São João del Rei Transparente

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Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

Crônica da solenidade cívico-religiosa do registro civil tardio de Francisca de Paula de Jesus (Nhá Chica) e Notícias sobre o projeto Circuito Caminho Nhá Chica e Padre Victor - Circuito CNCPV . Francisco José dos Santos Braga

Descrição




Desde o começo do mês de abril, iniciaram-se os preparativos para a solenidade cívico-religiosa deregistro civil tardio de Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, ocasião em que foi constituída uma comissão de organização da festa presidida por Joaquim Teodoro da Silva e integrada por outros 12 membros ¹, todos naturais do Rio das Mortes (localidade onde nasceu ² e foi batizada Nhá Chica em 26 de abril de 1810), distrito do Município de São João del-Rei.
Nunca é demais relembrar alguns dados e informações acerca de minha homenageada ³. Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, — reconhecida como Serva de Deus desde 1991 e proclamadaVenerável pelo Papa Bento XVI em em 14/1/2011, o qual autorizou a Congregação para as Causas dos Santos a promulgar o seu Decreto das Virtudes Heróicas —, nasceu em São João del-Rei a 26 de abril de 1810 ⁴, tendo em Baependi passado a maior parte de sua "profícua vida religiosa e de muitos sofrimentos e perseguições, na sua condição de filha natural de mãe escrava" e de "mulher, analfabeta, negra e pobre, no terrível sistema discriminatório da sua época" ⁵, vindo a falecer a 14 ou 15 de junho de 1895, ocorrendo o seu sepultamento em 18 de junho de 1895. Devido à prática das virtudes teologais durante toda a sua existência, Nhá Chica ficou conhecida como "mãe dos pobres". Sobre a ida de Nhá Chica ainda criança para Baependi, em companhia de sua mãe Izabel Maria e um irmão Teotônio ⁶, acho que cabem aqui as elucubrações do escritor português Camilo Castelo Branco sobre a fatalidade, à falta de uma razão mais plausível: "É forçoso recorrer ao inconcebível, ao sobrenatural, ao misticismo da providência oculta para compreender o que vulgarmente se diz 'fatalidade'." ⁷
Não paira dúvida sobre a naturalidade são-joanense de Nhá Chica. Tanto o registro do Livro de Assentamentos de Batizados de 1808-1818 (às folhas 300-verso), quanto o seu testamento feito em 1888 e que se encontra no Cartório do 2º Ofício, de Baependi, são unânimes em atestá-la. O primeiro informa que Francisca, filha natural de Isabel Maria, foi batizada “na capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial desta Matriz de São João del-Rei” ⁸. O outro documento mencionado (testamento datado de 1888), lavrado em Baependi, inicia-se da seguinte forma:

"Em nome de Deus, amém.
Eu, Francisca de Paula de Jesus, natural da cidade de São João del-Rei, filha natural da finada Isabel Maria Iziciaca, digo, Eziciaca, em casa de sua residência na Rua das Cavalhadas, nesta cidade, enferma e de cama…”. ⁹

No dia 28 de abril de 2011, foi postada neste blog a matéria intitulada “Convite para a solenidade cívico-religiosa de registro civil de Francisca de Paula de Jesus (Nhá Chica)”, da autoria de Wainer Ávila, pelo qual a Comissão de Apoio ao Processo de Beatificação da Serva de Deus Francisca de Paula de Jesus - Nhá Chica convidava todos os fiéis, simpatizantes, pesquisadores e estudiosos, para o evento que se realizaria em 30 de abril de 2011, a um só tempo comemorando o 201º aniversário da ilustre cidadã são-joanense através de uma Missa em ação de graças e concedendo-lhe o registro civil tardio por força de mandado judicial.
"O registro civil tardio, com dificuldades de provas, com os pais do interessado já falecidos ou desconhecido o seu paradeiro, obtido mediante sofrida e dificultosa justificação, é muito mais do que uma facilidade ou um mero documento; significa um grau de libertação da exclusão pessoal em que se encontrava, resgatando a dignidade a que tinha direito como ser, mas também mediante consagração constitucional, dado que a Carta de 1988 lança a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito no art. 1º, inciso III." ¹⁰
Da douta sentença do MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de São João del-Rei, datada de 10 de janeiro de 2011, extraí um trecho extremamente relevante para a presente matéria: "O fato do registro de batismo com somente o prenome, como no caso de Francisca, decorria do processo de coisificação dos escravos, que não tinham o tratamento adequado como pessoas físicas sujeitas de direitos e obrigações, mas como bens dos seus respectivos senhores. Daí porque não se poder considerar como existente o registro de nascimento de Nhá Chica, nos moldes como instrumentalizado, inclusive para própria época, justificando, desta forma, a necessidade de se promover, neste caso, excepcionalmente, face aos elementos trazidos a estes autos, o seu registro tardio." ¹¹ (grifo meu)
Quando da proclamação da República e em face do novo quadro jurídico republicano, o Estado brasileiro viu-se legalmente forçado a retirar-se de sua tradicional posição de administrador do grupo religioso dominante — o Catolicismo — e de defensor de seus interesses.
Entretanto, é forçoso reconhecer que, se não houvesse os tradicionais documentos católicos, certamente quase nada teríamos sobre nossos antepassados ou mesmo sobre nossa memória histórica, e o único documento de identificação para muitos continuou sendo a certidão de batismo, pois, sobretudo no interior, tudo continuou sob administração das Irmandades religiosas. Observe-se que o primeiro e, até hoje, mais importante documento que atesta a naturalidade de Nhá Chica é o seu assento de Batismo, realizado na capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial da Matriz de São João del-Rei, em 26 de abril de 1810, conforme consta do Livro de Assentamentos de Batizados de 1810 a 1818, Tomo II, que hoje se encontra em poder da Paróquia da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei.
Foi escolhido o dia 30 de abril de 2011, por ser um sábado, a data ideal para comemorar o 201º aniversário do nascimento de Nhá Chica, ocorrido a 26 de abril de 2011, facilitando o comparecimento de devotos da santa e simpatizantes de sua causa, residentes em ou fora de São João del-Rei, especialmente de uma comitiva constituída de irmãs franciscanas, dirigentes da Associação Beneficente Nhá Chica-ABNC, de Baependi, e de um alegre grupo de suas crianças assistidas.
Conforme foi anunciado neste blog, às 19h do sábado, dia 30 de abril de 2011, teve início uma Missa concelebrada na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes, sendo os oficiantes o Revmo. Bispo Diocesano de São João del-Rei, Dom Frei Célio de Oliveira Goulart, e os padres Pároco José Raimundo da Costa e Sílvio Firmo do Nascimento. A liturgia da celebração eucarística foi a do 2º Domingo da Páscoa e contou com a participação de pessoas da comunidade local, bem como de autoridades civis, religiosas e militares do município de São João del-Rei, bem como de convidados de Baependi. Posso afiançar que a população de São João del-Rei, em geral, e do distrito são-joanense Rio das Mortes, em particular, viveu um dia que ficará para sempre na memória, digno de registro histórico.

Estiveram ainda presentes à cerimônia as seguintes autoridades civis e militares:
-Juízes: Hélio Martins Costa e Auro Aparecido Maia de Andrade
-Vereadores da Câmara Municipal de São João del-Rei: Jânia Costa, João Geraldo de Andrade, João Carlos de Castro e Sílvia Fernandes
-Secretários da Prefeitura Municipal: José Egídio e Roque Silva
-Comandante do 38º Batalhão da Polícia Militar: Cel. Alan Elias da Silva
-Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei: Presidente Artur Cláudio da Costa Moreira, acompanhado dos seguintes membros: Murilo de Souza Cabral, Ana Maria Oliveira Cintra, José Alberto Ferreira, Lucinha Guimarães, Betânia Guimarães, Felipe Lagunilla, José Carvalho Teixeira, Aluízio Antônio de Barros, Cap. Agostinho Guimarães, Ronaldo Simas Thomé da Silva e esposa Rosária Faria Thomé da Silva
-Rotary Internacional: Governador Hércules Gomes da Costa, natural de Barbacena, e sua esposa Alda Neves da Costa
-Representando o Rotary Club de São João del-Rei: Regina Faria Ávila e Luís Braga Ávila
-Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito do Rio das Mortes: Sérgio Oliveira
-Associação Comercial e Industrial de São João del-Rei: Presidente João Afonso Faria e Vice-Presidente Artur Santos
-Representando a Loja Maçônica Charitas II: Historiador João Bosco da Silva
-Representando a Academia de Letras de São João del-Rei: Zélia Leão Terrell, Wainer Ávila e Francisco Braga
-Representando a Academia Divinopolitana de Letras: Musse João Hallak e sua esposa Sônia Leão Hallak
-Representando o Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ: Rute Pardini
-Representando a EMATER: Paulo Roberto Silva
-Vice-Presidente da OAB de São João del-Rei: Alessandro Agostini Carvalho
-Associação Beneficente Nhá Chica-ABNC, de Baependi: Diretora Irmã Claudine Ribeiro e Conselheira de Comunicação Yolanda Aparecida Fernandes.

Alguns momentos da referida cerimônia religiosa merecem destaque, a saber:
1. todas as canções litúrgicas cantadas pelos presentes tiveram o acompanhamento da banda (Corporação Musical Lira do Oriente Santa Cecília ¹²) e coro, cujos integrantes se posicionaram no coro da Capela, respectivamente sob a regência de Antonio Edson de Lima e de Ricardo Antonio Alves;
2. após a Consagração, a banda executou solenemente o Hino Nacional Brasileiro;
3. logo após a oração da Comunhão, houve a apresentação do duo formado pela soprano Rute Pardini e por este autor-pianista, que se postaram próximo ao altar, executando Panis Angelicus, de César Franck ¹³;
4. enquanto o Oficial Roberto Múcio da Silva se dirigia à pia batismal para buscar o Livro de Nascimentos do Distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, o referido duo musical executou Jesus Alegria dos Homens, de Johann Sebastian Bach ¹⁴;
5. quando o Livro foi trazido até o presbitério, Wainer Ávila procedeu à leitura do mandado de registro civil (tardio) de Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica;
6. enquanto o referido Oficial lavrava o competente registro de nascimento no Livro, o duo musical interpretou a Ave Maria, de Franz Schubert, cantada na língua alemã ¹⁵;
7. após o registro, que foi objeto de grande interesse por parte das emissoras radiofônicas e televisivas e fotógrafos que compareceram ao evento, o Livro aberto na página do registro foi reconduzido à pia batismal, onde permaneceu para visitação pública;
8. no final da cerimônica religiosa, ocorreu o ponto alto da festividade, reservado a uma manifestação folclórica autêntica, quando o grupo de congada “Nossa Senhora do Rosário” ¹⁶, dirigido pelo “capitão” Pedro Norberto da Silva, adentrou o templo, cantando, tocando e sapateando, ao som de um hino composto “ad hoc”, com a seguinte letra:
 
Este é o quadro que vamos venerar!
É a Serva de Deus que vai nos abençoar!

Após a celebração cívico-religiosa, veio o momento do congraçamento e da descontração, quando todos os presentes se cumprimentaram efusivamente e foram convidados a dirigirem-se ao salão paroquial para degustar algumas guloseimas preparadas por mulheres da comunidade.

NOTAS DO AUTOR

¹ Os outros membros da comissão local foram: Milena Francisca de Carvalho, Joaquim Teodoro da Silva Filho, Maria Sebastiana de Paula Souza, Maria Antonia Guimarães, Maria Eni do Nascimento Carvalho, Maria do Pilar Guimarães, José Roberto do Nascimento, Maria Sônia da Silva Moura, Gincele Aparecida Costa Nascimento, Shirley Aparecida da Silva Carvalho, Monica Valéria da Costa Sousa e Gilmara Maria Ferreira Rocha.

² Nhá Chica nasceu no local denominado Sítio do Atalho, ou alternativamente Morro do Cascalho ou Porteira dos Villelas. Deve-se ao Monsenhor Almir de Rezende Aquino, que foi ilustre pároco da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, a declaração de que Nhá Chica nasceu em uma fazenda de porte não muito grande, denominada Porteira dos Villelas, sendo ele próprio natural da mesma fazenda.
Próximo a esse sítio, houve na época um rancho no qual se hospedou, por duas vezes (1819 e 1823), o viajante e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire.
Em 2008, o autor desta matéria esteve no referido sítio onde nasceu a Nhá Chica, bem como visitou as ruínas da primeira capela de Santo Antônio onde foi ela batizada, acompanhado pelo saudoso Álvaro Bosco Lopes de Oliveira e Dr. Wainer de Carvalho Ávila. Consta que da antiga capela restam íntegras, na atual capela (onde se realizou a referida cerimônia cívico-religiosa), apenas a imagem de Santo Antônio (que depois de roubada, foi misteriosamente recuperada pelas autoridades brasileiras e devolvida ao seu local de origem) e a pia batismal —, que pode ser vista, na última foto, em primeiro plano —, atrás da qual os representantes do Judiciário se postaram e, em terceiro plano, uma tela pintada por um artista devoto de Nhá Chica, natural da localidade.

³ É vasta já a literatura sobre minha conterrânea Nhá Chica, cabendo neste espaço citar alguns autores e obras publicadas, dentre outros:
ÁVILA, W.C. (adv.): Petição de justificação judicial 0625 06 056045-9. Registro Civil Tardio de Francisca de Paula de Jesus - Nhá Chica. São João del-Rei. Fórum Carvalho Mourão. 3ª Vara Cível. 14 de junho de 2006. 240 p.;
CADORIM, Ir. C.S.; PINHO, M.C.N. e NICOLIELLO, M.J.T. (org.): "Nhá Chica, a Pérola de Baependi - Francisca de Paula de Jesus - 1810-1895";
GUTIERREZ, Monsenhor; CADORIM, Ir. C.S. e LOMBARDO, Fr.: "Nhá Chica, a Pérola de Baependi";
JUNQUEIRA, Monsenhor G.: "Virtudes e Devoção de Francisca Paula de Jesus - Nhá Chica"; LEFORT, Monsenhor J.P.: "Nhá Chica - Francisca de Paula de Jesus Isabel", publicado pela Associação Beneficente Nhá Chica-ABNC, 6ª edição, 2010;
PALAZZOLO, Frei J.: "A Pérola Escondida, Nhá Chica - A Serva de Deus Francisca Paula de Jesus Isabel", 2a. edição, Rio de Janeiro, 1961;
PENA, H.F.: "Francisca de Paula de Jesus - Nhá Chica - Biografia";
SACRAMENTO, J.A.A.: "Nhá Chica, a Santa do Rio das Mortes", Rev. da Academia de Letras de São João del-Rei, Ano 2006, p. 141-161, bem como in http://www.patriamineira.com.br /ver_pdf.php?id_noticia=672&id=3;
VIOTTI, J.N.; PINHO, M.C.N. e NICOLIELLO, M.J.T. (org.):"Anais - I Encontro de Estudos sobre Nhá Chica - Mulher de Deus e do Povo no Contexto da História", (compêndio de vários autores, entre os quais o historiador são-joanense Antônio Gaio Sobrinho, que foi conferencista do Encontro em 2004 e contribuiu com o artigo "São João del-Rei: Contexto Histórico-Religioso, no século XIX. Santo Antônio do Rio das Mortes. Nascimento de Nhá Chica."), Baependi: Associação Beneficente Nhá Chica. SEGRAN: 21 e 22 de maio de 2004, 114 p.;
VIOTTI, J.N. e PINHO, M.C.N.: "Anais - II Encontro de Estudos sobre Nhá Chica - Mulher de Deus e do Povo no Contexto da História", Baependi: Associação Beneficente Nhá Chica. SEGRAN: 16 e 17 de junho de 2006, .

⁴ Esta é a data de seu batizado; naquela época, era comum batizar-se a criança no dia do seu nascimento ou em data muito próxima. Também se costuma, na falta de informações precisas, considerar o dia do batizado como o de nascimento, caso haja dúvida sobre este último. Por exemplo, considera-se 12 de novembro de 1746, a data do batizado de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, como a provável data do seu nascimento, que muito em breve deverá ser comemorada como Dia Nacional da Liberdade. Cf. BRAGA, F.J.S.: http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2011/02/12-de-novembro-dia-nacional-da.html
Muitos autores, inclusive o seu processo de canonização atualmente em poder da Congregação para as Causas dos Santos, no Vaticano, apontam o ano de 1808 para o ano de seu nascimento. A data de 1808 encontra respaldo sobretudo numa entrevista, em 1894, na qual Nhá Chica a teria declarado ao "livre pensador, médico e renomado historiador" e hidrologista Dr. Henrique Monat, titular da Academia Imperial de Medicina e fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, quando indagada sobre o ano de seu nascimento. (Cf. MONAT, Dr. H.: Caxambu, 1894, p. 93)
Perfilo-me ao lado dos que defendem a data de 1810, como é o caso do Monsenhor José do Patrocínio Lefort, verbis: "Até pouco tempo, era apontado o ano de 1808 como sendo o de seu nascimento em São João del-Rei. Não foi propriamente falando em São João del-Rei, mas em um seu Distrito, antigamente Capela filial de São João. Também não foi no ano de 1808, mas 1810." (idem, op. cit., p. 11)

⁵ ÁVILA, W.A.: op. cit., p. 4-6. No referido Processo 0625 06 056045-9, de 2006, pleiteiam o registro civil judicial de Nhá Chica o Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, o Rotary Club de São João del-Rei e a Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito do Rio das Mortes, através de seu procurador Wainer Carvalho Ávila. Lançaram-se os autores em legitimados para o pedido lastreado em precedente da Comarca de Laguna-SC, onde se conseguiu o provimento jurisdicional para o registro tardio de Ana Maria de Jesus Ribeiro que futuramente veio a se tornar Anita Garibaldi, após o casamento com Giuseppe Garibaldi. Em 19 de junho de 2006, houve a protocolização do processo supracitado no fórum da Comarca de São João del-Rei, distribuído ao juiz da 3ª Vara Cível. Finalmente, em 10 de janeiro de 2011, o MM. Juiz Dr. Hélio Martins Costa dignou-se "mandar ao Sr. Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais do Distrito do Rio das Mortes, Município e Comarca de São João del-Rei" que "proceda ao registro de nascimento de Francisca de Paula de Jesus..."

⁶ O pároco da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, expediu a seguinte certidão em 19 de março de 2008: "Certifico que, às folhas 494 (quatrocentos e noventa e quatro), do Livro de Assentamentos de Batizados de 1799 a 1805, Tomo IV, desta Paróquia encontra-se e do teor seguinte: 'Theotonio - Aos qu [...] de Março de mil oitocentos e tres nesta Matriz da Villa de São João del Rei o Reverendo João Ferreira Dias de licença batizou e pos Santos oleos a Theotonio filho de Izabel Maria [...] foram padrinhos Ma[...] Francisco da Silva e Maria [...] Felisarda por procuração que desta [...] José Silveira Justiniano todos desta freguesia. O Coadjºr Manoel Antº de Castro.' Nada mais continha o dito assentamento, que fielmente foi copiado do original a que me reporto. Observação: Os espaços entre colchetes estão ilegíveis e/ou carcomidos por traças. Ita in fide Parochi. São João del-Rei, 19 de março de 2008. Ass. Mons. Sebastião R. de Paiva-Pároco". Cf. AVILA, W.C.: op. cit., ibidem, p. 140.
Consta que Theotonio Pereira do Amaral — tal era o nome completo do irmão de Nhá Chica — galgou altos postos na sociedade e na vida religiosa de Baependi. Já em 1821 foi nomeado para o cargo de Juiz de Vintena da Aplicação de Santo Antônio da Piracicaba, localidade rural de Baependi. Era negociante e foi também Vereador e tenente da Guarda Imperial. Por outro lado, foi membro da mesa da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Faleceu em 1861, constituindo Nhá Chica sua herdeira universal, pois, embora ele tenha se casado, não deixou descendência.

⁷ CASTELO BRANCO, C.: Uma Praga Rogada nas Escadas da Forca, São Paulo: Logos, 1959, p. 53-70 (Antologia da Literatura Mundial) ou em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000064.pdf

⁸ O pároco da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, expediu a seguinte certidão em 19 de março de 2008: "Certifico que, às folhas 300 (trezentos) verso, do Livro de Assentamentos de Batizados de 1810 a 1818, Tomo II, desta Paróquia encontra-se e do teor seguinte: 'Francª - Aos vinte e seis de Abril, de mil oitocentos e des na Cappella de Santo Antonio do Rio das Mortes pequeno Filial desta Matris de São João de El-Rei, de licença o Reverendo Joaquim Joze Alves, batizou e pos os Sanctos oleos a FRANCISCA filha natural de Izabel Maria; forão Padrinhos Angelo Alves, e Francisca Maria Rodrigues todos daquella Applicação. O Coadjºr Manoel Antº de Castro.' Nada mais continha o dito assentamento, que fielmente foi copiado do original a que me reporto. Ita in fide Parochi. São João del-Rei, 19 de março de 2008. Ass. Mons. Sebastião R. de Paiva-Pároco". Cf. AVILA, W.C.: op. cit., idem, p. 141.

⁹ "O sobrenome Iziciaca ou Eziciaca, até mesmo o de Ciciaca da folha 75 do mesmo inventário, tudo nos leva a crer que seriam corruptelas do nome Egipcíaca. O povo geralmente pronuncia errado muitos nomes proparoxítonos. O verdadeiro nome seria, então, Izabel Maria Egipcíaca, assim lembrando uma santa penitente do século V da era cristã: Santa Maria Egipcíaca, comemorada em 3 de abril." Cf. LEFORT, Monsenhor J.P.: op. cit., p. 64.
Quanto ao assento do batismo de Izabel (Maria Egipcíaca), o pároco da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, expediu a seguinte certidão em 19 de março de 2008: "Certifico que, às folhas 190 (cento e noventa) verso, do Livro de Assentamentos de Batizados de 1780 a 1784, Tomo II, desta Paróquia encontra-se e do teor seguinte: 'IZABEL - Aos treze de oitubro de mil e sete centos e oitenta e dois na capella do Cajirú filial desta Matriz o Reverendo Capellão Gonçalo Ribeiro Britto batizou e pos os Santos oleos a = Izabel filha de Rosa Banguela solteira escrava de Custodeo Ferreira Braga. Forão padrinhos Victorino e Faustina pardos solteiros escravos de Dona Quitéria Correa de Almeida todos desta freguezia. O Coadjºr Joaquim Pinto da Silveira.' Nada mais continha o dito assentamento, que fielmente foi copiado do original a que me reporto. Ita in fide Parochi. São João del-Rei, 19 de março de 2008. Ass. Mons. Sebastião R. de Paiva-Pároco". Cf. ÁVILA, W.C.: op. cit., idem, p. 142.

¹⁰ OLIVEIRA, C.J.M.: Janelas para a Cidadania, apud AVILA, W.C.: op. cit., idem, p. 9-10.

¹¹ ÁVILA, W.C., op. cit., idem, p. 230.

¹² A banda Lira do Oriente Santa Cecília foi fundada em 22 de novembro de 1895.

¹³ A letra do Panis Angelicus é de extrema simplicidade e beleza. Ei-la, acompanhada de minha tradução:

Panis angelicus
Fit panis hominum
Dat panis cœlicus figuris terminum.
O res mirabilis!
Manducat Dominum
Pauper, pauper servus et humilis! (bis)

O pão dos anjos
Torna-se pão dos homens,
O pão dos céus dá fim aos (velhos) símbolos.
Oh coisa admirável!
O Senhor torna-se alimento
Do pobre e humilde servidor! (bis)

¹⁴ A letra de Jesus Alegria dos Homens em português é a praticada pelos grupos corais, a saber:

Ó Jesus nossa alegria,
Quanto almejo ver-te um dia.

Nosso norte sê Jesus,
Guia-nos com tua luz.

Para as plagas celestiais
Junto às fontes eternais.

Onde teu redil descansa,
Onde há paz, amor, bonança.

¹⁵ A “Ave Maria” de Schubert tem uma história que merece ser conhecida. Franz Schubert (1797-1829) compôs essa canção em 1825 como parte do Op. 52, sob o título ‘Sete Canções extraídas de “A Dama do Lago” de Walter Scott’ (Sieben Gesänge aus Walter Scotts Fräulein vom See), um “ciclo de canções de A Dama do Lago” (Liederzyklus vom Fräulein vom See). A canção conhecida por “Ave Maria” é chamada “Ellens dritter Gesang” (Terceira Canção de Ellen). Não só a música, mas também a letra das 7 canções na versão original de Walter Scott (1771-1832), bem como a sua tradução por Storck para a língua alemã, foram ambas publicadas em 1826 como Op. 52 de Schubert. Este foi, financeiramente, um dos mais bem sucedidos projetos do compositor vienense: o editor pagou-lhe 20 libras esterlinas, um belo cachê naquela época.
Também merece atenção a história do longo poema narrativo, A Dama do Lago, do romancista escocês, que deu origem ao ciclo de 7 canções de Schubert. Publicado em 1810, A Dama do Lago descreve uma disputa ficcional no século XVI entre vários clãs do Planalto Escocês, uns leais ao Rei Jaime V da Escócia (1512-1542), e outros não, como o clã dos Douglas. A obra narra como a bela e jovem heroína, Ellen Douglas, é obrigada a esconder-se, em companhia do pai, James Douglas, numa caverna, fugindo do rei vingativo. Aí ela canta uma canção — “Hino à Virgem” —, uma prece à Virgem Maria por socorro. Essa canção — a conhecida Ave Maria — ocorre no Canto 3 da obra, estrofe 29.
Philip Adam Storck (1780-1822) traduziu-a livremente para a língua alemã em Essen, em 1819. Essa tradução então se tornou base para o referido ciclo de canções de Schubert, composto em 1825 e publicado como Op. 52 em 1826. A Ave Maria de Schubert é uma das mais populares canções no mundo, embora seja frequentemente cantada com uma letra diferente da original, por exemplo, em latim, ou executada em diferentes versões instrumentais com nenhuma letra.
A letra da Ave Maria em língua alemã, acompanhada de minha tradução, é como segue:

Ave Maria! Jungfrau mild,
Erhöre einer Jungfrau Flehen,
Aus diesem Felsen starr und wild
Soll mein Gebet zu dir hinwehen.
Wir schlafen sicher bis zum Morgen,
Ob Menschen noch so grausam sind.
O Jungfrau, sieh der Jungfrau Sorgen,
O Mutter, hör ein bittend Kind!
Ave Maria!

Ave Maria! Doce virgem,
Ouve a prece de uma donzela;
Desta rocha abrupta e selvagem
Minha oração eleva-se para ti.
Faze com que durmamos seguros até a aurora,
Apesar da crueldade dos homens.
Ó virgem, vê as preocupações da donzela,
Ó mãe, escuta esta criança suplicante!
Ave Maria!

Ave Maria! Unbefleckt!
Wenn wir auf diesen Fels hinsinken
Zum Schlaf, und uns dein Schutz bedeckt,
Wird weich der harte Fels uns dünken.
Du lächelst, Rosendüfte wehen
In dieser dumpfen Felsenkluft.
O Mutter, höre Kindes Flehen,
O Jungfrau, eine Jungfrau ruft!
Ave Maria!

Ave Maria! Imaculada!
Se nesta rocha adormecermos,
E nos cobrir teu manto protetor,
Parecer-nos-á mole a sua dureza.
Quando sorris, aromas de rosas
Perfumam esta áspera paragem.
Ó mãe, escuta a súplica desta criança!
Ó Virgem, uma virgem te implora!
Ave Maria!

Ave Maria! Reine Magd!
Der Erde und der Luft Dämonen,
Von deines Auges Huld verjagt,
Sie können hier nicht bei uns wohnen,
Wir woll’n uns still dem Schicksal beugen.
Da uns dein heil’ger Trost anweht;
Der Jungfrau wolle hold dich neigen,
Dem Kind, das für den Vater fleht!
Ave Maria!

Ave Maria! Virgem pura!
Os demônios da terra e do ar,
Presos pela nobreza do teu olhar,
Não podem alojar-se aqui junto a nós.
Queremos curvar-nos docilmente ao destino,
Já que somos alvo de teu santo consolo.
Queiras curvar-te propícia à virgem,
A esta criança que implora por seu pai!
Ave Maria!

¹⁶ Consta que o grupo de congada “Nossa Senhora do Rosário”, tido e havido como o mais antigo do Estado de Minas Gerais, conta com 337 anos, o que nos remete ao ano de 1674 como impressionante data de sua fundação.

Fonte: Blog de São João del-Rei


Notícias sobre o projeto Circuito Caminho Nhá Chica e Padre Victor - Circuito CNCPV

Hoje se comemora o 116º aniversário do falecimento de Nhá Chica. Em memória dessa despedida da vida terrena de sua filha ilustre, o Distrito do Rio das Mortes viveu um dia todo especial. Apesar do frio intenso que prejudicou o afluxo de um maior número de pessoas, às 8 horas da manhã, cerca de oitenta pessoas, a grande maioria do próprio Distrito, fizeram uma caminhada até o sítio onde nasceu Nhá Chica (Porteira dos Villelas), rezando terços durante todo o percurso. Lá chegando, o andarilho e cidadão do Distrito, Murilo de Sousa Cabral, tomou a palavra e concitou todos os presentes a edificar uma capela naquele sítio sagrado, entre outras abordagens que fez sobre a importância da data.
Consta que um lauto almoço foi oferecido pela equipe do Centro de Saúde do Distrito em praça pública, próximo ao coreto, em frente da nova Capela de Santo Antônio.
Consta ainda que, às 19 horas, houve missa concelebrada com grande participação popular.
Meu informante é o advogado e procurador no processo de registro civil (tardio) da Nhá Chica, Dr. Wainer Carvalho Ávila que esteve presente à caminhada matutina. Lamento não ter participado da comemoração solene por me achar a 900 quilômetros da localidade de nascimento da "santa", mais exatamente na Capital Federal.
Isto posto, passo agora ao tema da presente matéria. Muitas pessoas que têm feito comentários aos meus artigos sobre Nhá Chica solicitam maiores detalhes e descrição do projeto denominado Circuito turístico religioso Caminho Nhá Chica e Padre Victor, ou simplesmente Circuito CNCPV. Por isso, o que vem abaixo busca elucidar algum aspecto que porventura tenha ficado obscuro nas minhas explanações anteriores sobre o referido projeto.
Na Quinta-feira Santa deste ano, durante a Missa da Santa Ceia do Senhor, na Catedral Diocesana de Santo Antônio, em Campanha-MG, o Circuito CNCPV foi oficializado por Dom Frei Diamantino Prata de Carvalho, Bispo Diocesano da Diocese de Campanha.
O projeto do referido Circuito CNCPV foi elaborado pela consultora em patrimônio cultural e pesquisadora Profª Cristina Souza Krauss Serrano, que possui formação em História e em Arte. Apresentado à Diocese de Campanha, foi aprovado e oficializado, tendo sido abrigado pela Fundação Cultural Educacional Diocesana Nossa Senhora do Carmo, presidida por Pe. André Luiz Cruz, o qual, em companhia do Sr. Lúcio Goulart, diretor da Rádio Diocesana, veio até a Cúria Diocesana de São João del-Rei para estreitar laços de amizade entre as duas Dioceses (de Campanha e de São João del-Rei), visando a sua concretização. ¹ O referido encontro ocorreu em 30 de maio em clima de harmonia e fraternidade, presidido pelo Bispo Diocesano de São João del-Rei, Revmo. Dom Frei Célio de Oliveira Goulart, acompanhado de dois assessores sacerdotes. Ficou decidido que haveria uma reunião entre os Bispos de Campanha e de São João del-Rei, na semana seguinte em Belo Horizonte, com a finalidade de produzirem uma pauta de ações conjuntas e compartilhadas.
O roteiro proposto para o Circuito se apóia num percurso relacionado com os já consagrados "santos" pela devoção popular, porém ainda em processo de beatificação pela Igreja, a saber: Nhá Chica e Padre Victor, já declarados Veneráveis, a primeira em 10 de janeiro e o segundo em 13 de maio de 2011.
O itinerário do Circuito já se constitui, por si só, em patrimônio cultural, uma vez que, há mais de 100 anos, é percorrido por fiéis, quer em peregrinações, quer em romarias, motivados pelo conhecimento e pela imitação de vida e obra dos dois “santos”. Também o roteiro do Circuito é um percurso rico em patrimônio natural (matas, lagoas, rios, cavernas, etc.).
Os seguintes marcos já foram definidos para o Circuito:
Marco zero – São João del-Rei, por ser “cabeça” da Comarca do Rio das Mortes na época do nascimento de Nhá Chica, e por ser a Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno filial da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, onde se encontra o assentamento do batizado de Nhá Chica datado de 26 de abril de 1810, conforme o Livro de Assentamentos de Batizados de 1808-1818
Marco um – Distrito do Rio das Mortes, onde nasceu a Nhá Chica
Marco dois – Baependi, onde viveu Nhá Chica perto de 75 anos de “vida solitária, para melhor praticar a caridade e conservar a fé cristã”, vindo a falecer em 14 de junho de 1895
Marco três – Campanha, onde nasceu Padre Victor em 12 de abril de 1827
Marco quatro – Três Pontas, onde passou Padre Victor 53 anos de sua profícua existência terrena, vindo a falecer em 23 de setembro de 1905
O projeto é o resultado da implementação de um planejamento integral nesse referido recorte espacial visando conhecer e apresentar de maneira eficaz o conjunto do patrimônio cultural (patrimônio natural, patrimônio urbanístico, patrimônio arquitetônico, bens móveis, bens integrados, patrimônio documental e patrimônio imaterial) dessas localidades-referência, bem como do entorno, ligado ao roteiro traçado.
O referido Circuito CNCPV se coaduna perfeitamente com o novo Plano Nacional do Turismo (PNT 2011-2014), já que se propõe a valorizar, destacar e divulgar as especificidades do patrimônio cultural nessas localidades-referência e entorno, não só para mineiros e brasileiros, mas também para estrangeiros. Além desses objetivos mais gerais, propõe-se mais especificamente a realizar ações calcadas num turismo de base comunitária e permeadas pelos princípios da economia solidária. Está sendo providenciado o levantamento dos atrativos turísticos (atrativos naturais, atrativos culturais e atrativos religiosos), entretenimento, artesanato, gastronomia, hospedagem, serviços de apoio, utilidade pública.
A equipe de apoio do projeto considera importantes parceiros os seguintes: universidades, institutos federais, SEBRAE, SENAC, SENAR e SESC, embora esteja aberta à participação de formadores de opinião e agentes multiplicadores individuais ou institucionais.
Vejamos então aquilo no projeto que mais nos diz respeito, a nós são-joanenses e habitantes do Distrito do Rio das Mortes. O projeto do Circuito como tal estabelece a valorização do patrimônio cultural, o turismo de base comunitária e a economia solidária. Quanto aos dois primeiros itens, devo mencionar que praticamente TUDO NO DISTRITO DO RIO DAS MORTES É PATRIMÔNIO CULTURAL (imagem de Santo Antônio, pia batismal, grupo de congada com 337 anos de existência, banda de música com 115 anos, livro da Irmandade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno do início do século XVIII, os sítios arqueológicos donde nasceu Nhá Chica (Porteira dos Villelas) e da antiga capela onde foi batizada às margens do Rio das Mortes Pequeno, a festa do padroeiro Santo Antônio, a Estrada Real que corta o “arraial”, a produção artesanal de sabão-de-bola e de bolinhos de feijão, apelidados “tijucanos”, etc.).
Cumpre lembrar que todas as manifestações culturais ao longo do Circuito são de extremo interesse. Cabe aqui destacar a Festa de Santo Antônio: trata-se de patrimônio intangível/imaterial da localidade onde nasceu Nhá Chica (nesse caso, como padroeiro) e onde nasceu Padre Victor (Campanha). Todos os BENS CULTURAIS são ATRATIVOS TURÍSTICOS, por excelência, sobretudo para os turistas do CNCPV, uma vez que um de seus pilares é a valorização do patrimônio cultural. ²
 
Quanto ao último item (economia solidária), acho que o projeto contempla e enfatiza devidamente o ARTESANATO, considerado nos seus aspectos de patrimônio cultural e de geração de emprego/renda. O que deve nos preocupar, enquanto administradores públicos e responsáveis diretos pelo resultado do projeto, é como incorporar elementos do patrimônio cultural local (patrimônio cultural, urbanístico, arquitetônico, bens móveis e integrados, patrimônio documental e patrimônio imaterial) à produção artesanal.
A Portaria nº 29 de 5 de outubro de 2010 editada pela Secretaria de Comércio e Serviços-SCS do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior-MDIC padronizou e fixou os parâmetros que vão nortear as políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal para o artesanato brasileiro, desenvolvidas pelo referido Ministério. O referido documento define conceitos básicos do artesanato, tais como artesão, artesanato, trabalhos manuais e arte popular. A conceituação de base de dados busca coletar informações sobre o setor artesanal e viabilizar o cadastro nacional integrado dos artesãos. O texto foi publicado no Diário Oficial da União de 6 de outubro de 2010.
Em outro item, a portaria descreve quais as formas que os trabalhadores do artesanato e artesãos podem usar para se organizarem. O documento ainda esclarece a funcionalidade do artesanato em conceitos como: adornos e/ou acessórios, adereços, fios e tecidos, decorativo, educativo, lúdico religioso/místico, utilitário, profano, lembranças/souvenirs. O critério de tipologias, conforme o tipo de matéria-prima utilizada pelos artesãos, também foi descrito na referida portaria.
A questão do artesanato precisa ser tratada com muito esmero. No Circuito já se adota a portaria oficial do governo federal quanto ao tema “artesanato”, sendo enfatizado bastante o ARTESANATO COM REFERÊNCIA CULTURAL, que imaginamos seja um dos maiores potenciais do Distrito do Rio das Mortes.
A classificação, bem como a organização dos "arranjos produtivos locais" (os assim chamados “clusters”) deverão sempre seguir a Portaria nº 29/2010 .
 
Para isso, é urgente a necessidade de listar os artesãos locais, especialmente os do Distrito do Rio das Mortes, conforme a matéria-prima utilizada na confecção da obra de arte, a saber:
argila: cerâmica, louça, porcelana, mosaicos; pedra: santaria, joalheria, movelaria, cantaria;
metais: ferraria, serralheria, ferramentas, utensílios; vidro: vitrais, mosaicos, embalagens, bijoux;
gesso: modelagem; parafina: modelagem;fibras: tapeçaria, cestaria, movelaria;fios: tecelagem, rendas, bordados, tricôs, crochês; madeira: marchetaria, lutheria, marcenaria, santaria, escultura; cascas e sementes: permacultura; couro: sapataria, selaria; chifre e osso; lã: tecelagem; penas e plumas; resíduos, etc.
 
Na Diocese de Campanha há o Conselho Diocesano de Ação Social (CODIAS), cujo assessor Pe. José Roberto de Souza é pároco de Baependi, diretamente responsável pela organização, pela formação dos artesãos e pelas interfaces com o Circuito. Seria desejável que todas as localidades-referência envolvidas possuíssem o seu assessor para assuntos referentes ao artesanato para o Circuito, para que houvesse ações coordenadas nessa área. Assim, os planos referentes à produção artesanal, patrimônio cultural e turismo seriam discutidos e implantados de forma coordenada.
Sobre a questão da "internacionalização" do Circuito e como muitos especialistas têm observado, o Circuito apresenta todo o potencial para se tornar um "Caminho de São Tiago Brasileiro", oferecendo geração de emprego e renda para muitos, o que coaduna com a missão de vida de Nhá Chica, "mãe dos pobres", e Padre Victor, "pai dos pobres".
Vou aqui reproduzir texto muito esclarecedor de um artigo elaborado por Lara Lanna Caldeira Brant sobre o tema da internacionalização:
“A Ópera Romana Peregrinações (Opera Romana Pellegrinaggi), órgão do Vicariato de Roma responsável pela promoção de peregrinações e por orientar fiéis romeiros de todo o mundo, incluiu o Brasil na rota do turismo religioso mundial. O órgão assinou acordo com o Ministério do Turismo brasileiro em 14 de setembro de 2010, no Palácio do Vicariato, na Cidade do Vaticano.
Os primeiros roteiros estão privilegiando capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, as cidades históricas mineiras e, principalmente, o Santuário de Aparecida. Mas além delas, o administrador da Ópera Romana Peregrinações, Padre Caesar Atuire, já foi apresentado a mais opções por todo o Brasil pelo Ministério do Turismo. O impacto em relação a esse acordo deve ser mesmo sentido em junho de 2011, no próximo JOSP Fest (Journeys of the Spirit Festival, Festival das Jornadas do Espírito), evento promovido pela Opera Romana e dedicado a operadores e agentes de viagem e a romeiros e peregrinos.
Sobre o motivo do acordo, Padre Caesar declarou que a Santa Sé quis estabelecer parceria com o Brasil porque se trata de um país que oferece oportunidades únicas para se conhecer a experiência humana, já que em seu território se pode encontrar pessoas de várias raças e culturas.
E por esse motivo, o CIRCUITO TURÍSTICO - CAMINHO NHÁ CHICA E PADRE VICTOR - cuja operacionalização se apóia no seu rico e diversificado patrimônio cultural (patrimônio natural, patrimônio urbanístico, patrimônio arquitetônico, bens integrados e móveis, patrimônio documental, patrimônio imaterial) se configura, por excelência, num destino turístico com todos os requisitos para agradar ao turista, peregrino, romeiro estrangeiro.” ³
Gostaria de terminar este meu texto, com um poema de Carlos Drummond de Andrade e um motto do poeta português Fernando Pessoa.
Em 1956, Cândido Portinari pinta 21 gravuras, retratando duas personagens da literatura universal: D. Quixote e Sancho Pança. Em 1972, o poeta Carlos Drummond de Andrade lança 21 poemas alusivos às gravuras do amigo pintor, publicados com o título geral de Quixote e Sancho, de Portinari, in As Impurezas do Branco (1973). Escolhi um desses poemas, intitulado Convite à glória, que retrata o primeiro encontro dos dois, passando-se um curioso diálogo entre o fidalgo Quixote e o lavrador (convidado a ser escudeiro do fidalgo) Sancho. Nas quatro estrofes, Quixote recorre a seus próprios valores, tentando exortar o lavrador a acompanhá-lo: glória, reconhecimento histórico, grandeza humana e amor. Diante das benesses oferecidas, Sancho repete sempre a negativa: E de que me serve?, transparecendo a oposição entre os ideais de ambos. Entretanto, no momento em que Dom Quixote lhe diz que, se dispuser a acompanhá-lo, “bem podia o acaso que do pé para a mão ganhasse alguma ilha, e o deixasse por governador dela”, a reação do lavrador é bem outra, a saber:
-Juntos na poeira das encruzilhadas conquistaremos a glória.
-E de que me serve?
-Nossos nomes ressoarão nos sinos
de bronze da História.
-E de que me serve?
-Jamais alguém, nas cinco partidas do mundo,
será tão grande.
-E de que me serve?
-As mais inacessíveis princesas se curvarão
à nossa passagem.
-E de que me serve?
-Pelo teu valor e pelo teu fervor
terás uma ilha de ouro e esmeralda.
-Isto me serve.
 
Fiz questão de colocar esse poema no final do meu texto, como a exemplificar que, para o projeto Circuito concretizar-se, há a necessidade de uma gestão compartilhada, mesmo que em alguns pontos do seu desenvolvimento possa haver visões diferentes e divergências entre as partes envolvidas. O poeta português Fernando Pessoa se decidiu por “Navegar é preciso. Viver não é preciso.”, querendo, com esse motto, dizer que “navegar” significa relacionar-se com outras pessoas, outros mundos, outros mares, exigindo um conhecimento calculado, medido e previsível. Já “viver” subentende introspecção, preocupação consigo mesmo e incorporação de todos os medos, sem nada de preciso. Concordo com o poeta português.
 
Obras consultadas:
¹ BRANT, L.L.C.: A Oficialização do Circuito turístico religioso Caminho Nhá Chica e Padre Victor in http://caminhoncpv.blogspot.com/2011/04/oficializacao-do-circuito-turistico.html
² Em nossos artigos temos buscado mencionar todas as “categorias” de patrimônio cultural, segundo classificação adotada pelo Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais-IEPHA/MG. Para o IEPHA/MG, vale o que está contido no item III do Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais – IPAC/MG – Plano Estadual de Inventário de Minas Gerais, onde se lê:
“O conjunto de bens culturais pode ser classificado, para fins operacionais, de acordo com as categorias abaixo relacionadas: (...)
a) Patrimônio imaterial: saberes, celebrações, expressões e lugares;
b) Patrimônio natural, incluído o espeleológico e paleontológico;
c) Patrimônio arqueológico;
d) Núcleos, sítios e conjuntos urbanos;
e) Estruturas arquitetônicas e urbanísticas;
f) Bens integrados;
g) Bens móveis;
h)Acervos arquivísticos, museográficos e artísticos, sempre considerados em conjunto, compreendendo a identificação de acervos, fundos e coleções. No caso de inventário de objetos isolados desses acervos, a categoria adotada será a de bens móveis.”
³ BRANT, L.L.C.: Interesse dos turistas estrangeiros pelo Caminho Nhá Chica e Padre Victor in http://caminhoncpv.blogspot.com/2011/03/interesse-dos-turistas-estrangeiros.html

Obs. Acho importante reconhecer o crédito a inúmeras ideias da historiadora da arte Dra. Fernanda Rodrigues Scarpa, da equipe de apoio do Circuito, que muito contribuíram para a redação dessas laudas. A ela, portanto, vai o meu agradecimento caloroso.

Fonte: Blog de São João del-Rei

Mais informações:
Solenidade do registro civil tardio de Nhá Chica
Nhá Chica . Wainer Carvalho Ávila
Comemoração dos 200 anos do batizado da serva de Deus Nhá Chica . de 23 de abril a 1 de maio
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