Melhores Práticas
Mestre Roque Antônio Soares Júnior . O brincar
Descrição
Mestre Roque Antônio Soares Júnior
Natureza infantil
“É responsabilidade do adulto, da escola, da igreja, de todas as instituições que acolhem a criança fornecer ao menino uma experiência com a natureza para que ele possa pôr o pé na terra e crescer apaixonado pelo planeta.”
O brincante Roque Antonio Soares Júnior, o Roquinho, foi buscar na sua infância no interior o conhecimento necessário para dialogar com as crianças. E até hoje essa memória de infância o inspira nessas conversas com meninos e meninas do Brasil afora. Membro da Casa das Cinco Pedrinhas, um organismo idealizado pela musicista Lydia Hortélio, ele há 20 anos observa e registra a relação espontânea da criança com a natureza. Roquinho diz que, quando bem plantada na alma infantil, a natureza gera muitos frutos: transforma o menino num adulto mais conectado com seu planeta.
Quando e por que se voltou para as pesquisas relacionadas ao brincar?
Foi em função de ter vivido a infância fortemente, de lidar com o mundo através do brinquedo, de ser do interior, de perceber uma importância nisso tudo. Quando voltei à minha cidade (Padre Paraíso, no Vale do Jequitinhonha), aos 20 anos, inaugurei um trabalho com as crianças de lá, que viviam uma realidade muito dura. Como não tinha formação específica para isso, para descobrir um caminho de diálogo com aquelas crianças, pensava na minha infância. E claro, pensando na infância, encontrava o brinquedo e a brincadeira como uma base para promover essa primeira experiência com as crianças.
Que diferença nota entre as brincadeiras de crianças cercadas pela natureza e os meninos criados dentro de apartamentos?
Meninos e meninas amam brincar, em qualquer lugar. A única coisa que os impede de brincar é um adulto muito severo. Mas as crianças sempre encontram espaço para a brincadeira. É claro que ela se relaciona com o desejo considerando seus limites e suas possibilidades. Há alguns anos, a gente viu em Belo Horizonte, por exemplo, uma escola cheia de espaço, mas o espaço não era dado aos meninos. Vimos, então, duas meninas brincando de amarelinha, pulando com os dedos, em cima de uma carteira por falta de espaço.
O que há em comum nas brincadeiras que surgem do contato da criança com a natureza? E que relação vê entre a natureza e o brincar?
Lydia Hortélio fala algo maravilhoso, diz que "a natureza é a casa da infância". O que há de comum e maravilhoso entre as crianças de todos os tempos e lugares do planeta é essa predisposição para brincar em meio à natureza. Folhas, fogo, flores, sementes, água e terra se transformam em brinquedo e dão à criança a chance de se desenvolverem amparada pela natureza do seu lugar. Isso constrói a possibilidade de o menino crescer encantado pelo mundo que o cerca. Quem experimenta isso guarda uma experiência muito profunda, uma intimidade que mais tarde poderá interferir positivamente na qualidade da relação que essa criança terá com o planeta. Mas não acho que essa seja uma experiência que só sirva ao menino e menina do interior. Em Belo Horizonte, temos milhares de praças. É responsabilidade do adulto, da escola, da igreja, de todas as instituições que acolhem a criança fornecer ao menino uma experiência com a natureza para que ele possa pôr o pé na terra e crescer apaixonado pelo planeta.
Quais são os brinquedos encontrados nessa relação com a natureza?
Milhares. Tem um conjunto de brinquedos que são prontos, não precisa fazer nada, como sementes que são jogadas da árvore e descem rodando como helicóptero. E tem brinquedos que os meninos transformam. São infinitos, coisas que colhem da natureza. Muitos anos atrás, vi um menino colocando uma flor de laranjeira, linda e cheirosa, num canudinho fininho, também da natureza. E, quando ele a colocava contra o vento, a flor girava como um cata-vento. Em uma cidade chamada Veredinha, em Minas, vi um menino com um barquinho feito com uma casca de amendoim e com um espinho cravado dentro dele. Era uma casquinha boiando, balançando sem afundar, como um pêndulo. Há meninos que transformam o cupinzeiro, que é mole, em fogãozinho para cozinhar. Outra experiência linda que vi: meninas que usam espinho para escrever bilhetinhos em folhas de um arbusto, depois deixam pelo caminho para as colegas bilhetinhos em folhinhas. Escreviam: "Já fomos, passamos".
Qual a importância desses brinquedos na formação da criança?
Cada um desses brinquedos é um traço da cultura de um povo. Servem, antes de tudo, ao sentido de comunidade de um povo. A cultura do brincar é uma cultura do encontro. Cada brinquedo ou brincadeira é um caminho para um conhecimento profundo sobre a natureza humana e a natureza que nos cerca. A cultura da infância é como se fosse uma pedagogia, que inaugura conhecimentos elementares para o ser humano. É importante reconhecer essa força na ação dos meninos e pensar em como ela pode ser uma inspiração.
As crianças continuam brincando com as brincadeiras de seus pais e avós?
Às vezes, não, porque a cultura é dinâmica. E, se você tem uma outra realidade, uma outra brincadeira surge. É claro que às vezes é importante colocar diante de um menino coisas que são maravilhosas e que fugiu do alcance dele. Mas o desejo primeiro, no meu caso, a perspectiva primeira, é de reconhecer na criança hoje qual o movimento que ela pratica que corresponde ao desejo do brincar. Isso porque, às vezes, se você chega nessa perspectiva do resgate, mais uma vez se coloca como professor diante do menino, quando há possibilidade de aprender com a criança. O mestre da brincadeira é menino, não é o adulto.
Fonte: Folha.com
Colaboração: Jacqueline Lopes