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the city we dream of is the one we can build ourselves

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Semana Santa de São João del-Rei: Crônica do Domingo de Ramos . Francisco José dos Santos Braga

Descrição

 

Neste 28 de março de 2010, como ocorre todo ano aqui na bucólica cidade de São João del-Rei, comemorou-se com muita pompa a entrada de Jesus em Jerusalém. Por motivos didáticos, vou dividir esse rito católico em três partes: o Ofício de Ramos, a Missa e o Canto da Paixão.

O primeiro dos três ritos litúrgicos — Ofício de Ramos — se passa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário (de Pretos e Pardos), cuja irmandade completa 302 anos. O trajeto entre este templo e a Catedral Basílica Nossa Senhora do Pilar caracteriza-se pelo sentimento de alegria, que invade o coração de todos os fiéis, lembrando o cortejo triunfal que acompanhou Jesus ao entrar em Jerusalém. Na Catedral Basílica são oficiados os dois últimos atos de fé cristã — Missa e Canto da Paixão —, denotando tristeza motivada pelas leituras e salmos relativos à Paixão do Salvador.

Toda a parte musical é de autoria do compositor são-joanense Padre José Maria Xavier, composta em 1872, com exceção da Antiphona ad Communionem (Antífona para a Comunhão), de autoria de Antônio dos Santos Cunha, adaptado de um trecho de seus responsórios da Semana Santa.

Já que apresentamos de forma resumida a celebração matutina do Domingo de Ramos em São João del-Rei, vamos agora apreciar a constituição de cada uma das partes do rito católico.

Dentro da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, às 9h30min, se inicia o primeiro rito do Ofício de Ramos. Os fiéis que ali comparecem costumam levar de suas casas ramos ou folhas de palmeiras para queimá-los durante o ano com a finalidade de aplacar as tempestades ou afastar as pestes. Por outro lado, os fundidores de sinos misturam esses vegetais ao bronze do sino que está sendo fundido, enquanto rezam pedindo a perfeição do som daquele instrumento musical que se destinará ao chamamento dos fiéis à oração. A Liturgia, por sua vez, recomenda queimá-los, para que suas cinzas sejam impostas em cruz na testa dos fiéis no primeiro dia da Quaresma (Quarta-feira de Cinzas).

Enquanto o Bispo e os concelebrantes saem da sacristia e se dirigem ao altar, ouve-se o vibrante “Hosanna filio David” (Hosana ao filho de Davi), cuja execução se reitera pela orquestra e coro até que os oficiantes cheguem ao altar. Terminado o canto, os concelebrantes voltam-se para o povo e o convocam a repetir os passos de Jesus em sua entrada em Jerusalém. Em seguida, o Bispo faz o incenso, asperge os ramos com água benta e vai solenemente do altar até a porta principal do templo, aspergindo os fiéis que se persignam em sinal de devoção. Quando de sua volta ao altar, o Bispo incensa todos os fiéis. Durante essas ações, ouve-se a orquestra e coro executarem “Pueri Hebraeorum, portantes ramos olivarum, obviaverunt Domino, clamantes et dicentes: "Hosanna in excelsis”. / Pueri Hebraeorum vestimenta prosternebant in via, et clamabant dicentes: "Hosanna filio David; benedictus qui venit in nomine Domini". (Os filhos dos hebreus, portando ramos de oliveiras, correram ao encontro do Senhor, aclamando e dizendo: Hosana nas alturas. / Os filhos dos hebreus depunham suas vestes no caminho, e aclamavam dizendo: Hosana ao filho de Davi: bendito o que vem em nome do Senhor.)
Concluído esse canto, proclama-se solenemente o Evangelho que, neste ano de 2010 (Ano C), corresponde à leitura de Lucas 19, 28-40.
Ainda dentro do templo, ouve-se o coro a capella intitulado “Cum appropinquaret Dominus Jerosolymam”, cuja letra corresponde basicamente ao Evangelho lido.

Fora da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, é disposta uma procissão, cujo principal destaque constitui a formação de dois coros a capella, sendo o primeiro deles um quarteto (soprano e contralto, tenor e baixo). Durante o trajeto entre os dois templos, é cantado o Hymnus ad Christum Regem (Hino a Cristo Rei). Enquanto o primeiro coro (quarteto) canta o refrão ou estribilho: Gloria, laus et honor, tibi sit, / Rex Christe Redemptor. / Cui puerile decus prompsit / Hosanna pium.” (Glória, louvor e honra a ti, / ó Cristo Rei Redentor. / A quem a decência infantil manifestou / um piedoso Hosana.)
A que o segundo e grande coro responde cantando: Israel es tu Rex, / Davidis et inclita proles, / Nomine qui in Domini, / Rex benedicte, venis. (De Israel és tu o Rei, / e filho ilustre de Davi, / que em nome do Senhor / vens, ó Rei bendito.)
A letra completa desse Hino é constituída por mais duas estrofes ou estâncias.

O segundo rito litúrgico (a Santa Missa) inicia-se após a procissão. Ao entrar na Catedral Basílica Nossa Senhora do Pilar, o coro canta: Ingrediente Domino in sanctam civitatem, Hebraeorum pueri ressurrectionem Vitae pronuntiantes. Cum ramis palmarum: “Hosanna, clamabant, in excelsis”. (Enquanto o Senhor entrava na cidade santa, as crianças dos hebreus proclamavam anunciando a ressurreição da Vida. Com ramos de palmeiras: “Hosana nas alturas”.)
Enquanto o Bispo e os concelebrantes sobem para o altar, a orquestra e coro executam, com a maior unção: Domine, ne longe facias auxilium tuum a me, ad defensionem meam aspice: libera me de ore leonis, et a cornibus unicornium humilitatem meam. (Senhor, não afastes de mim o teu auxílio, volta o teu olhar para a minha defesa: livra-me da boca do leão, e (salva) a minha pobre vida, dos chifres dos unicórnios.)

Já no altar, faz-se a primeira Leitura retirada do Livro do Profeta Isaías (Is. 50, 4-7).
Ouve-se então executado pela orquestra e coro: Tenuisti manum dexteram meam: et in voluntate tua deduxisti me: et cum gloria assumpsisti me. (Seguraste minha mão direita: e me conduziste segundo a tua vontade: e com glória me acolheste.) Esse texto vem seguido do versículo: Quam bonus Israel Deus rectis corde! mei autem paene moti sunt pedes: paene effusi sunt gressus mei: quia zelavi in peccatoribus, pacem peccatorum videns. (Como o Deus de Israel é bom para os de coração reto! Meus pés porém por pouco não vacilaram: os meus passos por pouco não se desviaram: porque tive inveja dos pecadores, vendo a sua paz.)

Lê-se, em seguida, o Salmo Responsorial (Sl. 21), com os dizeres lancinantes: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Em hebraico: Eli, Eli, lama sabacthani?)

A segunda Leitura é retirada da Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl. 2, 6-11), que fala da condição divina e humana de Cristo; sob essa condição humana, fez-se obediente até a morte, e morte de cruz, sendo exaltado por Deus acima de todo nome. Em seguida, faz-se ouvir a aclamação ao Evangelho extraída de Fl. 2, 8-9: Christus factus est pro nobis oboediens usque ad mortem, mortem autem crucis. Propter quod et Deus exaltavit illum: et dedit illi nomen quod est super omne nomen. (Cristo se fez por nós obediente até a morte, e morte de cruz. Pelo que Deus o exaltou: e deu-lhe um nome que está acima de todo nome.)

Segue-se o terceiro rito litúrgico da celebração, constituído pelo Canto da Paixão, em canto gregoriano, executado pelos seguintes personagens (sacerdotes) que se alternam conforme aparecem na narração da Paixão: Cristo, o cronista (São Mateus), a sinagoga (os dizeres de outras pessoas que aparecem no relato, a saber: Judas, Pedro, o Sumo Sacerdote, etc.) e a turba (orquestra e coro, eventualmente alguma solista no caso das servas acusando Pedro), representando esta última as falsas testemunhas, os seguidores do Sumo Sacerdote, o povo, os Sumos Sacerdotes, escribas e anciãos, os soldados e os centuriões que guardavam Cristo.
O coro, acompanhado por um violoncelo, introduz o texto da Paixão: Passio Domini Nostri Jesu Christi Secundum Mathaeum , ou seja, A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Segundo Mateus. Após essa introdução referencial e em profunda reverência, passa-se a ouvir o Canto da Paixão propriamente dito, todo em cantochão, na forma descrita acima.
Quando se atinge o ponto do relato em que o cronista canta “Jesus autem iterum clamans voce magna emisit spiritum” (Ora Jesus, soltando novamente um forte grito, entregou o espírito), todos se ajoelham, ficando em meditação por algum momento.
Quando finalmente o cronista canta “Altera autem die ...” (No outro dia porém) até o final do relato "... signantes lapidem cum custodibus." (... selando a pedra com guardas.), modifica a modalidade de canto gregoriano que vinha sendo utilizado até então e termina com maior solenidade e devoção o relato da Paixão de Cristo. Essa modalidade de canto gregoriano ficou conhecida como "áltera" (outra, em português), certamente por sua conexão com o verso iniciado por "Altera autem die...".

Dando continuidade à santa Missa, vem o Credo: o Bispo entoa a introdução “Credo in unum Deum” (Creio num só Deus), deixando a cargo da orquestra e coro a execução de todo o restante da oração cantada. A partitura do Pe. José Maria Xavier para esse Credo está cheia de movimentos variados, alternando momentos de profunda unção (às vezes com o coro a capella) com outros de exagerada alegria (com destaque para as fanfarras), ajustando-se perfeitamente ao Barroco mineiro tardio tão em moda na época que foi composto, mesclado com clara influência de Rossini e dos compositores românticos italianos.

Enquanto o Bispo oficia o Ofertório, a orquestra e coro executam do Salmo 68 os seguintes versos: “Improperium exspectavit cor meum, et miseriam: et sustinui qui simul mecum contristaretur, et non fuit: consolantem me quaesivi, et non inveni: et dederunt in escam meam fel, et in siti mea potaverunt me aceto. (O meu coração esperou a censura e a infelicidade: e sustentei que alguém se compadecesse de mim, e não houve ninguém: procurei quem me consolasse, e não encontrei: e deram-me fel na comida e me deram a beber vinagre para me matar a sede.) Aqui ganha relevo a linha do baixo: dele depende o pathos dolente e introspectivo do Improperium. O efeito de grande dramaticidade é obtido com a técnica da "descida aos infernos" utilizada pelo compositor sacro. O perfil da melodia, com a sua descida cromática e a posterior cadência, era recorrente em "lamentos" da tradição operática italiana e foi aqui utilizado com grande eficácia e efeito dramático.

Digno de nota é também o Sanctus (em A-B-A), executado pela orquestra e coro, com requintada melodia no trompete. O Benedictus é executado a capella pelo coro com extrema expressividade, enquanto as cordas ficam encarregadas dos intermezzi. O ritornello com trompete, orquestra e coro encerra o grandioso Sanctus.

O Pater Noster (Pai Nosso) foi cantado de cor, em latim, pelos oficiantes e assembléia em perfeito entrosamento.

O Agnus Dei foi executado com maestria pela orquestra e coro.

Durante a comunhão, foi ouvida a Antífona para a Comunhão de autoria de Antônio dos Santos Cunha, com o seguinte texto: Pater, si non potest hic calix transire, nisi bibam illum: fiat voluntas tua. (Ó Pai, se não for possível passar adiante este cálice sem que eu o beba: faça-se a tua vontade.)

Gostaria de finalizar esta crônica do festejo matutino do 1º dia da Semana Santa de São João del-Rei, dando crédito a algumas pessoas que abrilhantaram essa solene comemoração:

1) o Reverendíssimo Bispo Diocesano de São João del-Rei, Dom Waldemar Chaves de Araújo por toda a comemoração litúrgica;
2) o Reverendíssimo Monsenhor, Pároco e Cura da Catedral Basílica Nossa Senhora do Pilar, Sebastião Raimundo de Paiva;
3) o Reverendíssimo Vigário Paroquial Padre Geraldo Magela da Silva;
4) a Irmandade do Santíssimo Sacramento, patrocinadora de todas as solenidades da Semana Santa na Catedral Basílica e que no próximo ano de 2011 está completando o seu 300º aniversário de fundação;
5) a Orquestra Ribeiro Bastos, sob a direção da maestrina Maria Stella Neves Valle, pela execução orquestral e coral;
6) o comentarista sacro Prof. Abgar Campos Tirado;
7) a Rádio São João del-Rei, pela impecável transmissão radiofônica de todas as solenidades da Semana Santa, a cargo do competente radialista José Mário de Araújo;
8) a TV Campos de Minas, pela transmissão televisiva de todas as solenidades da Semana Santa.

Obs.: Para escrever esta crônica, não tive acesso às partituras dos compositores aqui mencionados. Sobretudo por isso, adotei a perspectiva de um espectador comum, em visita à cidade para participar das solenidades festivas que se realizam anualmente, o qual se maravilha com a encenação desse ofício litúrgico. As impressões que o marcam durante cerca de três horas — tal é a duração desse ofício — são aqui registradas em forma de breves anotações como uma espécie de ajuda-memória. Com essa ressalva, penitencio-me antecipadamente por usar terminologia leiga, não condizente com trabalho acadêmico-científico, especialmente no campo da Música.

Fonte: Blog do Braga
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