São João del-Rei, Tiradentes e Ouro Preto Transparentes

a cidade com que sonhamos é a cidade que podemos construir

la ciudad que soñamos es la ciudad que podemos construir

the city we dream of is the one we can build ourselves

la cittá che sognamo é la cittá che possiamo costruire

la ville dont on rêve c’est celle que nous pouvons construire

ser nobre é ter identidade
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Melhores Práticas

Mineiros de Ouro . Série Especial do Jornal Estado de Minas

Descrição

Mineiros de Ouro . Série Especial do Jornal Estado de Minas

Em 2013, a nova edição do projeto Mineiros de Ouro retorna com o mesmo propósito de 2010: resgatar vidas, histórias e o trabalho de pessoas comuns que, tirando uma ideia do papel, aparentemente simples, contribuíram para o crescimento de sua comunidade e fizeram diferença na vida de outras pessoas.
Acompanhe a série de reportagens, todos os sábados nas páginas dos jornais Estado de Minas e Aqui. Todas às segundas na TV Alterosa, no Jornal da Alterosa 1ª edição, e no Portal Uai.

Acesse o site da série Mineiros de Ouro

Mineiros de Ouro: sonho no fundo do tacho Personagem da culinária de Tiradentes, Chico Doceiro prova que em qualquer atividade é possível construir vida digna com muito trabalho, o que já lhe rendeu reputação e respeito

Arnaldo Viana

Publicação: 06/07/2013 06:00 Atualização: 06/07/2013 07:30
Avô de cinco netos, Chico conta com a ajuda do filho José no fogão e da mulher, Conceição, na loja

Fazer o que com um tacho pequeno e cinco litros de leite? A sugestão mais simples é derramar o leite no tacho, botar um pouco de açúcar e mexer por umas três horas. O doce pode render um dinheirinho, mas não o suficiente para mudar uma vida. Teoricamente, não. Mas Francisco de Paula Xavier contrariou a teoria. A partir de um tachinho e cinco litros de leite, ele construiu um sonho e, aos 82 anos, continua vivendo uma bonita aventura de coragem, determinação, trabalho e respeito pelo que faz.

Francisco é Chico Doceiro, um dos personagens imperdíveis da culinária de Tiradentes, nos Campos das Vertentes. Da rapa do tachinho conseguiu, em 47 anos, ganhar reputação e a capacidade de atender encomendas de até 5 mil doces, sem deixar de oferecê-los também a antigos clientes e a turistas na sua cozinha e loja instalada numa tranquila rua da cidade histórica. Chico é o exemplo de que nada é impossível para quem simplesmente acredita e trabalha.

“Nasci em Vitoriano Veloso, hoje Bichinho, distrito de Prados, também nos Campos das Vertentes. Meu pai tinha uma terrinha e plantava milho, feijão, arroz e outras coisas para o sustento da família. Com 12 anos, comecei a ajudá-lo depois da escola. Aos domingos, ele comprava doces de uma quitandeira e montava uma barraca em frente à igreja. Não pensava ainda que doce estaria ligado ao meu destino.” O pai vendeu a barraca e Chico continuou ajudando-o na lavoura até completar 22 anos.
“Foi quando decidi ir para São Paulo, começar a minha vida.” Na capital paulista, Chico arranjou emprego em loja de variedades, daquelas que, em tempos idos, vendiam de tudo, de tecidos a ferramentas. Trabalhador, deu-se bem. Nas idas e vinda entre a grande cidade e a pequena Bichinho para visitar os pais, conheceu Conceição Pessoa da Silva. Do aconchego ao casamento. Levou-a consigo. Montou casa em solo paulistano. Parecia definitivo.

Canudinho

Mas o burburinho de São Paulo sufoca, por mais que se esforce, não encobre a saudade da terra natal de um mineiro pacato. Depois de 12 anos, voltou para Bichinho com a mulher, a mobília, uma filha no colo e alguma economia no bolso. “Cheguei e cismei de fazer doce. E nem sabia fazer. Para começar, peguei um tachinho e cinco litros de leite com minha mãe. Botei o leite e açúcar no tacho e fui mexendo, mexendo e provando… até acertar o ponto.”

Chico queria começar o negócio com canudinho. “Ninguém fazia canudinho nesta região, pois é um doce que dá muito trabalho. A massa eu tinha ideia de como fazer, pois observava muito o trabalho dos pasteleiros em São Paulo.” E conseguiu. Enrolava a massa em bambu e a recheava de doce de leite. E a doceria disparou. “Passei a fazer também beijinho de coco, doce de abóbora, cajuzinho. Fiz também de batata-doce, mas era preciso usar anilina para dar cor, o que acabou sendo proibido pela vigilância sanitária.”

Turista chega, prova e se encanta


O negócio cresceu e a família também. Nasceu o filho, José, que hoje o ajuda no negócio. “Comprei um lote em Tiradentes, onde estou até hoje.” O fogão a lenha e o grande tacho ficam nos fundos da loja. Doce de laranja-da-terra, cocadas e doces de frutas da época estão também entre as ofertas de Chico Doceiro. O turista chega, prova, se encanta, vai embora, sente saudade e manda buscar. “É gente de todos os lugares e temos uma boa embalagem para as encomendas.”

Comer um doce apenas na loja da Rua Francisco Pereira de Morais é agradar o paladar, mas o prazer é maior ainda se Chico, avô de cinco netos, estiver ao lado do fogão, mexendo o tacho com uma grande pá e respirando fumaça sem reclamar. “Trabalho 12 horas por dia, das 6h às 18h.” A fumaça da queima da lenha não faz nenhum mal aparente aos pulmões de Chico. “Acabei de fazer um chek-up e está tudo bem. Não fumo e não bebo. Gosto de café, feijão, arroz e pouca carne. Doce, como pouco.”

A companheira, Conceição, um pouco mais nova que o marido, nunca foi ao tacho. “Não faço doce. Sou só uma ajudante na loja.” E nem precisa fazer. Chico, 1,64m, 58kg e sem um grama sequer de gordura no corpo, dá conta do recado. Mesmo porque gosta de estar ao lado do fogão e do tacho, e feliz. “A gente tem de viver alegre. E agradeço a Deus a toda hora por tudo isso.” “O homem pode realizar o seu sonho, bastam coragem e vontade de trabalhar.” Vida longa, Chico Doceiro, orgulho de Bichinho e da sedutora Tiradentes.
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13
 
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Generosidade a favor do saber
 

Gabriella Pacheco

Hudson Almeida deCarvalho, de 34 anos, gosta de dizer que na família dele a generosidade corre no sangue, mas não é bem assim. A característica foi, na verdade, cultivada por meio de ações e exemplos bem plantados por seus pais - Maria Eunice de Almeida, de 60, e Benedito Carvalho, de 79 - ao longo da vida dele e de seus três irmãos: Rafael, Tatiane e Viviane. Criados em um bairro de classe média baixa de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, os quatro irmãos tiveram mais benefícios ao longo da infância que seus pais, no entanto sempre aprenderam, com exemplos práticos, a não medir esforços para ajudar os outros.

Seja qual for a maneira como a característica foi transmitida, essa generosidade mobilizou a família Almeida de Carvalho a levar um pouco mais de cultura e informação à uma pequena comunidade rural da cidade de Conceição do Pará, na região Centro-Oeste do estado, à 136 Km da capital. Bom Jesus do Oeste é o nome do povoado isolado da cidade por cinco ou seis quilômetros de estradas de terra. Com oito ou dez ruelas unidas por uma praça com uma igreja, os serviços públicos disponíveis lá se resumem à uma escola e um posto de saúde e as opções de lazer, à um bar e a conversa jogada fora nos bancos da praça nas noites de missa.

Por cerca de quatro anos, os irmãos acompanharam a rotina dos moradores durante as visitas ao sítio da família, que mora em Belo Horizonte. Amigos do caseiro, eles se surpreenderam quando descobriram que, em pleno século XXI, a maioria das pessoas do lugar mal sabia como funcionaum computador. “Os filhos do nosso caseiro são adolescentes e a menina dele ganhou um computador da mãe, mas disse que ele ficava guardado em uma caixa, servindo de apoio para outras coisas, porque ela não sabia usá-lo, nem sequer ligá-lo”, conta Hudson.

Em um lugar onde uma pessoa bem de vida ganha algo próximo de R$1 mil, o que mais comoveu a família foi o abismo referente ao acesso à informação que os separava dos moradores do lugar. “As pessoas lá são carentes de questões culturais”, reforça o administrador.
Não atoa, a primeira ação que a família tomou no povoado foi juntar livros infantis ede pesquisa, doados das próprias coleções, de amigos e amigos de amigos, para montar uma biblioteca comunitária. Curiosamente, a atitude foi semelhante à de Maria Eunice durante a infância dos filhos, quando ela abriu o acervo da família no porão da casa para o uso de crianças do bairro em que moravam. No entanto, em Bom Jesus do Oeste, a ação ultrapassou em muito isso. Ela foi só a ideia inicial que gerou, em outubro de 2012, a 'Casa do Saber'.

O local foi alugado em frente à igreja e ao lado da escola, no coração do povoado. Lá eles destinaram dois cômodos para o acervo de livros, que hoje chega à quase 300 exemplares. Em outro, eles disponibilizaram computadores com acesso à internet e ensinaram, em seu tempo livre, as pessoas dacomunidade não só como ligar a máquina, mas também como aproveitar todas suas vantagens. Em outra sala eles ainda deram uma nova possibilidade de lazer às crianças locais, montando uma sala de áudio-visual para a exibição de filmes nos fins de semana - carinhosamente apelidada pelos pequenos de 'cineminha'.
E o que os diferencia de tantas outras famílias que também têm a generosidade como princípio? Eles arcam, sozinhos e em conjunto com todos os custos do local. “Estipulamos uma verba mensal do nosso lucro na empresa familiar”, explica Hudson. Junto com o pai, os quatro irmãos são sócios em uma empresa de equipamentos de segurança. “Não fica caro porque, no interior, os profissional tem custo mais baixo e algumas coisas conseguimos de doações”, completa Viviane.

Independentemente do valor gasto, os irmãos não aparentam se importar com os custos. “Para a gente não é sacrifício”, destaca Viviane. “A sensação que a gente têm é que o trabalho tem sido útil e ajudado as pessoas. O feedback que os moradores de lá nos dão é muito bom e o projeto acaba sendo uma forma de agradecer a Deus pelo que conseguimos na vida”, afirma o irmão.
A compensação vem aparecendo de forma singela. Nos sorrisos, abraços e nas pequenas transformações que o esforço deles rendeu à comunidade. Para Viviane, o momento em que isso ficou mais claro foi após um concurso de redação. “Uma das crianças que ganhou era considerada uma das mais rebeldes da escola. Ninguém acreditava no potencial dele e, por isso, ele também não. Ele chorou demais porque conseguiu ganhar. Isso foi muito emocionante”.

Quem trabalha diretamente com a comunidade é capaz de enxergar os benefícios da ação. Cerisa Oliveira Borges, de 35 anos, é professora de educação física da Escola Estadual Bom Jesus do Oeste, a única do povoado. Assim como a família Almeida de Carvalho, ela não é natural de lá e reclama da precariedade do local. “A escola, por exemplo, não tem estrutura nenhuma. Então elas facilitaram muito meu trabalho”,diz.
Ela ainda conta que os moradores não sabem apreciar plenamente os benefícios trazidos pela instalação do projeto. “Acho que eles ainda ficam meio desconfiados, com medo de ser gente de fora com interesses políticos, mas sei que as crianças estão gostando muito”, conta. E não é de se estranhar. Generosidade gratuita não é tão comum. Mas a professora acredita e espera que, com tempo, os moradores aceitem e reconheçam, por completo, o espaço da mesma forma que ela.
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13

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Dona Nilza é uma mineira revolcionária
Arnaldo Viana

“Sou mesmo revolucionária.” A convicção é de Nilza Rolla Perdigão, nascida há 93 anos em São Domingos do Prata, na Região Central de Minas, às margens do modesto rio que, em parceria com o santo, deu origem ao nome do município. Simples assim? Não. Trata-se de uma mulher que viveu e vive com a mente sempre à frente de seu tempo. Ciente de que esteve e está um passo adiante, não se negou e não se nega a se colocar a serviço da causa dos semelhantes. Ferramentas para isso trouxe da infância: trabalho e delicadeza, principalmente delicadeza.
Ajudou a construir e a reformar casas de conterrâneos necessitados, buliu na autoestima das mulheres pratenses, vestiu crianças maltrapilhas, amparou idosos etem sempre os braços e o coração abertos para quem grita ou estende a mão por uma necessidade qualquer. Não se deu ao casamento e é feliz, extremamente feliz. Saudável. “Tirando uma dorzinha nos quadris, culpa da artrose…” E lá vai ela, a pé ou ao volante do Palio modelo 2012 pelas ruas apertadas e bem cuidadas de São Domingos do Prata. Tia Nilza, como todos a conhecem na cidade, dirige e bem, quebrando preconceitos e ultrapassando o tempo.

“Nasci aqui nesta casa”, diz, diante das visitas na ampla sala da confortável moradia ao fim da rua que homenageia o pai: Astolfo Perdigão. “Foi com ele que aprendi duas das principais virtudes que carrego comigo: trabalho e delicadeza. Era um artesão da terra. Cultivava-a com carinho. Lembro-me do cuidado dele coma alimentação dos colonos que trabalhavam para ele. Ia todos os dias à cozinha ver a comida. Abria as panelas, o que deixava intrigada a minha mãe, Thereza Rolla. Só para ver o que seria servido. Isso, para mim, era delicadeza.”
Tia Nilza nem precisa de endereço. Não há ninguém no município de cerca de 18 mil habitantes que não a conheça. É uma referência em solidariedade comunitária. Tanto que foi homenageada pela prefeitura na semana passada, ao lado de outras duas personalidades pratenses, como exemplo de cidadania e retidão. A medalha ela exibe com orgulho, mas sem o mínimo de vaidade. “Não faço nada por mim. O importante é estar presente na comunidade.”

Indubitavelmente, cidadania Tia Nilza cultiva desde o berço. Conviveu com as pessoas indiferente à cor da pele, ao credo ou condição social. Mas não indiferente à carência, material ou imaterial. Não deixa de agradecer ao pai pelo zelo com a educação dos 11 filhos (seis mulheres e cinco homens. “Ele trabalhou muito para isso. Fiz o curso normal – correspondente ao científico ou ao ensino médio de hoje – em Ponte Nova e as escolas particulares já eram caras. Não havia, na época, oferta em todas as regiões de ensino público além do curso primário (equivalente ao fundamental).”“Quando saí da escola, senti um vazio.” É que manifestava nela a necessidade de quebrar paradigmas. Reuniu um grupo de mulheres em São Domingos do Prata e fundou o Clube Dedo Verde, uma ideia que partiu da consciência ambiental de Tia Nilza, algo raro na época, para mostrar que a perspectiva feminina podia estar além do forno e do fogão. Formou-se um grupo de 30 companheiras. Percorreram reservas e hortos florestais, universidades, visitaram o cultivo de rosas em Barbacena. Abriu-se para elas uma ampla janela social e cultural. Isso pode ser chamado de cidadania.
Nas andanças, o coração de Tia Nilza balançava diante de casebres, de convivência promíscua de famílias em ambientes exíguos. Aliou-se à irmã Mônica, freira dominicana, e criou um projeto para tirar aquele gente da aflição. “Corremos atrás de apoio.” Um tio, que trabalhava na Vale, conseguiu a doação de uma quantia em dinheiro. Era pouco. Precisava de mais. E Tia Nilza não se avexou. Pediu e a ajuda veio de outro tio, João Rolla, fundador da Casa Rolla, em BH, e de todos os lados. Reuniu o suficiente para dar início à construção de casas simples, mas arejadas e confortáveis.

"Fizemos 104 casas.” E ainda hoje não nega a mão a quem pede para tirar a família de ambientes insalubres. João Rolla colaborou muito. Até enviou para Nilza uma fardo de pano que ela distribuiu às costureiras do município para que fizessem roupas e vestissem crianças carentes. A tradicional Casa Rolla, em lamentável processo de fechamento, é um dos exemplos do empreendedorismo da família. Joaquim Rolla (1889-1972), mineiro de Dom Silvério e irmão de João, passou de tropeiro a vencedor em negócios ligados ao turismo e ao jogo. Foi dono do extinto cassino da Urca (Rio) e comandou outros em Icaraí (Niterói), Pampulha (BH) e em estâncias hidrominerais do estado, como Araxá, Lambari e Poços de Caldas.

A inquietação, como se vê, está no DNA de Nilza Rolla Perdigão, que um dia arregaçou as mangas também para recompor todo o vestuário do Hospital das Dores, de São Domingos do Prata. A conversa com ela pode durar dias, mas agora essa revolucionária, que deixaria o papa Francisco orgulhoso, pede licença para escrever cartas com letrinhas miúdas e bem bordadas, sem óculos, por sinal, para sobrinhos e sobrinhas. Isso por pouco tempo. Daqui a pouco alguém bate à porta: “Tia Nilza…”
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13

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Arte de fazer a roda cantar

 
 
O cantor, compositor e repentista baiano Caxangá, já falecido, que fez história também como apresentador no rádio mineiro, cantava assim: “Eu sou ferreiro, carpinteiro e carapina, quero que você me ensina a lavar roupa sem molhar”. Ao ouvir os versos do artista popular, Altamiro de Paula Ribeiro, personagem do bem-querer do povo do município de Ibertioga, na Região Central do estado, abre um largo sorriso e diz: “Difícil essa aí, de lavar roupa sem molhar, né?". Com as mãos, é difícil mesmo. Talvez impossível. Tanto que ninguém nunca apareceu diante de Caxangá para ensiná-lo.

Altamiro, de 64 anos, ou simplesmente Tatá, se não sabe lavar roupa sem molhar, malha o ferro e forja peças, como faz o ferreiro; sabe carpinteirar, e bem; e marceneira como ninguém. São apenas algumas de suas habilidades. Há outras, como a que o fez famoso: construtor de carros de boi, aqueles de madeira, pesados, de rodas cantadeiras, puxados por juntas (parelhas) de bois, os chamados bois de carro, fortes, calmos e obedientes. Arte que Tatá aprendeu como pai e que vê morrer, devagar, porque não há mais ninguém disposto a segui-la. Se hoje o carro de boi é um veículo alegórico, reverenciado todos os anos, em julho, em Ibertioga, sem ele a ocupação de certos sertões mineiros seria impossível. Não há  como imaginar o surgimento de povoados e grandes fazendas de café e de gado naqueles empos em que não havia caminhões e tratores sem um meio de transporte. Se as tropas de burros e mulas eram para cargas leves, os carros de boi eram para o serviço pesado, grandes quantidades de sacarias e móveis, além de pedras, areia, madeira e adobe para a construção dos casarões. Era bonito vêlos gemendo morosamente no fim do estradão.

Geraldo Paulino Ribeiro, pai de Tatá, como tantos outros nas quebradas de Minas que talharam o jacarandá para dar conta das encomendas de fazendeiros e empresas que principiavam a ocupação de terras, são, imerecidamente, anônimos. Imerecidamente porque hoje o carro de boi é reverenciado em festas e desfiles, não somente em Ibertioga. Pela sua importância e tradição. Ser dono de um, de rodas cantadeiras, é como ter na garagem um Ford picape fabricado em 1929. E não tem preço. Se a arte de construir carro de boi não é mais atraente, madeira de lei agora, como o jacarandá, é coisa rara.
Tatá começou na labuta cedo, como a maioria naqueles tempos. Aos 8 anos já ordenhava vacas, na profissão chamada retireiro. E tinha que levar o leite à fábrica de laticínios. Aos 10, começou a ajudar o pai a fabricar carros de boi. E foi observando o trabalho de Geraldo Paulino. Daí até aprender a arte foi um pulo. Mas não é um ofício simples.Um carro de boi exige a meticulosidade de um projetista de automóvel. Questão de milímetros. Um errinho de nadano desenho do mião (roda) ou na romã do eixo, o carro fica comprometido, principalmente por um detalhe. “Carro que não canta vira carroça”, diz Tatá.

MILIMÉTRICO Para não cometer erros, é preciso destreza no manejo da serra, do serrote, da enxó, do grupião, da plaina, da pua, do prumo, da lima, da grosa, só para falar de algumas ferramentas. Por isso é importante ser, no mínimo,  carpinteiro e carapina. Para cantar, o eixo é untado com azeite de mamona. “É uma arte que, infelizmente, está acabando. Antigamente, no festival de carros de boi aqui em Ibertioga, desfilavam pelo menos 100. Na última, agora em julho, havia no máximo 15”, conta Tatá. Ele participou da festa durante anos. “Todos os anos desfilava com um carro cheio de milho. As pessoas levam prendas, que são leiloadas em benefício da paróquia”.
“O trator com carretinha substituiu o carro de boi nas fazendas”, diz, para explicarumdos motivos pelos quais o ofício deixou de ser atraente. Não só os tratores. Os caminhões também. Não há mais demanda.“Meu pai crioutrês filhos e eu cinco com esse trabalho.” Tatá, como tantos outros criados no interior das Gerais, estudou só até a terceira série (correspondente ao terceiro ano do ensino fundamental) porque tinha que trabalhar para ajudar os pais. Aposentou-se,com pensão hoje de R$ 675. Para sobreviver com a mulher, complementa a renda com o dinheiro da venda do leite ordenhado de uma dúzia de vacas.

“Hoje, mesmo se quisesse, não conseguiria mais construir um carro de boi. É preciso trabalhar muito tempo agachado e não teria mais a ajuda de minha mulher, que sofreu um derrame e ficou com os movimentos prejudicados. Tenho orgulho de ter aprendido essa arte e de saber fazer. Estou pronto para ensinar a quem quiser aprender. As ferramentas eu tenho. A pessoa não pode medir distância para aprender.” A lição é boa. E aprender foi também um ofício para Tatá. Tanto que, além de construtor de carros de boi, carapina, marceneiro e retireiro, faz serviço de pedreiro e sabe plantar e colher. Vida longa para Altamiro de Paula Ribeiro. E que o carro de boi não desapareça do cenário das Minas Gerais.

Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13

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Doação do Saber
 
Há 37 anos, quando Vanilda de Jesus Pereira ainda não tinha 14, vir de Confins a BH era uma verdadeira viagem. Não havia essa de Linha Verde. Era quando ela deixava a casa dos pais, na cidade da região metropolitana, para trabalhar como doméstica na capital, onde nasceu. Tinha o primeiro grau (ensino fundamental) completo e, além do trabalho da casa, lia o jornal para a patroa e orientava a filha da mulher com os trabalhos de escola. Uma noite, depois de ajudar a criança a fazer o resumo de uma obra literária, levou o livro para ler no quartinho quente e apertado.
“Por incrível que possa parecer o livro era Escrava Isaura. A obra, escrita pelo romancista mineiro Bernardo Guimarães (1825-1884), pertencia à biblioteca da casa. Mal Vanilda começou a leitura, a patroa apareceu, enfurecida. “Com ordem de quem você pegou o meu livro?” Na mesma noite ademitiu e, se ainda estiver viva, não sabe o bem que fez a milhares de pessoas, além de mudar a vida daquela menina.
Vanilda foi para a rodoviária. Não havia mais ônibus naquele dia para Confins e ela dormiu nos jardins do terminal.
No dia seguinte, foi à Livraria Amadeu, o mais famoso sebo de BH, então na Galeria Ouvidor. “Comprei dois livros, Escrava Isaura e Éramos Seis – este da escritora paulista Maria José Dupré (1898-1984).” O pai, lavrador, era evangélico e praticamente obrigava a filha a segui lo na opção religiosa. “Ora, se eu pagava 10% do ganhava à Igreja, por que não gastar mais10% com livros? Arrumei outro emprego e passei, então, a comprar dois livros por mês. "Eu me tornei uma devoradora de literatura.”

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Valnilda lia e emprestava a quem pedisse, sem esperar pela devolução. Deixou Confins e foi morar na pequena favela que havia no entorno do viaduto do Anel Rodoviário no Bairro São Francisco.
Já com quatro filhos e solteira, sofreu um AVC. “Não pude mais trabalhar como empregada. Então, pedia um vizinho que adaptasse um pedaço de ferro afinado na ponta de um cabo de vassoura e fui para as ruas catar papelão para sustentar os filhos.”
Não era raro achar um ou outro bom livro no lixo. Um dia, no entanto, em uma calçada da Pampulha esbarrou em um monte de livros, entre os quais enciclopédias. “Perguntei ao morador mais próximo se era dele. Respondeu que era lixo mesmo. Lixo cultural, claro. O que dei conta, botei na cabeça. Mas apareceu um taxista solidário. E ele me ajudou a levar todos aqueles volumes para a favela.” Os livros encheram o barraco. “Em cima da cama, debaixo do fogão, em todos os lugares. E cuidei de etiquetar todos.” Nasceu a primeira biblioteca formada por Valnilda. E, ao contrário da daquela primeira patroa, ela abriu o acervo a toda a comunidade. Mas não era apenas livro o queVanilda recolhia. Crianças sem pai, sem mãe e sem rumo também.“Com os meus quatro, posso dizer que tenho 48 filhos”. Em todos os fins de
ano, os meninos escreviam cartas pedindo brinquedos e roupas, que ela entregava a empresas. Por isso, sofreu a maior carga de preconceito, e da polícia.
“Havia várias pessoas com carros modernos estacionados na beira da favela. Eram empresários que foram fazer doações. Um carro da PM parou e os militares foram logo perguntando se era um sequestro.”
De tanto acumular livros, doados, achados ou comprados, etiquetados e arrumados,
Vanilda virou referência. A ajudou a criar bibliotecas nas cidades de Confins,
São Joaquim de Bicas, São Francisco, Berilo, Nanuque, Salinas, Posto da Mata (BA), Monte Azul, Sabará, Mato Verde, entre outros, e nos bairros Cachoeirinha e Céu Azul, em BH. No São Francisco não há mais: a favela foi erradicada para obras da Avenida Antônio Carlos. A mais nova biblioteca de Vanilda é no Bairro Paquetá, na Pampulha, onde mora. É uma casa humilde, com todos os cômodos tomados por prateleiras repletas de livros, a maioria doada. Romancistas, poetas, pensadores, personagens de quadrinhos e tantos outros do universo da literatura convivem à espera de quem se interessa pelo conhecimento.
A casa está sempre de portas abertas e Vanilda está a postos, solidária com quem
precisa de ajuda, com o marcar uma consulta no SUS, conseguir uma ambulância e até para um curativo de emergência.
Ela ganha a vida como cuidadora de idosos. É para os que não podem pagar pelo serviço ela faz um sopão, todos os fins de semanas, e distribui marmitas. Doações de alimentos e obras literárias chegam a toda hora.
E nem é preciso chamá-la. Basta deixar na porta. “Quantas mulheres já tirei da prostituição, das drogas. Basta você sorrir para alguém e terá a certeza de que Deus existe. E naquele mundo de livros, aparece Maria Eduarda, de 6 anos, filha de coração de Vanilda.
É uma pequena devoradora de literatura infantil. “Ler é muito bom”, diz com pose de
quem sabe do que está falando.
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13

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Óleo sujo por água limpa . Gabriella Pacheco

Dá para acreditar que a atitude de uma pessoa pode ter ajudado a evitar a poluição de 36.120.000 litros de água? Pois uma iniciativa simples que o engenheiro agrônomo Rogério Carvalho de Castro, de 45 anos, começou em 2007 já rendeu essa economia ao meio ambiente. Fazendo o quê, você se pergunta? Reutilizando óleo de cozinha. “Uma vez vi como fazer sabão a partir de óleo e achei muito fácil. Pensei então que passaria a fazer meu próprio sabão, até que me veio essa ideia de coletar óleo com amigos e distribuir entre as pessoas”, conta.
O volume de doações foi crescendo e Rogério, que é servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em Minas Gerais (Incra/MG), decidiu distribuir parte do resultado com entidades assistenciais. “Eu dava um quarto do sabão produzido com o óleo do doador de volta para ele e o restante distribuía entre entidades. Desde julho de 2012, passei a doar tudo para nove entidades parceiras”, explica.
O não recebimento do sabão caseiro em troca do óleo não diminuiu o interesse de quem contribuía. Segundo ele, 127 pessoas já participaram, ao longo desse anos, da campanha e 95 ainda doam ativamente. Mais de 2,3 toneladas de sabão já foram produzidas com os mais de 1.800 litros de óleo doados nesse período.
As estatísticas variam, mas um litro de óleo é o suficiente para contaminar cerca de 20 mil litros de água. “Normalmente as pessoas jogam o óleo de cozinha na pia e o tratamento de esgoto acaba saindo muito caro quando há grande presença dele, já que o óleo é muito poluidor. E ao fazer isso, você acaba jogando no lixo, uma coisa que ainda teria utilidade”, afirma. Além do sabão caseiro, o óleo de cozinha também pode ser ingrediente na produção de ração e biocombustível.
Qualquer uma dessas propostas é muito menos danosa para o meio ambiente – muito mesmo – que o despejo direto no esgoto. Como o óleo não se mistura à água mesmo uma minúscula camada de óleo sobre a água já é capaz de impedir que os micro-organismos presentes nela sobrevivam, uma vez que eles ficam sem acesso ao oxigênio.
Por isso, o agrônomo reforça que mais que conseguir contribuintes, ele espera que a campanha faça as pessoas repensarem sua maneira de se desfazer do produto. “Em seu ciclo de convivência, as pessoas podem dar um destino correto ao óleo. Se não por mim, existem vários supermercados e empresas com pontos de coleta de óleo. Além disso, se a produção da pessoa for grande, ela pode entrar em contato com empresas que reutilizam ele de maneira sustentável. Minha campanha dá apenas uma possibilidade de pessoas próximas a mim darem um fim correto ao óleo”, ressalta.
A iniciativa rendeu a Rogério, o segundo lugar na edição de 2011 do Prêmio Furnas Ouro Azul, uma parceria do Diários Associados com a Eletrobrás Furnas, na categoria Sociedade Civil. O prêmio é um reconhecimento, mas a satisfação vem mesmo em saber que, por uma atitude simples, ele pode ajudar tanta gente a pensar diferente.
Prova disso é que ele aprimorou e distribui a receita do sabão, que utiliza soda cáustica. “Testei várias opções para achar a receita com a execução mais fácil, mais segura e barata. Ele é facílimo de produzir e outras pessoas podem fazer também em seus ciclos de amizade ou até como fonte de renda”, garante.
Clique aqui para ver a receita utilizada por Rogério e ajude também a preservar nossas águas.
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13

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Poeta verde: Tião cultiva e distribui mudas gratuitamente

 
 
Gabriella Pacheco

“Plantar árvore é mesmo ciência
que vale ser cultivada
o lado alegre da nossa existência”
- trecho de Um país de Ipês, Tião Henriques

Se a idade lhe tirou a destreza, ela não tirou a vivacidade do jornalista aposentado Tião Henriques, de 89 anos. Às vezes, durante a fala ele se perde em um caso ou uma pergunta e começa a vaguear por outras recordações, mas a memória ainda lhe é fiel e sua cabeça quase sem cabelo ainda funciona com sagacidade, enganando qualquer um despercebido. As palavras foram durante muito tempo seu ofício, contudo era nas plantas onde ele encontrava sua paixão. Só de olhar, Tião reconhece uma semente, sabe quando e com que tipo de terra plantá-la, quando regar, como fazê-la crescer. E ele faz. Com frequência - mesmo nos mais inusitados espaços.
Há cerca de dois meses ele doou 40 mudas de árvores diversas para o Instituto Estadual de Florestas (IEF) – todas elas cultivadas no apartamento em que mora com a filha, no Bairro Santo Antônio, região Centro-Sul da capital mineira. “Tornou-se uma mania, uma mania saudável, apanhar sementes. Sempre que passava por árvores, andando pela cidade, trazia para casa e as colocava para germinar”, conta.
É só esperar crescer o suficiente que ele tenta encontrar um novo lar para as companheiras. Nos parques das Mangabeiras e Municipal, ambos de BH, várias árvores foram semeadas por ele. O hobby também rendeu doações às prefeituras de Contagem, Raposos e Rio Acima.
Ele e a filha discordam de quando a 'mania' começou. A professora aposentada Heloísa Helena Araújo Henriques, de 57 anos, lembra que em meados de 1990 Tião fez as primeiras doações ao Parque das Mangabeiras, onde atuava como voluntário. “Foi antes daquilo até”, insiste o jornalista. “Desde os anos 1980 que eu faço isso, em várias moradias e cidades por onde passei. Desde que houvesse um espaçinho”, afirma.
No parque, ele diz que trabalhou com semeadura de plantas. “Tenho vontade de ir lá para ver as mudas que eu plantei”, confessa. Mas a prática começou quase uma década mais cedo, quando Tião frequentava a sede campestre do sindicato dos jornalistas. “Fiz muitas mudas lá”, relata. O conhecimento, ele diz ter surgido de leitura, já a paixão vem ainda da época de garoto. “Eu estudava no colégio Arnaldo quando disse para meu pai que queria ser engenheiro agrônomo. Ele tinha uma visão muito estreita e quis que eu fosse bancário”. E assim foi.
O trabalho como bancário – curiosamente no extinto Banco da Lavoura - não durou muito e, de lá ele apostou no jornalismo. No final da década de 1940 ele entrou como revisor no Correio de Minas, de onde seguiu para o Diário de Minas e, depois, Diário do Comércio. A passagem final na profissão foi no Estado de Minas, onde foi repórter de esportes, revisor de texto.
Depois de aposentado, o cultivo de plantas passou a tomar a maior parte do tempo dele. O custo é pago do próprio bolso e todo o resultado é distribuído gratuitamente. “Não faço nada como em produção industrial, no procedimento comercial, onde são todas iguaizinhas. Nas minhas cada uma tem o saco de um tamanho diferente”. As sementes são coletadas em todo e qualquer lugar. Na casa dele, aliás, fruta chupada não tem semente jogada fora. “Um abacate com que me delicio eu não jogo semente fora. Até a jabuticaba eu uso para fazer muda e olha que elas demoram dez anos para crescer”, diz.
Muito antes de sustentabilidade ser um assunto em pauta, Tião já pregava valores ambientais para sua família. “O papai sempre teve e passou para a gente essa consciência em relação ao meio ambiente. Sempre foi uma coisa natural aqui em casa de não jogar as coisas na rua, não desperdiçar. Hoje as pessoas têm essa postura, mas ele teve isso desde sempre e a gente cresceu com esse ensinamento”, diz Heloísa.
Segundo o aposentado, assim ele vai continuar a ser. “Enquanto eu tiver forças”, ressalta. “Dá uma satisfação enorme quando vejo uma árvore que eu plantei grande. E esses são fatores que me ajudam a seguir: o bom humor, a solidariedade humana e nunca ter fumado um cigarro”, brinca.

A paixão pela fauna e pela flora é tamanha que qualquer animal em perigo é alvo de ajuda. Até árvores mal cuidadas na rua, viram objetos de cuidado. Não atoa, a natureza foi tema de um livro de poesias escritas por Tião. Intitulado 'A Natureza em cantos (cantos, encantos, desencantos, recantos da terra e do mar)', o livro retrata de maneira fiel e lírica esse amor.
Como despedida, fica ao leitor mais um trecho da obra desse amante do verde. Que ele inspire outros Tiões – se não a cultivar, no mínimo valorizar e apreciar a natureza.

“Oremos e batalhemos: a Natureza
Nos implora a nós, veros cidadãos,
Que lhe tiremos a tristeza
Dos campos, das florestas, dos mares
Abrasados, poluídos pelas mãos
Dos insensatos: jardins e pomares
Plantemos e rezemos com firmeza
Pelo solo nosso, pelos nossos irmãos” - trecho de Solitária


Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13

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Senhora mantém tradição do folguedo de máscaras viva

 
 
Gabriella Pacheco

O que faz de alguém um representante da cultura popular de um lugar? O que cria uma tradição? E quem diz o que é relevante culturalmente para uma comunidade? Se respondidas por um antropólogo ou sociólogo, provavelmente essas perguntas continuarão soando como não esclarecidas para quem realmente faz a cultura popular: o povo. Transmitida por gerações, criada por pessoas comuns, a cultura popular nada mais é que o conjunto de qualquer manifestação cultural produzida e vivida pelo povo. Mais importante ainda: é povo que a mantém viva.
É com palavras modestas que a dona de casa Guiomar Lucas Silva, prestes a completar 89 anos, explica como ela e o marido, Luca, iniciaram a produção de máscaras de carnaval. A princípio, a ideia era aumentar a renda familiar durantes as festas da cidade. No entanto, quase 50 anos depois, a atividade familiar se tornou essencial para manter viva uma das mais populares tradições do carnaval de Esmeraldas, cidade interiorana da região metropolitana de BH: o folguedo. Ela também rendeu à dona Guiomar o título de mestre da cultura popular do município.
Feitas de materiais simples – jornal, papel decorativo, purpurina, tinta e muito 'grude' – as máscaras dificilmente custariam caro em algum lugar. Tanto é que na época em que o trabalho era comercializado, o preço unitário delas não passava de 0,20 centavos. Muitos carnavais mais tarde, o valor delas hoje extrapola o seu custo material.
“Na região metropolitana de BH, Esmeraldas é o único município que ainda tem a tradição do folguedo e a dona Guiomar é uma mestre viva que mantém o ofício das máscaras”, destaca o produtor cultural e ex-diretor de Cultura da prefeitura da cidade, Paulo Pimentel. Foi ele quem nomeou a artesã ao título ilustre. “Considero ela muito importante para Esmeraldas porque ela repassa esse saber para gerações mais novas, o que é fundamental para o Imaginário social da cidade, já que a tradição existe há muitas gerações e faz parte da Memória do município”, diz.
O folguedo é uma festa popular em várias regiões do país, mas que vem sendo esquecida com o passar do tempo. Até lá, na dita única cidade da Grande BH que a mantém viva, a tradição vem perdendo força e se tornando pouco conhecida entre as gerações mais novas. “Antigamente, as crianças já começavam a brincar em meados de outubro, mas o ápice era no carnaval. Hoje em dia as gerações não conhecem tanto a tradição”, afirma Paulo.
Na brincadeira, moradores se caracterizavam com roupas velhas, cobrindo todo o corpo. Cada máscara representava um personagem diferente e cada um deles carregava um cajado de madeira. “As pessoas eram insultadas na rua, com outras pessoas gritando 'Ei máscara, me dá uma lasca'. E aí começava a diversão e correria para lascar quem fez o insulto com o cajado”, conta. “Estamos tentando resgatar isso aqui e dona Guiomar é importante para isso porque ela é parte viva da tradição”, completa.
São quase 50 anos de ofício, sendo que somente nos primeiros 10 os produtos foram vendidos. Depois disso, a produção manteve o ritmo intenso, mas o resultado era distribuído gratuitamente pela população, fazendo a alegria da garotada que ainda se divertia indo para as ruas brincar de folguedo.
No entanto, a senhora conta que o carnaval de 2013 foi o último em que ela distribuiu os artigos entre moradores. Segundo ela, a idade avançada e as mãos fracas não permitem mais a continuidade do trabalho. Mas disposição é o que não falta. Se a idade lhe tira a força dos braços, ela não tirou a lucidez ou a vontade de agradar. Por isso, ela continua ensinando como manter viva a tradição.
Feita a forma de argila, dona Guiomar conta que coloca algumas camadas de jornal, de acordo com o personagem que desejava dar vida. “Se fosse um demônio, eu fazia chifres. Se fosse bruxa, fazia um nariz bem grande”, conta. Em seguida é a vez do grude. “Até nele tem ciência”, brinca. O segredo dela é misturar polvilho, caldo de laranja e limão capeta para conservar e cola de sapateiro. Depois disso, fica a gosto do freguês. Purpurina, tinta ou o que a pessoa quiser. “É muito fácil de fazer. Eu fazia umas 10 ou 15 por dia. Chegava lá na Casa da Cultura e brincava com o pessoal que ia fazer igualzinho a cara deles”.
Questionada sobre o que acha de ser considerada uma mestre da cultura popular, dona Guiomar acha graça e parece não saber a importância de seu papel na manutenção da tradição popular. “Eu gosto demais de estar envolvida com a turma da cultura e de satisfazer os outros”, diz.
Mas o que hoje é hobby, um dia foi renda extra. “Meu sonho era ver meus meninos todos formados e o dinheiro que sobrava era pouco para a educação de todos os nove”, conta. Foi então que dona Guiomar se lembrou da prática feita por uma tia, quando era ainda criança, e sugeriu ao marido que começassem a vender máscaras durante  a festa para aumentar a renda da casa. “Ele fez o molde de argila e eu comecei a fazer. Eu vendia umas 300 máscaras e colocava o dinheiro todo em uma caixinha de papelão e comprava o material de escola para eles que desse para um ano. Teve época que consegui manter sete meninos estudando. Graças a Deus, com aquilo consegui criar a família toda”, exclama orgulhosa. “Minha vida foi muito sofrida, mas muito feliz”, completa.
O fruto do trabalho são três professoras, um gerente aposentado, um funcionário público e todo o resto com ensino médio completo e independentes financeiramente.

Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13
 

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Mineira abriga pacientes com câncer e em hemodiálise

 
 
Gabriella Pacheco

Os tratamentos oncológico e nefrológico podem ser cruéis. Fraqueza e indisposição são reações constantes aos procedimentos que os pacientes com câncer e doenças renais têm de ser submetidos. Imagine se somado à isso for incluída uma viagem diária de centenas de quilômetros só para ter acesso ao serviço? A cena sensibilizou a administradora Zélia Glaucia do Monte, de 48 anos, de Governados Valadares, no Vale do Rio Doce, quando, há 10 anos, fazia estágio no hospital Bom Samaritano, na cidade. “Após a quimioterapia os  pacientes passavam muito mal. Eles ficavam em bancos duros, no sol quente, a situação era precária e aquilo me doía muito. Por isso, aluguei uma casinha perto do hospital para abrigá-los. Na época eu ganhava R$ 600 como estagiária e precisei da ajuda de  uma amiga para pagar o aluguel, que era de R$240”, conta. Foi assim que teve início, em 2003, a história do abrigo Esperança - a mais importante investida da vida de Zélia.
Tudo dentro da casa foi conseguido nos 14 dias que antecederam a inauguração do espaço, por meio de doações de moradores da cidade. Já de início, a casa teve 17 'moradores'. Lá, Zélia recebia pacientes do hospital vindos de cidades do interior. A proposta continua sendo a mesma até hoje: estadia durante o processo, alimentação e apoio espiritual e emocional. “A maioria dessas pessoas são da zona rural. Elas já estão debilitadas e, às vezes, não têm condições alimentares boas. Aqui elas têm cinco refeições diárias e acesso ao hospital sempre que precisam”, explica. “Tento fazer uma extensão da casa do paciente. Tenho muito carinho com eles, dou beijo, abraço, conto caso, faço eles rirem. Abrir esse espaço foi uma opção minha e não ganho para isso, Faço por amor”, confessa.
Depois de um ano e meio, o abrigo ficou ainda menor para a quantidade de pacientes que hospedava e Zélia teve que procurar um novo lar. A casa seguinte era um pouco maior, assim como o aluguel de R$540. Mas a procura não parava de crescer e logo o abrigo Esperança precisou de uma sede maior, onde permanece até hoje. Com terreno e espaço interno mais amplo, mas o custo de locação também cresceu. Para R$1580. “Arrumei quatro empregos e consegui manter o abrigo sozinha e com as doações vindas da comunidade durante três anos”, relata. “No final desse período descobri que estava com câncer de mama”.
De repente, a vida inverteu os papéis que por tanto tempo Zélia ocupou. Um de seus nove irmãos passou a assumir as responsabilidades do abrigo e, de cuidadora, a administradora passou a necessitar de cuidados. Mas a postura dela diante da doença mostrou que o encorajamento sempre dado aos abrigados não era da boca para fora. “Eu sou muito motivadora e gosto de fazer as pessoas felizes. Mesmo quando morre alguém aqui, eles choram e depois estão sorrindo porque sabem que a vida é um ciclo. O câncer não é um atestado de óbito para ninguém. É só mais um estágio como qualquer outra situação da vida”, afirma. “Brinquei com meu médico quando ele disse que eu ia perder o cabelo. Falei para ele que a notícia era ótima porque eu não ia mais gastar dinheiro com depilação e shampoo. É claro que foi difícil e fiquei chateada, mas eu tento ver o lado positivo das coisas”, confessa.
O entusiasmo com que ela conta sua história não deixa quem ouve suspeitar que o câncer vencido seria apenas a primeira das provações vividas por Zélia. No final do tratamento, o irmão que administrou o abrigo em seu lugar faleceu em um acidente de trânsito. Pouco tempo depois, um outro irmão também morreu após passar por um tratamento renal e, no mesmo ano, a mãe de Zélia deixou a família, vencida por um câncer. A postura que ela tomou, conta, é a mesma passada para os pacientes apoiados por ela e sua equipe. “Em momento algum perguntei a Deus porque isso tudo tinha acontecido. Sou muito bem resolvida em relação às coisas designadas por Deus”.
Hoje, o abrigo Esperança atende 114 municípios do entorno de Valadares e tem capacidade para hospedar 44 pacientes com câncer ou doenças renais. E a lista de espera vive lotada. No momento são mais de 20 pessoas aguardando vagas – o que a fundadora espera poder mudar em breve. “Fizemos várias adaptações na casa em que estamos e temos mais projetos para acabar com a fila de espera”. No entanto, antes disso, ela deseja realizar o sonho da casa própria. “Temos um doador disposto a comprar o terreno em que estamos, mas temos tido problemas de negociação. Ele, que quer permanecer anônimo, vem nos ajudando há três anos e, mesmo que a compra não dê certo, enquanto eu viver serei grata à ele”, afirma.
Se Zélia agradece quem vem lhe ajudando a levar o projeto para frente nessa última década, quem utiliza o serviço também não lhe poupa elogios. “Aqui é a mesma coisa que estar em família”, diz o vaqueiro José Maria Vaz, de 67 anos. Natural de  Santa Maria do Suaçuí, que fica a 132 quilômetros de Governador Valadares. Fazendo hemodiálise há quatro anos, José diz que o cuidado lá é semelhante ao de mãe e filhos. “Acho que isso foi muito importante para meu tratamento”, afirma.
Mãe de quatro rapazes – sendo dois deles adotados – Zélia hoje sustenta sua casa com a aposentadoria ganha pelo serviço em administração e com consultorias pontuais. Como ela arruma tempo para cuidar da família e realizar o trabalho social é surpreendente. A rotina no abrigo é muito intensa. Durante a entrevista para o Mineiros de Ouro, ela teve de parar mais de quatro vezes para atender dúvidas da equipe ou fazer observações sobre os abrigados. Quando não era para encaminhar alguém ao hospital, as conversas paralelas diziam respeito à compras, serviços ou lembretes sobre outros abrigados. “Sou a mulher Bombril”, ela brinca.
Mesmo assim, Zélia credita todo o sucesso do abrigo à comunidade que acreditou na investida. Segundo ela, durante todo o tempo de existência, foram poucas as vezes que o abrigo teve ajuda governamental e são poucas as prefeituras atendidas que contribuem com dinheiro ou doações. “Dia 12 de setembro vamos fazer 10 anos e são dez anos de apoio da comunidade. Sem eles não existiríamos”.

Doações
O abrigo Esperança vive de doações. Quem quiser contribuir pode entrar em contato com a equipe pelo e-mail abrigoesperanca@hotmail.com ou pelo telefone (33) 32722593. Mais informações sobre o projeto pelo site www.abrigoesperanca.org.br.
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13 

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Mineiros de Ouro apresenta meninas notáveis

 
 

Arnaldo Viana

Há muito em comum entre Bárbara Carvalho Campos, de 12 anos, Maria Eduarda Almeida, de 14, e Thais Natividade Batista, de 16. São naturais de Santa Luzia, na Grande BH. Estudam na mesma escola, a Municipal Dona Quita. E, por último, são motivo de orgulho não só para os mineiros: as três praticam esportes e já estão a caminho das conquistas. O que não é comum entre elas é a modalidade esportiva que escolheram. Mas aestrada que percorrem rumo à realização é exigente e elas não podem segui-la sozinhas. Precisam de apoio, o que ainda não chegou.
Bárbara pratica arco e flecha, na modalidade arco composto. Filha de pai fotógrafo e mãe economista, é campeã brasileira infantil. Um impulso para sonhar com a Olimpíada de 2020. “No Brasil não vou poder competir, pois ainda não terei 16 anos, idade mínima para participar.” A garota praticava tiro com espingarda de ar comprimido. Acompanhava o pai, adepto do esporte. “Mas, aos 10 anos, conheci o arco e flecha. Gostei de cara.” Desde então, treina duas vezes por semana. “Comecei em outra modalidade, o recurvo, mas me adaptei melhor ao arco composto.”
Falta a Bárbara patrocínio. Ela até já teve apoio de uma empresa luziense, mas ocontrato acabou. O equipamento é caro e há as viagens para participar de competições. “As despesas são altas,principalmente na compra do material.” A mãe, orgulhosa, não desiste. Faz rifas, sorteios, pede ajuda a parentes, amigos, para não deixar morrer o sonho da menina, aluna do 7º ano do ensino fundamental e a única praticante desse esporte em escolas públicas da região metropolitana. “Ela é inteligente e tem ótimo aproveitamento em sala”, diz a professora Karla Regina Silva Carvalho, diretora da Dona Quita.

Medalha

Maria Eduarda está no 9º ano do fundamental. O esporte dela é a ginástica aeróbica, uma combinação de ginástica clássica e dança. Com a graça de seu corpinho miúdo, a garota acaba de voltar de Las Vegas (EUA) com a medalha de prata do International Aerobic Championship. Competiu com 55 concorrentes de vários países no infantojuvenil. “Só perdi para a norte-americana”, diz, sem lamento. Pelo contrário, com muito orgulho e a medalha no peito. Pena que sua modalidade não seja olímpica, o que pouca ou nenhuma diferença faz para Maria Eduarda.
Unir ginástica e dança não é tarefa fácil. Por isso, Duda, como é conhecida na escola, treina cinco horas por dia, com um simpático sorrisinho nos lábios. Também ressente de patrocínio. O pai é funcionário da UFMG e ajuda com o que pode. A mãe, dona de bufê, faz bingos e rifas para bancar as viagens da menina quando convidada a participar de competições fora da Grande BH. “Sou mineira, não desisto”, diza garota, de olho no Mundial da categoria, ano que vem, em Cancún (México). “Se a ginástica aeróbica fosse modalidade olímpica, com certeza estaria dentro.”

Promessa

Thaís, filha de caminhoneiro, se destaca pelo 1,76m de altura. É forte. E, se tudocorrer bem, vai longe como ponteira no vôlei. Entre seus triunfos está a conquista do Campeonato Mineiro Infantojuvenil pelo Minas Tênis Clube. Venceu o Olímpico na final. Exibe, orgulhosa, três troféus. “Fui eleita a melhor jogadora e melhor atacante. O outro é pelo título.” Ela já chegou à Seleção Mineira da categoria e sabe que, com dedicação, pode ir mais longe, talvez até a Seleção Brasileira.A mãe, enfermeira, é responsável por essa promessa do esporte. “Depois das aulas, ficava em casa, sem nada para fazer. Minha mãe entendeu que precisava fazer alguma coisa, praticar esporte, por exemplo. Fui para o vôlei. No início, nem gostava. Mas fui pegando jeito e passei em testes no Olímpico, no Makenzie e no Minas. Preferi o Minas, pela estrutura.” Mesmo jogando em clube, levar o esporte adiante não é fácil para Thaís, que cursa o último ano do ensino médio. Ela precisa comprar material e as viagens são bancadas pelas jogadoras. É outra que só chegou aonde está pelo esforço da família.

Incentivo na sala de aula

A caminhada vitoriosa das três meninas não seria possível também sem o apoio da Escola Municipal Dona Quita, hoje uma referência na rede pública de ensino. Mas o que elas já fizeram faz brilhar os olhos de Daniel Werneck, professor de educação física da escola. “O que a gente faz aqui é investir no ser humano, não propriamente em um atleta vencedor. O surgimento delas foi pelo talento natural.” Essa formação cidadã vem da forma como Karla Regina e seu corpo docente conduzem o ensino, de forma participativa, na qual os estudantes têm vez e voz nas decisões.
Quem se habilita a patrocinar uma dessa três campeãs, possíveis motivos de muitascomemorações dos mineiros no arco e flecha, na ginástica aeróbia e no vôlei? Dou-lhe uma, duas…E o martelo fica no ar à esperam da terceira batida.
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13 

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Brigadista voluntário defende matas e serras mineiras

 
 

Gabriella Pacheco


O poeta brasileiro Augusto dos Anjos retratou no poema 'A árvore da serra' a dor de um menino ao ver seu pai se preparar para cortar à machadadas uma delas. Emocionado, o menino contesta o pai:


“Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!

Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...

Esta árvore, meu pai, possui minh'alma!...”


Da mesma forma, a visão de um incêndio desenfreado queimando dezenas de quilômetros quadrados de serras e matas traz a Nilson das Mercês, de 49 anos, um sentimento de tristeza e de impotência. Desde criança, o eletricista industrial passou todos seus meses de férias em vilarejos próximos à Mariana e Ponte Nova, na região Central do estado, acampando, nadando em riachos, passeando pelo mato. A 'roça' lhe encantava o coração e no mato ele se sentia mais à vontade. Quem sabe por isso, o fogo tenha se tornado um vilão particular para ele.
Mas, em 2006, como em uma história feliz escrita pela vida, Nilson descobriu a possibilidade de lutar contra seu rival e quebrar a impotência que sentia ao vê-lo destruir suas amadas matas e florestas. “É como se estivessem escrevendo uma história em que tudo foi dando certo. Meio sem querer, eu conheci a ONG Brigada 1, me inscrevi como voluntário e, em junho do mesmo ano, combati meu primeiro incêndio”, diz.
Na época, além dos bicos como eletricista, ele também era porteiro terceirizado e foi designado, coincidentemente, para o Parque Estadual do Rola Moça, em Nova Lima, na Grande BH. Foi de lá que ele viu, ainda durante o horário de trabalho, a queimada que se tornaria a primeira enfrentada por ele como brigadista. “Fui o primeiro a chegar. Nunca tinha visto fogo à noite e era muito bonito. A adrenalina subiu e eu só pensava: 'você tem que conseguir'. Comecei às 19h e só saí às 2h. Fui para casa dormir e voltei, de novo, ao meio-dia”, relata, ainda cheio de entusiasmo.
Nilson não mantém um banco de dados, mas se for supor, ele acredita ter participado de mais de 100 combates, em diferentes partes do estado. E, apesar de cada um lhe trazer uma experiência marcante e nova, foi naquele primeiro, no Morro do Cachimbo, em Nova Lima, que ele sentiu a importância do seu papel. “No final da tarde, quando tudo acabou, vi no alto de um rochedo um gavião muito bonito, que deu um piado alto, lindo e triste”, conta. “Ele tinha perdido a fêmea e um filhote, que achamos depois. Foi naquela hora que apareceu a força e vontade de fazer mais. Da mesma forma que perdemos alguém, eles também perdem e quando você vê isso, não tem jeito. Você toma gosto e não para mais”, completa.Se para quem vê de longe uma serra sendo queimada já é triste, para ele e outros brigadistas a cena é muito mais trágica e real. Se o grito daquele gavião despertou algo no âmago do eletricista, ele também era um sinal de que cenas semelhantes estariam por vir. “Acho que o valor do nosso trabalho é que não é algo só para a nossa satisfação pessoal, mas é para toda uma comunidade. É para a sociedade. Até para quem não valoriza isso”.
Quando está lá, ele conta que não vê o tempo passar. O combate à incêndios exige completo foco do brigadista que precisa estar atento à seus colegas, às regras de segurança e ao trajeto do fogo. Nesses momentos, se esquece de horário de trabalho, família, tudo. “Você toma uma ingestão de ânimo até terminar”.
Se para a esposa, o trabalho voluntário pode ser um incômodo, pelo tempo que ele passa longe de casa, para o pai de Nilson, o 'hobby' do filho é um motivo de orgulho – e também de preocupação. “Eu me sinto como um herói”, destaca. “É bom saber que, por nossa causa, a perda não foi total e conseguimos manter uma parte da natureza preservada. Isso é gratificante e compensa as perdas que tivemos”.
Felizmente, Nilson arruma tempo para conciliar o voluntariado com a família e o emprego como auxiliar administrativo em uma escola estadual. “A gente tem que se adequar. Nunca tive problemas por isso. Mas dependendo da situação, eu viajo e já aviso no trabalho que vou demorar. Falam que eu sou doido, mas acho que as pessoas entendem e que minha família tem orgulho de mim”.
Os colegas brigadistas compartilham o orgulho. Rodrigo Belo Bueno é um dos fundadores da Brigada 1 e hoje atua como diretor do setor de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais e Eventos Críticos do governo de Minas e acompanha o trabalho de Nilson desde sua entrada na instituição.
Parte de um grupo de cerca de 80 pessoas espalhadas pelo estado, Nilson poderia até ser visto como apenas mais um na multidão. Por outra perspectiva, cada parte desses 80 se torna especial frente à imensidão de serras e cerrado espalhados por Minas Gerais, ameaçadas frequentemente pelo fogo. “Em épocas críticas, a gente tem falta de pessoal. Por isso, é importante ter mais gente capacitada. Pessoas interessadas em ser voluntários e cidadãos”, afirma Rodrigo. Diante disso, a dedicação de Nilson é mais que exemplar. “Ele é uma pessoa extremamente engajada e com uma vontade descomunal de ajudar”.
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13 

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Doula voluntária é exemplo de amor à vida

 
 

Gabriella Pacheco

A primeira vez que Maria Mazarelo de Freitas, de 77 anos, presenciou o parto de uma criança – pouco antes de completar seus vinte anos e ainda morando na região rural de São Pedro dos Ferros, na Zona da Mata – ela ficou horrorizada com a cena que viu. “Quase morri porque pensei que a mulher estava toda arrebentada. Quando vi aquela cabeça, disse para minha mãe: 'que coisa horrível!'”, conta. “Ela me mandou calar a boca e continuar trabalhando”, diz, sorrindo. Na épocatalvez ela não imaginasse que iria, ainda solteira, dar continuidade ao ofício, típico de mulheres casadas e com experiência em partos, que acompanhou cada geração de sua família, desde sua bisavó: ser parteira.
Mais de meio século depois dessa primeira experiência, o trabalho de Maria é outro, mas também envolve o nascimento de bebês. Só que sem sujar as mãos desangue. Há 16 anos ela é doula voluntária e, atualmente, faz parte do grupo de mulheres que ajuda parturientes no Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, em troca do simples prazer de ajudar.
Diferentemente do papel da parteira, que literalmente trazia as crianças ao mundo, a doula é uma acompanhante que proporciona apoio emocional, amparo e incentivo às mulheres em trabalho de parto. As dilatações começam e ela entra em cena. Oferece massagem, banho, conversa, abraça, segura no braço quando é necessário fazer força e nunca larga da mão delas. “É muito gratificante quando eu estou fazendo meu trabalho e sai tudo bem. Acho engraçado que, durante o parto, fica o médico e enfermeiros, mas no final, elas olham é para mim e dizem 'muito obrigado! A senhora me deu amor'. Isso é muito gostoso”, confessa.
Como parteira, ela não participou de muitos partos. “Foram só uns 15 e quem fazia quase tudo era minha mãe. Eu seguia as instruções dela”, diz. O trabalho começava antes do parto e continuava até 30 dias depois dele, durante o resguardo. “A mulher não podia nem subir um degrau naquela época! A gente ficava com ela, cuidava da casa e dos outros meninos, se ela já tivesse. No interior, você era reconhecida”, relata.
O oficio começou após a mãe dela, Afonsa Máxima de Souza, parteira popular da cidadezinha, ter sofrido um acidente vascular cerebral e ter ficado com sequelas. “Minha mãe deve ter feito mais de mil partos e trabalhou até os 77 anos. Naquela época a gente não recebia pelo parto, mas a cada nascimento era um afilhado que ela ganhava e todo mundo que passava na porta lá de casa pedia bença para ela”, comenta.
A casinha de três quartos abrigava em seu quintal galinhas, porcos e cabritos – que também eram dados como forma de agradecimento pela ajuda às gestantes. Do lado de dentro, ela abrigava os doze irmãos que Maria teve. Os sete meninos dormiam em um quarto e as cinco meninas em outro. O irmão caçula dormia com os pais no terceiro quarto – em todos o piso era de terra. A casa ainda tinha uma copa e uma cozinha, mas nenhum banheiro. “A gente tomava banho de rio e fazia as necessidades no matagal. Por mais que a gente trabalhasse durante 30 dias, no final do mês a gente só ganhava uns quinze cruzeiros. Por isso, deixei a roça com 24 anos e vim com uma amiga para Belo Horizonte”.
Aqui, a vida foi completamente diferente. Sem formação escolar, os trabalhos eram escassos e a atuação como parteira estava fora de cogitação. “Minha mãe e minha avó não sabiam nem ler, nem escrever. O que elas sabiam sobre o parto era de experiência. E durante esse tempo, nunca vi minha mãe perder nenhuma mãe ou bebê”. Em 16 anos como doula, Maria suspeita já ter passado a cota de partos da mãe. “Não anotei, mas acho que já ter ajudado em uns dois mil”, brinca.
A cota de perdas também é impressionante: nenhum bebê e apenas duas gestante. Mas o que ela nunca perdeu foi a vontade de continuar. “O trabalho me preenche, me satisfaz e faço com muito prazer. Sinto muito saudade da vida com minha mãe na roça e esse trabalho no hospital tem me ajudado muito com isso”, afirma. “ Sempre que me oferecem presentes, mas peço que em retorno, elas se lembrem de mim em orações e que eu possa fazer por outros o que fiz por elas. A idade já está me inibindo de alguma coisa, mas enquanto eu tiver forças vou continuar”, completa.
A pior parte do serviço, ela conta, é não poder acompanhar o que acontece com todo bebê que passa por lá. “Aqui, o amor dura só na sala de parto. Ainda assim, gosto do meu trabalho. Não quero ser gratificada e tenho muito orgulho dele”, confessa.
O que ela não sabe é que o sentimento é mútuo. “Eu gostaria muito de poder vê-la novamente e mostrar para o meu filho quem ajudou a trazer ele ao mundo”, conta a diarista Edilaine Elizabeth da Silva, de 26 anos. Ela deu a luz, com a ajuda de Maria, ao pequeno Wallace, no dia 9 de agosto. “Eu nunca conseguiria retribuir o que ela fez por mim naquela sala. Ninguém da minha família conseguiu me acalmar como ela. Foi ótimo e ela me ajudou bastante”, completa.
Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13 

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Coração Comunitário


 
 
O garoto, não mais que 10 anos, se aproxima da cerca e grita: “Tia, posso pegar uma manga?”. Outro pede autorização para apanhar uma bola chutada para o terreno. A menina, aparentemente de 12, pede uma goiaba. A “tia” em questão é Rosemary Rodrigues dos Santos Melo. Ela era caseira de um pequeno sítio, no Bairro Ouro Negro, em Ibirité, Grande BH. As crianças, pedindo frutas ou licença para recuperar um brinquedo atirado na propriedade, tornaram-se suas amigas. Mas a incomodava a presença daquela meninada nas ruas,em situação de risco.
Rosemary procurou as mães das crianças para conversar. São mulheres, moradoras de uma comunidade carente, impedidas de procurar emprego por causa dos filhos. Precisavam tomar conta deles. Mas as crianças sempre achavam um jeito de escapar para as ruas quando viam as mães entregues os afazeres domésticos. A caseira teve, então, uma ideia. Procurou o dono do sítio e pediu autorização para usar o terreno e as instalações como local de acolhimento de menores, para que as mães pudessem sair para trabalhar.
O dono da área, dado ao pouco uso que fazia dela, não se opôs. Rosemary, mais uma vez, reuniu as mães e propôs cuidar da meninada. Em pouco tempo, a algazarra de mais de 60 crianças tomou conta do sítio, inclusive de bebês ainda no berço. Rosemary criou uma ONG, a Bem-Estar, fez um contrato de comodato com o dono do terreno e saiu em busca de apoio de lojas, padarias, sacolões, supermercados e indústrias.
Precisava de doações. Sem objetivo financeiro, assumiu o papel de dezenas de mães. As crianças chegam cedo, tomam o café da manhã, fazem o dever de casa e têm aula de reforço. Depois, são liberadas para brincar até a hora do banho. Roupa trocada, almoçam e esperam a passagem do ônibus escolar. As que estudam de manhã almoçam, descansam, fazem o dever de casa, assistem à aula de reforço, brincam, tomam banho e, no fim da tarde ou início da noite, esperam as mães, que as levam para casa.
“Não recebo mais bebês porque não tenho estrutura. Estamos hoje com 35 crianças
e trabalhamos sem ajuda do poder público. As doações vêm de amigos. São cestas básicas, agasalhos, brinquedos, material de limpeza, sabonetes, dentifrícios e outros
materiais de necessidade pessoal ou da casa. As igrejas evangélicas e a católica também nos apoiam”, diz Rosemary. De vezem quando, grupos artísticos independentes ou de instituições fazem apresentações para as crianças. Está programada para este mês uma festa de rodeio.
A comida é elogiada. Em um dos cardápios da semana foram servidos frango refogado, arroz, feijão e salada de beterraba, cenoura, tomate, repolho e pepino. De sobremesa, banana-prata. Paulo, de 13 anos, abre um sorriso farto para falar da refeição: “Muito boa. Gosto de tudo. Das aulas, gosto mais”. Rosemary recebe crianças de até 14 anos em uma área de cerca de 400 metros quadrados. O andar de baixo da casa, com cozinha, banheiro, varanda e biblioteca, assim como o quintal, com um laguinho cheio de peixes, é para uso das crianças.
Rosemary, de 39 anos, natural de Jequitinhonha, é mãe de três filhos, de 18, 10 e 8
anos. O sustento da família, que mora no andar superior da casa, vem do trabalho do marido, que, quando não está empregado como auxiliar administrativo, faz bicos como capoteiro. “É difícil levar adiante essa ideia. Quase fechei esta ONG que presido, mas pensei muito na comunidade, nas mães que precisam trabalhar e não têm com quem deixar os filhos. As que podem colaboram com R$ 60 por mês.”
Para tentar sobreviver e ampliar a oferta de vagas, ela vai, por meio de leis de incentivo, apresentar um projeto à Regap (Petrobras).
“Com apoio formal, pretendo construir um galpão, dois banheiros e duas salas para receber até 200 crianças, inclusive bebês, se for preciso.” Márcia Rodrigues Patrocínio, de 39, professora de matemática e física da rede estadual, vice-presidente da ONG, é quem aplica aulas de reforço e coordena as atividades lúdicas e educativas para as crianças. “Sinto-me realizada. Aqui completo minha vida.” Na cozinha, Maria
de Jesus Ferreira, de 61, atua como voluntária ao lado de Rosemary Ferreira Simões, de 42, única pessoa remunerada na ONG.
“Damos a essas crianças carinho materno e um sonho. Meninos que poderiam se
perder por aí têm a oportunidade de se tornarem grandes brasileiros. Somos felizes
em realizar esse trabalho”, diz Rosemary, que tem ensino médio e sonha com a graduação em psicologia.

Fonte: Série Especial Mineiros de Ouro Estado de Minas, em 27/08/13

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Exemplo de mãe

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Bruna Jassis / Divulgação

Em várias culturas, atuais ou extintas, a figura da mãe é fundamental. Os antigos egípcios tinham sua grande deusa mãe; para os cristãos Maria é mãe de todos, incluindo do próprio Deus filho; uma das principais divindades dos hindus têm a forma feminina e os primeiros bretões eram conhecidos por adorar a Mãe Terra. Em praticamente toda a sociedade ocidental, piada sobre mãe é fora dos limites e uma extrema ofensa. Elas dão à luz, criam, cuidam, alimentam, educam e protegem. Por isso, não é de se espantar que a mobilização de um pequeno grupo de mães mineiras tenha tenha ganhado atenção de brasileiras mundo afora.
A arquiteta Isabela Soares da Cunha não foi a primeira pessoa a utilizar as redes sociais como  ferramenta de mobilização social, mas quando o assunto é maternidade, ela tem sido inspiração e modelo. Mais conhecida como Bebel Soares, ela fundou, de maneira despretensiosa, um dos grupos mais populares de discussão sobre a árdua e prazerosa tarefa de ser mãe, o Padecendo no Paraíso.
De trinta amigas convidadas para trocar experiências, o grupo cresceu para quatro mil amigas virtuais – com mais mil na fila de espera para entrar - que compartilham de tudo, desde promoções de fraldas até pautas políticas e pedidos de doações para pessoas ou entidades em necessidade. Em maio, elas saíram do mundo virtual e foram para as ruas da capital mineira, reivindicar o fechamento de pronto atendimentos em hospitais particulares, exigindo mais atenção para o atendimento infantil.
Juntas elas também somaram esforços para promover a reforma de um abrigo temporário para crianças afastadas de seus pais. O lugar corria o risco de ser fechado devido à problemas de infraestrutura, mas com a ajuda de Bebel e de outras mães do grupo, a situação foi revertida e aquelas crianças ganharam um ambiente mais agradável e saudável para viver. Sempre que bate a saudade ou aparece mais alguma doação de mantimentos ou fraldas, elas voltam lá e são queridas pelas crianças que reconhecem sua dedicação e carinho.
Entre si, elas já discutem vários assuntos importantes para o universo materno, como a mudança da data de corte nas escolas. Mas elas também se propõem a inserir outras mães nos debates que consideram fundamentais seja para outras mães ou para outros filhos. Um assunto relevante a ser debatido em breve será sobre a pedofilia. O grupo pretende promover uma palestra em BH para alertar pais, responsáveis e envolvidos para os sinais de abuso e violência.
Outras entidades também compõem a lista de 'filhos' dessa porção de mães dedicadas. “Como foi uma coisa que deu certo e as pessoas ficaram muito felizes, começamos a procurar outros lugares que precisavam de ajuda também. Uma coisa boa puxa a outra e uma pessoa puxa mais”, conta. O resultado é que ajudar apenas os próprios filhos não bastava mais.
O que começou como uma maneira de tirar dúvidas sobre cuidados com Felipe, filho de quatro anos de Bebel, logo se tornou uma maneira de cuidar de outros filhos também, e fazer a diferença na maneira que mães sabem melhor: o cuidar. “Hoje a gente já até discute a possibilidade de criar uma Ong para aumentar nosso trabalho e fazê-lo crescer. Ajudar os outros é algo que eu e outras mães sempre quisemos fazer, mas nunca sabíamos por onde começar”, diz. “A gente quer criar um mundo melhor para nossos filhos e filhos melhores para nosso mundo”, ressalta.
Modesta sobre seu papel no processo, Bebel garante que o crédito dos resultados e ações positivas conquistadas pelo 'Padecendo no paraíso' é de todas as participantes. “Eu dou um empurrãozinho e uma cutucada para as pessoas olharem para além de si mesmas. Vejo o grupo como se fosse meu segundo filho, como que de uma gravidez inesperada. É uma responsabilidade que acabou transformando minha vida”, afirma. Assim como um filho, que mesmo não sendo planejado não pode ser abandonado, Bebel ainda pretende dar muito para ele. “Não sei se isso vai acabar virando uma profissão, mas sei quero continuar e crescer, não em quantidade, mas sim em qualidade”, completa.

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Por uma terceira idade feliz

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Arquivo Pessoal

Antes mesmo de o Estatuto do Idoso ser criado, o casal de aposentados Lenisse e Antônio Zico, de 69 e 74 anos, já falavam a outros idosos sobre a beleza do envelhecimento e a qualidade de vida na terceira idade. O teatro foi o meio escolhido para levar a eles uma mensagem de que os direitos dos homens e das mulheres não mudam nessa época da vida, tampouco a necessidade de viver bem. Foi no ano 2000 que os dois começaram a encenar peças, escritas pela própria Lenisse, que falavam desses valores e ideias.
A primeira delas foi Travessia. Três anos antes do estatuto ser escrito, eles já pregavam o cultivo da auto-estima. “Falamos sobre idosos que não tinham tempo para pensar em lazer, cultura e educação. Eles vestiam roupas beges iguais, como se tivessem vidas apagadas. No final da peça isso mudava e eles estavam com cores alegres porque viam que o idoso também quer viver”, conta Lenisse.
A metáfora colocada na peça é ainda hoje, uma década depois da criação do estatuto, a principal mensagem que o casal deseja levar aos idosos que visitam em asilos, hospitais e outras instituições: existe vida na terceira idade.
O trabalho era feito por idosos para idosos. O grupo de teatro chegou a ter mais de 50 sexagenários. “O estatuto nos dá direitos à cultura, diversão e lazer. As pessoas acham que idoso tem que ficar em casa, mas nossa intenção era mostrar o contrário. O teatro é eficiente para mandar essa mensagem porque até quem tem dificuldade de compreensão, que não é alfabetizado, não enxerga ou ouve bem, consegue entender”, diz.
O tempo fez com que esse casal modelo entendesse que mais que falar ao idoso, eles tinham que levar a ideia da maioridade sadia para quem ainda iria vivê-la. Foi assim que o projeto deles chegou à universidades e escolas. “Eu gostaria de ajudar a juventude a envelhecer melhor. Podemos deixar bons exemplos para os mais novos para que eles entendam que no futuro, serão nós. Muita gente acha que a vida piora, mas é o contrário”, destaca.
Lenisse conta que o medo do envelhecimento externo – aquele que as pessoas veem no rosto, nas rugas e no cabelo branco – não deve fazer com que a pessoa passe a enxergar a si mesmo como alguém incapacitado. “Isso só danifica a gente. Cada idade tem sua beleza, só falta a gente descobrir qual ela é. E a idade também não tira da gente a vontade de ser feliz. O que as pessoas têm que entender é que envelhecer é um privilégio”.
O mais marcante nessa jornada tem sido ver como muitos idosos não têm mais expectativas para a vida.  Uma de suas experiências mais marcantes foi se deparar com a força de uma senhora. A visita aconteceu à um asilo com um grupo de crianças. A proposta era de que os visitantes cantassem para os idosos, mas essa senhora fez diferente. “Ela pediu que nós a escutássemos cantar. Aquilo foi muito tocante, ver o silêncio de todos escutando ela cantar. Me fez ver que, mesmo nessa fase da vida, podemos doar algo e sempre vai ter alguém precisando”.
O curioso é que Lenisse não tem vergonha de dizer que, apesar de voluntária, a ação não é nada altruísta. “Tenho um prazer imenso no que eu faço, então eu não seria sincera se dissesse que não ganho nada com isso. Faço pelo amor que tenho pela vida e faço em minha causa própria, porque acho que fazendo para mim estou fazendo pelos outros também”, diz. 


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G
ente buscando gente

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Divulgação

Dona Penha da Conceição tinha 20 e poucos anos quando se sentiu obrigada a doar sua filha mais nova, Idalina, para um casal da região rural em que morava no Norte do Espírito Santo. Trabalhadora rural, ela contou para o neto, Carlos Rodrigues, que vivia em regime de quase escravidão em uma fazenda e recebia pouquíssimo dinheiro para sustentar os quatro filhos que tinha. Deixar que outras pessoas, com condição financeira melhor, parecia a coisa certa a ser feita. No entanto, Carlos cresceu ouvindo da vó como ela não se sentia completa sem a filha que deixou para trás. Ela teve mais duas filhas – sendo uma delas a mãe de Carlos. “Mesmo assim ela não esquecia da outra”, conta.
Por 60 anos, Penha buscou a filha e sua inesgotável dedicação conquistou o neto também. À pedido da avó, ele seguiu o rastro deixado por ela, atrás da tia que nunca conheceu. No Espírito Santo, ele descobriu que a tia abandonou uma filha, que também procurava pela mãe. Conversar com a neta foi o máximo que a agricultora conseguiu antes de morrer, no ano passado, aos 86 anos. Contudo, a história dela deu início a algo que iria ajudar milhares de outras famílias Brasil afora.
Foi a partir desse caso pessoal que Carlos se sentiu inspirado a fundar a ONG Gente Buscando Gente, que há seis anos reúne vidas separadas pelo acaso ou circunstâncias. O serviço é feito gratuitamente por Carlos e alguns voluntários, em um cômodo alugado em Governador Valadares, na região do Vale do Rio Doce.
A busca também inspirou sua carreira e hoje o idealizador do projeto trabalha auxiliando advogados em investigações, com a coleta de informações. Sem apoio público ou privado, a organização é mantida por doações da comunidade. “Atualmente temos 431 valadarenses doando R$2 mensalmente em suas contas de água. Esse dinheiro custeia viagens e despesas da sede, como energia, telefone e internet”, relata.
A matemática mostra que os recursos são escassos para a demanda que recebem. Desde de que começou, Carlos conseguiu resolver 1.615 casos e ainda tem cerca de 800 em aberto. Recentemente, seu trabalho ganhou destaque nacional após ele aparecer em dois programas televisivos – o que aumentou em muito o número de pedidos de ajuda. “Recebemos mais de três mil pedidos de ajuda de todos os estados do país. Isso me preocupa porque não quero gerar expectativas e não fazer nada por essas pessoas”, conta.
Para ele, ajudar essas pessoas é uma missão pessoal. “Isso pode parecer ser vago, mas é como eu me sinto. Eu sei como ajudar essas pessoas, quais medidas tomar e me sinto frustrado se não estiver ajudando. Não posso ficar sem fazer nada”, confessa.
Segundo ele, não existem estatísticas oficiais, mas a estimativa é de que todo ano cerca de 200 mil pessoas desapareçam no Brasil, sendo 40 mil delas crianças e adolescentes. “Minha avó foi uma das grandes motivações para eu continuar com a Ong, porque ela sempre via em cada caso, a história dela. Nós não tivemos essa oportunidade que meu trabalho proporciona a outras pessoas, por isso ele me dá uma satisfação muito grande”, diz.
Além de encontrar a prima que nem imaginava ter, cada momento em que uma família é reaproximada por meio de seu esforço é especial. Uma das experiências mais marcantes aconteceu em setembro de 2013, quando ele encontrou em Itaguaçu, no Espirito Santo, uma pessoa que procurava há seis anos. “Esse foi o primeiro caso que cadastrei na Ong. Era uma mulher procurando o irmão dela, que era portador de sofrimento mental e desapareceu. Esses casos são os mais difíceis e acontecem com muita frequência”, conta.
Assim como acontece na maioria dessas situações, o homem, que ficou sem acesso a seus medicamentos, se tornou morador de rua. “Mexia muito comigo não ter encontrado ele, porque esse tinha sido meu primeiro caso registrado. Quando o encontramos, ele estava horrível, com buchas no cabelo, lixo na roupa e com uma barba muito grande. Foi uma felicidade pessoal encontrá-lo e para a irmã dele, felicidade total. Ela me disse que de agora em diante a vida dela será outra. Isso me faz ter a certeza de que não posso parar”.
O Instituto de Busca e Localização de Desaparecidos, nome oficial da Ong, tem o apoio de cinco voluntários, todos policiais reformados e vive de doações. Informações sobre como ajudar o projeto no endereço: www.desaparecidos.org.br.


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Futebol para todos

 
 
Simone Lima
Foto: Nando Oliveira/Esp. EM


Divinópolis – São 15h30 de uma quinta-feira muito quente: a temperatura chega quase aos 30 graus e, mesmo com o calor e o Sol sobre a cabeça, cinco meninos chegam ao campo de futebol do Bairro Manoel Valinhas, em Divinópolis, Centro-Oeste de Minas. Eles carregam uma bola de futebol e chuteiras. Pouco tempo depois, outras crianças se juntam ao grupo e, em alguns minutos, cerca de 40 meninos começam a treinar. Todos fazem parte do projeto Estrela de Minas, escolinha de futebol voltada para crianças carentes criada pelo ex-jogador do Cruzeiro Adilson Lopes, mais conhecido como Adilson Coca-Cola.
Aos 41 anos, Coca-Cola tem que administrar seu tempo. Além de dar atenção à família e cuidar do emprego, dirige o projeto. A escolinha ganhou vida há quatro anos quando ele e o amigo de infância Edson Ângelo decidiram criar uma ocupação para crianças carentes fora do horário escolar. “Uma coisa importante é que estamos sempre acompanhando o estudo dos meninos que jogam no Estrela de Minas. Eles precisam frequentar as aulas e ter boas notas. Quando não estão estudando, têm o campo para jogar. As aulas ocorrem três vezes na semana e organizamos pequenos campeonatos aos domingos”, afirma o ex-jogador.
Adilson diz que vê um pouco de sua história em cada criança do projeto. Ele conta que nasceu e cresceu no Alto São Vicente, um bairro carente de Divinópolis. Com cinco irmãos, não teve uma vida de luxo e precisou batalhar muito para ser reconhecido como jogador profissional. “Não chegamos a passar fome, mas era uma vida regrada. Não tinha chuteira, jogava com um sapato velho ou descalço. Por isso, hoje falo muito para os meninos darem muito valor porque, por mais que a escolinha seja simples, lutamos para melhorá-la. Conseguimos chuteiras, uniformes, material, tudo com esforço para garantir que eles tenham um espaço.”
A grande inspiração de Coca-Cola foi o pai, José Lopes, que no final da década de 1970 criou um time de futebol, também voltado para crianças carentes. Foi lá que Adilson deu os primeiros passos e treinou os primeiros dribles. “Fiquei até os 12 anos, quando fui para o Vasco de Divinópolis. De lá, passei por vários times. Até que, em 1991, fui contratado pelo Cruzeiro.”
Coca-Cola, que em 1991 venceu a Supercopa pelo Cruzeiro, guarda grandes recordações do time. Ele jogava na ponta esquerda e se emociona ao falar sobre aquela época. “Não ganhei dinheiro jogando futebol, mas ganhei visibilidade. Fiz amigos e muita gente na cidade me conhece graças ao futebol. Isso acabou ajudando minha vida, até mesmo no emprego”, afirma. Outro orgulho foi o título de campeão mineiro do Módulo II, em 1994, pelo Guarani. Na época, Adilson havia decidido voltar à cidade natal. “Ver o time de Divinópolis passar para a Primeira Divisão e participar de tudo foi importante na minha vida.”
Aos 26 anos Coca-Cola encerrou a carreira como jogador. Casou-se e começou a trabalhar como revendedor de purificadores de água. Mas o futebol continuou sendo a grande paixão do craque e foi numa conversa sobre o esporte que surgiu a ideia de montar o Estrela de Minas. O time já ganhou seis troféus em campeonatos da região, o mais importante em 2011, quando os meninos levantaram a taça da Copa Pará de Minas. “Esse foi o último troféu que ganhamos, porque também foi o último campeonato do qual participamos. Fica caro levar esses meninos para jogar e falta incentivo.”
Hoje, 80 crianças, entre 8 e 15 anos, participam do projeto. Nenhuma paga mensalidade. A maioria vem de áreas carentes e tem histórico familiar de violência: eles convivem de perto com o vício dos pais, abandono e agressão. É no campo do Estrela de Ouro que os garotos começam a enxergar uma vida diferente. No esporte eles fazem amigos e sonham em seguir os passos de Coca-Cola. “Nossa vontade é de fazer bem mais, incentivar mais. Não temos como, se não tivermos apoio. Mês passado conseguimos a doação de 30 chuteiras e são esses anjos da guarda que nos ajudam a levar o sonho adiante, porque são muitas as dificuldades.”
Adilson tem ainda dois grandes sonhos. O primeiro é abrir sua própria empresa de purificadores de água. O outro é conseguir dar vida ao projeto Minas, uma escola de futebol para jovens de 15 a 20 anos. “Nessa idade, quando eles começam a conhecer bebida e drogas, é que o projeto Estrela de Minas acaba e eles precisam sair. Por isso, queremos continuar esse trabalho. Tirar esses jovens das ruas e mantê-los dentro do campo. Mas para isso precisamos de ajuda. Estou em busca de parceiros e tenho fé que vamos conseguir. Vamos lutar para isso.” 


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Esporte solidário

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Divulgação

É praticamente um clichê dizer que o esporte pode salvar vidas depois que tantas organizações não-governamentais passaram a implementar diferentes modalidades em comunidades carentes. Independentemente de ser ou não um chavão, o esporte pode ser sim uma ferramenta de transformação social e quem confirma isso é o professor Galvan Leal Machado, de 31 anos. Há nove anos ele implementou a Associação Cultural, Artística e Esportiva Projetar, no Aglomerado Barragem Santa Lúcia, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde ensina o judô para crianças e jovens carentes.
A relação começou meio que por acaso, quando o instrutor resolveu incluir alguns bolsistas em sua academia de judô. “Ofereci três vagas para moradores do aglomerado e a ideia foi crescendo. Um aluno foi trazendo outro e, de repente, eu tinha uma lista de mais de 10 meninos querendo participar”, relata.
Foi então que Galvan percebeu a necessidade de ter um espaço dedicado somente para o trabalho voluntário. A associação, que atua em parceria com escolas da comunidade, se tornou ONG há um ano e meio e, atualmente, atende cerca de 100 jovens entre quatro e 18 anos.
O tempo mostrou ao instrutor que a atividade tirava os meninos e meninas das ruas e da ociosidade, dando-lhes mais motivação e disciplina. O modo como a prática esportiva foi inserida na comunidade contribuiu para tanto. Para competir, os alunos são obrigados a terem bom desempenho e frequência na escola. Os boletins escolares são apresentados periodicamente e os instrutores sempre conversam com os jovens sobre suas dificuldades. “Não esperamos que um aluno que antes tirava só E passe para B, mas exigimos que no próximo período ele melhore para, no mínimo, D”, explica. A estratégia é contínua, portanto a boa atuação na escola não tem fim.
Essa melhoria de notas é obrigatória se o aluno planeja competir. “A competição não é nosso foco, mas ela é um estimulante”, pontua. “Nossa intenção é que eles vejam um universo maior do que o que estão acostumados. Mostrar que eles podem conhecer lugares legais, que o judô pode ser, talvez, uma profissão e que seja uma ferramenta para que consigam ser melhores por inteiro”, completa.
Especialmente, a ideia é que os alunos entendam que são capazes. Enxergar as qualidades que têm no tatame é só uma porta aberta para um mundo de possibilidades que era antes desconhecido por eles. “Muitos nem pensavam em faculdade ou em concluir os estudos, mas com o tempo, eles começam a falar de qual área querem cursar e até em fazer mestrado”, diz.
O resultado observado por Galvan é que alunos, que antes eram agressivos, hoje são mais centrados; aqueles que não tinham perspectivas, planejam seus futuros. “Alguns deles não têm a possibilidade de conversar sobre isso fora da aula de judô. Poucos pensavam sobre o que queriam fazer da vida e hoje a maioria faz isso. Por isso, penso que vale a pena o esforço. Estamos colhendo bons frutos com essas pessoas”, confessa.
O retorno das pessoas é o que mais faz o trabalho compensar. É ele que faz Galvan perceber o bem que pode fazer. “Não vamos conseguir mudar o mundo, mas ajudar um pouquinho dá sim”, diz.

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Plantando esperança

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Arquivo Pessoal

Se existe uma causa com a qual os ambientalistas urbanos ainda têm dificuldade de lidar é com a poluição dos rios que cortam e abastecem cidades. Todas as grandes regiões metropolitanas do país apresentam sérios problemas relacionados à poluição e alagamentos. A situação é tão grave que hoje em dia é necessário percorrer muitos quilômetros para fora dos centros urbanos para se encontrar um curso d'água que ainda seja cristalino e bom para nadar. Infelizmente, o problema tem chegado também ao interior do estado. Tanto é que ele é motivo de preocupação constante da professora de português, Marilene Araújo Couto, moradora de Bom Despacho, na região Centro-Oeste de Minas.
“Minha veia ambiental é antiga e sempre observei a natureza”, conta. Foi esse carinho que a levou a realizar uma expedição pelo Rio São Francisco para estudar a relação do homem e do rio por meio dos causos e modas de viola originais das diferentes comunidades ribeirinhas que seguem o Velho Chico. Marilene visitou algumas cidades, entre a nascente, em Medeiros, também no Centro-Oeste mineiro, e sua foz, em Penedo, Alagoas. Enriquecedora e muito frutífera, a viagem também lhe revelou a triste realidade de quem tem visto o rio sofrer. “Em Penedo conheci o Seu Toinho, um pescador que me disse que o que chega do rio para eles é a nossa privada. Aquilo foi muito triste”, confessa.
O resultado do projeto ajudou que seus alunos do ensino fundamental se sensibilizassem sobre a importância dos rios e de sua preservação. Contudo, mais do que isso, a experiência lhe despertou a necessidade de tomar uma atitude a respeito do que acontecia em sua própria cidade. Era hora de ajudar o rio Capivari.
Foi assim que nasceu a iniciativa de realizar o plantio de mudas nativas nas margens do rio. “São poucas as pessoas que têm a preocupação de olhar para o futuro. A água de qualidade está no fim e aqui, por exemplo, já temos até pequenas nascentes e córregos poluídos. As pessoas não têm uma preocupação com isso. Esse plantio é uma ação tardia e queremos mobilizar a sociedade, autoridades, empresas e as comunidades ribeirinhas sobre a necessidade de ações maiores e contínuas para salvar o rio”, afirma.
Enquanto a expedição pelo São Francisco lhe rendeu o segundo lugar no Prêmio Furnas Ouro Azul, na categoria sociedade civil, em 2009, os mutirões pelas margens do Capivari lhe deram o primeiro lugar no mesmo prêmio, em 2011.
O plantio de mudas acontece anualmente, na época de chuvas, que é mais propícia para a ação. Desde 2011, quando a ideia começou a ser posta em prática cerca de 1.300 mudas foram plantadas na calha do Capivari. Cerca de 30% ficaram comprometidas com o tempo, o que já era previsto. O restante tem perfeitas chances de crescerem fortes e constituirem uma nova mata ciliar para o Capivari.
Graças à presença do homem, grande parte dessa vegetação nativa no entorno dos rios – não só no Capivari, mas na grande maioria dos cursos d'água – é retirada. As consequências disso são ruins para todos. Os lençóis freáticos deixavam de receber água, porque sem árvores o solo não retém liquidos; a terra fica mais propensa à erosão e, como resultado, o leito do rio recebe mais areia, o que prejudica a vida nele.
Mesmo que significativa, Marilene sabe que a ação mobilizada por ela é insuficiente para impedir o processo de degradação do Capivari. Para tanto será necessário o apoio e sensibilização de cada pessoa que interage com o leito. “Percebemos que a educação ambiental pode muito. Acho que essa iniciativa é uma luz, uma perspectiva e uma possibilidade. Se outras pessoas pessoas aderirem também, ela é tudo. Porque com o esforço minimo de cada um, o rio pode ter uma nova vida. Mas é preciso que alguém dê início”, ressalta. Em Bom Despacho, esse primeiro passo foi dela. Contudo, muitos outros devem vir.
A partir da ação dela, existe a possibilidade de que uma iniciativa privada colabore com cerca de 4 mil mudas ao longo dos 22 quilômetros do rio que passam pela cidade. Outra ação interessante está programada para o início do ano que vem e também terá a participação da professora. Um cidadão ribeirinho está mapeando os proprietários de terra nas margens do rio.
“Nossa próxima etapa vai se focar na educação ambiental com eles. Já conhecemos áreas totalmente desmatadas. Queremos saber qual a relação deles com o rio, qual seu grau de dependência, quais suas atividades que envolvem o rio e como seria a vida deles sem o rio. Isso tudo para expormos a importância do matamento para a proteção do Capivari. É uma prosa no pé do fogão para que essa pessoa desenvolva um olhar novo sobre algo que ela vê todos os dias”, diz. “Mas não dá para não pensar no rio. Ele é uma responsabilidade social de todos e todos temos que pensar nessa água”, completa.

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Solidariedade online

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Arquivo Pessoal

A perda do irmão, em 2000, para a leucemia alertou a jornalista Flávia Freitas, de 31 anos, para a difícil realidade que assola os pacientes à espera do transplante de medula óssea. As chances de compatibilidade são muito raras - uma em cem mil – ao contrário da probabilidade desse tipo de câncer atingir um outro membro da família. Em 2011, Flávia e sua família viram um outro parente ser diagnosticado com leucemia, dessa vez a prima de primeiro grau, a jornalista Ana Paula.
Se a primeira perda já os fez despertar para a necessidade de apoio às campanhas de doações, passar pelo processo de busca por doadores mais uma vez lhe reforçou o sentimento empatia pela causa. Foi durante o tratamento da prima que Flávia idealizou a campanha 'Quinta do bem' – uma iniciativa para sensibilizar e recrutar novos doadores de medula óssea.
Os pais e irmãos de Ana Paula, assim como o restante da família, não eram compatíveis com ela e, portanto, não poderiam ser doadores. Fora do grupo familiar as chances eram ainda mais remotas. “Minha intenção era incentivar a doação tanto para a Ana quanto para outras pessoas que passavam pela mesma situação. Começou nas redes sociais, pedindo que as mulheres usassem lenços na cabeça em apoio à causa e os homens, fitas vermelhas amarradas nos braços. Começamos a ter muito apoio e adesão e, então, tive a ideia de fazer uma campanha física”, conta.
Pela internet, ela convidou simpatizantes da causa a comparecerem em um posto de coleta montado na prefeitura de Betim, onde a família vivia. “Nesse dia conseguimos fazer 400 inscrições de doadores. Foi um resultado muito bom”, diz.
A grande conquista, dessa ocasião e de cada nova adesão à campanha, é a desmistificação do medo que algumas pessoas têm de se tornarem doadores. “Muita gente pensa que vão furar a coluna espinhal dela para tirar o líquido, mas não tem nada disso”, comenta. O cadastro requer a coleta de um tubinho de sangue e, caso o doador seja compatível, um pouco mais deverá ser coletado. No entanto, o resultado dessa boa ação pode ser essencial para garantir a vida de uma outra pessoa.

Infelizmente, no caso de Ana o transplante não foi o suficiente. Ela conseguiu dois doadores compatíveis, foi para São Paulo fazer o transplante, mas o corpo dela o rejeitou. Em novembro de 2012 Ana faleceu. O que não morreu com ela foi vontade de Flávia ajudar outras pessoas.
Após quase seis meses de luto, ela recomeçou a campanha e voltou a incentivar novas pessoas a se tornarem doadores. A adolescente Bianca Precovia, de 15 anos, foi um dos motivos da volta. Flávia conheceu a menina durante o tratamento da prima e foi Bianca quem incentivou a jornalista a não desistir de ajudar outras pessoas. Desde então, novos doadores em todo o Brasil – e até de Portugal, Peru e Inglaterra – têm surgido a partir da ideia de Flávia. “Eu perdi duas pessoas que amava demais, mas eu quero me sentir útil. Se minha página conseguir tocar uma pessoa que for a se tornar uma doadora, já foi um ganho enorme. Não é pelo montante, mas pelo fato da pessoa ter sido tocada e se motivado a ter esse gesto. Isso não tem preço”, confessa.
Para quem pensa que incentivar pessoas a postarem fotos com lenços não tem tanto impacto, a realidade tem mostrado o contrário. Na prática, a campanha virtual iniciada por Flávia tem construído uma rede de conhecimento e doadores, onde cada vez mais pessoas são educadas sobre como a doação acontece qual sua importância para a vida de uma pessoa com leucemia. “O que vejo acontecendo é os apoiadores fortes espalhados por estados diferentes se tornam multiplicadores da ideia em seus trabalhos e comunidades. Está virando uma rede mesmo”, conta.
Exemplo é a cidade de Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Mesmo sem Flávia nunca ter ido lá, sua iniciativa chegou e ganhou força na cidade – até o ponto de uma rádio divulgar no ar a campanha. “Acho que a ideia foi criada pela Flávia, mas ela não é só minha. Se a gente não trabalhar de forma coletiva, não tem como dar certo”, conclui.
Participar da Quinta do Bem é super fácil. Basta acrescentar um lenço ao seu look de quinta-feira, fotografar a produção e compartilhar no perfil facebook.com/comuniquebemflaviafreitas. Espalhe a ideia entre seus amigos e colegas – e não se esqueça de se cadastrar no hemocentro mais próximo!

O que é
Constituída por tecido líquido-gelatinoso e encontrada no interior dos ossos, a medula óssea produz os componentes do sangue. A leucemia compromete o funcionamento dos leucócitos, responsáveis pela defesa do organismo. Um organismo com leucemia produz exageradamente certos tipos de glóbulos brancos, causando infecções, anemia e sangramento excessivo.
Através do transplante é possível repovoar a medula óssea do paciente com células sadias. Para se tornar um doador é preciso se cadastrar em um hemocentro. Só podem ser doadores pessoas entre 18 e 54 anos, com boa saúde, livres de doenças infecciosas ou hematológicas. O candidato também deverá apresentar documento oficial de identidade com foto, preencher uma ficha de cadastro e fazer a coleta de uma amostra com 5 ml de sangue para testes. Esses exames irão determinar as características genéticas do candidato para detectar um receptor compatível.

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Literatura na porta de casa

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Donadon Leal/Divulgação

Imagine atender a porta de casa e encontrar alguém te oferecendo uma sacola de livros? A primeira reação é quase sempre de desconfiança. Quanto será que vai me custar isso? Até que a moça do outro lado te explica que os livros realmente são de graça. “Fui eu quem escrevi”, diz ela. E a proposta é simplesmente te fazer ler mais. Essa é mais ou menos a cena que Andreia Donadon Leal, de 39 anos, encontra quando bate pelas portas de casas oferecendo um pacote de livros recheados de poemas, crônicas, contos e histórias diversas.
Mineira de Itabira, mas residente em Mariana, na região Central do estado, ela é poeta, contista, escritora. Ela é também alguém que acredita no poder transformador que a leitura tem. Inspirada por ele, ela idealizou o projeto 'Poesia Viva – A poesia bate à sua porta', em 2009. Moradores de um bairro de Mariana foram os primeiros abordados. Atualmente, Andreia e o grupo de escritores já passaram por mais de 15 mil residências, empresas, universidades e bibliotecas Brasil afora.
Depois da desconfiança, típica de qualquer bom mineiro, a acolhida é sempre muito boa. “E geralmente termina com um bom bate papo e um cafézinho”, conta. Se a pessoa vai realmente ler os livros ou não é uma incógnita, porém o retorno tem sido motivador. “Nove pessoas a quem oferecemos livros não sabiam ler, mas se sentiram instigadas e foram alfabetizadas a partir desse contato”, diz orgulhosa.
Incentivar alguém a aprender a ler produz uma satisfação enorme, mas esse não é o único presente que Andreia diz ter recebido com a iniciativa. Ver que sua proposta – de aumentar o índice de leitura dos brasileiro – tem dado certo também lhe ajuda a investir cada vez mais na ideia.
A cozinheira Cacilda Maria Oliveira Gonçalves, 43 anos, por exemplo não tinha o menor costume de ler. Mais que isso, ela achava que ler algo 'difícil' como poesias estava bem longe de sua realidade. Contudo, após o insistência de Andreia para que ela aceitasse a sacola de livros, Cacilda viu esse conceito mudar. “Antes eu não conseguia entender direito as coisas e não tinha costume de ler. Todo dia eu leio duas ou três paginas, sem perceber já terminei o livro. E hoje eu compreendo o que leio. Acho que o costume faz isso”, conta. Além disso, o interesse dela motivou o resto da família a começar a ler também. “O livro passou a ser uma boa companhia”, ressalta.
Agora, sempre que acaba um exemplar, Cacilda é quem bate à porta de Andreia em busca de mais. Para a escritora, essa é a sensação mais gratificante do trabalho que faz. “Ver uma pessoa vindo a minha casa perguntar 'tem mais livro?' é fantástico, emocionante. Essa mudança no caminho nos traz uma satisfação que não tem palavras para expressar”, confessa.
E não é só Cacilda que passou a procurar o grupo de escritores marianenses. “A gente vê que o interesse das pessoas aumentou. Acho que a leitura tem esse poder cativante e acredito na máxima que diz que a literatura nos humaniza, nos tira da obscuridade e enriquece o ser humano. Acho que os leitores percebem isso também”, afirma.
Os livros distribuídos são doações, na maioria das vezes, de seus próprios autores. Recentemente, a iniciativa ganhou um prêmio do Ministério da Educação e o dinheiro foi convertido em mais exemplares de outros autores para acrescentar às sacolas. O grupo ainda é aberto para quem quer que queira contribuir. Mais informações: deialeal@jornalaldrava.com.br.

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Tratamento e amor compartilhados

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Cristina Horta/EM/D.A Press

Não faz muito tempo, uma mãe belo-horizontina foi à mídia tornar público o absurdo a qual foi submetida na escola da filha, de oito anos. A menina, portadora de diabetes tipo 1, foi impedida de participar de uma excursão devido ter a doença. Além disso, a mãe também relatou que a garotinha começou a sofrer bullying após ter sido diagnosticada com a doença por colegas que tinham medo, incentivado por seus pais, de 'pegarem' a doença também. O episódio deixou claro que ainda falta muita informação sobre o que a diabetes, como ela é transmitida e como tratá-la. Mas se depender da representante comercial Cidinha Campos, de 50 anos, isso mudará em breve.
Há oito anos ela recebeu uma notícia que mudaria sua vida completamente. Após a morte de seu pai e um irmão, ela descobriu que a filha Duda, com então cinco anos, tinha diabetes tipo 1. O tratamento aproximou a família de outras crianças com diabetes, o que despertou em Cidinha um sentimento incontrolável. “Um dia eu estava no Hospital das Clínicas e vi um anjinho, de um aninho de idade com uma cara triste e um bicão na boca. Ela estava tomando insulina em uma agulhona e naquele momento eu senti a dor dela e da mãe dela. Aquele dia eu saí de lá chorando muito mais que o normal, porque vi que tinha pessoas que precisavam muito mais que eu”, conta.
Foi assim que começou a jornada particular de Cidinha para universalizar o tratamento da diabetes e melhorar a condição de vida dos pacientes com a doença. Junto a um grupo de mães, ela fundou a Associação de Diabetes Infantil (ADI) e iniciou uma série de visitas às secretarias municipal e estadual de saúde, em busca de medicamentos e mudanças no tratamento da doença.
“Eu queria o tratamento adequado que minha filha tinha, para todas as pessoas”, ressalta. A persistência do grupo conseguiu o aumento da disponibilidade de fitas para medir glicose por pessoa e a diminuição no tamanho da agulha da injeção de insulina, de 12,7 mm para 8 mm. “Nossa luta é para que todo mundo use, em pouco tempo, agulhas de 4 mm”, afirma.
A ideia é, inclusive, mais adequada para a eficiência do medicamento. “As agulhas de 4 mm conseguem colocar a insulina na camada subcutânea da pele, que é exatamente no lugar adequado para ela fazer o efeito desejado. Quando a agulha é muito longa o medicamento não faz o efeito que precisa. Além de ter um conforto maior, ela ainda funciona melhor”, explica.
Atualmente, ela está em negociação com o governo estadual na criação de um projeto itinerante com o objetivo de educar as pessoas sobre a doença e os cuidados que os diabéticos necessitam. “A história é que todo mundo conhece e vê crianças com Aids, câncer, Síndrome de Down e não com diabetes. Essas crianças, além de serem privadas de comer livremente como todo mundo, ainda têm que tomar insulina a cada refeição. Quando elas não têm a estrutura necessária de tratamento, acabam tendo uma vida cheia de complicações, como cegueira e hemodiálise”, diz.
A diabetes, considerada a doença do milênio, superou em muito as expectativas da Organização Mundial de Saúde (OMS). A suspeita era de que alcançaríamos 235 milhões de diabéticos em 2025, contudo em 2012 a doença atingiu o número. Para Cidinha, a razão disso é a falta de informação – que também é a responsável pelo crescimento no número de óbitos, amputamentos e complicações causados pela enfermidade.
Outra luta dela é para que os diabéticos, especialmente as crianças, possam ter uma vida 'normal', sem ter que ser privados de uma alimentação prazerosa em decorrência da doença. Apesar do mercado alimentício oferecer diversos produtos em versões diet, os preços impossibilitam que a maior parte da população brasileira tenham acesso a eles. “Estamos coletando assinaturas na internet para tirar impostos de alimentos dietéticos, que são muito caros. Queremos levar essa ideia para a presidência da república, com o intuito de retirar os tributos também de medicamentos e insumos para diabéticos”, declara.
Para se ter uma ideia, o preço de uma lata de leite condensado normal custa em torno de R$3. Já uma lata do mesmo produto em versão diet chega a ser vendida a R$12. “Uma senhora que mora em uma vila ou no interior não tem condição de comprar algo assim”.
Como se isso tudo não fosse o suficiente, Cidinha ainda faz parte de um grupo de cidadãos do mundo que já começaram a articular uma organização internacional de atuação em prol da difusão de informações sobre a diabetes. “Meu sonho é lutar pelo tratamento adequado para todas as pessoas com diabetes no mundo. Se esse tempo na associação me mostrou alguma coisa é que ainda temos muitas coisas a fazer”, conta.
Questionada sobre o que ainda lhe motiva a continuar com tamanha dedicação, Cidinha respira fundo e responde com a voz trêmula: “Eu sei que é difícil dos outros acreditarem nisso, mas eu amo as pessoas. Eu gosto do ser humano. Quando abraço alguém ou quando a gente chora junto, isso é indescritível e incondicional. Acho que as pessoas são mais que um número de identidade e CPF. Minha família é muito grande e tem quase 7 bilhões de pessoas”, afirma.

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O melhor amigo dos bichos

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press

Muita gente simpatiza ou ajuda animais em situação de risco, mas poucas dedicam a vida a essa luta. O belo-horizontino Franklin Oliveira, de 45 anos, é um dos raros exemplos de quem doa grande parte de sua existência em prol da causa animal. Em 33 anos como ativista, o técnico acumula uma longa lista de cachorros, cavalos, gatos, aves e até animais de circo auxiliados e é um dos pioneiros na defesa dos animais na capital mineira.
Nas palavras dele, é um trabalho de amor e loucura. Atualmente, ele tem uma “casa-abrigo” - chamada carinhosamente de Neverland - na Pampulha, onde mora com 78 animais resgatados das ruas. Os bichinhos – em sua maioria cães e gatos – são levados mensalmente para uma feira de adoção, onde candidatos a papais e mamães têm a oportunidade de escolher um amiguinho para levar para casa.
O amor e dedicação é tamanho, que Franklin ganhou o apelido de “Assis”, em referência ao santo caridoso São Francisco de Assis. A seriedade também é total. Tanto que ele faz questão de pedir que cada pessoa interessada em adotar assine um termo de responsabilidade ao levar um animal.
As pessoas também têm que comprovar que têm condição financeira de cuidar dos bichos. “Animal dá trabalho e gasta dinheiro”, lembra. Ele que o diga. Todos os resgatados são vermifugados, vacinados e tratados de qualquer enfermidade. “Já tive conta de mais de R$22 mil em veterinários”, diz. Só de alimentação são gastos 25 quilos diariamente e 600 quilos por mês.
Imagina como isso pesa no bolso e na cabeça? “Eu já tive muitos momentos de repensar. Eu poderia ter feito muita coisa da minha vida, comprado casa, carro. Mas fui usando meus recursos em nome da causa.  Já fui ameaçado de morte por comerciantes de animais, promotores de rodeios e de brigas de galo. É uma parada dura”, confessa. No entanto, não é arrependimento o que fica de maior dessa história para ele. Pelo contrário, a certeza de ter ajudado esses seres sem voz é gratificante o bastante para ele. E é no olhar carinhoso, de quem ama sem interesse, que ele encontra conforto. “Não sei se minha existência valeu de alguma coisa, mas se valeu foi pelos animais”, completa.
A paixão por animais veio de família, mas o despertar para a luta começou no final da adolescência. Franklin conta ter passado por uma manifestação em 1982, na Avenida Paraná, de criadores de aves contestando o preço de venda dos animais. “Eles queimaram pintinhos vivos no meio da manifestação e aquilo me tocou demais. Era pouco antes da quaresma e eu prometi que não comeria carne no período. Isso tem 32 anos e ainda não como carne”, relata.
Foi na Sociedade Protetora dos Animais de Belo Horizonte onde ele começou o trabalho de ativista, limpando canis e contribuindo com dinheiro para comprar ração. O tempo passou e lá ele foi diretor, fiscal e presidente. Depois da experiência, Franklin fundou, há 10 anos, o Núcleo de Defesa Animal, que esse ano pretende transformar em Ong.
Apesar de defensor e de resgatar animais em risco, sua postura é bem diferente dos chamados 'colecionistas'. Para ele, 'amar' os bichos não basta. Animais precisam de uma família capaz de prover o que eles precisam para viver bem. “Combatemos a ideia de pessoas que saem recolhendo animais pelas ruas. Já vimos casos de pessoas que tinham vários cachorros em casa, mas que deixavam eles sem comida por dias porque não tinham dinheiro para ração”, ressalta.
A sugestão é que ninguém extrapole o que dá conta de cuidar. “Apesar de que acho que extrapolei um pouco a minha cota”, brinca. Mas a população de 78 bichinhos deve diminuir em breve. Dia 5 de outubro acontece a próxima feira de adoção. O paizão confessa que mesmo com a satisfação de conseguir casas para eles, é nesse momento da partida em que ele sofre mais. “Meu coração fica espremidinho do tamanho de um ervilha”, conta.
Apaixonado pela vida, em animais e seres humanos, Franklin defende e sonha com um mundo em que os homens respeitem outras espécies. Ele, inclusive, cita o filósofo e matemático grego Pitágoras, que diz: "Enquanto o homem destruir impiedosamente os seres animados dos planos inferiores, não conhecerá a saúde nem a paz".
Desempregado e com gastos grandes, Franklin conta com a ajuda de veterinários e doações. Quem se interessar em ajudar no trabalho pode entrar em contato com ele pelo email nucleofauna@yahoo.com.br  ou pelo telefone 9676-0099.


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Tirando o livro do pedestal

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Euler Junior/EM/D.A Press


Quebrar paradigmas. Essa era a intenção de Marcos Túlio Damascena quando propôs ao pai, em 2002, abrir uma biblioteca em um canto da borracharia da família. “As pessoas sempre ligam bibliotecas com lugares limpos e silenciosos, mas eu penso diferente. Acho que o livro cabe em qualquer lugar e tinha como desejo tirá-lo desse pedestal em que o colocaram”, afirma o então borracheiro e hoje professor. Foi assim que ele criou a Borrachalioteca, em Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte.
O acervo, que hoje tem mais de 10 mil exemplares espalhados em quatro unidades, começou com apenas 70 exemplares, entre enciclopédias e livros de literatura, parte deles vindos de doações e parte do acervo pessoal dele. É desnecessário dizer que a iniciativa foi abraçada rapidamente pelos vizinhos e, tão logo, pela cidade.
Quem sabe tenha sido a descontração do local a responsável por atrair tantos visitantes. Mesmo antes da abertura da biblioteca, Marcos conta que a leitura já fazia parte da borracharia, com a presença constante de vizinhos lendo jornais e revistas em meio aos pneus e a graxa. A rotina o inspirou.
Apaixonado por livros, ele acredita que a leitura tem um poder transformador e deseja ajudar outras pessoas também a se inspirarem por esse mundo quase mágico. “Eu achava que só os livros poderiam mudar minha vida. Eles nos dão alento. Nosso grande diferencial é apostar nesse poder”, ressalta.
De fato, o amor pela literatura mudou o caminho dele e fez do borracheiro, um professor. Depois de terem ficado sabendo da iniciativa dele, uma faculdade resolveu patrocinar o curso superior de Marcos, que escolheu – obviamente – o curso de Letras. O diploma veio em 2009 e com ele novas ideias de como influenciar os moradores da cidade.
Com a ajuda de doações e parcerias, ele abriu mais três unidades do Instituto Cultural Aníbal Machado (nome 'oficial' da Borrachalioeta): a Casa das Artes, a Sala Son Salvador e o Espaço Libertação pela Leitura. Esse último foi aberto dentro do presídio de Sabará, onde Marcos chegou a trabalhar como professor de português. “Foi uma experiência muito marcante. O pessoal ficava ansioso para a aprender e logo, tanto na escola quanto na biblioteca, os detentos estavam absorvendo outro tipo de cultura e gastando mais tempo com livros. Alguns chegaram a passar na Borrachalioteca para me agradecer depois que saíram da prisão. Acho que esse é o poder transformador da leitura”, conta.
Além da literatura convencional, Marcos também é um entusiasta da literatura de cordel e tenta incentivar os jovens de hoje a conhecerem mais sobre a arte literária. “A Cordeoteca é nossa menina dos olhos. Temos poucas bibliotecas de cordel no país e essa é uma das poucas. Temos três mil exemplares e estamos tentado realizar oficinas para colocar o cordel novamente em pauta”, afirma.
Mais que fornecer espaços de leitura, o professor tem tentado estimular seu público a produzir e viver cultura também. No grupo Arautos da Poesia, jovens entre cinco e 17 anos, têm sido estimulados a navegar pelo mundo dos poemas, recitando e escrevendo.
Com uma relação tão próxima com pneus, Marcos também achou um jeito de reutilizá-los na biblioteca. Ele começou oficinas ensinando pessoas a fazerem artesanato com os objetos. A cesta de pneus que carrega livros em atividades externas é um exemplo disso. Uma das propostas para o próximo ano é ampliar o ensino do ecodesign e criar uma cooperativa para que os pneus possam gerar renda para moradores carentes. Outra proposta para o próximo ano é levar espaços de leitura para outros presídios da Grande BH.

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Alçando voos altos

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Gabriella Pacheco/EM/D.A.Press


Apesar de ter crescido com um espírito solidário e passado parte de sua adolescência como voluntária, foi durante um trabalho em Angola, que a artista plástica e arte-educadora Maria Lívia de Castro, viu despertar em si mesma uma necessidade irrefreável de contribuir, de alguma maneira, com a juventude de sua terra natal, Belo Horizonte.
O trabalho com jovens angolanos tinha como foco o impacto que a valorização da cultura poderia trazer para aquele povo. A proposta de Maria era mostrá-los que a cultura é um bem comum e com poder transformador. A iniciativa deu frutos e lhe trouxe reconhecimento, mas também uma inquietação: se deu certo em Angola, por que não também no Brasil?
Com o dinheiro conseguido em prêmios, a educadora decidiu tirar o sonho do papel e começou a construir o centro cultural que seria sede de uma organização não-governamental cujo público-alvo seriam jovens de periferias. O ideal? Transformar o mundo – um jovem por vez.
A inspiração para a ONG veio de uma tradição angolana: a história popular de um pássaro que anuncia o nascer do sol e voa alto, convidando outras aves para voarem com ele. O nome do pássaro é Humbiumbi, mas poderia muito bem ser traduzido como Maria.
“Quando voltei ao Brasil voltei entendendo que a experiência em Angola tinha sido decisiva na minha vida. Eu não poderia pensar em uma vida para mim que não promovesse uma contribuição maior, não tivesse um sentido social maior”, afirma. Foi daí que nasceu, em 1996, a Ong Humbiumbi – Arte, Cultura e Educação. A mensagem que o nome trazia era de querer mais, ver o universo de maneira mais ampla e nunca sozinho.
Desde o início sua proposta ao trabalhar com jovens era muito clara: eles são o futuro. “Há de se pensar no jovem como uma solução, que diz respeito não só ao seu bem pessoal, mas ao bem comum”, destaca. O problema, ela explica, é que, às vezes, a energia deles não é bem canalizada. “A arte e a cultura podem dar esse direcionamento, porque são áreas que importam para o desenvolvimento e realização do ser humano. Na medida em que esse jovem se vê fortalecido e vê o valor que ele tem como pessoa, ele passa a querer mais, querer o melhor para ele e para a sociedade. E passa a ter atitudes que levam a isso”, completa.
Atualmente, a Humbiumbi faz atendimentos à crianças e jovens, entre um e 25 anos, de toda a regional Oeste de Belo Horizonte. As atividades envolvem incentivo à leitura, empreendedorismo e protagonismo juvenil, teatro, música, comunicação, entre outras. Eles também são responsáveis pelo trabalho de arte, como desenvolvimento de conceitos e formação de professores e programas do Instituto Ayrton Senna. A Ong ainda é parceira de escolas da rede pública, onde desenvolvem projetos de arte-educação, propondo novas maneiras de se explorar o ambiente de sala de aula.
A quantidade de projetos, no entanto, não é sinônimo da ausência de dificuldades. O prédio, que foi construído com recursos pessoais de Maria, ainda tem sua manutenção paga do bolso da arte-educadora. A parceria com algumas empresas e projetos aprovados em leis de incentivo, nem sempre cuidam do restante. “Já tivemos projetos aprovados pela lei de incentivo à cultura que não foram realizados porque não conseguimos alcançar o mínimo de 20% do valor total com empresas. Chegamos a ter 18%, o que não foi suficiente e tivemos que devolver o dinheiro”, conta.
Independentemente, ela continua voando. “Como diz Guimarães Rosa, é caminhando que se aprende o caminho”, diz. Tem sido assim desde o início. Mesmo quando questionada e considerada louca por amigos, ela persistiu. Persistiu porque tinha a certeza de que a iniciativa poderia convergir para um bem muito grande. “Temos resultados muito concretos de jovens que vieram do Vale do Jequitinhonha, não tinham perspectivas de vida, e que passaram em vestibulares com notas altíssimas e hoje são ótimos profissionais”, afirma. Esses exemplos e os relatos dos jovens que lhe acompanham nesse vôo são o combustível que ela precisa.
E o desejo de mudar não é só dela. Ele também é compartilhado pelos jovens em quem ela investe. “Outro dia um menino me falou: 'A gente vem de um lugar em que a gente é desacreditado. A gente vem da favela e as pessoas pensam que a gente só é bandido. Mas a gente não é bandido'. Cada vez que vejo um desses jovens se realizando, entendendo que ele pode contribuir para a sociedade crescer, acho que minha vida é recompensada. A gente faz muito pouco quando faz só para gente”, ressalta.
Ela ainda completa: “quer coisa melhor que poder assistir esses resultados, que são muito maiores que minha vida? Minha vida hoje é muito pequena diante do que eu posso compartilhar com os jovens que passam por aqui. A deles sim é muito rica”.


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Auto-estima contra o câncer

 
 
Gabriella Pacheco
Foto: Daniel de Andrade/Divulgação

A família da empresária Ana Tompa, de 53 anos, há mais de 50 anos tira seu sustento com a fabricação de perucas, em Belo Horizonte. Cerca de 90% dos produtos, durante todo esse tempo, foram comprados por mulheres que perderam o cabelo durante o tratamento de câncer. O contato direto com pacientes fez dela uma aliada no combate ao câncer.
“Falo que Deus me deu a profissão certa porque sou uma pessoa muito positiva e nesse ramo as pessoas choram demais”, brinca. Para ela, ter câncer não é atestado de óbito e ela faz questão de lembrar suas clientes disso.
No entanto, a positividade não lhe tira a consciência de que o câncer pode ser cruel. “A coisa que me chocou mais foi quando atendi minha primeira criança. Chorei muito. Hoje em dia me surpreende ver quantas mulheres grávidas também têm tido a doença. Aliás, considerando o tempo em que estamos nesse negócio, dá para dizer que a quantidade de pessoas em tratamento aumentou muito ultimamente. Não precisa nem estar no mesmo ramo que eu para saber. Todo mundo tem um conhecido em seu ciclo de amizades com câncer”, diz.
Há dois anos, a empatia por essas pessoas fez ela tomar uma atitude diferente. Ana resolveu aproveitar o ofício que aprendeu com a mãe para ajudar pessoas menos favorecidas que sofriam do mesmo mal que suas clientes.
O resultado foi a doação de perucas para pacientes do Instituto Mário Penna. As próteses custam entre R$300 e R$1.600. De acordo com a instituição, os valores são inacessíveis à maioria das mulheres, cujo atendimento é feito pelo SUS. “Minha mãe sempre dizia que se você não vive para servir, você não serve para viver. Acho que toda vez que a gente faz alguma coisa boa, ela volta para a gente e eu sinto que minha alma fica mais leve quando faço isso”, comenta.
As primeiras doações foram de perucas usadas – todas higienizadas e reformadas por ela. Desde então, 45 produtos já foram entregues para mulheres em quimioterapia. Algumas delas foram doadas por terceiros e ela ficou a cargo da reforma. Outras foram feitas de cabelos doados ao hospital. E a proposta é não parar por aí.
Ana conta que reformulou a campanha com o Instituto e agora, doadores poderão colaborar para a causa, entregando cabelo para a fabricação de perucas. “Já tenho cinco prontas e pretendo continuar. É uma coisa maluca entregar essas perucas. Em uma outra vez fomos entregar para umas doninhas muito simples, calçando chinelos velhos. Elas ficaram numa felicidade e falaram que agora até iam para o forró!”, conta. “Sem querer ser piegas, parece que eu fico anestesiada de tanta felicidade ao ver isso. É muito gratificante ver o impacto que isso tem na vida delas”, confessa.
A ideia é similar ao que uma cliente propôs a ela, há alguns meses, só que em menores proporções. “Ela fez uma campanha pedindo a doação de cabelo na igreja dela e conseguiu arrecadar material para 10 perucas. Agora ela vai doar as perucas para pacientes do Hospital das Clínicas”, conta. Qualquer pessoa pode doar cabelo. Segundo ela, cada doador só precisa dar um palmo de seu cabelo. No entanto, são necessárias 300 gramas de madeixas para formar uma peruca, o que equivale a três ou quatro doações. “Geralmente tenho que esperar pessoas com cabelos parecidos para fazer uma, então pode demorar”, afirma.
A próxima entrega deve acontecer em outubro, época de combate ao câncer de mama. Segundo ela, os momentos de entrega são sempre muito intensos. “Vejo que essas pessoas têm carência de tudo, desde pão até aconchego. Vejo também como a auto estima é importante na cura de qualquer doença, mesmo que uma gripe. Quando você dá uma flor ou um lenço que seja para essas pessoas, parece que elas voltam à vida”.
Além de ajudar quem já está enfrentando a doença, Ana também faz questão de conscientizar as pessoas sobre diferentes tipos de câncer e a importância da prevenção. O mês de setembro é para a conscientização sobre o câncer de ovário. Para isso, na loja e seus arredores ela irá distribuir panfletos falando da doença e broches de apoio. “Eu lembro de ver em a Lista de Schindler o personagem falando que se ele conseguisse salvar uma vida já compensaria sua vida. Aí eu penso que se alguém fizer a prevenção por causa do panfleto e conseguir evitar ter a doença, acho que já vale a pena”, afirma.


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Doutora da Alegria

 
 
Arnaldo Viana
Foto:  Túlio Santos/EM/D.A Press

Cláudia Toledo são duas. Uma delas, atriz, casada com um médico cardiovascular e mãe de uma menina, tem uma vida normal como qualquer outra dona de casa e profissional. A outra, um tanto diferente, não nas emoções, mas nas ações e nas vestes marca presença todas as sextas-feiras no Hospital Maria Ambrosina ou Hospital da Baleia, uma das unidades da Fundação Benjamim Guimarães, no Bairro Saudade, Região Leste de Belo Horizonte. Cláudia se transforma na Doutora Cacau, para alegria dos internos idosos e dos pacientes que se submetem a cansativas quatro horas de hemodiálise.
Cara pintada, bermudas e meias listradas, nariz de palhaço e jaleco branco com um monograma bordado na altura do peito: besteiróloga, ela ultrapassa a porta do hospital. A figura tipicamente circense já é suficiente para arrancar um sorriso de Maria Raimundo Nascimento, de 78 anos, que, na cadeira de rodas, espera na fila da hemodiálise. “Eu me sinto melhor com a Doutora Cacau, o coração enche de alegria.” De passo em passo, ninguém fica sem um afago ou sem comentário divertido, animador. E Cláudia conhece todos, nominalmente. E lembra até de brincadeiras de outras visitas.
“Sou atriz e, desde o namoro com o meu marido, ia esperá-lo no hospital onde ele trabalhava. Via a necessidade do outro, necessidade de carinho, apoio, amor. E minha mãe sempre me ensinou a ajudar quem precisa.” E há oito anos, Cláudia, travestida de Doutora Cacau, frequenta o Baleia, para uma performance que já fez também no Hospital João XXIII e no Centro Geral de Pediatria. “Comecei a levar alegria aos paciente e vi que isso dava bom resultado. Consigo, com esse trabalho, inverter a tristeza e o abatimento.” Nas mãos, um pequeno aparelho com entrada para USB. Música e dança fazem parte da terapia.
Por que um trabalho só com idoso? “Antes de começar, vi que a terapia do riso era voltada quase que exclusivamente para crianças. Fiz uma visita ao Baleia e gostei tanto que propus um trabalho com idosos em estado terminal e pacientes de hemodiálise. Quando vi o retorno, a cada visita, fiquei ainda mais animada. Estava mudando, para os pacientes, o ambiente hospitalar.” E não é um trabalho simples, de minutos. Só na ala de hemodiálise são 44 pessoas por sessão e Doutora Cacau faz pilhérias com cada uma. E não dispensa o toque: uma cosquinha nos pés, um afago no rosto.
“Vejo que muitas vezes é mais importante tocar. A mão que toca cura, porque leva carícia, devolve a confiança e manifesta cuidado. A mão faz renascer a essência humana naqueles que são tocados.” O motorista Washington Souza, de 39, já ligado à máquina de hemodiálise, aparelho que conhece há seis anos, olha admirado para aquela mulher pequena, ágil e fantasiada. “A Doutora Cacau só traz alegrias. Resgata em nós a vontade de viver. Dispensa mais comentários.”
Piedade Ferreira de Oliveira, de 74, tenta encolher os pés sob a coberta ao ver a intenção da figura colorida que se aproxima, animada ao som de uma música de Roberto Carlos. Mas não consegue escapar da cócegas. Fica tão feliz com as brincadeiras e as piadas inocentes da Doutora Cacau que até exagera nos elogios: “Se a pessoa estiver morrendo, se levanta logo que ela chega. Que Deus a proteja sempre”. E lá vai Cacau, música ligada, de paciente em paciente. De repente, para.
“É que agora vamos jogar bingo.” E distribui as cartelas com os números aos pacientes dispostos a participar da brincadeira. “Hoje vamos sortear um ônibus e um relógio.” Tira da sacola um ônibus de papelão e um relógio de parede verdadeiro. Nem as enfermeiras e atendentes escapam da descontração de Cacau, principalmente quando ela resolve acompanhar com a voz e movimento uma das canções reproduzidas pelo USB. Onde havia silêncio, há movimento. Onde havia tristeza, há esperança.
A belo-horizontina Cláudia Toledo faz esse trabalho, que chega a afastá-la dos palcos, por diletantismo, como voluntária. E se preciso até ajuda os internos idosos. “Às vezes, alguém precisa de um sabonete, um creme dental ou outra coisa. Então, levo. Eles pensam que faço bem a eles, mas são eles que me fazem bem.” A sessão de alegria na ala de hemodiálise, recheada de frases engraçadas, música e até dança, continua e só para quando a última máquina é desligada. E não se esqueçam, senhores mestres das artes cênicas, Cláudia é atriz.

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T
atame de ouro


 
 
Gabriella Pacheco

Cinco vezes campeã brasileira de judô para deficientes visuais, Deanne Silva de Almeida, de 32 anos, é literalmente uma mineira de ouro. Mas o ouro das medalhas que a paratleta coleciona não reluz tanto quanto o do trabalho que ela faz na Associação de Deficientes Visuais de Belo Horizonte (Adevibel), onde ajuda outras pessoas com deficiência a usarem o esporte como um auxiliador na reabilitação e um motivador para a vida.
“Muitas pessoas que a gente aborda dizem que não dão conta de praticar algum esporte por causa da deficiência. Inclusive tem muita gente que hoje compete e que antes duvidava de si mesmo. Esse foi meu caso. Eu não achava que daria conta e três meses depois participei da minha primeira competição oficial”, conta. Desde então, o judô passou a ser uma parte importante, quase essencial, da vida de Deanne e acabou transformando-a em inspiração para muitas pessoas que passam por histórias similares.
Até os oito anos de idade, Deanne enxergava normalmente, mas sofria com extenuantes dores de cabeça. Foi a reação a um medicamento prescrito erroneamente por um neurologista que desencadeou uma reação grave, conhecida como Síndrome de Stevens-Johnson. A principal sequela foi a perda da visão. “Saí do hospital sem enxergar nada e foi aos poucos, depois de nove cirurgias, que consegui enxergar  um pouco. Vejo imagens hoje, sem muita nitidez. A luz tem que ser média. Se estiver muito claro ou muito escuro não enxergo”, explica.
Na escola, em uma época em que a inclusão de pessoas com deficiência não era algo em pauta, a paratleta conta ter recebido um “atendimento especial” pelos professores e diretoria da escola. “Eles ditavam as matérias e liam as provas para mim. Era um acompanhamento, diferente do de hoje em que as escolas são obrigadas a aceitar a pessoa com deficiência”.
No entanto, ao longo desse percurso, a 'dificuldade' de Deanne nunca foi enxergada como uma forma de deficiência pelas pessoas mais próximas a ela. “Minha batalha sempre foi dentro de casa, porque meus familiares e amigos não entendiam que eu tinha uma deficiência. Já no esporte eu sempre fui abraçada e nunca fui repelida”, conta.
Atualmente, a experiência vivida por ela serve de exemplo e motivação para outras pessoas. “Eu costumava a me sentir prejudicada pelo erro médico, porque eu tinha que me adaptar a uma situação sendo que não deveria passar por aquilo. Hoje eu penso que aconteceu porque tinha que acontecer e não me sinto prejudicada”, confessa.
Pelo contrário, Deanne se diz ser uma pessoa super realizada. E é essa confiança que ela tenta transmitir para pessoas que, com problemas semelhantes, se sentem menos capazes. Desde 2004 ela participa da diretoria da Adevibel e esse ano foi indicada para o cargo de presidente da Associação.
Apesar de ter mais trabalho burocrático, ela continua tentando ser uma motivadora. “Eu sempre busco trabalhar na Associação conversando com as pessoas que acham que não são capazes. Para muita gente falta incentivo. E assim como minha família não sabia que eu tinha uma deficiência, tem várias pessoas assim e que ficam do hospital para casa, só tratando e vivendo de benefícios, mas que poderiam fazer muito mais”, destaca.
Além das conquistas nacionais, Deanne também representou a seleção verde e amarela em dois Jogos  Parapanamericanos, no mundial de Judô da Turquia, em 2010, e em duas Paralimpíadas.  As viagens internacionais lhe renderam três medalhas de bronze, uma de prata e o quinto lugar, em Londres, no ano passado. Para ela, a cobrança e treinamento iguais aos dos atletas olímpicos fortalece o segmento e também motiva o paratleta a se ver como alguém tão competente quanto outros atletas.
Segundo ela, entender que a deficiência não lhe faz uma pessoa mais franca ou pior é uma parte importante do preparo do paratleta e é o que diferencia aqueles que permanecem nos pódiums dos que desistem no meio do caminho.
Desde 2007, Deanne é um atleta patrocinada pelo Ministério do esporte. Mas a bolsa depende de desempenho – o que não é um problema para ela. A dedicação lhe garantiu a promoção da categoria atleta nacional para atleta paralímpica e agora, para atleta pódio. No entanto, o trabalho na associação não é remunerado. Lá, sua participação é voluntária, simplesmente com o propósito de ajudar outras pessoas a alcançarem a tranquilidade e aceitação que ela hoje tem.
Considerando que dedicação é o que não lhe falta, quem sabe Deanne ajude a levar mais paratletas mineiros para Toronto, nos Parapanamericanos de 2015. Melhor ainda será se ela liderá-los para a viagem até o Rio de Janeiro, em 2016, onde acontecerão as próximas Paralimpíadas. Contudo, mesmo que as medalhas não venham, se tem um exemplo que essa mineira deixa é o de não desistir - apesar de que o ouro lhe cai muito bem!


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Um empurrãozinho de solidariedade

 
 
Gabriella Pacheco

Valdomiro Jorge da Silva, de 64 anos, é pedreiro e morador do Bairro Santo Afonso, na região rural de Betim. A vida inteira ele trabalhou com obras mas, há muito tempo, ele é conhecido em sua região como o 'moço das cadeiras de roda'. A origem da referência tem quase duas décadas, quando a família de um senhor comentou que precisava do equipamento para levar o idoso à missa.
“Foi o seu Antônio, que já até faleceu, e  na época morava em São Joaquim de Bicas. Ele e a esposa dele me disseram que tinham muita vontade de ir à missa, mas tinha dias que não tinham nenhum carro que pudesse levá-lo e, por isso, precisavam da cadeira. Falei com ele que com fé em Deus a gente iria conseguir aquela cadeira”, conta. Ele, de fato, conseguiu e desde então montou uma rede de contatos e banco de equipamentos hospitalares, que ele empresta, sem cobrar nada em troca.
Os equipamentos são usados, alguns foram restaurados e nem todos têm pintura atraente, mas todos são essenciais para quem procura Valdomiro. Os principais locatários são moradores carentes do bairro - gente que ele diz não ter condição de recorrer ao aluguel ou compra dos equipamentos – mas algumas já viajaram para as cidades de Ibirité e Teófilo Otoni.
Esse foi o caso com o pai do aposentado Agenor Teixeira Silva, de 69 anos. Devido à idade avançada e problemas de saúde, o senhor parou de caminhar e precisava de cadeiras de rodas e de banho para se locomover. Quando a demanda apareceu, a família recorreu ao vizinho Valdomiro. “Já tem muito tempo que ele faz isso por todo mundo do bairro e nunca pede nada em troca”, conta. “É bom demais saber que ele se interessa em ajudar sem compromisso nenhum. É a coisa mais difícil de encontrar ultimamente é gente que ajuda sem interesse próprio. No nosso bairro, ele é uma pessoa de prestígio por causa disso”, completa.
Mas não é reconhecimento ou prestígio que Valdomiro busca. “Você não faz ideia da satisfação e alegria que as pessoas ficam quando você diz que conseguiu o que eles precisam”, diz. A energia positiva é ainda maior quando o equipamento volta junto da certeza de que ele ajudou alguém a se recuperar. “De coração, eu me sinto muito gratificado e bem quando a pessoa me devolve o equipamento falando que já está bem. Eu sinto de verdade que contribuí com algo”, confessa.
No momento, cerca de dez equipamentos, entre camas hospitalares, cadeiras de banho e de rodas, muletas e andadores conseguidos por ele estão emprestados. Alguns outros estão em casa, aguardando reforma. Nesse caso, ele paga pela restauração do próprio bolso. “Tem umas duas pessoas da região que me ajudam com doações para a compra de peças, mas grande parte eu que pago”, conta.
Apesar de todas as peças em boa condição estarem emprestadas, ele nunca nega um pedido de ajuda. “Se aparecer alguém precisando eu ligo para algumas pessoas e faço o possível para conseguir uma doação ou empréstimo”, ressalta.
Além dos utensílios, Valdomiro tem buscado também doações de fraldas geriátricas para as mesmas pessoas para quem empresta cadeiras e camas. “Se tem uma coisa que minha mãe me ensinou é não ter vergonha de pedir, quando a necessidade é nossa ou dos outros. Antes pedir que roubar”, brinca.


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O jogo do bem

 
 
Gabriella Pacheco

Por que usar seu tempo ajudando pessoas que você nem conhece? Há quem demore muito pensando em respostas para essa pergunta. Elas podem ser elaboradas ou curtas, diretas, complexas, tocantes, entre tantas possibilidades. Mas a resposta que tive quando questionei o personagem de hoje do Mineiros de Ouro me surpreendeu. “Por que não ajudar?”, retrucou o empresário e graduado em Relações Internacionais Leo Duarte, de 25 anos.
Sócio em uma empresa que trabalha a jornada de aprendizagem focada em inovação social e empreendedorismo para jovens, ele auxilia estudantes a desenvolverem habilidades e técnicas para colocarem ideias em prática no 'mundo real', pós-escola.
Mas é o que ele faz em suas horas vagas que o torna um mineiro especial. Ele é facilitador de uma ferramenta de mobilização social, o jogo Oasis. O papel fez dele responsável pelo aprimoramento de equipamentos em várias comunidades da região metropolitana de Belo Horizonte, como criação de praças, reformas em escolas e hospitais. Tudo pelo mero prazer em ajudar.
A definição da palavra 'oásis', no dicionário Priberam, é de um lugar agradável entre outros que não o são. Na prática, a proposta do jogo não é diferente. A metodologia foi criada pelo Instituto Elos, em Santos, e trabalha com a mobilização e empoderamento de comunidades de baixa renda. “O que a gente faz é dar um presente para uma comunidade, mas um que aquela comunidade queira. Nosso papel é criar um ambiente em que eles percebam a beleza, os recursos e talentos que já estão lá para que eles despertem sonhos coletivos”, conta.
Uma das últimas mobilizações aconteceu em uma comunidade rural de Raposos, na Grande BH. Um grupo de voluntários mobilizados por Leo foi ajudar na reforma de uma escola lá e conseguiu juntar cerca de 800 pessoas da comunidade para realizar a tarefa. “Foi surreal”, comenta. Em Belo Horizonte, o grupo trabalhou na reforma da escola estadual Engenheiro Prado Lopes, no Bairro Alto Vera Cruz. A partir do desejo dos moradores locais e com a ajuda deles, o jogo promoveu a reforma de banheiros, a construção de um jardim, uma quadra, uma sala de informática e a pintura de todo o prédio.
Segundo ele, o jogo tem sete etapas: olhar, afeto, sonho, cuidado, milagre, celebração, re-evolução.  “Cada etapa é essencial para a construção”, comenta. Na primeira, eles mapeiam as belezas, talentos e recursos do local. “Ela é muito importante porque rompe com um paradigma muito forte. Outros programas querem propor o que fazer nos lugares, mas nossa proposta é a de abundância, de fazê-los ver um oásis no meio do deserto”, diz.
Em seguida, vem a parte do 'afeto, que é de  interação e a criação de uma relação afetiva entre os voluntários e as pessoas locais. Só assim é construída a confiança necessária para a etapa do sonho. Nesse momento, eles podem dar sugestões do que querem para a comunidade. Nesse momento não tem um vencedor ou um perdedor, mas sim uma confluência de sugestões para que o sonho a ser realizado seja um reflexo do desejo de todos.
“Uma vez que os sonhos são despertados, vamos para a etapa do cuidado em que construímos uma maquete e definimos as responsabilidades de cada grupo para começarmos a construir”, relata. A etapa do milagre é a em que o grupo coloca a mão na massa. Ela dura dois dias – tempo que o grupo tem para fazer o sonho acontecer. Depois disso, vem uma etapa para comemorar o trabalho feito e outra para refletir sobre o que foi bom, o que foi ruim e como dar continuidade.


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Litro de luz

 
 
Gabriella Pacheco

Quanto vale uma ideia? Se fosse para medir, em reais ou dólares, quanto a ideia do mecânico Alfredo Moser, de 61 anos, rendeu, o resultado provavelmente não enriqueceria ninguém – nem ele. Mas se a moeda utilizada não fosse financeira, os retornos seriam incalculáveis. O catarinense erradicado em Uberaba, no Triângulo Mineiro, é o inventor da 'luz engarrafada' – uma 'lâmpada' feita de garrafas pet que reflete a luz do sol. Com potência de cerca de 55 watts, ela hoje ilumina casas de centenas de milhares de famílias mundo afora.
“Meu pai falava para todo mundo como era boa a coisa que o filho dele inventou. Minha esposa diz que eu revolucionei o mundo. Eu me sinto muito satisfeito, porque, pelo menos uma coisa boa no mundo eu coloquei”, comenta.
Habilidoso e engenhoso, Moser é um homem simples que, desde seus 18 anos, ganha a vida como mecânico. Em nenhum momento ela foi luxuosa e a condição não mudou depois da invenção. No entanto, saber que uma ideia de sua cabeça ajuda pessoas que ele nunca viu, de partes estranhas do mundo, traz uma satisfação que o dinheiro não poderia lhe proporcionar.
O projeto nasceu acidentalmente em 2001, durante uma época em que o país sofria com apagões. Moser estava na casa de uma cunhada quando viu uma garrafa cheia de água contorcida no chão. Quando um raio de sol iluminou o objeto, a luz lhe lembrou de uma lição de sobrevivência que aprendera há muito tempo com um antigo patrão. “Ele me explicou uma vez como fazer fogo na selva usando garrafas de plástico com água para fazer a refração da luz do sol. Quando vi aquela garrafa lembrei disso e achei que daria para fazer lâmpada assim”, conta.
A suspeita deu certo. Moser experimentou no telhado da própria oficina e viu que as garrafas pet com água e um pouco de cloro – para evitar que a água fique escura – servia bem para a iluminação. Ao ver que ideia ainda ajudava a diminuir os gastos com energia elétrica, um amigo implantou o experimento em seu restaurante e logo boa parte da cidade comentava sobre a lâmpada econômica. “A minha conta de luz diminuiu uns 30% depois que coloquei as garrafas”, relata.
E a durabilidade também compensa. “Coloquei as minhas já tem uns 10 anos e nunca tive que trocar”, ressalta. O truque é revestir as tampinhas das garrafas com um material mais resistente. “Senão, elas rapidinho viram pó”, emenda. Limpar regularmente as garrafas também ajuda a manter a intensidade  da luz. Segundo o mecânico, é suficiente limpar a parte de baixo da garrafa, aquela que fica dentro da casa.
Na borracharia dele, o telhado é de amianto e as garrafas foram acopladas em buracos feitos com furadeira. Em seguida, ele revestiu a borda da garrafa com cola de resina, para evitar vazamentos de água no telhado. Mas Moser garante que a ideia também pode ser aproveitada em outros tipos de telhados. “Já coloquei em supermercados e no meu banheiro, que é de laje, também. Nesse caso usei um cano de PVC para ajudar. Também é bom que as paredes e pisos do cômodo sejam brancos”, explica.
Hoje Moser lembra com satisfação que a ideia lhe havia sido anunciada há mais tempo, por um famoso 'profeta' brasileiro. “Um dia, na década de 1980, estava andando na rua aqui em Uberaba quando encontrei com o Chico Xavier e puxei papo com ele. Devia ser já no final da tarde quando isso aconteceu.  Conversa vai conversa vem, ele colocou a mão na minha cabeça e disse que eu iria ter uma luz. Uma luz que não ia ser só minha, mas do povo. Só anos depois que foi cair minha ficha”, relata.
A 'luz' de Moser realmente se tornou uma luz para o povo. Desde 2011, a ideia foi absorvida pela fundação de caridade MyShelter, responsável pela construção de moradias sustentáveis para pessoas carentes nas Filipinas. Hoje, mais de 140 mil casas no país são iluminadas pela lâmpada de Moser  ou 'Liter of light' (Litro de luz, como é chamada em inglês) e, de lá, a ideia se espalhou ainda mais pelo mundo. Casas na Indonésia, Índia e até na Suíça possuem a lâmpada. Além disso, a invenção fez o nome do mecânico ser destaque nos maiores jornais do mundo.
“Já ensinei a prática para gente do mundo todo e nunca ganhei dinheiro com isso. Mas têm coisas que compensam. Um senhor das Filipinas, por exemplo, me disse que com a economia na conta de luz deu para ele comprar roupas para bebê que a mulher dele esperava. Isso emociona muito a gente”, confessa.  


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Artesão da fé

 
 
O que pensar de um menino que, aos 6, 7 anos, pegava o canivete do pai para fazer, em madeira, miniaturas de fachadas de casarões, igrejas, carrinhos de bois e outros pequenos objetos? Para um olhar comum, na quietude de Conceição da Barra de Minas, então distrito de São João del-Rei, na primeira metade dos anos 1950, aquilo não passava de brincadeira de criança. Mas, para quem tinha sabedoria também nos olhos, as mãos de Benedito Eduardo de Carvalho faziam arte. Foi o que viu o padre Heitor Augusto da Trindade, na ocasião pároco da cidade de Nazareno, na Região Central de Minas, que morreu em 1955 como cônego e a quem se atribui a conquista de muitas graças.
O menino aprimorou a arte, tornou-se santeiro e seu trabalho ganhou o mundo. Benedito tem hoje 65 anos e não tem dúvida de que o padre Heitor é santo. O pároco viajava léguas a cavalo e enfrentava as intempéries para levar ajuda e conforto a quem precisava. Não é sem motivo que seu túmulo recebe caravanas de visitantes. E necessidade é algo que Benedito, o Dito Santeiro, sentiu na pele. Perdeu o pai aos 8 anos, logo depois da morte do padre. Aos 15, ficou sem a mãe. Passou dificuldade com os três irmãos mais velhos em Conceição da Barra de Minas e decidiu buscar vida melhor na vizinha Nazareno. Foi quando o padre Heitor cruzou novamente a sua vida.
Em Nazareno, Dito Santeiro passou a produzir pequenas peças em madeira e pedra-sabão para sobreviver. Era pouco. Para ajudá-lo, o farmacêutico Ozar Nestor de Carvalho encomendou ao então adolescente uma imagem do pároco, a partir de uma antiga fotografia. “Tinha vaga lembrança do padre Heitor. Eu tinha 7 anos na única vez em que o vi. Ele usava batina preta e barrete na cabeça. E o trabalho não agradou, ficou desproporcional”, recorda Dito Santeiro com certo humor. E ele fez outra, que ficou melhor, mas não com a perfeição exigida. O farmacêutico, mesmo não totalmente satisfeito, aceitou o trabalho, pagou e incentivou o jovem a também entrar na escola e fazer o curso primário.
Não há dúvida para Dito Santeiro de que o artista se revelou por meio da imagem que fez do padre Heitor. “Continuei produzindo trabalhos pequenos, foi aparecendo gente interessada em encomendar imagens e crucifixos de madeira.” As obras passaram a ser admiradas além de Nazareno, não apenas em outras cidades brasileiras, mas também fora do país. “Havia na região uma indústria de fundição de estanho e os diretores, franceses, compravam peças e as levavam para o exterior.” O mundo descobria o talento revelado aos olhos do padre Heitor quando ele observou aquele menino de 7 anos manipulando um canivete com maestria.
Tanta devoção ao padre e o mesmo desejo que incomodava o pároco, o de ajudar os necessitados, levaram Dito Santeiro até a sonhar em se ordenar, mas desistiu, em 1970. Cursar o seminário estava além de sua condição financeira e resolveu se casar. Conversar com ele é conversar com a própria arte. Ele parece esculpir, com os dedos compridos e finos, quando fala do ofício que desenvolve no ateliê nos fundos da casa onde mora, em Nazareno. “Hoje, trabalho mais com madeira que pedra-sabão. A arte me deu um meio para viver, o pão de cada dia. Agradeço a Deus pelo talento e pela graça”, diz, olhando para o retrato do padre Heitor, feito pelo artista plástico Joel Mansur, pendurado na parede da sala.
É mesmo para dar graças a quem tem o talento presente até no Vaticano. É dele a escultura em madeira de frei Galvão, primeiro santo brasileiro. “Sílvio Florêncio, que foi prefeito de Guaratinguetá (SP), cidade natal de frei Galvão, a encomendou para doá-la ao papa Bento XVI em nome do povo brasileiro. Foi quando o pontífice visitou o país, em 2007.”A obra do artista não passou despercebida também de grandes políticos mineiros: Tancredo Neves tinha uma Nossa Senhora da Conceição; Francelino Pereira, uma Nossa Senhora da Assunção; e Rondon Pacheco uma Nossa Senhora do Rosário. Todos ex-governadores.
Dito Santeiro, que já formou tantos seguidores de sua arte, inspirada em Aleijadinho, está agora finalizando mais uma obra, com a ajuda de mais um discípulo, Francisco Altieres, de 30 anos: a imagem de Santo Inácio de Loyola, em cedro, encomenda da cidade de Abadiânia (GO). Atenta ao trabalho, a cadela Pitutinha, companheira de todas as horas e que gosta de tomar a frente quando alguém aponta uma câmera para mestre Dito Santeiro. “É vaidosa, gosta de aparecer primeiro nas fotografias”, revela o artista, sem tirar os olhos da imensidão de detalhes do manto do santo. E é verdade. Se o fotógrafo desvia a lente, Pitutinha rosna de insatisfação. 


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Óleo sujo por água limpa

 
 
Gabriella Pacheco

Dá para acreditar que a atitude de uma pessoa pode ter ajudado a evitar a poluição de 36.120.000 litros de água? Pois uma iniciativa simples que o engenheiro agrônomo Rogério Carvalho de Castro, de 45 anos, começou em 2007 já rendeu essa economia ao meio ambiente. Fazendo o quê, você se pergunta? Reutilizando óleo de cozinha. “Uma vez vi como fazer sabão a partir de óleo e achei muito fácil. Pensei então que passaria a fazer meu próprio sabão, até que me veio essa ideia de coletar óleo com amigos e distribuir entre as pessoas”, conta.
O volume de doações foi crescendo e Rogério, que é servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em Minas Gerais (Incra/MG), decidiu distribuir parte do resultado com entidades assistenciais. “Eu dava um quarto do sabão produzido com o óleo do doador de volta para ele e o restante distribuía entre entidades. Desde julho de 2012, passei a doar tudo para nove entidades parceiras”, explica.
O não recebimento do sabão caseiro em troca do óleo não diminuiu o interesse de quem contribuía. Segundo ele, 127 pessoas já participaram, ao longo desse anos, da campanha e 95 ainda doam ativamente. Mais de 2,3 toneladas de sabão já foram produzidas com os mais de 1.800 litros de óleo doados nesse período.
As estatísticas variam, mas um litro de óleo é o suficiente para contaminar cerca de 20 mil litros de água. “Normalmente as pessoas jogam o óleo de cozinha na pia e o tratamento de esgoto acaba saindo muito caro quando há grande presença dele, já que o óleo é muito poluidor. E ao fazer isso, você acaba jogando no lixo, uma coisa que ainda teria utilidade”, afirma. Além do sabão caseiro, o óleo de cozinha também pode ser ingrediente na produção de ração e biocombustível.
Qualquer uma dessas propostas é muito menos danosa para o meio ambiente – muito mesmo – que o despejo direto no esgoto. Como o óleo não se mistura à água mesmo uma minúscula camada de óleo sobre a água já é capaz de impedir que os micro-organismos presentes nela sobrevivam, uma vez que eles ficam sem acesso ao oxigênio.
Por isso, o agrônomo reforça que mais que conseguir contribuintes, ele espera que a campanha faça as pessoas repensarem sua maneira de se desfazer do produto. “Em seu ciclo de convivência, as pessoas podem dar um destino correto ao óleo. Se não por mim, existem vários supermercados e empresas com pontos de coleta de óleo. Além disso, se a produção da pessoa for grande, ela pode entrar em contato com empresas que reutilizam ele de maneira sustentável. Minha campanha dá apenas uma possibilidade de pessoas próximas a mim darem um fim correto ao óleo”, ressalta.
A iniciativa rendeu a Rogério, o segundo lugar na edição de 2011 do Prêmio Furnas Ouro Azul, uma parceria do Diários Associados com a Eletrobrás Furnas, na categoria Sociedade Civil. O prêmio é um reconhecimento, mas a satisfação vem mesmo em saber que, por uma atitude simples, ele pode ajudar tanta gente a pensar diferente.
Prova disso é que ele aprimorou e distribui a receita do sabão, que utiliza soda cáustica. “Testei várias opções para achar a receita com a execução mais fácil, mais segura e barata. Ele é facílimo de produzir e outras pessoas podem fazer também em seus ciclos de amizade ou até como fonte de renda”, garante.







 

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