São João del Rei Transparente

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Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

Fábio Nelson Guimarães

Descrição

Veja A presença italiana em São João del-Rei e Minas Gerais

Uma singela homenagem em nome da História de SJDR . à memória de Fábio Nelson Guimarães . Francisco J. Frazão

Desde que comecei a tomar conhecimento da história de São João del-Rei, minha terra natal, por intermédio do meu amigo, Professor e Historiador Antônio Gaio Sobrinho, lendo o seu livro “Santos Negros Estrangeiros” (no qual Fábio Nelson Guimarães foi o homenageado), despertou em mim uma vontade voraz e incansável de saber tudo relacionado a esse berço de cultura, tradições, história, conhecida tradicionalmente como “Terra onde os Sinos falam” que no ano de 2005 comemorou 300 anos de existência e que nesse ano é aclamada como Capital Brasileira da Cultura 2007.
Agradeço ao professor Antônio Gaio a oportunidade de me proporcionar através de seus “livros” uma grande viagem, que fiz no tempo e na história de São João del-Rei. Descobri em meio à leitura desses, as minhas raízes, minha identidade e sobretudo, a importância, que também me é causa de “orgulho”, de ter nessa terra sagrada, o meu umbigo enterrado. Mas, mais do que isso, poder dizer com emoção que sou conterrâneo de homens e mulheres que fizeram e marcaram de alguma forma a história, não só da cidade, mas do país, pessoas que aqui nasceram ou que adotaram essa terra (também chamada de “Princesa do Oeste”) como berço e morada; pessoas que se destacaram como: Joaquim José da Silva Xavier (vulgo Tiradentes, herói da Inconfidência Mineira); Felisberto Caldeira Brant (contratador de Diamantes, que fora um grande benemérito do Arraial do Tijuco, hoje Diamantina); Padre José Maria Xavier (compositor sacro, que compôs a maioria do repertório executado por nossas Orquestras bicentenárias, nas festividades religiosas tão afamadas, o qual gostaria de destacar os responsórios da cerimônia do “Oficio de Trevas”, tradicionalíssima e única no mundo); Sebastião Rodrigues Sette Câmara (professor e jornalista republicano, ícone da propaganda republicana na nossa cidade, que adotou a mesma como sua!); Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira (esposa do inconfidente Inácio de Alvarenga Peixoto e que ficou conhecida como heroína da Inconfidência Mineira); Dr. João Batista do Santos - Visconde de Ibituruna (médico e último Presidente da Província de Minas Gerais, no Período do Império); Alexina de Magalhães Pinto (professora que se destacou no ensino primário e sobretudo no “Folclore”, reconhecida como uma das primeiras folcloristas do país pelo próprio Luís da Câmara Cascudo), que também por não ter nascido aqui, adotou a terra onde viveu por muitos anos exercendo a profissão de mestra; Maria Thereza Baptista Machado e por fim Tancredo de Almeida Neves e muitos outros nomes que nessas poucas páginas não caberiam.
Gostaria de ressaltar aqui também a memória e a personalidade do professor, e grande historiador (também farmacêutico e advogado) Fábio Nelson Guimarães que sendo natural da terra, tanto fez pela educação e sobretudo pela história são-joanense, participando ativamente com sua dedicação e presença sempre marcante, nos eventos e instituições culturais da cidade. Como pesquisador foi um garimpeiro, minerando documentos raros e únicos, em busca de fontes primárias... pois como disse o editor André Carvalho no livro de Waldermar de Almeida Barbosa, História de Minas: “Em nosso país, são conhecidos duas categorias bem distintas de historiadores: a daqueles que se limitam a reproduzir o que outros já publicaram (suas pesquisas se restringem a coletar informações contidas em várias obras); e a dos que se mergulham nos documentos dos arquivos à cata de fontes primárias”. Pelo que pude averiguar através de seus familiares, amigos, pessoas que conviveram com ele, Fábio Guimarães se enquadrava perfeitamente na segunda categoria de historiadores citada. Mesmo após se afastar das salas de aula, em 1972, por motivos de saúde, nunca abandonou suas responsabilidades para com a cultura são-joanense, como deu provas disso o professor Abgar Campos Tirado: “Se uma enfermidade veio afastar-te do trabalho diuturno da sala de aula, não teve forças, entretanto, para privar-te de tuas múltiplas e intensas lides culturais, mormente em teu amado Instituto Histórico e Geográfico e nesta Academia de Letras, a qual freqüentaste ainda na véspera de teu trânsito rumo ao infinito.”
Sinto infelizmente não ter tido o prazer de tê-lo conhecido pessoalmente, sendo que faleceu em julho de 1996 (ano passado completaram-se dez anos, 01.07.2006). Mas por intermédio de sua esposa (hoje uma grande amiga, a qual tenho um especial respeito, carinho e admiração) Betânia Maria Monteiro Guimarães, que demonstrando total atenção e gentileza, abriu as portas de sua casa, permitindo assim que eu tivesse acesso ao acervo histórico de seu marido, e sobretudo em especial, à sua obra histórica. Tomei assim conhecimento desse grande historiador e professor que fora Fábio Nelson Guimarães, que muito contribuiu, com sua inteligência, seu empenho para a formação educacional de São João del-Rei, bem citado por Abgar: “Privilegiados foram todos aqueles que puderam ser por ti guiados nos campos da Filosofia, das Ciências Físicas, Químicas e Biológicas e, sobretudo, nos vales, montes e planícies da Mestra História, iluminados pelo entusiasmo e pelo amor a ela dedicados.”
Juntamente com os livros do Professor Antônio Gaio, encontrei nos livros de Fábio Guimarães uma leitura agradável, fácil, objetiva e, riquíssima em informações históricas! Diria que encontrei na obra desses autores algo peculiar que sempre me atraiu, desde muito jovem, na ciência humana chamada HISTÓRIA. Como diria Ariano Suassuna em entrevista à revista Nossa História (2004): “...os historiadores modernos começaram a fazer uma História baseada em documentos. Tudo bem, eles são importantísssimos, sim. Mas, com essa ênfase nos registros, os historiadores deixam de lado algo muito importante que é o personagem (...) o grande historiador tem que ter a precisão, a documentação, o estudo, o esforço do cientista, e também a chama do escritor. Sem isso, ele não coloca a pessoa diante do personagem.” Para o escritor paraibano, o personagem tem que estar vivo para o leitor, e conclui dizendo: “Estudar história foi fascinante porque eu não a via friamente.” Eu poderia dizer o mesmo!
Somente com a leitura de bons livros, qualificativamente falando, o homem pode desenvolver o senso crítico, trabalhando o intelecto por meio do pensamento. João Guimarães Rosa em entrevista ao jornalista Günter Lorenz em Gênova no ano de 1965, enfatizou tal questão: “Temos de aprender outra vez a dedicar muito tempo a um pensamento; daí seriam escritos livros melhores. Os livros nascem, quando a pessoa pensa...” Um livro é um registro sério de acontecimentos relativos à vida, portanto, tem que ser bem feito, bem trabalhado, bem pensado. Conclui João Rosa na mesma entrevista: “A vida deve fazer justiça à obra, e a obra à vida. Um escritor que não se atém a esta regra não vale nada, nem como homem nem como escritor.” Nesse aspecto, acho que Fábio Guimarães foi bem coerente com o que pensava e com o que deixou registrado em seus livros.
Sempre encarei a história como algo em movimento, dinâmico, excitante, instigante, ligado diretamente à vida do homem e o seu papel no mundo.
Foi justamente isso que constatei lendo Fundação Histórica de São João del-Rei, primeiro livro de Fábio Guimarães, lançado em 1961, como fora documentado por Sebastião Cintra em suas efemérides, em 5 de novembro de 1961: “O Centro Artístico e Cultural patrocina o lançamento “Fundação Histórica de São João del-Rei”, de autoria de Fábio Guimarães. Na ocasião, na qualidade de Diretor do Departamento de História do CAC, pronunciamos discurso.” Esse livro é de extrema importância para o acervo histórico da cidade, que fora reeditado ano passado, 2006, quase que na íntegra, pela equipe do BDMG Cultural, com o título de “Origens Históricas de São João del-Rei”, em comemoração aos 300 anos da cidade (como arraial). Como percebe-se na referência de Cintra, do lançamento do livro em 1961, Fábio dirigia o Departamento de História do CAC (Centro Artístico e Cultural), que ajudou a fundar, sua ligação com a história sempre foi bem clara! Foi um dos fundadores do IHG de São João del-Rei (sendo o seu primeiro presidente, se mantendo no cargo por muitos anos), em 1970, juntamente com Altivo de Lemos Sette Câmara, Lucila Césari (professora e artista plástica e a única mulher a integrar o grupo de intelectuais), Sebastião de Oliveira Cintra e outros. Foi o Fundador do Museu (Histórico Municipal) Tomé Portes del-Rei (conhecido como Museuzinho), na casa onde nasceu Bárbara Eliodora, inaugurado no dia 17 de julho de 1959. Foi sócio-fundador do Lions Clube de São João del-Rei (presidindo-o no ano de 1967/68). Foi sócio-fundador da Academia de Letras de São João del-Rei , e também sócio- efetivo da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, como bem relatou Cintra em 06 de setembro de 1964:
“Transfere-se, simbolicamente para S. João del-Rei , a Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, que realizou nesta cidade sessão especial e solene, na qual tomaram posse os Acadêmicos Edmundo Dantés Passos e Fábio Guimarães. A sessão foi aberta pelo Presidente Alfredo Marques Viana de Góes, que passou a Presidência ao Prof. Aires da Mata Machado Filho. O Jornalista Euclides Marques Andrade saudou Edmundo Passos; o Prof. Sebastião Noronha saudou Fábio Guimarães. Augusto Viegas, Sebastião de Oliveira Cintra e Gentil Palhares, novos Sócios da Academia, foram saudados pelo Prof. Antônio Ribeiro de Avelar.”
Como professor, lecionou durante muitos anos na Escola Estadual Cônego Osvaldo Lustosa e no Colégio Tiradentes, onde exerceu o magistério até o ano de 1972. Dirigiu e ministrou aulas no primeiro Curso de Turismo em São João del-Rei , promovido pelo SENAC, em 1962, Tendo como uma das alunas, aquela que seria sua futura esposa e mãe de seus filhos, Betânia Maria Monteiro Guimarães. Seus ex-alunos, como tive a oportunidade de indagar conversando com alguns deles, hoje pais e mães de família, ao ouvirem minha pergunta sobre como era Fábio Guimarães como professor de história, todos os quais tive a oportunidade de perguntar, responderam unanimemente com emoção e orgulho, que o mesmo fora um grande mestre. Alegando também que como conhecedor do assunto, Fábio demonstrava total segurança, em suma, um extraordinário professor, não só de história de São João del-Rei (que dominava como ninguém), mas história geral. Segundo a Betânia, suas aulas eram elaboradas em pequenos papéis de maço de cigarros (que ele fumava), pois o material intelectual e didático ele trazia consigo na cabeça... coisa rara hoje em dia, conhecimento! Tais depoimentos que comprovei com alguns de seus ex-alunos, até me despertaram uma pontinha de inveja, por não ter sido também aluno dele (numa época que não fora a minha). Mestres como Fábio e o professor Antônio Gaio no sentido estrito da palavra!
Pelo que constatei lendo os autores que se dedicaram a história de São João del-Rei, existe uma polêmica, isto é, uma questão que gerou motivo de discordância de pontos de vista entre alguns historiadores. Refiro-me ao verdadeiro fundador de São João del-Rei e onde realmente começou a se formar a povoação: no Matosinhos (local conhecido como Porto Real da Passagem) ou nas encostas do Morro da Mercês, onde fora encontrado o ouro entre os anos de 1704 e 1705? E quem realmente fora o seu verdadeiro fundador: Tomé Portes del-Rei (assassinado em 1702 por alguns de seus escravos, no mesmo ano em que fundou o arrraial de São José del-Rei, hoje a cidade de Tiradentes) ou o seu genro e substituto no cargo de guarda-mor Antônio Garcia da Cunha?
Essa questão foi muito bem esclarecida e argumentada por Fábio Guimarães em seus livros: Fundação Histórica de São João del-Rei, de 1961 e Antônio Garcia da Cunha, o fundador de São João del-Rei, de 1966.
Em suma, se a cidade comemorou em 2005, seu tricentenário (como Arraial), naturalmente não pode haver paradoxo quanto ao seu fundador, nem quanto ao local da formação da urbe. Reafirmando a tese (que no meu ponto de vista é a mais aceitável) de Fábio Guimarães, de que São João del-Rei surgiu com a descoberta do ouro no ribeirão São Francisco Xavier e posteriormente, no alto do Morro das Mercês, nos idos de 1704 e 1705. Sendo que nessa data a autoridade maior era o guarda-mor Antônio Garcia da Cunha (genro e substituto do falecido Tomé Portes del-Rei), portanto o verdadeiro fundador do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, hoje cidade de São João del-Rei.
Faço minhas as palavras do médico são-joanense Jota Dangelo, na apresentação do livro Origens Históricas de São João del-Rei, de 2006:
“...o marco inicial da atual cidade de São João del-Rei é o antigo Largo da Câmara, atual Praça Francisco Neves. Matosinhos pode ser considerado, no máximo, como extensão do primitivo arraial do Porto Real da Passagem. O povoado que se fez na encosta do morro das Mercês, com capela dedicada a N.S. do Pilar, entre 1704 e 1705, é que foi nomeado como Arraial Novo, origem da Vila e cidade de São João del-Rei. Também é importante ressaltar que quando isto aconteceu, Tomé Portes del-Rei já havia falecido, não podendo, portanto, embora pioneiro na região, ser considerado fundador de São João del-Rei, glória que deve ser transferida a Antônio Garcia da Cunha, sucessor de Tomé Portes del-Rei, primeiro que fez notar sua presença de autoridade, como guarda-mor, na fundação do arraial, como conclui, acertadamente, Fábio Nelson Guimarães.”
Fábio deixou, além dos dois livros citados acima, outros que ao lado de seus filhos foram sua herança, poeticamente lembrado pelo professor Abgar: “E como bênçãos de Deus, vieram os filhos: Flávia, Afrânio Augusto, Andréa e Márcia, a cujo lado se colocavam os filhos da sua inteligência: teus livros publicados.” Dentre esses: “O Município de São João del-Rei aos 250 anos de sua criação”, 1963; “Padre José Maria Xavier”, 1969; “O Tiradentes, Patrono Cívico do Brasil”, 1972, 1973, 1975; “História do Cristo Redentor de São João del-Rei,” 1972; “Bandeirismo Paulista”, 1974; “Cinqüentenário da Escola Estadual D. Maria Tereza”, 1975; “Imigração de colonos italianos em São João del-Rei”, 1989; e por fim, o seu último livro (que no meu ver é de grande importância para a documentação histórica de São João del-Rei): “Ruas de São João del-Rei”, 1994.
Sobre essa última publicação, conversando com o folclorista Ulisses Passarelli (grande especialista do folclore brasileiro, da história, da fauna e flora da nossa região... e sobretudo, um grande amigo), chegamos a um consenso de que a importância do Livro, está no fato de que até os meados da década de 40, do séc. XX em São João del-Rei, as ruas recebiam nomenclaturas de pessoas ilustres, que filhos da terra ou adotados pela mesma, fizeram por São João, sendo homenageados e tendo como forma de agradecimento pela população, seus nomes em ruas da cidade. Fábio Guimarães, deixou bem claro já no prefácio do mesmo: “A rua representa a alma de uma cidade. O ser humano quando não se encontra em sua casa, está caminhando em alguma rua, cumprindo o seu destino e, assim, convivendo com a mesma (...) a rua, como palco diário de uma representação humana, deve ser conhecida e explicada pelas gerações, e, como tal, amada. Por isso, o homem, carinhosamente, a batiza, denominando-a.”
Um bom exemplo de desrespeito das autoridades por essa questão, é a famosa Rua Direita, no centro da cidade, que por uma infeliz idéia de alguém, passou a se chamar Rua Getúlio Vargas (como já fora observado e criticado pelo professor Antônio Gaio). Mas para o povo, será sempre Rua Direita, nome esse decorrente de uma citação bíblica (e que por tradição, é mantido em todas as cidades históricas de Minas Gerais). É triste constatar tais negligências em relação as coisas públicas, bem lembrado por Fábio, nas considerações finais de seu livro:
“A mística de São João del-Rei, contudo, se desintegra na mão de seus próprios filhos, mística essa que foi exalçada pelos Duarte, Quintela, Mesquita, Medeiros, Teles, Sampaio, Veiga e Vaz, por sua vez, desaparecidos do cenário são-joanense.” Mas o que vale é a tradição, e essa prevalece na boca do povo com nome de Rua Direita. Já dizia o cineasta espanhol surrealista, Luis Buñuel: “O que não é tradicional é plágio” (1982).
Nesse aspecto, gostaria de salientar que São João del-Rei sempre se destacou “tradicionalmente” no palco cultural do país. Prova disso é o fato de termos duas Orquestras Bicentenárias: a Orquestra Lira Sanjoanense e a Orquestra Ribeiro Bastos. Sobre a primeira, não posso deixar de especificar que é a orquestra mais antiga das Américas (reconhecida pela UNESCO), que até hoje permanece em plena atividade, tendo como data de fundação o ano de 1776. No ano passado (2006), a mesma completou 230 anos de existência e, infelizmente, passou despercebido pelas autoridades, conseqüentemente, pela população.
Terra da música, temos aqui “bandas” extraordinárias, uma com mais de 100 anos de atividade, como é o caso da “Banda Teodoro de Faria”, fundada em 1902.
E para não ser negligente, ainda mais no ano em que a cidade é palco da Capital Brasileira da Cultura, não poderia deixar de lembrar também, os grupos folclóricos: Congados, Folia de Reis e Pastorinhas. Alguns centenários, como os Ternos de Congados do “Rio das Mortes” e de “São Gonçalo do Amarante” (Caburu).
Berço de personalidades ilustres, São João del-Rei, teve na música, seu filho querido, Padre José Maria Xavier, homenageado por Fábio Guimarães em seu livro Padre José Maria Xavier de 1969.
Compositor e instrumentista sacro, foi ele, além de um íntegro sacerdote, um grande educador, contribuindo para educação musical são-joanense. Sua obra ultrapassa a cem composições dentre peças sacras e profanas, como valsas, mazurcas, etc. Com certeza foi uma luz que abrilhantou São João del-Rei, no séc. XIX, deixando para nós como herança, suas composições, que interpretadas por nossas orquestras bicentenárias, enriquecem nossas festas religiosas.
No que diz respeito a educação, propriamente dita, São João del-Rei, ocupou lugar de destaque e pioneirismo. Existiram aqui várias escolas de renome, dirigidas e ministradas por mestres dotados do mais alto grau de conhecimento. Já no séc. XVIII, foi a cidade pioneira no que se refere a escolaridade pública, prova disso é a Aula Régia de Latin, fundada no ano de 1774, sendo a primeira escola pública criada na Capitania de Minas Gerais, registrada por Cintra na data da efeméride de 30 de janeiro de 1774:
“Instituição na Vila de S. João del-Rei de uma aula régia de Latim, considerada a primeira escola pública criada na Capitania...”
Também no tratamento psiquiátrico, segundo o psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, foi São João del-Rei pioneira, tendo nossa Santa Casa de Misericórdia (instituição fundada também na segunda metade do séc. XVIII), uma ala para tratamento de doentes mentais, que esteve em atividade por mais de cem anos, aproximadamente, isto é, de 1817 a 1918, sendo portanto, historicamente comprovado através de documentos pertencentes ao acervo da Santa Casa de Misericórdia, o primeiro hospital psiquiátrico do país. A partir dessa data, 1918 é que começaram a construir os Hospitais-Colônias em Barbacena.
Já em 1925 (como relata Fábio Guimarães, em seu livro “Cinqüentenário da Escola Estadual D. Maria Teresa”, de 1975) era fundada aqui em São João del-Rei, no casarão (demolido na década de 30, do séc. XX), onde outrora pertencera ao Inconfidente Inácio de Alvarenga Peixoto, na rua hoje conhecida como rua Ministro Gabriel Passos, no centro, a segunda escola pública da cidade (sendo que a primeira foi o Grupo Escolar João dos Santos, fundado em abril de 1881, pelo Visconde de Ibituruna, em homenagem ao seu pai). Segundo Fábio, a escola com o nome em homenagem a grande benemérita Maria Teresa Baptista Machado (filha adotiva da terra), foi criada sob a justificativa de que o contigente de alunos na cidade de São João del-Rei era bem maior do que o da cidade da Zona da Mata, Juiz de Fora.
Não podemos esquecer do primeiro banco de Minas Gerais, a Casa Bancária Custódio de Almeida Magalhães, fundada em 1860, nessa cidade, onde hoje é o Memorial Tancredo Neves, ao lado da Ponte (bicentenária) do Rosário, na esquina da Rua da Prata com Av. Eduardo Magalhães.
Até a famosa “Mina de Morro Velho”, hoje na cidade de Nova Lima em plena atividade (que segundo consta, suas explorações já atingiram os subterrâneos da capital de Minas, Belo Horizonte), surgiu aqui ( mantendo suas atividades de 1830 a 1835), com o nome de Saint John d’El Rey Mining Company, o famoso “Canal dos ingleses”, na Serra do Lenheiro, que recebeu esse nome por ter sido administrada por um grupo de capitalistas ingleses, sendo seu administrador e procurador o Sr. Charles Wering. Esse canal pertencente primitivamente ao sargento-mor João Rodrigues da Silva, é um antigo rego já existente no séc. XVIII, como relata o estrangeiro Eschwege, em 1780.
Também no séc. XIX, com o fim da fase aurífera, a cidade não foi abalada economicamente, pois teve em seu comércio, uma posição de destaque na economia no país... inclusive com a vinda da família Real para o Brasil, em 1808. Durante muitos anos, São João del-Rei, com os seus armazéns foi responsável pelo abastecimento da Corte portuguesa, estabelecida na cidade do Rio de Janeiro, o que levou essa cidade a endividar-se com a nossa terra.
É decorrente a todos esses fatos históricos citados (faltando ainda muitos outros que nessas poucas linhas não caberiam), que rogo aos interessados pela cultura são-joanense, pelas nossas tradições, nossas riquezas (que não são poucas), que leiam os livros dos nossos historiadores e os divulguem , principalmente entre os seus filhos e netos. Falem desses homens, que de uma forma ou de outra, se dedicaram a um trabalho de pesquisa minucioso,
fundamentados em documentos raros (os quais, muitos deles hoje em dia, se perderam por descaso, negligência, ou pela força do tempo). Não deixem que apaguem da memória de São João del-Rei, a nossa verdadeira história e principalmente os nomes daqueles que a registraram com empenho, como: Basílio de Magalhães, Aureliano Pimentel, José Bellini dos Santos, Augusto Viegas, Sebastião de Oliveira Cintra, Luis de Melo Alvarenga, Altivo de Lemos Sette Câmara, Geraldo Guimarães (Abade) e em especial, o saudoso Fábio Nelson Guimarães e o único, que ainda peleja com suas pesquisas procurando com seus poucos recursos, a publicação das mesmas, o professor Antônio Gaio Sobrinho. Que na posteridade, os jovens e demais conterrâneos tenham bons motivos para se orgulharem dessa terra sagrada. E, principalmente, que não sejam obrigados a se emigrarem por falta de condições para uma vida digna. Não deixem que São João del-Rei perca sua identidade, como já aconteceu e vem acontecendo com muitas cidades mineiras. São mais de trezentos anos de história, de lutas, de vidas que dedicaram a semear nesse chão a esperança de um futuro glorioso!

Referências Bibliográficas

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BUÑUEL, Luis. Meu último suspiro. Tradução de Rita Braga. Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1982.
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CINTRA, Sebastião de Oliveira. Efemérides de São João del-Rei. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1982.
COELHO, Ronaldo Simões. Primeira unidade psiquiátricva em hospital-geral no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n.1, 1973. p.4-9.
DANGELO, André G.D. (Org.). Origens históricas de São João del-Rei. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 2006.
GUIMARÃES, Fábio Nelson. Fundação Histórica de São João del-Rei. São João del-Rei: Progresso, 1961.
GUIMARÃES, Fábio Nelson. Antônio Garcia da Cunha, o fundador de São João del-Rei. São João del-Rei. 1966.
GUIMARÃES, Fábio Nelson. Cinqüentenário da Escola Estadual D. Maria Teresa 1925-1975. São João del-Rei, 1975.
GUIMARÃES, Fábio Nelson. Ruas de São João del-Rei. São João del-Rei: FAPEC, 1994.
GAIO SOBRINHO, Antônio. História do Comércio de São João del-Rei. São João del-Rei: Sindicato do Comércio, 1997.
GAIO SOBRINHO, Antônio. História da Educação em São João del-Rei. São João del-Rei: FUNREI, 2000.
GAIO SOBRINHO, Antônio. Visita à Colonial Cidade de São João del-Rei. São João del-Rei: FUNREI, 2001.
LORENZ, Günter W. Diálogo com a América Latina: panorama de uma literatura do futuro. Tradução: Rosemary Costhek Abílio e Fredy de Souza Rodrigues. São Paulo, E.P.U., 1973.
SUASSUNA, Ariano. In: Nossa História. Rio de Janeiro: Vera Cruz. Ano 2, n.14, dez. / 2004. P.50-55. (Entrevista).
TIRADO, Abgar A. Campos. Nomes que ilustram nossa terra. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n. 11, 2005. p. 155-171.

Nota

*Gostaria de deixar aqui registrado os meus sinceros agradecimentos ao amigo e grande folclorista Ulisses Passarelli, pela atenção, incentivo e sobretudo pela compreensão. Também à professora Betânia Maria Monteiro Guimarães, extensivo a todos os seus filhos, pela amizade e pelo carinho.

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Mais informações

Primeiros Italianos
Por Fábio Nelson Guimarães/Professor e historiador são-joanense

Ficou célebre, nesta cidade, a representação de verônica, na sexta-feira Santa de 1856, da famosa cantora italiana Augusta Candiani, quando a Ordem Terceira do Carmo responsabilizava-se pelos atos religiosos daquele dia.
Desde agosto de 1881, a inauguração da Estrada de Ferro Oeste de Minas - presidida pelo imperador Pedro II - ligando sítio de São João del-Rei, favoreceu a passagem nesta, de artistas italianos de circo e de teatro. A partir daí, italianos ou descendentes diretos de italianos radicam-se na urbe atravessada pelo singular córrego do lenheiro. Pode-se afirmar, como residentes em São João del-Rei, antes de 1888, os Bello, os Fioravanti, os Fabrino e os Lovaglio.
A 28 de agosto de 18881, chegava a São João S. M. Dom Pedro II, cuja locomotiva, a de nº 1, tinha como maquinista o italiano Felipe Marchetti.
O jornal "A Verdade Política", a 13 de dezembro de 1888, registrou que Carlos Preda, italiano do norte, residia há 8 anos nesta zona, servindo, depois, como professor de sua língua pátria e prestando-se como intérprete durante a grande imigração. Esse italiano deixou um filho, Humberto Preda, o "Passarinho", o qual demonstrou as suas virtudes teatrais nos palcos sanjoanense.
A 22 de dezembro de 1888, o periódico "Arauto de Minas" noticiava que, entre os visitantes da hospedaria dos Colonos, adiante mencionada, notavam-se, José D'Ângelo e Vicente Cantelmo, "dous distintos italianos aqui residentes" que se entregavam as lides do comércio, e que fiscalizavam o modo pelo qual eram tratados os seus compatriotas".
Mas, tanto os mencionados quantos os imigrantes chegados em 1888, deixaram como legado precioso uma numerosa descendência, perfazendo aproximadamente quatro gerações, que se irradiaram para os mais distantes recantos do território brasileiro.

 

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