Legislação
. Salvaguarda dos Conjuntos Históricos
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19ª Sessão UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura de 26 de novembro de 1976
RECOMENDAÇÃO RELATIVA À SALVAGUARDA DOS CONJUNTOS HISTÓRICOS E SUA FUNÇÃO NA VIDA CONTEMPORÂNEA.
A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Nairobi, de 26 de outubro a 30 de novembro de 1976, em sua décima nona sessão, considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais fazem parte do ambiente cotidiano dos seres humanos em todos os países, constituem a presença viva do passado que lhes deu forma, asseguram ao quadro da vida a variedade necessária para responder à diversidade da sociedade e, por isso, adquirem um valor e uma dimensão humana suplementares, considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais constituem através das idades os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da diversidade das criações culturais, religiosas e sociais da humanidade e que sua salvaguarda e integração na vida contemporânea são elementos fundamentais na planificação das áreas urbanas e do planejamento físico-territorial, considerando que, diante dos perigos da uniformização e da despersonalização que se manifestam constantemente em nossa época, esses testemunhos vivos de épocas anteriores adquirem uma importância vital para cada ser humano e para as nações que neles encontram a expressão de sua cultura e, ao mesmo tempo, um dos fundamentos de sua identidade, considerando que, no mundo inteiro, sob pretexto de expansão ou de modernização, destruições que ignoram o que destroem e reconstruções irracionais e inadequadas ocasionam grave prejuízo a esse patrimônio histórico, considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais constituem um patrimônio imobiliário cuja destruição provoca muitas vezes perturbações sociais, mesmo quando não resulte em perdas econômicas, considerando que essa situação implica a responsabilidade de cada cidadão e impõe aos poderes públicos obrigações que só eles podem assumir, considerando que, diante de tais perigos de deterioração e até de desaparecimento total, todos os Estados devem agir para salvar esses valores insubstituíveis, adotando urgentemente uma política global e ativa de proteção e de revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência, como parte do planejamento nacional, regional ou local, constatando que em muitos países falta uma legislação suficientemente eficaz e flexível que diga respeito ao patrimônio arquitetônico e a suas relações com o planejamento físico-territorial, observando que a Conferência Geral já adotou instrumentos internacionais para a proteção do patrimônio cultural e natural, tais como a Recomendação que Define os Princípios Internacionais a serem Aplicados em Relação às Escavações Arqueológicas (1956), a Recomendação Relativa à Salvaguarda da Beleza e do Caráter dos Sítios e Paisagens (1962), a Recomendação sobre a Preservação dos Bens Culturais Ameaçados pela Realização de Obras Públicas ou Privadas (1968) e a Recomendação sobre a Proteção, no Plano Nacional, do Patrimônio Cultural e Natural (1972). Desejando complementar e ampliar o alcance das normas e dos princípios formulados nesses instrumentos internacionais, tendo-lhe sido apresentadas propostas relativas à salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua função na vida contemporânea, questão que constitui o ponto 27 da ordem do dia da sessão, tendo decidido, em sua décima oitava sessão, que esse assunto seria objeto de uma recomendação aos Estados Membros, adota, em 26 de novembro de 1976, a presente recomendação. A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que apliquem as disposições seguintes, adotando medidas sob a forma de lei nacional ou de outra forma, destinadas a efetivar, nos territórios sob sua jurisdição, os princípios e as normas formuladas nesta recomendação. A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que levem esta recomendação ao conhecimento das autoridades nacionais, regionais e locais, assim como às instituições, serviços ou órgãos e associações interessados na salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e seu entorno. A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que lhe apresentem, nas datas e na forma que ela determinar, relatórios sobre a maneira como aplicaram a presente recomendação.
I - Definições
Para os efeitos da presente recomendação:
a) Considera-se conjunto histórico ou tradicional todo agrupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e palenteológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto-de-vista arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético ou sócio-cultural. Entre esses "conjuntos", que são muito variados, podem-se distinguir especialmente os sítios pré-históricos, as cidades históricas, os bairros urbanos antigos, as aldeias e lugarejos, assim como os conjuntos monumentais homogêneos, ficando entendido que estes últimos deverão, em regra, ser conservados em sua integridade.
b) Entende-se por "ambiência" dos conjuntos históricos ou tradicionais, o quadro natural ou construído que influi na percepção estática ou dinâmica desses conjuntos, ou a eles se vincula de maneira imediata no espaço, ou por laços sociais, econômicos ou culturais.
c) Entende-se por "salvaguarda" a identificação, a proteção, a conservação, a restauração, a reabilitação, a manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de seu entorno.
II - Princípios Gerais:
Dever-se-ia considerar que os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência constituem um patrimônio universal insubstituível. Sua salvaguarda e integração na vida coletiva de nossa época deveriam ser uma obrigação para os governos e para os cidadão dos Estados em cujo território se encontram. Deveriam ser responsáveis por isso, no interesse de todos os cidadãos e da comunidade internacional, as autoridades nacionais, regionais ou locais, segundo as condições próprias de cada Estado Membro em matéria de distribuição de poderes.
Cada conjunto histórico ou tradicional e sua ambiência deveria ser considerado em sua globalidade, como um todo coerente cujo equilíbrio e caráter específico dependem da síntese dos elementos que o compõem e que compreendem tanto as atividades humanas como as construções, a estrutura espacial e as zonas circundantes. Dessa maneira, todos os elementos válidos, incluídas as atividades humanas, desde as mais modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é preciso respeitar.
Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser protegidos ativamente contra quaisquer deteriorações, particularmente as que resultam de uma utilização imprópria, de acréscimos supérfluos e de transformações abusivas ou desprovidas de sensibilidade que atentam contra sua autenticidade, assim como as provocadas por qualquer forma de poluição. Todos os trabalhos de restauração a serem empreendidos deveriam basear-se em princípios científicos. Do mesmo modo, uma grande atenção deveria ser dispensada à harmonia e à emoção estética que resultam da conexão ou do contraste dos diferentes elementos que compõem os conjuntos e que dão a cada um deles seu caráter particular.
Nas condições da urbanização moderna, que produz um aumento considerável na escala e na densidade das construções, ao perigo da destruição direta dos conjuntos históricos ou tradicionais se agrega o perigo real de que os novos conjuntos destruam indiretamente a ambiência e o caráter dos conjuntos históricos adjacentes. Os arquitetos e urbanistas deveriam empenhar-se para que a visão dos monumentos e conjuntos históricos, ou a visão que a partir deles se obtém, não se deteriore e para que esses conjuntos se integrem harmoniosamente na vida contemporânea.
Numa época em que a crescente universalidade das técnicas construtivas e das formas arquitetônicas apresentam o risco de provocar uma uniformização dos assentamentos humanos no mundo inteiro, a salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais pode contribuir extraordinariamente para a manutenção e o desenvolvimento dos valores culturais e sociais peculiares de cada nação e para o enriquecimento arquitetônico do patrimônio cultural mundial.
III - Política Nacional, Regional e Local
Em cada Estado Membro deveria se formular, nas condições peculiares a cada um em matéria de distribuição de poderes, uma política nacional, regional e local a fim de que sejam adotadas medidas jurídicas, técnicas, econômicas e sociais pelas autoridades nacionais, regionais e locais para salvaguardar os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência e adaptá-los às exigências da vida contemporânea. Essa política deveria influenciar o planejamento nacional, regional e local e orientar a ordenação urbana urbano e rural e o planejamento físico-territorial em todos os níveis. As ações resultantes desse planejamento deveriam se integrar à formulação dos objetivos e programas, à distribuição das funções e à execução das operações. Dever-se-ia buscar a colaboração dos indivíduos e das associações privadas para a aplicação da política de salvaguarda.
IV - Medidas de Salvaguarda
A salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência deveria se ajustar aos princípios anteriormente enunciados e aos métodos expostos a seguir, determinando-se as medidas concretas de acordo com as competências legislativas e constitucionais e com a organização social e econômica de cada Estado.
Medidas Jurídicas e administrativas
A aplicação de uma política global de salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua ambiência deveria basear-se em princípios válidos para cada país em sua totalidade. Os Estados Membros deveriam adaptar as disposições existentes ou, se necessário, promulgar novos textos legislativos e regulamentares para assegurar a salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua ambiência, levando em conta as disposições contidas neste capítulo e nos seguintes. Conviria revisar as leis relativas ao planejamento físico territorial, ao urbanismo e à política habitacional de modo a coordenar e harmonizar suas disposições com as das leis relativas à salvaguarda do patrimônio arquitetônico. Essas legislações deveriam encorajar a adaptação ou a adoção de disposições, nos planos urbanos, regional ou local, para assegurar tal salvaguarda.
As disposições que estabeleçam um sistema de salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais deveriam enunciar os princípios gerais relativos ao estabelecimento e à adoção dos planos e documentos necessários e, particularmente:
- as condições e restrições gerais aplicáveis às zonas protegidas por lei e a suas imediações;
- a indicação dos programas e operações previstas em matéria de conservação e de infra-estrutura de serviços;
- as funções de manutenção e a designação dos encarregados de desempenhá-las;
- os campos a que se poderão aplicar as intervenções de urbanismo, de reestruturação e de ordenação do espaço rural;
- a designação do órgão encarregado de autorizar qualquer restauração, modificação, nova construção ou demolição no perímetro protegido;
- as modalidades de financiamento e de execução dos programas de salvaguarda.
Os planos e documentos de salvaguarda deveriam definir especialmente:
- as zonas e os elementos a serem protegidos;
- as condições e restrições específicas que lhes dizem respeito;
- as normas que regulam os trabalhos de manutenção, restauração e transformação;
- as condições gerais de instalação das redes de suprimento e dos serviços necessários à vida urbana ou rural;
- as condições que regerão a implantação de novas construções.
A legislação de salvaguarda deveria ser, em princípio, acompanhada de disposições preventivas contra as infrações à regulamentação de salvaguarda e contra qualquer alta especulativa dos valores imobiliários nas zonas protegidas, que possa comprometer uma proteção e uma restauração concebidas em função do interesse coletivo. Essas disposições poderiam envolver medidas de planejamento urbano que influam no preço dos terrenos por construir - tais como o estabelecimento de planos de ordenação distritais ou de extensão mais reduzida, a concessão do direito de preempção e a um órgão público, a expropriação no interesse da salvaguarda, ou a intervenção compulsória em caso de incapacidade ou descumprimento por parte dos proprietários - e instituir sanções efetivas como a suspensão das obras, a obrigação de reconstituir e/ou multa apropriada.
O respeito às medidas de salvaguarda deveria ser imposto tanto às coletividades públicas quanto às particulares. Dever-se-ia estabelecer, todavia, um mecanismo de recurso contra as decisões ilegais, arbitrárias ou injustas.
As disposições referentes à construção de edifícios para órgãos públicos e privados e a obras públicas e privadas deveriam adaptar-se à regulamentação da salvaguarda dos conjuntos históricos e de sua ambiência.
Em particular, as disposições relativas aos imóveis e quarteirões insalubres, assim como à construção de habitações sociais deveriam ser concebidas ou reformuladas de modo que não apenas se ajustem à política de salvaguarda, mas que para ela contribuam. O regime de eventuais subvenções deveria ser, consequentemente, estabelecido e modulado sobretudo para facilitar o desenvolvimento de habitação subsidiadas e de edifícios públicos através da reabilitação de construções antigas. Só deveriam ser permitidas as demolições de edificações sem valor histórico ou arquitetônico e as subvenções ocasionalmente resultantes deveriam ser estritamente controladas. Além disso, uma parte suficiente dos créditos previstos para a construção de habitações sociais deveria ser destinada à reabilitação de edificações antigas.
Os efeitos legais das medidas de proteção a edificações e terrenos deveriam ser levadas ao conhecimento público e registradas em um órgão oficial competente.
Respeitadas as condições próprias a cada país e a distribuição de poderes das diversas administrações nacionais, regionais e locais, a execução de obras de salvaguarda deveria se inspirar nos seguintes princípios:
a) uma autoridade responsável deveria encarregar-se da coordenação permanente de todos os intervenientes: serviços públicos nacionais, regionais e locais ou grupos de particulares;
b) os planos e documentos de salvaguarda deveriam ser elaborados depois que todos os estudos científicos necessários houverem sido efetuados por equipes multidisciplinares compostas, principalmente, de:
- especialistas em conservação e restauração, incluídos os historiadores da arte;
- arquitetos e urbanistas;
- sociólogos e economistas;
- ecólogos e arquitetos paisagistas;
- especialistas em saúde pública e assistência social;
- e, em geral, especialistas em todas as matérias relativas à proteção e revitalização dos conjuntos históricos e tradicionais;
c) as autoridades deveriam tomar a iniciativa de organizar a consulta e a participação da população interessada;
d) os planos de salvaguarda deveriam ser aprovados pelo órgão designado por lei;
e) os serviços públicos encarregados de aplicar as disposições de salvaguarda em qualquer nível - nacional, regional e local - deveriam contar com pessoal necessário e com meios técnicos, administrativos e financeiros adequados.
Medidas Técnicas, Econômicas e Sociais
Dever-ser-ia estabelecer, nos níveis nacional, regional ou local, uma relação dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência a serem salvaguardados. Essa relação deveria indicar prioridades para facilitar uma alocação racional dos limitados recursos disponíveis para fins de salvaguarda. As medidas de proteção, de qualquer tipo, que tiverem caráter urgente, deveriam ser tomadas sem esperar que se estabeleçam planos e documentos de salvaguarda.
Deveria ser feita uma análise de todo o conjunto, inclusive de sua evolução espacial, que contivesse os dados arqueológicos, históricos, arquitetônicos, técnicos e econômicos. Deveria ser produzido um documento analítico destinado a determinar os imóveis ou os grupos de imóveis a serem rigorosamente protegidos, conservados sob certas condições, ou, em circunstâncias absolutamente excepcionais e escrupulosamente documentadas, destruídos, o que permitiria às autoridades suspender qualquer obra incompatível com esta recomendação. Além disso, deveria ser realizado, com a mesma finalidade, um inventário dos espaços abertos, públicos e privados, assim como de sua vegetação.
Além dessa investigação arquitetônica, são necessários estudos pormenorizados dos dados e das estruturas sociais, econômicas, culturais e técnicas, assim como do contexto urbano ou regional mais amplo. Esses estudos deveriam abranger, se possível, dados demográficos e uma análise das atividades econômicas, sociais e culturais, os modos de vida e as relações sociais, os problemas fundiários, infraestrutura urbana, o estado do sistema viário, as redes de comunicação e as inter-relações recíprocas da zona protegida com as zonas circundadas. As autoridades competentes deveriam atribuir suma importância a esses estudos e compreender que, sem eles, não seria possível estabelecer planos eficazes de salvaguarda.
Antes da formulação de planos e normas de salvaguarda e depois da análise acima descrita, conviria, em princípio, estabelecer uma programação que leva-se igualmente em consideração o respeito aos dados urbanísticos, arquitetônicos, econômicos e sociais, e a capacidade de o tecido urbano e rural acolher funções compatíveis com seu caráter específico. A programação deveria visar à adaptação das densidades de ocupação e a prever o escalonamento das operações, assim como a necessária acomodação temporária durante as obras e os locais para realojamento permanente dos habitantes que não puderem regressar a sua morada anterior. Essa programação deveria ser elaborada com a maior participação possível das coletividades e populações interessadas. Uma vez que o contexto social, econômico e físico dos conjuntos históricos e de sua ambiência está em constante evolução, os estudos e investigações deveriam ser regularmente atualizados. Seria essencial, portanto, que a elaboração dos planos de salvaguarda e sua execução se baseassem nos estudos disponíveis, em vez de serem retardadas indefinidamente enquanto se aprimora o processo de planejamento.
Uma vez estabelecidos e aprovados os planos e normas de salvaguarda pela autoridade pública competente, seria conveniente que seus autores fossem encarregados de sua execução ou direção.
Nos conjuntos históricos ou tradicionais que possuírem elementos de vários períodos diferentes, a ação de salvaguarda deveria levar em consideração as manifestações de todos esses períodos.
Quando existirem planos de salvaguarda, os programas de saneamento urbano ou de beneficiamento que consistirem na demolição de imóveis desprovidos de interesse arquitetônico ou histórico ou arruinados demais para serem conservados, na supressão de acréscimos e construções superpostas sem valor e, até mesmo, na demolição de edificações recentes que rompam a unidade do conjunto só poderão ser autorizados nos termos do plano de salvaguarda.
Os programas de saneamento urbano ou de beneficiamento aplicáveis a zonas que não estão incluídas nos planos de salvaguarda deveriam respeitar os edifícios e outros elementos que possuam um valor arquitetônico ou histórico e seus acessórios. Se tais elementos estivessem arriscados de sofrer danos com esses programas deveriam ser elaborados, necessária e previamente, os planos de salvaguarda pertinentes.
É necessária uma vigilância permanente para evitar que essas operações beneficiem apenas a especulação ou sejam utilizadas com finalidades contrárias aos objetivos do plano.
Em qualquer operação de saneamento urbano ou de beneficiamento que afete um conjunto histórico deveriam ser observadas as normas gerais de segurança relativas a incêndios e catástrofes naturais, desde que sejam compatíveis com os critérios de salvaguarda do patrimônio cultural. Em caso contrário, devem ser buscadas soluções particulares em colaboração com todos os serviços interessados, a fim de garantir o máximo de segurança, sem ameaça alguma ao patrimônio cultural.
Um cuidado especial deveria ser adotado na regulamentação e no controle das novas construções para assegurar que sua arquitetura se enquadre harmoniosamente nas estruturas espaciais e na ambiência dos conjuntos históricos. Para isso, uma análise do contexto urbano deveria preceder qualquer construção nova, não só para definir o caráter geral do conjunto, como para analisar suas dominantes: harmonia das alturas, cores, materiais e formas, elementos constitutivos do agenciamento das fachadas e dos telhados, relações dos volumes construídos e dos espaços, assim como suas proporções médias e a implantação dos edifícios. Uma atenção especial deveria ser prestada à dimensão dos lotes, pois qualquer modificação poderia resultar em um efeito de massa, prejudicial à harmonia do conjunto.
Não se deveria autorizar o isolamento de um monumento através da supressão de seu entorno; do mesmo modo, seu deslocamento só deveria ser decidido excepcionalmente e por razões de força maior.
Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser protegidos contra a desfiguração resultante da instalação de suportes, cabos elétricos ou telefônicos, antenas de televisão ou painéis publicitários de grande escala. Se já existirem, deverão ser adotadas medidas adequadas para suprimi-los. Os cartazes, a publicidade luminosa ou não, os letreiros comerciais, a sinalização das ruas, o mobiliário urbano e o revestimento do solo deveriam ser estudados e controlados com o maior cuidado, para que se integrem harmoniosamente ao conjunto. Deveria ser feito um esforço especial para evitar qualquer forma de vandalismo.
Os Estados Membros e as instituições interessadas deveriam proteger os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência contra os danos cada vez mais graves causados por determinados avanços tecnológicos, tais como quaisquer formas de poluição, através da proibição de se implantarem indústrias nocivas em sua proximidade e da adoção de medidas preventivas contra os efeitos destrutivos dos ruídos, dos choques e das vibrações produzidas contra as deteriorações provenientes de uma excessiva exploração turística.
Dado o conflito existente na maior parte dos conjuntos históricos ou tradicionais entre o trânsito automobilístico, por um lado e a densidade do tecido urbano e as características arquitetônicas por outro, os Estados Membros deveriam estimular e ajudar as autoridades locais a encontrar soluções para esse problema. Para consegui-lo e para favorecer o trânsito de pedestres, conviria estudar com extremo cuidado a localização e o acesso dos parques de estacionamento não só dos periféricos como dos centrais, e estabelecer redes de transporte que facilitem ao mesmo tempo a circulação dos pedestres, o acesso aos serviços e o transporte público. Numerosas operações de reabilitação, tais como, entre outras, a instalação subterrânea de redes elétricas e de outros cabos, que seriam demasiadamente onerosas se fossem feitas separadamente, poderiam ser, então, coordenadas fácil e economicamente com o desenvolvimento da rede viária.
A proteção e a restauração deveriam ser acompanhadas de atividades de revitalização. Seria, portanto, essencial manter as funções apropriadas existentes e, em particular, o comércio e o artesanato e criar outras novas que, para serem viáveis a longo prazo, deveriam ser compatíveis com o contexto econômico e social, urbano, regional ou nacional em que se inserem. O custo das operações de salvaguarda não deveria ser avaliado apenas em função do valor cultural das construções, mas também do valor derivado da utilização que delas se possa fazer. Os problemas sociais decorrentes da salvaguarda só podem ser colocados corretamente se houver referência a essas duas escalas de valor. Essas funções teriam que se adaptar às necessidades sociais, culturais e econômicos dos habitantes, sem contrariar o caráter específico do conjunto em questão. Uma política de revitalização cultural deveria converter os conjuntos históricos em pólos de atividades culturais e atribuir-lhes um papel essencial no desenvolvimento cultural das comunidades circundantes.
Nas zonas rurais todos os trabalhos que implicarem uma degradação da paisagem, assim como quaisquer mudanças nas estruturas econômicas e sociais deveriam ser cuidadosamente controlados para preservar a integridade das comunidades rurais históricas em seu ambiente natural.
A ação de salvaguarda deveria associar a contribuição da autoridade pública à dos proprietários particulares ou coletivos e à dos habitantes e usuários, isoladamente ou em grupo, cujas iniciativas e participação ativa deveriam ser estimuladas. Uma cooperação constante em todos os níveis deveria, portanto, ser estabelecida entre as coletividades e os particulares, especialmente através dos seguintes meios: informações adaptadas aos tipos de pessoas atinentes; pesquisas preparadas com a participação das pessoas interrogadas; criação de grupos consultivos nos órgãos de planejamento; representação dos proprietários, dos habitantes e dos usuários, a título consultivo, nos órgãos de decisão, de gestão e de revitalização das operações relacionadas com os planos de salvaguarda, ou criação de órgãos de economia mista que participem da execução.
Deveriam ser estimuladas a fundação de grupos voluntários de salvaguarda e de associações de caráter não lucrativo e a instituição de recompensas honoríficas ou pecuniárias para que sejam reconhecidas as realizações exemplares em todos os campos da salvaguarda.
Os investimentos públicos previstos pelos planos de salvaguarda dos conjuntos históricos e de sua ambiência deveriam ser avalizados pela consignação de créditos adequados nos orçamentos das autoridades centrais, regionais e locais. O conjunto desses créditos deveria ser administrado de forma centralizada pelos órgãos de direito público, privado ou mistos encarregados de coordenar nos níveis nacional, regional ou local todas as formas de ajuda financeira e de orientá-las a uma aplicação global.
A ajuda pública, em qualquer das formas descritas nos parágrafos seguintes, deveria pressupor as intervenções da coletividade, onde for necessário e conveniente, e levar em consideração o custo adicional da restauração, ou seja, o custo suplementar imposto ao proprietário em relação ao novo valor venal ou locativo do edifício.
Em geral, esses investimentos públicos deveriam servir, antes de mais nada, para conservar os edifícios existentes, particularmente as habitações de baixa renda e somente aplicar-se a novas construções na medida em que elas não constituírem uma ameaça à utilização e às funções dos edifícios existentes.
Dever-se-iam conceder doações, incentivos fiscais, subsídios ou empréstimos em condições favoráveis ao proprietários particulares e usuários que houverem realizado as obras estabelecidas pelos planos de salvaguarda e de acordo com as normas fixadas por esses planos. Esses incentivos fiscais, doações, subsídios e empréstimos poderiam ser concedidos, em caráter prioritário, a grupamentos de proprietários ou de usuários de habitações e estabelecimentos comerciais, pois as operações agrupadas se tornam economicamente mais vantajosas que as ações individuais. As vantagens financeiras a serem concedidas aos proprietários particulares e aos usuários deveriam estar, eventualmente, subordinadas ao acatamento de determinadas condições impostas no interesse do público, tais como garantia da integridade dos imóveis, possibilidade de visitação aos edifícios, acesso aos parques, jardins ou sítios, realização de fotografias, etc.
Dotações especiais deveriam ser previstas nos orçamentos dos órgãos públicos ou privados para a proteção dos conjuntos históricos ou tradicionais ameaçados por grandes obras públicas ou privadas e pela poluição. As autoridades públicas deveriam prever igualmente dotações especiais para a reparação dos danos causados pelos desastres naturais.
Todos os serviços e administrações que atuam na construção pública deveriam, ainda, agenciar seus programas e orçamentos de maneira a contribuir para a reabilitação dos conjuntos históricos ou tradicionais, através do financiamento a obras que correspondam simultaneamente a seus próprios objetivos e aos dos planos de salvaguarda.
Para aumentar os recursos financeiros disponíveis os Estados Membros deveriam incrementar a criação de estabelecimentos financeiros públicos ou privados para a salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua ambiência, dotados de personalidade jurídica e que pudessem receber doações de particulares, de fundações e de empresas industriais e comerciais. Os doadores poderiam desfrutar de isenções fiscais.
As instituições públicas e os estabelecimentos de crédito privados poderiam facilitar o financiamento a obras de qualquer gênero destinadas a proteger os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência, através da criação de um órgão que se encarregasse da concessão de empréstimos aos proprietários, com taxas reduzidas e longos prazos de reembolso.
Os Estados Membros e as autoridades interessadas em todos os níveis poderiam facilitar a criação de associações sem fins lucrativos que se encarregassem da aquisição e, se for o caso, depois de restaurá-los, da venda dos imóveis mediante a utilização de fundos de operações especialmente destinados a manter nos conjuntos históricos ou tradicionais os proprietários que desejarem protegê-los e preservar suas características.
É essencial evitar que as medidas de salvaguarda acarretem uma ruptura da trama social. Para evitar, nos imóveis ou nos conjuntos a serem restaurados , o traslado dos habitantes, com prejuízo dos menos favorecidos, poderiam ser concedidas indenizações que compensassem a alta do aluguel, para que os ocupantes pudessem conservar suas habitações e seus pontos de comércio e produção assim como seus modos de vida e suas ocupações tradicionais, especialmente o artesanato rural, a agricultura em pequena escala, a pesca etc. Essas indenizações, determinadas em função dos rendimentos, ajudariam os interessados a fazer frente ao aumento dos encargos provocados pelas obras realizadas.
V - Pesquisa, Ensino e Informação
Para aperfeiçoar a competência dos especialistas e dos artesãos necessários e para fomentar o interesse e a participação de toda a população no trabalho de salvaguarda, os Estados Membros deveriam adotar as medidas que se seguem, de acordo com sua competência legislativa e constitucional.
Os Estados Membros e as coletividades interessadas deveriam encorajar as pesquisas e os estudos sistemáticos sobre:
- aspectos urbanísticos dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência;
- as interconexões entre salvaguarda, urbanismo urbano e planejamento físico-territorial;
- os métodos de conservação aplicáveis aos conjuntos históricos;
- a alteração dos materiais;
- a aplicação das técnicas modernas aos trabalhos de conservação;
- as técnicas artesanais indispensáveis à salvaguarda.
Deveriam ser instaurados e desenvolvidos ensinamentos específicos sobre os temas acima e que compreendessem estágios de formação prática. Além disso é indispensável estimular a formação de técnicos e de artesãos especializados na salvaguarda dos conjuntos e de quaisquer espaços abertos que os circundam. O desenvolvimento das técnicas artesanais, ameaçadas pelo processo de industrialização, também deveria ser estimulado. Seria de desejar que as instituições interessadas cooperassem nessa esfera com os organismos internacionais especializados no assunto, tais como o Centro de Estudos para a Conservação e a Restauração dos Bens Culturais, de Roma, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e o Conselho Internacional de Museus (ICOM).
A formação do pessoal administrativo encarregado das operações locais e salvaguarda dos setores históricos deveria, onde for adequado e necessário , ser financiada e dirigida pelas autoridades competentes, de acordo com um programa a longo prazo.
A tomada de consciência em relação à necessidade da salvaguarda deveria ser estimulada pela educação escolar, pós-escolar e universitária e pelo recurso aos meios de informação tais como os livros, a imprensa, a televisão, o rádio e o cinema e as exposições itinerantes. As vantagens, não apenas estéticas e culturais, mas também sociais e econômicas que pode oferecer uma política bem conduzida de salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser objeto de uma informação clara e completa. Essa informação deveria ser amplamente difundida entre os organismos especializados, tanto privados como públicos, nacionais, regionais e locais e entre a população, para que saiba porque e como seu padrão de vida pode ser melhorado.
O estudo dos conjuntos históricos deveria ser incluído no ensino em todos os níveis e, particularmente, no de história, para inculcar no espírito dos jovens a compreensão e o respeito às obras do passado e para mostrar o papel desse patrimônio na vida contemporânea. Esse ensino deveria utilizar amplamente os meios audiovisuais e as visitas aos conjuntos históricos ou tradicionais.
Conviria facilitar o acesso a cursos de aperfeiçoamento e reciclagem para pessoal docente e para guias, bem como a formação de instrutores para ajudar os grupos de jovens e de adultos desejosos de se iniciar no conhecimento dos conjuntos históricos ou tradicionais.
VI - Cooperação Internacional
Os Estados Membros deveriam colaborar, no que se refere à salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência, recorrendo, se for necessário, à ajuda de organizações internacionais, intergovernamentais e não governamentais, principalmente ao Centro de Documentação UNESCO - ICOM - ICOMOS. Essa cooperação multilateral ou bilateral deveria ser judiciosamente coordenada e concretizar-se através de medidas com as seguintes:
a) intercâmbio de informações de todos os gêneros e de publicações científicas e técnicas;
b) organização de seminários e de grupos de trabalho sobre temas específicos;
c) concessão de bolsas de estudos e de viagem, envio de pessoal científico, técnico e administrativo e fornecimento de material;
d) luta contra todas as formas de poluição;
e) execução de grandes projetos de salvaguarda de conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência e difusão da experiência adquirida. Nas regiões situadas de um lado e de outro de uma fronteira onde ocorrerem problemas comuns de planejamento e salvaguarda de conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência, os Estados Membros deveriam coordenar suas políticas e ações para conseguir a melhor utilização e proteção desse patrimônio;
f) assistência mútua entre países vizinhos para a salvaguarda de conjuntos de interesse comum, característicos do desenvolvimento histórico e cultural de região.
De acordo com o espírito e com os princípios da presente recomendação, nenhum Estado Membro deveria tomar qualquer medida para demolir ou alterar as características dos bairros, cidades e sítios históricos situados nos territórios ocupados por esse Estado.
Fonte: IPHAN
19ª Sessão UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura de 26 de novembro de 1976
RECOMENDAÇÃO RELATIVA À SALVAGUARDA DOS CONJUNTOS HISTÓRICOS E SUA FUNÇÃO NA VIDA CONTEMPORÂNEA.
A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, reunida em Nairobi, de 26 de outubro a 30 de novembro de 1976, em sua décima nona sessão, considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais fazem parte do ambiente cotidiano dos seres humanos em todos os países, constituem a presença viva do passado que lhes deu forma, asseguram ao quadro da vida a variedade necessária para responder à diversidade da sociedade e, por isso, adquirem um valor e uma dimensão humana suplementares, considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais constituem através das idades os testemunhos mais tangíveis da riqueza e da diversidade das criações culturais, religiosas e sociais da humanidade e que sua salvaguarda e integração na vida contemporânea são elementos fundamentais na planificação das áreas urbanas e do planejamento físico-territorial, considerando que, diante dos perigos da uniformização e da despersonalização que se manifestam constantemente em nossa época, esses testemunhos vivos de épocas anteriores adquirem uma importância vital para cada ser humano e para as nações que neles encontram a expressão de sua cultura e, ao mesmo tempo, um dos fundamentos de sua identidade, considerando que, no mundo inteiro, sob pretexto de expansão ou de modernização, destruições que ignoram o que destroem e reconstruções irracionais e inadequadas ocasionam grave prejuízo a esse patrimônio histórico, considerando que os conjuntos históricos ou tradicionais constituem um patrimônio imobiliário cuja destruição provoca muitas vezes perturbações sociais, mesmo quando não resulte em perdas econômicas, considerando que essa situação implica a responsabilidade de cada cidadão e impõe aos poderes públicos obrigações que só eles podem assumir, considerando que, diante de tais perigos de deterioração e até de desaparecimento total, todos os Estados devem agir para salvar esses valores insubstituíveis, adotando urgentemente uma política global e ativa de proteção e de revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência, como parte do planejamento nacional, regional ou local, constatando que em muitos países falta uma legislação suficientemente eficaz e flexível que diga respeito ao patrimônio arquitetônico e a suas relações com o planejamento físico-territorial, observando que a Conferência Geral já adotou instrumentos internacionais para a proteção do patrimônio cultural e natural, tais como a Recomendação que Define os Princípios Internacionais a serem Aplicados em Relação às Escavações Arqueológicas (1956), a Recomendação Relativa à Salvaguarda da Beleza e do Caráter dos Sítios e Paisagens (1962), a Recomendação sobre a Preservação dos Bens Culturais Ameaçados pela Realização de Obras Públicas ou Privadas (1968) e a Recomendação sobre a Proteção, no Plano Nacional, do Patrimônio Cultural e Natural (1972). Desejando complementar e ampliar o alcance das normas e dos princípios formulados nesses instrumentos internacionais, tendo-lhe sido apresentadas propostas relativas à salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua função na vida contemporânea, questão que constitui o ponto 27 da ordem do dia da sessão, tendo decidido, em sua décima oitava sessão, que esse assunto seria objeto de uma recomendação aos Estados Membros, adota, em 26 de novembro de 1976, a presente recomendação. A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que apliquem as disposições seguintes, adotando medidas sob a forma de lei nacional ou de outra forma, destinadas a efetivar, nos territórios sob sua jurisdição, os princípios e as normas formuladas nesta recomendação. A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que levem esta recomendação ao conhecimento das autoridades nacionais, regionais e locais, assim como às instituições, serviços ou órgãos e associações interessados na salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e seu entorno. A Conferência Geral recomenda aos Estados Membros que lhe apresentem, nas datas e na forma que ela determinar, relatórios sobre a maneira como aplicaram a presente recomendação.
I - Definições
Para os efeitos da presente recomendação:
a) Considera-se conjunto histórico ou tradicional todo agrupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e palenteológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto-de-vista arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, histórico, estético ou sócio-cultural. Entre esses "conjuntos", que são muito variados, podem-se distinguir especialmente os sítios pré-históricos, as cidades históricas, os bairros urbanos antigos, as aldeias e lugarejos, assim como os conjuntos monumentais homogêneos, ficando entendido que estes últimos deverão, em regra, ser conservados em sua integridade.
b) Entende-se por "ambiência" dos conjuntos históricos ou tradicionais, o quadro natural ou construído que influi na percepção estática ou dinâmica desses conjuntos, ou a eles se vincula de maneira imediata no espaço, ou por laços sociais, econômicos ou culturais.
c) Entende-se por "salvaguarda" a identificação, a proteção, a conservação, a restauração, a reabilitação, a manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de seu entorno.
II - Princípios Gerais:
Dever-se-ia considerar que os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência constituem um patrimônio universal insubstituível. Sua salvaguarda e integração na vida coletiva de nossa época deveriam ser uma obrigação para os governos e para os cidadão dos Estados em cujo território se encontram. Deveriam ser responsáveis por isso, no interesse de todos os cidadãos e da comunidade internacional, as autoridades nacionais, regionais ou locais, segundo as condições próprias de cada Estado Membro em matéria de distribuição de poderes.
Cada conjunto histórico ou tradicional e sua ambiência deveria ser considerado em sua globalidade, como um todo coerente cujo equilíbrio e caráter específico dependem da síntese dos elementos que o compõem e que compreendem tanto as atividades humanas como as construções, a estrutura espacial e as zonas circundantes. Dessa maneira, todos os elementos válidos, incluídas as atividades humanas, desde as mais modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é preciso respeitar.
Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser protegidos ativamente contra quaisquer deteriorações, particularmente as que resultam de uma utilização imprópria, de acréscimos supérfluos e de transformações abusivas ou desprovidas de sensibilidade que atentam contra sua autenticidade, assim como as provocadas por qualquer forma de poluição. Todos os trabalhos de restauração a serem empreendidos deveriam basear-se em princípios científicos. Do mesmo modo, uma grande atenção deveria ser dispensada à harmonia e à emoção estética que resultam da conexão ou do contraste dos diferentes elementos que compõem os conjuntos e que dão a cada um deles seu caráter particular.
Nas condições da urbanização moderna, que produz um aumento considerável na escala e na densidade das construções, ao perigo da destruição direta dos conjuntos históricos ou tradicionais se agrega o perigo real de que os novos conjuntos destruam indiretamente a ambiência e o caráter dos conjuntos históricos adjacentes. Os arquitetos e urbanistas deveriam empenhar-se para que a visão dos monumentos e conjuntos históricos, ou a visão que a partir deles se obtém, não se deteriore e para que esses conjuntos se integrem harmoniosamente na vida contemporânea.
Numa época em que a crescente universalidade das técnicas construtivas e das formas arquitetônicas apresentam o risco de provocar uma uniformização dos assentamentos humanos no mundo inteiro, a salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais pode contribuir extraordinariamente para a manutenção e o desenvolvimento dos valores culturais e sociais peculiares de cada nação e para o enriquecimento arquitetônico do patrimônio cultural mundial.
III - Política Nacional, Regional e Local
Em cada Estado Membro deveria se formular, nas condições peculiares a cada um em matéria de distribuição de poderes, uma política nacional, regional e local a fim de que sejam adotadas medidas jurídicas, técnicas, econômicas e sociais pelas autoridades nacionais, regionais e locais para salvaguardar os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência e adaptá-los às exigências da vida contemporânea. Essa política deveria influenciar o planejamento nacional, regional e local e orientar a ordenação urbana urbano e rural e o planejamento físico-territorial em todos os níveis. As ações resultantes desse planejamento deveriam se integrar à formulação dos objetivos e programas, à distribuição das funções e à execução das operações. Dever-se-ia buscar a colaboração dos indivíduos e das associações privadas para a aplicação da política de salvaguarda.
IV - Medidas de Salvaguarda
A salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência deveria se ajustar aos princípios anteriormente enunciados e aos métodos expostos a seguir, determinando-se as medidas concretas de acordo com as competências legislativas e constitucionais e com a organização social e econômica de cada Estado.
Medidas Jurídicas e administrativas
A aplicação de uma política global de salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua ambiência deveria basear-se em princípios válidos para cada país em sua totalidade. Os Estados Membros deveriam adaptar as disposições existentes ou, se necessário, promulgar novos textos legislativos e regulamentares para assegurar a salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua ambiência, levando em conta as disposições contidas neste capítulo e nos seguintes. Conviria revisar as leis relativas ao planejamento físico territorial, ao urbanismo e à política habitacional de modo a coordenar e harmonizar suas disposições com as das leis relativas à salvaguarda do patrimônio arquitetônico. Essas legislações deveriam encorajar a adaptação ou a adoção de disposições, nos planos urbanos, regional ou local, para assegurar tal salvaguarda.
As disposições que estabeleçam um sistema de salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais deveriam enunciar os princípios gerais relativos ao estabelecimento e à adoção dos planos e documentos necessários e, particularmente:
- as condições e restrições gerais aplicáveis às zonas protegidas por lei e a suas imediações;
- a indicação dos programas e operações previstas em matéria de conservação e de infra-estrutura de serviços;
- as funções de manutenção e a designação dos encarregados de desempenhá-las;
- os campos a que se poderão aplicar as intervenções de urbanismo, de reestruturação e de ordenação do espaço rural;
- a designação do órgão encarregado de autorizar qualquer restauração, modificação, nova construção ou demolição no perímetro protegido;
- as modalidades de financiamento e de execução dos programas de salvaguarda.
Os planos e documentos de salvaguarda deveriam definir especialmente:
- as zonas e os elementos a serem protegidos;
- as condições e restrições específicas que lhes dizem respeito;
- as normas que regulam os trabalhos de manutenção, restauração e transformação;
- as condições gerais de instalação das redes de suprimento e dos serviços necessários à vida urbana ou rural;
- as condições que regerão a implantação de novas construções.
A legislação de salvaguarda deveria ser, em princípio, acompanhada de disposições preventivas contra as infrações à regulamentação de salvaguarda e contra qualquer alta especulativa dos valores imobiliários nas zonas protegidas, que possa comprometer uma proteção e uma restauração concebidas em função do interesse coletivo. Essas disposições poderiam envolver medidas de planejamento urbano que influam no preço dos terrenos por construir - tais como o estabelecimento de planos de ordenação distritais ou de extensão mais reduzida, a concessão do direito de preempção e a um órgão público, a expropriação no interesse da salvaguarda, ou a intervenção compulsória em caso de incapacidade ou descumprimento por parte dos proprietários - e instituir sanções efetivas como a suspensão das obras, a obrigação de reconstituir e/ou multa apropriada.
O respeito às medidas de salvaguarda deveria ser imposto tanto às coletividades públicas quanto às particulares. Dever-se-ia estabelecer, todavia, um mecanismo de recurso contra as decisões ilegais, arbitrárias ou injustas.
As disposições referentes à construção de edifícios para órgãos públicos e privados e a obras públicas e privadas deveriam adaptar-se à regulamentação da salvaguarda dos conjuntos históricos e de sua ambiência.
Em particular, as disposições relativas aos imóveis e quarteirões insalubres, assim como à construção de habitações sociais deveriam ser concebidas ou reformuladas de modo que não apenas se ajustem à política de salvaguarda, mas que para ela contribuam. O regime de eventuais subvenções deveria ser, consequentemente, estabelecido e modulado sobretudo para facilitar o desenvolvimento de habitação subsidiadas e de edifícios públicos através da reabilitação de construções antigas. Só deveriam ser permitidas as demolições de edificações sem valor histórico ou arquitetônico e as subvenções ocasionalmente resultantes deveriam ser estritamente controladas. Além disso, uma parte suficiente dos créditos previstos para a construção de habitações sociais deveria ser destinada à reabilitação de edificações antigas.
Os efeitos legais das medidas de proteção a edificações e terrenos deveriam ser levadas ao conhecimento público e registradas em um órgão oficial competente.
Respeitadas as condições próprias a cada país e a distribuição de poderes das diversas administrações nacionais, regionais e locais, a execução de obras de salvaguarda deveria se inspirar nos seguintes princípios:
a) uma autoridade responsável deveria encarregar-se da coordenação permanente de todos os intervenientes: serviços públicos nacionais, regionais e locais ou grupos de particulares;
b) os planos e documentos de salvaguarda deveriam ser elaborados depois que todos os estudos científicos necessários houverem sido efetuados por equipes multidisciplinares compostas, principalmente, de:
- especialistas em conservação e restauração, incluídos os historiadores da arte;
- arquitetos e urbanistas;
- sociólogos e economistas;
- ecólogos e arquitetos paisagistas;
- especialistas em saúde pública e assistência social;
- e, em geral, especialistas em todas as matérias relativas à proteção e revitalização dos conjuntos históricos e tradicionais;
c) as autoridades deveriam tomar a iniciativa de organizar a consulta e a participação da população interessada;
d) os planos de salvaguarda deveriam ser aprovados pelo órgão designado por lei;
e) os serviços públicos encarregados de aplicar as disposições de salvaguarda em qualquer nível - nacional, regional e local - deveriam contar com pessoal necessário e com meios técnicos, administrativos e financeiros adequados.
Medidas Técnicas, Econômicas e Sociais
Dever-ser-ia estabelecer, nos níveis nacional, regional ou local, uma relação dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência a serem salvaguardados. Essa relação deveria indicar prioridades para facilitar uma alocação racional dos limitados recursos disponíveis para fins de salvaguarda. As medidas de proteção, de qualquer tipo, que tiverem caráter urgente, deveriam ser tomadas sem esperar que se estabeleçam planos e documentos de salvaguarda.
Deveria ser feita uma análise de todo o conjunto, inclusive de sua evolução espacial, que contivesse os dados arqueológicos, históricos, arquitetônicos, técnicos e econômicos. Deveria ser produzido um documento analítico destinado a determinar os imóveis ou os grupos de imóveis a serem rigorosamente protegidos, conservados sob certas condições, ou, em circunstâncias absolutamente excepcionais e escrupulosamente documentadas, destruídos, o que permitiria às autoridades suspender qualquer obra incompatível com esta recomendação. Além disso, deveria ser realizado, com a mesma finalidade, um inventário dos espaços abertos, públicos e privados, assim como de sua vegetação.
Além dessa investigação arquitetônica, são necessários estudos pormenorizados dos dados e das estruturas sociais, econômicas, culturais e técnicas, assim como do contexto urbano ou regional mais amplo. Esses estudos deveriam abranger, se possível, dados demográficos e uma análise das atividades econômicas, sociais e culturais, os modos de vida e as relações sociais, os problemas fundiários, infraestrutura urbana, o estado do sistema viário, as redes de comunicação e as inter-relações recíprocas da zona protegida com as zonas circundadas. As autoridades competentes deveriam atribuir suma importância a esses estudos e compreender que, sem eles, não seria possível estabelecer planos eficazes de salvaguarda.
Antes da formulação de planos e normas de salvaguarda e depois da análise acima descrita, conviria, em princípio, estabelecer uma programação que leva-se igualmente em consideração o respeito aos dados urbanísticos, arquitetônicos, econômicos e sociais, e a capacidade de o tecido urbano e rural acolher funções compatíveis com seu caráter específico. A programação deveria visar à adaptação das densidades de ocupação e a prever o escalonamento das operações, assim como a necessária acomodação temporária durante as obras e os locais para realojamento permanente dos habitantes que não puderem regressar a sua morada anterior. Essa programação deveria ser elaborada com a maior participação possível das coletividades e populações interessadas. Uma vez que o contexto social, econômico e físico dos conjuntos históricos e de sua ambiência está em constante evolução, os estudos e investigações deveriam ser regularmente atualizados. Seria essencial, portanto, que a elaboração dos planos de salvaguarda e sua execução se baseassem nos estudos disponíveis, em vez de serem retardadas indefinidamente enquanto se aprimora o processo de planejamento.
Uma vez estabelecidos e aprovados os planos e normas de salvaguarda pela autoridade pública competente, seria conveniente que seus autores fossem encarregados de sua execução ou direção.
Nos conjuntos históricos ou tradicionais que possuírem elementos de vários períodos diferentes, a ação de salvaguarda deveria levar em consideração as manifestações de todos esses períodos.
Quando existirem planos de salvaguarda, os programas de saneamento urbano ou de beneficiamento que consistirem na demolição de imóveis desprovidos de interesse arquitetônico ou histórico ou arruinados demais para serem conservados, na supressão de acréscimos e construções superpostas sem valor e, até mesmo, na demolição de edificações recentes que rompam a unidade do conjunto só poderão ser autorizados nos termos do plano de salvaguarda.
Os programas de saneamento urbano ou de beneficiamento aplicáveis a zonas que não estão incluídas nos planos de salvaguarda deveriam respeitar os edifícios e outros elementos que possuam um valor arquitetônico ou histórico e seus acessórios. Se tais elementos estivessem arriscados de sofrer danos com esses programas deveriam ser elaborados, necessária e previamente, os planos de salvaguarda pertinentes.
É necessária uma vigilância permanente para evitar que essas operações beneficiem apenas a especulação ou sejam utilizadas com finalidades contrárias aos objetivos do plano.
Em qualquer operação de saneamento urbano ou de beneficiamento que afete um conjunto histórico deveriam ser observadas as normas gerais de segurança relativas a incêndios e catástrofes naturais, desde que sejam compatíveis com os critérios de salvaguarda do patrimônio cultural. Em caso contrário, devem ser buscadas soluções particulares em colaboração com todos os serviços interessados, a fim de garantir o máximo de segurança, sem ameaça alguma ao patrimônio cultural.
Um cuidado especial deveria ser adotado na regulamentação e no controle das novas construções para assegurar que sua arquitetura se enquadre harmoniosamente nas estruturas espaciais e na ambiência dos conjuntos históricos. Para isso, uma análise do contexto urbano deveria preceder qualquer construção nova, não só para definir o caráter geral do conjunto, como para analisar suas dominantes: harmonia das alturas, cores, materiais e formas, elementos constitutivos do agenciamento das fachadas e dos telhados, relações dos volumes construídos e dos espaços, assim como suas proporções médias e a implantação dos edifícios. Uma atenção especial deveria ser prestada à dimensão dos lotes, pois qualquer modificação poderia resultar em um efeito de massa, prejudicial à harmonia do conjunto.
Não se deveria autorizar o isolamento de um monumento através da supressão de seu entorno; do mesmo modo, seu deslocamento só deveria ser decidido excepcionalmente e por razões de força maior.
Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser protegidos contra a desfiguração resultante da instalação de suportes, cabos elétricos ou telefônicos, antenas de televisão ou painéis publicitários de grande escala. Se já existirem, deverão ser adotadas medidas adequadas para suprimi-los. Os cartazes, a publicidade luminosa ou não, os letreiros comerciais, a sinalização das ruas, o mobiliário urbano e o revestimento do solo deveriam ser estudados e controlados com o maior cuidado, para que se integrem harmoniosamente ao conjunto. Deveria ser feito um esforço especial para evitar qualquer forma de vandalismo.
Os Estados Membros e as instituições interessadas deveriam proteger os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência contra os danos cada vez mais graves causados por determinados avanços tecnológicos, tais como quaisquer formas de poluição, através da proibição de se implantarem indústrias nocivas em sua proximidade e da adoção de medidas preventivas contra os efeitos destrutivos dos ruídos, dos choques e das vibrações produzidas contra as deteriorações provenientes de uma excessiva exploração turística.
Dado o conflito existente na maior parte dos conjuntos históricos ou tradicionais entre o trânsito automobilístico, por um lado e a densidade do tecido urbano e as características arquitetônicas por outro, os Estados Membros deveriam estimular e ajudar as autoridades locais a encontrar soluções para esse problema. Para consegui-lo e para favorecer o trânsito de pedestres, conviria estudar com extremo cuidado a localização e o acesso dos parques de estacionamento não só dos periféricos como dos centrais, e estabelecer redes de transporte que facilitem ao mesmo tempo a circulação dos pedestres, o acesso aos serviços e o transporte público. Numerosas operações de reabilitação, tais como, entre outras, a instalação subterrânea de redes elétricas e de outros cabos, que seriam demasiadamente onerosas se fossem feitas separadamente, poderiam ser, então, coordenadas fácil e economicamente com o desenvolvimento da rede viária.
A proteção e a restauração deveriam ser acompanhadas de atividades de revitalização. Seria, portanto, essencial manter as funções apropriadas existentes e, em particular, o comércio e o artesanato e criar outras novas que, para serem viáveis a longo prazo, deveriam ser compatíveis com o contexto econômico e social, urbano, regional ou nacional em que se inserem. O custo das operações de salvaguarda não deveria ser avaliado apenas em função do valor cultural das construções, mas também do valor derivado da utilização que delas se possa fazer. Os problemas sociais decorrentes da salvaguarda só podem ser colocados corretamente se houver referência a essas duas escalas de valor. Essas funções teriam que se adaptar às necessidades sociais, culturais e econômicos dos habitantes, sem contrariar o caráter específico do conjunto em questão. Uma política de revitalização cultural deveria converter os conjuntos históricos em pólos de atividades culturais e atribuir-lhes um papel essencial no desenvolvimento cultural das comunidades circundantes.
Nas zonas rurais todos os trabalhos que implicarem uma degradação da paisagem, assim como quaisquer mudanças nas estruturas econômicas e sociais deveriam ser cuidadosamente controlados para preservar a integridade das comunidades rurais históricas em seu ambiente natural.
A ação de salvaguarda deveria associar a contribuição da autoridade pública à dos proprietários particulares ou coletivos e à dos habitantes e usuários, isoladamente ou em grupo, cujas iniciativas e participação ativa deveriam ser estimuladas. Uma cooperação constante em todos os níveis deveria, portanto, ser estabelecida entre as coletividades e os particulares, especialmente através dos seguintes meios: informações adaptadas aos tipos de pessoas atinentes; pesquisas preparadas com a participação das pessoas interrogadas; criação de grupos consultivos nos órgãos de planejamento; representação dos proprietários, dos habitantes e dos usuários, a título consultivo, nos órgãos de decisão, de gestão e de revitalização das operações relacionadas com os planos de salvaguarda, ou criação de órgãos de economia mista que participem da execução.
Deveriam ser estimuladas a fundação de grupos voluntários de salvaguarda e de associações de caráter não lucrativo e a instituição de recompensas honoríficas ou pecuniárias para que sejam reconhecidas as realizações exemplares em todos os campos da salvaguarda.
Os investimentos públicos previstos pelos planos de salvaguarda dos conjuntos históricos e de sua ambiência deveriam ser avalizados pela consignação de créditos adequados nos orçamentos das autoridades centrais, regionais e locais. O conjunto desses créditos deveria ser administrado de forma centralizada pelos órgãos de direito público, privado ou mistos encarregados de coordenar nos níveis nacional, regional ou local todas as formas de ajuda financeira e de orientá-las a uma aplicação global.
A ajuda pública, em qualquer das formas descritas nos parágrafos seguintes, deveria pressupor as intervenções da coletividade, onde for necessário e conveniente, e levar em consideração o custo adicional da restauração, ou seja, o custo suplementar imposto ao proprietário em relação ao novo valor venal ou locativo do edifício.
Em geral, esses investimentos públicos deveriam servir, antes de mais nada, para conservar os edifícios existentes, particularmente as habitações de baixa renda e somente aplicar-se a novas construções na medida em que elas não constituírem uma ameaça à utilização e às funções dos edifícios existentes.
Dever-se-iam conceder doações, incentivos fiscais, subsídios ou empréstimos em condições favoráveis ao proprietários particulares e usuários que houverem realizado as obras estabelecidas pelos planos de salvaguarda e de acordo com as normas fixadas por esses planos. Esses incentivos fiscais, doações, subsídios e empréstimos poderiam ser concedidos, em caráter prioritário, a grupamentos de proprietários ou de usuários de habitações e estabelecimentos comerciais, pois as operações agrupadas se tornam economicamente mais vantajosas que as ações individuais. As vantagens financeiras a serem concedidas aos proprietários particulares e aos usuários deveriam estar, eventualmente, subordinadas ao acatamento de determinadas condições impostas no interesse do público, tais como garantia da integridade dos imóveis, possibilidade de visitação aos edifícios, acesso aos parques, jardins ou sítios, realização de fotografias, etc.
Dotações especiais deveriam ser previstas nos orçamentos dos órgãos públicos ou privados para a proteção dos conjuntos históricos ou tradicionais ameaçados por grandes obras públicas ou privadas e pela poluição. As autoridades públicas deveriam prever igualmente dotações especiais para a reparação dos danos causados pelos desastres naturais.
Todos os serviços e administrações que atuam na construção pública deveriam, ainda, agenciar seus programas e orçamentos de maneira a contribuir para a reabilitação dos conjuntos históricos ou tradicionais, através do financiamento a obras que correspondam simultaneamente a seus próprios objetivos e aos dos planos de salvaguarda.
Para aumentar os recursos financeiros disponíveis os Estados Membros deveriam incrementar a criação de estabelecimentos financeiros públicos ou privados para a salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de sua ambiência, dotados de personalidade jurídica e que pudessem receber doações de particulares, de fundações e de empresas industriais e comerciais. Os doadores poderiam desfrutar de isenções fiscais.
As instituições públicas e os estabelecimentos de crédito privados poderiam facilitar o financiamento a obras de qualquer gênero destinadas a proteger os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência, através da criação de um órgão que se encarregasse da concessão de empréstimos aos proprietários, com taxas reduzidas e longos prazos de reembolso.
Os Estados Membros e as autoridades interessadas em todos os níveis poderiam facilitar a criação de associações sem fins lucrativos que se encarregassem da aquisição e, se for o caso, depois de restaurá-los, da venda dos imóveis mediante a utilização de fundos de operações especialmente destinados a manter nos conjuntos históricos ou tradicionais os proprietários que desejarem protegê-los e preservar suas características.
É essencial evitar que as medidas de salvaguarda acarretem uma ruptura da trama social. Para evitar, nos imóveis ou nos conjuntos a serem restaurados , o traslado dos habitantes, com prejuízo dos menos favorecidos, poderiam ser concedidas indenizações que compensassem a alta do aluguel, para que os ocupantes pudessem conservar suas habitações e seus pontos de comércio e produção assim como seus modos de vida e suas ocupações tradicionais, especialmente o artesanato rural, a agricultura em pequena escala, a pesca etc. Essas indenizações, determinadas em função dos rendimentos, ajudariam os interessados a fazer frente ao aumento dos encargos provocados pelas obras realizadas.
V - Pesquisa, Ensino e Informação
Para aperfeiçoar a competência dos especialistas e dos artesãos necessários e para fomentar o interesse e a participação de toda a população no trabalho de salvaguarda, os Estados Membros deveriam adotar as medidas que se seguem, de acordo com sua competência legislativa e constitucional.
Os Estados Membros e as coletividades interessadas deveriam encorajar as pesquisas e os estudos sistemáticos sobre:
- aspectos urbanísticos dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência;
- as interconexões entre salvaguarda, urbanismo urbano e planejamento físico-territorial;
- os métodos de conservação aplicáveis aos conjuntos históricos;
- a alteração dos materiais;
- a aplicação das técnicas modernas aos trabalhos de conservação;
- as técnicas artesanais indispensáveis à salvaguarda.
Deveriam ser instaurados e desenvolvidos ensinamentos específicos sobre os temas acima e que compreendessem estágios de formação prática. Além disso é indispensável estimular a formação de técnicos e de artesãos especializados na salvaguarda dos conjuntos e de quaisquer espaços abertos que os circundam. O desenvolvimento das técnicas artesanais, ameaçadas pelo processo de industrialização, também deveria ser estimulado. Seria de desejar que as instituições interessadas cooperassem nessa esfera com os organismos internacionais especializados no assunto, tais como o Centro de Estudos para a Conservação e a Restauração dos Bens Culturais, de Roma, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e o Conselho Internacional de Museus (ICOM).
A formação do pessoal administrativo encarregado das operações locais e salvaguarda dos setores históricos deveria, onde for adequado e necessário , ser financiada e dirigida pelas autoridades competentes, de acordo com um programa a longo prazo.
A tomada de consciência em relação à necessidade da salvaguarda deveria ser estimulada pela educação escolar, pós-escolar e universitária e pelo recurso aos meios de informação tais como os livros, a imprensa, a televisão, o rádio e o cinema e as exposições itinerantes. As vantagens, não apenas estéticas e culturais, mas também sociais e econômicas que pode oferecer uma política bem conduzida de salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser objeto de uma informação clara e completa. Essa informação deveria ser amplamente difundida entre os organismos especializados, tanto privados como públicos, nacionais, regionais e locais e entre a população, para que saiba porque e como seu padrão de vida pode ser melhorado.
O estudo dos conjuntos históricos deveria ser incluído no ensino em todos os níveis e, particularmente, no de história, para inculcar no espírito dos jovens a compreensão e o respeito às obras do passado e para mostrar o papel desse patrimônio na vida contemporânea. Esse ensino deveria utilizar amplamente os meios audiovisuais e as visitas aos conjuntos históricos ou tradicionais.
Conviria facilitar o acesso a cursos de aperfeiçoamento e reciclagem para pessoal docente e para guias, bem como a formação de instrutores para ajudar os grupos de jovens e de adultos desejosos de se iniciar no conhecimento dos conjuntos históricos ou tradicionais.
VI - Cooperação Internacional
Os Estados Membros deveriam colaborar, no que se refere à salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência, recorrendo, se for necessário, à ajuda de organizações internacionais, intergovernamentais e não governamentais, principalmente ao Centro de Documentação UNESCO - ICOM - ICOMOS. Essa cooperação multilateral ou bilateral deveria ser judiciosamente coordenada e concretizar-se através de medidas com as seguintes:
a) intercâmbio de informações de todos os gêneros e de publicações científicas e técnicas;
b) organização de seminários e de grupos de trabalho sobre temas específicos;
c) concessão de bolsas de estudos e de viagem, envio de pessoal científico, técnico e administrativo e fornecimento de material;
d) luta contra todas as formas de poluição;
e) execução de grandes projetos de salvaguarda de conjuntos históricos ou tradicionais e de sua ambiência e difusão da experiência adquirida. Nas regiões situadas de um lado e de outro de uma fronteira onde ocorrerem problemas comuns de planejamento e salvaguarda de conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência, os Estados Membros deveriam coordenar suas políticas e ações para conseguir a melhor utilização e proteção desse patrimônio;
f) assistência mútua entre países vizinhos para a salvaguarda de conjuntos de interesse comum, característicos do desenvolvimento histórico e cultural de região.
De acordo com o espírito e com os princípios da presente recomendação, nenhum Estado Membro deveria tomar qualquer medida para demolir ou alterar as características dos bairros, cidades e sítios históricos situados nos territórios ocupados por esse Estado.
Fonte: IPHAN