política, econômica, doméstica, comunitária, governamental, entre outras), sendo que a educação para a responsabilidade social coletiva é inerente ao desenvolvimento de uma cultura cidadã.

A Lei é uma expressão do grau de desenvolvimento de uma sociedade, pois não aceitamos mais aquilo que foi lei no passado (escravidão, por exemplo) e que não é mais coerente com o presente e com o futuro que queremos. Entretanto, a memória cultural desse tempo ditatorial, escravagista está efetivamente fora de nosso tempo atual nas práticas domésticas, nas práticas empresarias, nas práticas e modelos de políticas públicas, nas compras, investimentos e financiamentos públicos e privados? Como mudar uma cultura em que a informação e cultura divulgadas nos grandes meios de comunicação reproduzem lógicas de dominação, violência, exclusão social, sejam em novelas, reportagens, seriados e propagandas? E os lançamentos de novos produtos e linhas de produtos, insistentemente efêmeros, de curta durabilidade ou fruto de modismos, mesmo que já anacrônicos em meio a uma mobilização social pelo ambientalismo, pela qualidade social e pela viabilidade econômica em padrões ecológicos? Será que não temos leis ultrapassadas para construirmos uma sociedade sustentável, seja no nível local, regional, nacional ou internacional? Será que não temos uma cultura em nossos tempos que não se mostra coerente com os discursos e exemplos de políticas e práticas orientados para a responsabilidade social? Como um Conselho de Administração deve incorporar de forma integral uma ética da responsabilidade social em seu processo decisório? Como agir assim diante de investidores, financiadores, diretores, compradores, fornecedores e de governantes que não pensam, não valorizam e nem planejam agir dessa forma? Como criarmos um ambiente empresarial e institucional coerente com organizações socialmente responsáveis?

Para exemplificar incoerências do contexto institucional e cultura brasileiros, começo lendo o art. 14 da Constituição Federal, Capítulo IV – Dos Direitos Políticos, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em especial o parágrafo 4°: “São inelegíveis: os inalistáveis e os analfabetos”. Hummm.... quer dizer que não precisa estudar para ser elegível...!!! Então vamos conhecer os que são elegíveis na Carta Magna, como nos determina o § 3º do mesmo Art. 14 e que aponta uma ênfase: na diferenciação da faixa etária para determinados cargos; ter nacionalidade brasileira; ter pleno exercício dos direitos políticos; ter domicílio eleitoral na circunscrição; ter realizado o alistamento eleitoral; além da necessária filiação partidária. Ou seja, de fato, há uma incoerência, por um lado, nos critérios para elegibilidade e, por outro lado, em uma enorme e longa caminhada das políticas públicas e empresariais brasileiras no sentido da escolarização da população, seja para fazer concursos públicos, para trabalhar nas empresas, para ser empreendedor. Entretanto, sinto muito, não precisa estudar para ser eleito membro do Poder Legislativo ou Chefe do Poder Executivo nos 5.565 municípios, nos 27 estados e na União.

É esta incoerência que pessoalmente encontrei como professora, pesquisadora e extensionista, em várias ocasiões em que testemunhei o despreparo dos eleitos para vereador e para prefeito, não conseguindo nem compreender ou menos ainda, dar valor, aos cursos de capacitação da universidade para agentes públicos e da sociedade civil em torno de planejamento governamental, políticas urbanas, orçamento público e outros tópicos. A boa e interessada audiência dos cursos girava em torno de alguns membros de conselhos municipais, quase sempre os mesmos ativistas de sempre, em sua minoria, ou de lideranças de organizações da sociedade civil. Nos bastidores que conheci em reuniões com secretários municipais, vereadores e prefeitos, sempre a mesma história: alguns consultores, com reserva de mercado por vínculos pessoais e de longa data, prestando serviços que o serviço público deveria ter competência e quadro qualificado de agentes públicos para prestar; e, de outro lado, os bloqueadores e sabotadores da atuação e difusão de conhecimento público e gratuito oferecido pelas universidades federais a partir de professores e estudantes cidadãos e estudiosos nos avanços do tema de extensão e de pesquisa.

Passamos para exemplos de grandes empreendimentos públicos, em que empreiteiras e consultores entram no ‘mercado de negócios’ e em nenhum momento são deles exigidos requisitos de padrões de qualidade nas condições de trabalho, ética e transparência na gestão das empresas que atuam nos empreendimentos públicos, algo que é tão ensinado e propagado por universidades, pelo SEBRAE, pelo SESI, entre outras instituições de conhecimento. Ou seja, o governo, pelo orçamento público, é efetivamente um poderoso promotor de modelos e práticas empresariais, seja em um sentido ou em outro sentido.

Qual é o sentido que se propõe para os contratados e financiados com recursos públicos quanto à responsabilidade social nos processos de negócios, nas políticas de compensação ambiental, social e econômica no território que estejam atuando? Se considerarmos as condições de transparência e diálogo com os diversos atores que participam de um empreendimento, não vemos também exigência de modelos de governança e relatórios de transparência empresarial ou de sustentabilidade pelo Poder Público e nem mesmo pelas próprias empresas contratantes ou pelos agentes financiadores do projeto. Há diversos projetos de lei na Câmara Federal que contribuem nesse sentido de uma responsabilidade social multi-atores, ou seja, em empresas, governo e na sociedade civil, mas todos emperrados em determinadas comissões parlamentares, em especial as que lidam com interesses ‘econômicos’. Quando olhamos os bastidores desses projetos de lei, mesmo algumas associações empresariais e ONGs que se classificam publicamente como promotoras da responsabilidade social, fazem lobby para que não haja avanços no marco legal pró-responsabilidade social e sustentabilidade brasileira.

Fica a questão: quem perde e quem ganha em não termos avanços no campo institucional e marco legal brasileiro que o torne mais coerente e consistente com modelos de desenvolvimento sustentável? Será porque estaríamos criando um empoderamento de competências institucionais e sociais nacionais que excluiria a necessidade de importarmos modelos e ferramentas de gestão, de consultoria e de dependência intelectual, caríssimos e acessíveis somente a uma elite econômica de famílias e empresários? Será que não temos aqui no Brasil conhecimento suficiente para desenvolvermos um pacto social visando uma reforma institucional pró-responsabilidade social no marco legal brasileiro e nas políticas públicas, com possa repercutir positivamente nos processos decisórios públicos e privados sobre investimentos, empreendimentos, tributação, construção civil e comércio?

Passamos para o contexto do mercado da moda, um segmento tão propagado como um indutor de cultura ou de reprodutor de tendências e ainda vemos membros de conselhos de administração ou de diretores de empresas aprovarem contratos de publicidade e linhas de produto com riscos ambientais e sociais. Como se dá a qualificação dos que estão imbuídos de poder de decisão nos investimentos e nas políticas e práticas de gestão? Que escolas de nível superior, no Brasil e no exterior, são essas em que se formam os Administradores, Engenheiros, MBAs e Especialistas e que não incluem a sustentabilidade, a ética da responsabilidade social de forma transversal no currículo e nos objetivos de formação (não apenas em uma disciplina isolada preferencialmente optativa ou eletiva)? Precisamos enviar para instituições de educação no exterior para formarmos os nossos decisores de Conselhos de Administração e Diretores de Empresas no Brasil? Que livros estão lendo, que modelos de negócio estão aprendendo ou reproduzindo? Que contexto institucional estão situados os casos (cases) que estudam em suas escolas made in fora do Brasil? O que as Diretrizes Curriculares no Brasil, para a educação básica, profissional e superior, estão propondo para a formação cidadã? O que os exames nacionais e de seleção avaliam em termos de capacidade de interpretação, reflexão e posicionamento crítico para um profissional cidadão?

Passamos agora para as políticas tributárias do governo federal, estadual e municipal, que indicam e influenciam as decisões das famílias, dos empreendedores, dos proprietários, dos agentes financeiros, dos profissionais, de todos. São também instrumentos que carregam uma mensagem, uma pedagogia econômica e cultural para ir seja em um ou em outros caminhos, influenciando as decisões que tomamos e os limites que temos no exercício de contribuintes cidadãos ou não. Vejamos o tamanho da base tributária, a incoerência, a desigualdade na tributação, a aposta no ônus tributário sobre o trabalho, o fluxo dos produtos e rendas da economia, ao invés de tributar o estoque, a retenção, a apropriação, a desigualdade, o patrimônio, a acumulação. Não se diferencia, no atual marco legal tributário, o grau de cuidado social, ambiental e econômico do contribuinte, nem se premia com descontos no imposto de renda os que investem em educação e livros para os seus filhos, em comparação com os que temem a doença (sem limites para despesas com planos de saúde) como condição sine qua non de sua existência cotidiana.
Tudo acima, combinado, entre outros possíveis exemplos das reformas brasileiras que precisamos refletir e nos pactuar socialmente, nos ensina que ainda temos, no contexto brasileiro, uma desvalorização social, econômica e política da Educação (com letra maiúscula). Como recomendação, todos os pontos acima levantados caminham em uma direção: educação para a liberdade com alteridade e responsabilidade social, para o sentido coletivo, para o território em que vivemos, o qual não é só meu, só seu, só nosso, mas de todos que o fizeram, viveram, vivem e viverão, seja no rural ou no urbano. As instituições de educação infantil, básica e superior, além das profissionalizantes, são concebidas na Carta Magna do Brasil diante de seus fins de interesse público. Apelo para que a reforma tributária, reforma política e novos rumos nas políticas públicas incluam esta reflexão, pois a Educação beneficia não apenas o indivíduo, mas a sociedade, a natureza, a política, a coletividade, o ambiente. Contem com meu desejo, minhas possibilidades, meu dever, minha crença e minha ação cidadã, como também de tantos brasileiros e brasileiras, em especial dos que educam em família, na comunidade, nas escolas, nas empresas, na sociedade civil e no governo.


24/09/2010 | 06:25 | Artigos e Estudos
Patrícia Almeida Ashley: Será que estamos diante de uma disputa de paradigmas em responsabilidade social?

A ISO 26000 será a norma internacional de diretrizes de Responsabilidade Social e está prevista para ser concluída e publicada ao final de 2010. O Brasil, por meio da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), juntamente com a Suécia, pelo Instituto Sueco de Normalização (SIS - Swedish Standards Institute), compartilham a presidência do Grupo de Trabalho de Responsabilidade Social da ISO (ISO/TMB WG) – responsável pela elaboração da ISO 26000.
O Grupo de Trabalho de Responsabilidade Social da ISO (ISO/TMB WG) é constituído por mais de 360 experts e observadores de mais de 60 países. Os experts e observadores participam do processo de construção da ISO 26000 de duas formas – por meio de delegações nacionais ou das chamadas organizações D-liaison. As delegações nacionais são compostas pelas seguintes categorias ou partes interessadas (stakeholders) da sociedade: trabalhadores; consumidores; indústria; governo; ONG’s - organizações não governamentais; e serviço, suporte e outros. Já as organizações D-liaison são relevantes organizações internacionais ou regionais com importante atuação nos temas relativos à RS como, por exemplo: Organização Internacional do Trabalho, Global Reporting Initiative, Organização Mundial da Saúde, Consumers International, UN-Global Compact (Pacto Global da ONU); Organization for Economic Co-operation and Development (OCDE) entre outros.
A versão de esboço final do texto da ISO 26000 – na atual fase denominado ISO/FDIS 26000 - conseguiu votos suficientes para ser aprovada em 13 de setembro de 2010. De acordo com o resultado final das votações na ISO/FDIS 26000, cinco países votaram contra (E.U.A., Cuba, Luxemburgo, Turquia e Índia). Para surpresa de todos e alegria de muitos, a China votou a favor.
De acordo com a ISO/FDIS 26000, no conceito para definir os limites das fronteiras da responsabilidade social de qualquer organização, "esfera de influência" é a palavra-chave. Esta perspectiva permite uma ampliação conceitual das fronteiras de responsabilidade social organizacional, se comparadas com perspectivas delimitadas a impactos mensuráveis em indicadores quantitativos e “paupáveis” da organização sobre a sociedade, ambiente e economia. Outro aspecto do modelo conceitual adotado pela ISO/FDIS 26000 é sua multidimensionalidade na forma de temas centrais a serem considerados na responsabilidade social organizacional, incluindo necessariamente todos os seguintes temas: governança organizacional, direitos humanos, práticas trabalhistas, meio ambiente, práticas operacionais justo; questões dos consumidores e comunidade envolvimento e desenvolvimento.
Atualmente, outras duas importantes discussões globais em matéria de responsabilidade social estão em andamento. Uma é dirigida pela Organização das Nações Unidas, que é o relatório final do Professor John Ruggie sobre Negócios e Direitos Humanos. Professor John Ruggie tornou-se uma pessoa que simboliza o centro de uma discussão global sobre a adoção de "impacto" e, portanto, a “materialidade” e “mensurabilidade" das políticas de responsabilidade social, focando principalmente em apenas um dos temas centrais da ISO/FDIS 26000 , que é Direitos Humanos. As consultas finais com as empresas, principalmente com a Organização Internacional de Empregadores (OIE), será realizada em Paris em 05 de outubro de 2010. Esta será uma reunião fundamental para contribuir para o desenvolvimento dos princípios orientadores que farão parte do relatório final do Prof. John Ruggie ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em junho de 2011.
Em paralelo, uma segunda discussão global atual sobre a responsabilidade social é o processo de atualização das diretrizes de responsabilidade social da OCDE para multinacionais, que começou em junho de 2010. No relatório executivo da reunião dos deputados europeus da OIE em 09-10 setembro 2010, é mencionado que o BIAC (Business and Industry Advisory Committee da OCDE) assume a liderança neste processo e que vem se entrelaçando intimamente com o relatório do Prof. John Ruggie.
Pode-se argumentar que, por um lado, a ISO/FDIS 26000 visa abrir o modelo conceitual da responsabilidade social, em que os direitos humanos contemplam uma das suas dimensões/temas centrais, uma dimensão muito relevante, mas não a única dimensão. Enquanto, por outro lado, as Nações Unidas está se aproximando da responsabilidade social por um foco mais para um ‘passo a passo’ da mudança global do discurso aceitável pelos principais representantes da indústria e do governo, que será expressa no que está escrito no relatório final do Prof. John Ruggie sobre Negócios e Direitos Humanos. Resta uma pergunta sobre qual é o paradigma da responsabilidade social que se vai chegar nas conclusões da atualização das diretrizes da OCDE, ao final de uma luta de diferentes lobbies. O paradigma mais amplo adotado pela ISO/FDIS 26000 de temas centrais diferentes e com base no escopo de influência ou em um paradigma de uma atitude mais favorável às perspectivas que o Prof. John Ruggie e Nações Unidas optam pela adoção de "impacto" e "direitos humanos" como foco ao invés de "esfera de influência" e todos os temas centrais da ISO 26000.

12/01/2010 | 09:28 | Artigos e Estudos
Patrícia Almeida Ashley: Responsabilidade Legal e Responsabilidade Social: Reflexão e Proposição para um alinhamento do Marco Legal Pró-Sustentabilidade

Patricia Almeida Ashley e Alberto José do Patrocínio

ARTIGO PUBLICADO NA EDIÇÃO 14, ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO DE 2 ANOS DE PLURALE EM REVISTA 

Entre autores sobre responsabilidade social empresarial - RSE e propostas de ferramentas gerenciais para medir e avaliar os estágios de desenvolvimento organizacional quanto à RSE, encontramos dissonâncias para um conceito que ainda está em construção. 
Enquanto alguns separam o conceito de RSE da responsabilidade legal como questões distintas, outros os interpenetram seja como conceitos que tenham interseção, seja como responsabilidade legal totalmente incluída em RSE. O rótulo de socialmente responsável passou a ser, ainda que uma ficção, diferencial da concorrência ou equiparação a esta, representando também “moeda” de troca com seus interlocutores preocupados com a questão social.
Por este motivo, entendemos que a precisa definição da responsabilidade social e seus pontos limítrofes representará significado avanço na possibilidade de serem identificados os atores verdadeiramente comprometidos com as questões que envolvem a sociedade.  

Em se tratando dos primórdios da discussão sobre RSE, na abordagem econômico-financeira de Milton Friedman em texto clássico da literatura sobre RSE publicado em 1970, a responsabilidade social da empresa é entendida como a maximização do lucro a partir do estrito cumprimento de suas obrigações definidas e regulamentadas em lei. Porém, quando são consideradas todas as partes interessadas, esta visão clássica contempla conceito mais amplo.
Conforme analisa e propõe Ashley (2005), em modelo genérico de análise de orientações estratégicas quanto à RSE, haveria três níveis de desafios éticos para cada uma das relações negócio-sociedade: desafio ético nível 1, referindo-se ao cumprimento da lei; desafio ético nível 2, tratando das práticas que atendem a expectativas atuais da sociedade ainda não contempladas e exigidas em lei; e desafio ético nível 3, superando expectativas atuais da sociedade e exigências das leis, refletindo-se em aspirações a ideais éticos por parte dos sócios e gestores das empresas.
A discussão merece atenção pela importância de se identificar a profundidade com que as políticas privadas em responsabilidade social são praticadas. A questão primeira é se o simples cumprimento da legislação autentica a prática como responsabilidade social que assim estaria contida como uma cartilha no texto legal.   Não é um absurdo jurídico considerar a lei como resultado da necessidade da sociedade, pois, ainda que não imperiosa, esta necessidade tem esta importância a partir do momento que se torne parte do consciente coletivo desta sociedade formado pelo hábito ou movimento de algum setor específico.  

Reflexão 

Foucault (2005) define o que chama de panoptismo como uma característica de nossa sociedade, que significa a forma de poder exercido sobre os indivíduos em forma de vigilância individual e constante, na forma de controle, sanção e correção, transformando os indivíduos em decorrência de suas normas, o que parece ser a dimensão e característica das relações de poder que existem em nossa sociedade. Assim, o comportamento do indivíduo é, em parte, orientado por regras e não por sua consciência.
Fazendo relação entre o conceito de responsabilidade e consciência, tem-se que a responsabilidade significa responder por certos atos próprios ou de outrem e consciência a faculdade que tem a razão de julgar, “a voz secreta da alma”, que aprova ou desaprova nossos atos (FERNANDES, 1967)[5].   Sempre que ouvimos a expressão “ter responsabilidade” nos reportamos automaticamente ao conceito do certo ou errado, onde estar certo seria cumprir o que se espera das nossas ações e do nosso comportamento e errado aquilo que o contraria. Então, ter responsabilidade seria cumprir com o esperado, ou seja, com aquilo que é correto e a irresponsabilidade seria verificada quando esta expectativa fosse ignorada ou contrariada. Em suma, o conceito de responsabilidade infere a obrigação de responder por certos atos. 
A questão é: Surgiria então a conscientização da responsabilidade social a partir do cumprimento da responsabilidade legal? Talvez não em todos os casos, mas, na maioria, a conscientização da responsabilidade social plena ultrapassa o apenas exigido por lei. Mas, ainda assim, distingue-se com clareza o legal do espontâneo. Seria então a conscientização da questão social, quando materializada de maneira ampla e irrestrita em ações positivas, o verdadeiro conceito de responsabilidade social no seu sentido mais verdadeiro?
Observa-se que algumas das ações classificadas como de RSE estão positivadas em leis que orientam e obrigam a sua aplicação, outras ações não previstas em lei fluem espontaneamente por diversos motivos – filantropia, marketing institucional etc. - sem que se tornem procedimento obrigatório, e tantas outras, apesar de não representarem dispositivo legal, ao longo do tempo adquirem força de lei. 
Não vemos a responsabilidade legal como responsabilidade social mínima, pelo fato de que em cada classe ou grupo as necessidades sociais e as expectativas são diferentes, as quais se modificam com novos contextos históricos da vida cultural, econômica, política e ambiental em sociedade. 
Observa-se, então, o cumprimento da lei como obrigatório e inescusável, distante assim das atitudes voluntárias e com origem na consciência. O que se espera é o atendimento das necessidades sociais que extrapolam o contido no texto legal atual, pois, além do texto legal poder estar anacrônico diante dos desafios contemporâneos, este, sendo obrigatório, não depende da conscientização e da atitude voluntária do autor. Não nos parece existir diferença entre responsabilidade social e consciência social. Porém é flagrante a distância entre responsabilidade legal e consciência social. 

Proposição 

Talvez toda a dificuldade em diferenciar a responsabilidade legal da social esteja na sua classificação onde podemos, sem criar nada de novo, classificar a responsabilidade legal como responsabilidade social imperativa, diferenciando-a, sem excluí-la, da responsabilidade social ampla ou total, e aí incorporada a consciência e o voluntariado.
Por outro lado, a discussão sobre responsabilidade legal e responsabilidade social faz-se necessária para reflexão e orientação estratégica do marco legal contemporâneo e das políticas públicas para que promovam práticas empresariais e de mercados alinhadas com a RSE, facilitando e viabilizando o cumprimento da lei como parte do conceito amplo de responsabilidade social. 
Vemos diversos projetos de lei alinhados com a RSE e que estão há anos se arrastando na Câmara Federal e que já poderiam e deveriam entrar em pauta para votação, mas são bloqueados no contexto da disputa de paradigmas empresariais entre a clássica e anacrônica visão exclusivamente financista para medir valor empresarial e a emergente e urgente visão de sustentabilidade econômica, ambiental e social para excelência empresarial.
Neste sentido, a título de exemplo, há de se contemplar a necessidade de reforma tributária e alterações do marco legal sobre licitações e sobre financiamento público de forma a autorizar e configurar políticas públicas para as relações Estado-empresas-mercado que promovam a viabilidade econômica da economia formal alinhada com a produção e consumo sustentáveis resultantes de práticas da RSE. O futuro pede licença para entrar e conclama a sociedade, o mercado e o Estado para a sustentabilidade como essência e objetivo das normas legais e decisões coletivas da humanidade.

Alberto José do Patrocínio – Advogado, Administrador e Mestrando do Programa de Mestrado em Sistemas de Gestão do LATEC-Universidade Federal Fluminense, pesquisando na linha de pesquisa de Responsabilidade Social e Sustentabilidade.  albertopatrocinio@superig.com.br 

 

. FRIEDMAN, Milton. The social responsibility of business is to increase its profits.  New York Times Magazine, 13 de setembro de 1970.
. ASHLEY, Patricia Almeida – Responsabilidade social empresarial: um modelo genérico para análise e orientação estratégica. In ASHLEY, P.A. (coord.). Ética e Responsabilidade Social nos Negócios, Saraiva, SP, 2005. p. 110-135
. FOUCAULT, Michel – A Verdade e as Formas Jurídicas, PUC, RJ, 2005
. ERNANDES Francisco. Dicionário Brasileiro Contemporâneo Ilustrado. [Com a colaboração de F. Marques GUIMARÃES]. 2a ed, 5a impressão. São Paulo: Ed. Globo/Edições Melhoramentos, 1967 (11953., 21960).
 

Fonte: Plural em revista ed 30

(*) Patricia de Almeida Ashley é colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre Sustentabilidade. Líder do grupo de pesquisa e extensão Rede EConsCiencia e Ecocidades e Professora Adjunta no Departamento de Análise Geoambiental do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Curso de Bacharelado em Ciência Ambiental, na Universidade Federal Fluminense. Email: ecocidades@gmail.com. Website: www.cienciaambiental.uff.br
 
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