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Tipo: Artigos / Cartilhas / Livros / Teses e Monografias / Pesquisas / Personagens Urbanos / Diversos

Escopo: Local / Global

 

Marcas de uma Ferrovia a Estrada de Ferro Oeste de Minas em São João del-Rei (1877-1915) . Bruno Nascimento Campos

Descrição

Maria Fumaça/Complexo Ferroviário e Ferrovia em São João del-Rei

DECIS – Departamento Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas . COHIS – Coordenação de História

Marcas de uma Ferrovia a Estrada de Ferro Oeste de Minas em São João del-Rei (1877-1915)
Bruno Nascimento Campos . São João del-Rei, MG, Novembro de 2005

Monografia apresentada para obtenção do título de Bacharel, na disciplina Bacharelado II, do curso de graduação em História da UFSJ.
Professor orientador: Dr. Wlamir Silva.
Bruno Nascimento Campos . São João del-Rei, MG, Novembro de 2005

"A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaça, à velocidade do vento, através de países e continentes, com suas obras de engenharia, estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo, era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia1".
Eric Hobsbawm
1 Eric J. Hobsbawm. A Revolução Industrial. In: Eric J. Hobsbawm. A Era das Revoluções. 9ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, p. 61.

Agradecimentos
Ao final deste trabalho me pergunto quantos foram os colaboradores, os ouvintes e incentivadores e me apercebo da gama enorme de pessoas, que direta ou indiretamente, mereceriam meus agradecimentos. Por isso, já de antemão, peço desculpas àqueles que, por um lapso da memória, foram esquecidos.
A todos os colegas que souberam entender meu isolamento por esse período, meus agradecimentos. Sou grato aos amigos da ASPEF Hugo Caramuru, Jonas, Adilson, Vítor, Benito Mussolini, Alexandre, Osvaldo, Sebastião Florêncio, Welber e Lopes que me cederam precioso material utilizado na monografia.
Aos funcionários da Biblioteca Municipal Baptista Caetano e do Museu Regional de São João del-Rei, agradeço o atendimento atencioso.
Agradeço aos professores e companheiros(as) de turma pela convivência e as discussões pertinentes. Aos colegas do Arquivo da Diocese de São João del-Rei, onde passei a maioria das tardes nos últimos 2 anos.
Aos meus familiares, principalmente meus pais e minha irmã, minha gratidão pela compreensão e paciência pelas ausências e irritações. A todos os amigos, que não é possível mencionar, obrigado por entenderem minhas ausências e o assunto “trem”, sempre tão repetitivo.
Em especial devo agradecer à professora Leônia que me deu a oportunidade de trabalhar por mais de dois anos no Arquivo da Diocese de São João del-Rei, à Joyce Janaína Almeida por ter me acompanhado ao longo de 6 maravilhosos anos e à sua mãe, Mercês. A todos os(as) companheiros(as) e amigos(as) da turma e ao professor Wlamir, orientador deste trabalho.
Finalizando deixo aqui a frase que se tornou, de certa forma, minha marca pessoal: Feliz Natal!!!

Índice

INTRODUÇÃO
07

CAPÍTULO 1 – A FERROVIA E SUA CHEGADA AO BRASIL: O IMPÉRIO E
O INÍCIO DA REPÚBLICA
10

1.1 – O Transporte Ferroviário
10

1.2 – As Ferrovias no Brasil
11

CAPÍTULO 2 – OS VENTOS DA MODERNIDADE: AS PRIMEIRAS
MARCAS DA FERROVIA EM SÃO JOÃO DEL-REI
17

2.1 – As primeiras discussões
17

2.2 – A Concretização
21

2.3 – O Saldo Político
23

CAPÍTULO 3 – OS IMPACTOS FÍSICOS NO NÚCLEO URBANO DE SÃO
JOÃO DEL-REI
26

3.1 – A Expansão da Oeste de Minas
26

3.2 – O Crescimento, a Industrialização e Melhorias nos Serviços Urbanos
30

3.3 – A Imigração e a Ferrovia
34

CONSIDERAÇÕES FINAIS
37

APÊNDICES
39

1
40

2
41

3
42

4
43

5
44

6
48

BIBLIOGRAFIA
49




Introdução
O trabalho buscou traçar um panorama geral das marcas deixadas pela ferrovia na cidade de São João del-Rei de 1877 até 1915, identificados principalmente
através de alguns periódicos de época. A intenção foi acompanhar a implantação e a expansão da Estrada de Ferro Oeste de Minas e relacioná-las ao contexto da cidade que emerge dos periódicos. Tentamos observar os agentes históricos, no caso específico os editores e jornalistas dos periódicos, verificando se tinham consciência ou não dos rumos que a cidade tomava após os primeiros rumores da vinda de uma ferrovia.
Sabemos do impacto causado pelo surgimento da ferrovia durante a Revolução Industrial. Segundo Hobsbawm, esta “era o próprio símbolo do triunfo do homem sobre a tecnologia”2. Portanto a chegada de uma ferrovia em um qualquer localidade a partir do século XIX provocava grandes expectativas, alvoroços, além de promover mudanças significativas em todos os níveis da sociedade. Antes mesmo decomprovada a viabilidade das ferrovias, já surgia no Brasil a lei n.º 101 de 31 deoutubro de 18353 concedendo privilégio exclusivo por quarenta anos à companhia que se dedicasse à implantação de uma via férrea.4 Mas primeiras ferrovias se tornariam realidade somente na década de 1850. Parece mesmo que o encantamento causado pelo trem incentivava mais do que a receita necessária para a empreitada. Para Welber Santos, “uma pequena prova disso é o fato de a E. de F. Oeste de Minas ter adotado a bitola de 0,76m para sua linha, quando a regra de se construir ferrovias de bitola estreita
era com a distância de 1,00m entre os trilhos”5, isto por motivos óbvios: diminuição dos elevados custos. A ferrovia em São João del-Rei trouxe maior velocidade de comunicação: informações, novidades, notícias passam a ir e vir com mais facilidade, a cidade se “aproxima” e estreita ainda mais seus laços com a Corte Imperial, posteriormente Capital da República.
Por que usar os marcos de 1877 e 1915? A escolha do ano de 1877 foi feita com base no periódico “Arauto de Minas”, que traz em suas primeiras edições uma discussão ferrenha sobre se a Estrada de Ferro D. Pedro II6 passaria ou não por São João del-Rei. O ano de 1877 é também ano da inauguração da Estação de João Gomes7 na mesma estrada de ferro, na atual cidade de Santos Dumont, os trilhos se aproximam definitivamente da região de São João del-Rei. No ano de 1915 é que se completou a ligação da linha em bitola8 de 1 metro entre Barra Mansa e Ribeirão Vermelho, se tornando esta linha o eixo principal de escoamento da Oeste de Minas, substituindo a linha em bitola de 0,76m que passava em São João del-Rei que até então exercia esta função. A Estação de Barra Mansa está em um ponto estratégico da E.F. Central do Brasil, fica na ligação Rio-São Paulo desta estrada, facilitando o acesso a ambos mercados sem a necessidade de intermediação da linha em bitola de 0,76m, esta que se ligava à E.F. Central do Brasil na ligação Rio-
Minas na estação de Sítio9. A linha de bitola métrica partia de Ribeirão Vermelho em direção à Goiás10 ao Norte, e para Barra Mansa ao Sul. Completada a ligação entreBarra Mansa e Ribeirão Vermelho, a produção escoada pela linha vinda de Goiás e pela navegação do Rio Grande que se destinava à São Paulo e Rio de Janeiro deixa de ser baldeada para os trens de bitola de 0,76m e, conseqüentemente, deixam de passar por São João del-Rei, passando a ir diretamente para Barra Mansa, na EFCB, pela linha de bitola métrica. Além disso, os trens de bitola métrica tinham maior capacidade de carga que os de bitola de 0,76m, ou seja, a malha de bitola de 0,76m já em 1915 se tornava, de certa forma, osbsoleta em relação à linha de bitola métrica.
Já nas primeiras consultas ao periódico “Arauto de Minas” notamos uma dura discussão acerca da chegada da ferrovia na cidade. Mesmo com uma concessão11 de uma ferrovia que ligasse a E.F. Pedro II, das vertentes do Rio das Mortes até um ponto navegável do Rio Grande, houve divergências sobre a possibilidade da mudança do traçado desta estrada de ferro, que poderia vir cortar a cidade ou passar pelas redondezas, com alegações diversas como veremos adiante.

O trem trouxe dividendos políticos muito grandes para o grupo dominante na época, no caso o Partido Conservador e seus quadros, conforme nos indicou Alzenira Agostini 12 em seu trabalho. O trem trouxe mudanças em todos aspectos daquela sociedade e são justamente estes reflexos que buscamos indentificar nos periódicos.
Provavelmente o comércio da cidade foi inundado por grande quantidade de utensílios, futilidades e outros diversos produtos a preços baixos, se comparados aos anteriormente praticados, além de radicais e sutis mudanças no comportamento das pessoas. Após a ferrovia vieram instalações industriais de maior porte como as fábricas têxteis, que surgiram aqui graças a facilidade de escoamento propiciado pela estrada de ferro. Com a ferrovia e a indústria surge também um operariado que, assim como as indústrias, passava a habitar nas proximidades da via férrea13.
Foram objetivos deste trabalho entrar em um aspecto muito pouco explorado pela historiografia, as ferrovias, lançando luz sobre as marcas deixadas por ela, antes e após sua chegada na cidade. A estrada de ferro trouxe, enquanto a ligação entre Ribeirão Vermelho e Barra Mansa não fora completada, crescimento econômico para a cidade, com o surgimento de indústrias e ampliação da área de atuação e do tipo de casas comerciais que atuavam ou vieram atuar na cidade. A Oeste influiu diretamente no direcionamento do crescimento do perímetro urbano da cidade, que a partir da
chegada da ferrovia passa a se concentrar no entorno da via férrea.
Utilizamos como fontes periódicos de fins do século XIX e primórdios do século XX, já que as marcas da ferrovia foram registradas nestes periódicos, mesmo que de forma implícita e/ou distorcida. Esta documentação encontra-se no Museu Regional de São João del-Rei e na Biblioteca Municipal Baptista Caetano de Almeida. Utilizamos também publicações editadas pela própria E.F. Oeste de Minas, sendo dois relatórios e o livro “Estrada de Ferro Oeste de Minas Trabalho Histórico Descriptivo 1880-1922”14, onde pudemos encontrar o volume e preços de mercadorias transportadas, receitas e
despesas da Companhia. Esta documentação foi encontrada na Biblioteca Municipal Baptista Caetano de Almeida, no acervo da Associação São-Joanense de Preservação e Estudos Ferroviários (ASPEF) e com os amigos, colaboradores e férreo-fanáticos Adilson Pinto, Hugo Caramuru, Jonas Carvalho e Welber Santos.



2 Eric J. Hobsbawm. A Revolução industrial. In: Eric J. Hobsbawm. A Era das Revoluções. 9ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, p.61.
3 Ver Apêndice 1.
4 Almir Chaiban El-Kareh. Filha Branca de Mãe Preta: A Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II, 1855-1865.
Petrópolis-RJ, Vozes, 1980, p. 11.
5 Welber L. Santos. A Locomotiva a Vapor no Imaginário Ferroviário de São João del-Rei Século XX. Trabalho da disciplina “Tópicos de História da Cultura” do curso de História da UFSJ, 2004, p. 10.
6 Renomeada, após a Proclamação da República, para Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB).
7 Estrada de Ferro D. Pedro II – km 324 + 050 m – Altitude: 838,014 m – Inauguração: 01/02/1877. A cidade troca o nome de João Gomes para Palmyra em 27 de julho de 1877 e nas primeiras décadas do século XX é renomeada para Santos Dumont.
8 Bitola é a distância entre os trilhos paralelos de uma ferrovia, existem várias, mas as principais estão citadas acima. A
bitola adotada inicialmente pela EFOM foi a de 0,76m e posteriormente adotou a bitola métrica. A bitola utilizada pela EF D. Pedro II foi de 1,60m. Os materiais ferroviários, como vagões, carros de passageiros e locomotivas, não são intercambiáveis, portanto um vagão construído para uma determinada bitola não pode ser usado em ferrovia de outra bitola. Cf. Apendice 2.
9 Renomeada, na década de 1930, para Antônio Carlos.
10 Neste período a EFOM se ligava à E.F. Goiás na cidade de Formiga (MG) e esta estrada partia deste ponto em direção ao Estado de Goiás. A maior parte da produção escoada pela E.F. Goiás era depois passada à EFOM para ser transporte até Barra Mansa.
11 A concessão para atender esta região datava de 1873. Ver Apêndice 3.
12 Alzenira da Silva Agostini. O Impacto da Ferrovia na São João del-Rei Oitocentista. Monografia do curso de especialização “História de Minas – século XIX” da FUNREI, 1996.
13 Ver Ilustração 1 na página 33 deste trabalho.
14 Editado em comemoração ao centenário da Independência do Brasil.

Capítulo 1 – A Ferrovia e sua Chegada ao Brasil: o Império e o Início da República
1.1 – O Transporte Ferroviário
O transporte ferroviário foi a maior e mais significativa inovação tecnológica do século XIX. O uso de vagões sobre trilhos, com tração animal, era realidade nas minas européias para o transporte de carvão e, desde meados da década de 1760, existiam veículos a vapor na França.
[A] imensa indústria [extrativa do carvão], embora provavelmente não se expandindo de forma suficientemente rápida rumo a uma industrialização realmente maciça em escala moderna, era grande o bastante para estimular a invenção básica que iria transformar as indústrias de bens de capital: a ferrovia15.
Apesar da existência de máquinas a vapor na França, foi na indústria carvoeira inglesa que se concretizou a combinação entre veículos a vapor e os trilhos.
Em 1804 funcionou a primeira locomotiva de que se tem notícia, a New Castle, no País de Gales. Os modelos iniciais eram pesados e ineficazes, utilizados quase exclusivamente para o transporte de carvão. Segundo Hobsbawm, foi entre 1825 e 1830, com a locomotiva Rocket de George Stepheson e a estrada de ferro Liverpool- Manchester, que se inaugurou realmente o período ferroviário, com a evolução para modelos de locomotivas mais eficientes, movidas a vapor, puxando vagões destinados a transportar tanto carga quanto passageiros. E “mal tinham as ferrovias provado ser tecnicamente viáveis e lucrativas na Inglaterra e planos para sua construção já eram feitos na maioria dos países do mundo ocidental, embora sua execução fosse geralmente retardada”16. Na América coube aos Estados Unidos a criação da primeira ferrovia, em 1827. “Em 1855, havia linhas em todos os cinco continentes, apesar de na América do Sul (Brasil, Chile, Peru) e na Austrália serem dificilmente visíveis” 17 . Na época chamada por Hobsbawm de “era do capital”, de fins da década de 1840 a meados da década de 1870, é que há a verdadeira expansão da malha ferroviária mundo afora18.
Hobsbawm afirma que as ferrovias construídas na Ásia, na Austrália, na África e na América Latina eram, do ponto de vista econômico, “um meio de ligar alguma área produtora de bens primários a um porto do qual esses bens poderiam ser enviados para as zonas industriais e urbanas do mundo”19.
1.2 – As Ferrovias no Brasil
É consenso entre os historiadores que o extenso território brasileiro, de relevo acidentado, de coberturas florestais de difícil penetração, com rios inadequados à navegação em áreas de interesse produtivo e linha costeira carente de portos naturais, foi o responsável por tornar as comunicações difíceis e morosas. Havia vias fluviais extensas e navegáveis, como nas bacias Amazônica e Platina, mas os demais grandes cursos, como o São Francisco, Doce e Araguaia, tinham a navegação naturalmente dificultada. Grande parte dos investimentos ligados ao transporte se concentrou, assim,
nas vias terrestres. Carroças de bois e tropas de mulas foram, em geral, os principais meios de transporte das mercadorias em direção às cidades e aos portos até meados do século XIX, quando se iniciou a expansão ferroviária, sobretudo nas áreas mais dinâmicas e densamente povoadas. As primeiras ferrovias do Brasil partiram destas áreas como Rio de Janeiro (a E.F. Mauá em 1854 e a E.F. D. Pedro II em 1858), Recife (Recife and São Francisco Railway em 1858), Salvador (Bahia and São Francisco Railway em 1860) e Santos (São Paulo Railway – SPR – em 1867, ligando a São Paulo).
No Brasil, o processo de modernização visível a partir de meados do século XIX trouxe consigo mudanças significativas ligadas sobretudo à liberação de capitais do comércio negreiro, abolido em 1850, e à conseqüente possibilidade de investimento em outros setores econômicos, como infra-estrutura e mercado financeiro. As ferrovias, como infra-estrutura, foram um dos principais destinos de investimento destes capitais liberados. Os trens modificaram decisivamente o sistema de distribuição da produção e a paisagem rural, que passou a ser cortada por trilhos de ferro e com a construção de
grandes prédios de estações em estilo europeu. A ferrovia tornou o transporte de carga menos oneroso e infinitamente mais rápido em relação às tropas de muares e carros-debois que eram anteriormente utilizados, encurtou distâncias e aumentou o conforto para os viajantes, que dispunham até então de carros puxados por cavalos ou mulas. Junto às ferrovias, vieram também as linhas telegráficas que, por sua vez, passaram desde meados do século XIX a possibilitar as comunicações até mesmo com a Europa através de cabos submarinos. Para Hobsbawm “(...) a transformação tecnológica mais sensacional de nosso período estava na comunicação de mensagens através do telégrafo elétrico”20. Esse invento revolucionário descoberto em meados da década de 1830, já largamente utilizado na Europa e EUA a partir da década de 1840, se espalha pelo globo com os cabos submarinos instalados a partir de 1865, e passa a interligar diversas partes do mundo.
Com a vinda da ferrovia, vieram também novos hábitos: uma nova noção de tempo foi estimulada, com os relógios passando a fazer cada vez mais parte constante dos trajes dos brasileiros. Posas afirma que:
(...) os caminhos de ferro não só construíram uma territorialidade, na ocupação do espaço físico, mas neste mesmo espaço esquadrinharam práticas sociais, estratégias de controle e tarefas rotineiras para o exercício de um poder disciplinar que a sociedade burguesa exigia para a reprodução do capital e, conseqüentemente, para sua acumulação21.
As ferrovias no Brasil, organizadas em sua grande maioria como sociedades anônimas, formato típico do capitalismo industrial, foram impulsoras do surgimento de outros tipos de empresa utilizando este formato. Podemos afirmar que raras empresas utilizaram a sociedade anônima como forma de organização no Brasil antes das ferrovias. Estas contribuíram na disseminação deste tipo de empresa capitalista e, além disso, da disciplina capitalista, como colocado por Posas acima.
O interesse em estimular a construção de ferrovias no Brasil data da década de 1830. Um decreto de 183522, assinado pelo regente Feijó, ofereceu privilégios a empresas interessadas na construção de ferrovias para o estabelecimento de ligações entre a Corte e a região sul do país, Minas Gerais e Bahia, mas não obteve retorno.
Inúmeras leis provinciais foram elaboradas para estimular as ferrovias, vários planos foram apresentados e companhias criadas, nos anos seguintes, tudo sem nenhum êxito.
Havia muita dúvida, então, sobre a compensação dos gastos com as ferrovias. Cético, como muitos da época, Bernardo Pereira de Vasconcelos dizia: “é estrada de ouro, não de ferro; carregará no primeiro dia do mês toda a produção e ficará trinta dias ociosa23”.

Foram a propaganda sobre o sucesso do sistema ferroviário europeu, a liberação de capitais originados da abolição do tráfico africano, em 1850 e a consolidação política do Segundo Reinado os fatores responsáveis pela instalação das primeiras ferrovias brasileiras. A Lei nº 641, de 26 de junho de 1852, estabeleceu privilégio de zona e garantia de juros de 5% sobre o capital investido, posteriormente acrescido de mais 2%.
Esta não se referia a qualquer rede ferroviária do Brasil, como a de Feijó, mas à ligação do Rio de Janeiro com as capitais das províncias de Minas Gerais e de São Paulo. A concessão para outras linhas nas demais regiões dependeria de aprovação do Legislativo, que avaliaria a conveniência da estrada em face das despesas que gerariam para o tesouro nacional. Inaugurada em 1854, a primeira estrada de ferro do Brasil ligava um porto, na baía da Guanabara, à estação de Fragoso, alcançando, dois anos depois, a raiz da serra de Petrópolis. Realizada por iniciativa de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, o projeto se baseou nos estudos de engenheiros ingleses e não utilizou as vantagens oferecidas pela lei n.º 641 de 1852. Esse trecho pioneiro, que não ultrapassou os de 14 quilômetros de extensão, foi por um curto espaço de tempo utilizada para escoar a produção de café mineiro e fluminense que era escoado pela estrada de rodagem União e Indústria até Petrópolis. Renê Schoppa afirma:
Quando a Estrada de Ferro D. Pedro II chegou a Entre Rios, em 1869, todo o transporte de da estrada de Mariano Procópio passou para os trens da D. Pedro II, com resultados catastróficos para a empresa de Mauá24.
Por outro lado, o projeto que resultou na lei de 1852 visava ligar o Rio de Janeiro a Minas e São Paulo, de modo a trilhar os caminhos do café, transportado tradicionalmente para o porto carioca em numerosas tropas de mulas. Não faltaram interessados na utilização dos incentivos colocados por esta lei e na instalação da ferrovia, como a família de ricos cafeicultores de Vassouras, os Teixeira Leite, que chegaram a custear a vinda de engenheiros ingleses para o reconhecimento do trajeto da Corte até a margem do rio Paraíba. Finalmente, foi organizada a companhia no Rio de Janeiro, denominada Estrada de Ferro D. Pedro II, a qual recebeu, em maio de 1855, o privilégio exclusivo por 90 anos de “construir, usar e custear” a estrada que deveria partir da Corte, transpor a serra do Mar e se dividir em dois rumos, um para Cachoeira, em São Paulo, e outro para o Porto Novo do Cunha, limite da Província do Rio de Janeiro com a de Minas Gerais. O primeiro trecho da E.F. D. Pedro II foi inaugurado em 1858. A transposição da serra do Mar foi difícil e custosa, pois exigiu vários túneis. Nessa empresa, destacou-se o engenheiro e deputado liberal Christiano Benedito Ottoni, que ocupou a presidência da companhia por dez anos25. Em 1865, o governo encampou a ferrovia, tomando empréstimos à Inglaterra para continuar as obras. Em 1871, a linha alcançou Porto Novo e, em 1875, chegou a Cachoeira. Outras linhas foram criadas, entrando por Minas Gerais e atingindo Ouro Preto, em 1888. 26.
Várias outras ferrovias foram criadas com concessões do Governo Central e das Províncias durante o Império. Em São Paulo destacam-se: São Paulo Railway, ligando Santos à Jundiaí, passando por São Paulo, esse primeiro ramo do sistema ferroviário paulista foi considerado o mais difícil e também o mais importante, pois a ele ligaram-se as demais redes ferroviárias, tornando-se responsável pelo escoamento de toda a produção do planalto paulista pelo porto de Santos; E.F. São Paulo-Rio de
Janeiro, que ligava São Paulo a Cachoeira, de modo a encontrar a Estrada de Ferro D.
Pedro II; Cia. Paulista; Cia. Mogiana; E.F. Ituana; E.F. Sorocabana; entre outras27. Em Pernambuco destacam-se: Recife and San Francisco Railway Company Limited; Great Western Railway Company Limited; Estrada de Ferro do Sul de Pernambuco; Estrada de Ferro Central de Pernambuco; entre outras28. Na Bahia, a instalação de estradas de ferro não interessou aos potenciais investidores locais e, segundo Kátia Mattoso, se houve liberação de recursos após a abolição do tráfico negreiro, em 1850, esses não se dirigiram para as ferrovias. As principais foram criadas com capitais ingleses, mas seu desenvolvimento foi uma sucessão de fracassos 29 , lá destaca-se a Bahia and San
Francisco Railway Company; A Tram-Road Paraguaçu, rebatizada de Estrada de Ferro Central da Bahia. No sul do país destaca-se a ferrovia Curitiba-Paranaguá30. Para Minas Gerais, Francisco Iglésias coloca os seguintes números para a malha ferroviária mineira em 1889:
“Estrada de Ferro Pedro II – 391.714 m; Leopoldina – 783.716 m; Oeste de Minas (sobre a qual tratamos adiante) – 320.000 m; Minas e Rio – 147.000 m; Juiz de Fora a Piau – 59.780 m; Mogiana – 121.000 m. Ao todo, 1.803 quilômetros e 210 metros, número expressivo, uma vez que a extensão da rede imperial, no fim de 1888, era de 9.200 quilômetros em exploração, outro tanto em construção”31.
A influência britânica na composição ferroviária do Brasil imperial foi enorme até meados da década de 187032, tanto pelos investimentos diretos quanto nos empréstimos às companhias nacionais. Também da Inglaterra vieram os engenheiros, os trabalhadores especializados, as locomotivas a vapor, os ferros dos vagões e carros de passageiros e o carvão. É certo, porém, que as ferrovias eram muito caras e nem todas as construídas trouxeram lucro para os investidores ou resolveram os problemas de escoamento da produção. Mas o efeito das ferrovias se fez sentir, seja mudando
totalmente os traçados das estradas de rodagem provinciais já existentes, seja pela aparição de novas que se direcionavam para ferrovia ou abandono várias outras. As tropas de mula, que faziam transporte de longa distância, foram paulatinamente substituídas pelos carros de boi, que faziam o transporte de curta distância, até a estação mais próxima. As estradas de ferro modificaram significativamente os sistemas produtivos que existiam anteriormente e deram grande impulso a novas áreas produtoras,
sobretudo do café. Por exemplo, no vale do Paraíba elas foram um dos fatores que ajudaram no desarranjo da economia cafeeira e, em São Paulo, foram verdadeiras colonizadoras dos sertões.
Com o advento da República consolida-se durante os governos da década de 1890 um modelo liberal excludente, a “República Oligárquica com cidadania exclusiva para os grandes proprietários, os barões do café e os coronéis, com seus vastos domínios privados”33. Arias Neto coloca que as ferrovias no centro-sul se concentravam até 1884 principalmente na região cafeeira do Vale do Paraíba 34 e as ferrovias nordestinas atendiam principalmente a cultura da cana e engenhos de açúcar. Para o autor, a expansão ferroviária que se dá a partir da década de 1880 coincide com a ampliação da exportação do café e isto é um indicativo de “que a economia cafeeira dinamizou e simultameamente foi dinamizada pela melhoria do sistema de transporte”35, ou seja, a expansão do café estimulou e foi estimulada pelos melhoramentos na infra-estrutura e pela indústria remanescente do período imperial, incluindo aí o melhoramento de portos e ferrovias.



15 Op. cit., p.60.
16 Op. cit., p.61.
17 Eric J. Hobsbawm. O Mundo Unificado. In: Eric J. Hobsbawm. A Era do Capital. 10ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2004, p. 86.
18 Eric J. Hobsbawm. O Mundo Unificado. In: Eric J. Hobsbawm. A Era do Capital. 10ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2004.
19 Op. cit., p. 91.
20 Op. cit., p. 92.
21 Lidia Maria Vianna Posas. Mulheres, trens e trilhos- modernidade no sertão paulista. Bauru-SP, EDUSC, 2001, p. 44.
22 Ver Apêndice 4.
23 Loc. cit. Renê Fernandes Schoppa. 150 anos do Trem no Brasil. S.L.: Milograph, 2004, p. 22.
24 Renê Fernandes Schoppa. 150 anos do Trem no Brasil. S.L.: Milograph, 2004, p.30.

25 Almir Chaiban El-Kareh. Filha Branca de Mãe Preta: A Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II, 1855-1865.
Petrópolis, RJ, Vozes, 1980.
26 Demerval José Pimenta. Caminhos de Minas Gerais. In: Demerval José Pimenta, Arysbure Batista Eleutério, Hugo Caramuru. As Ferrovias em Minas Gerais. Belo Horizonte-MG, SESC/MG, 2003
27 V. Renê Fernandes Schoppa. 150 anos do Trem no Brasil. S.L.: Milograph, 2004, pp. 90-113.
28 V. Op. cit., pp. 144-147. Cf. Hugo Caramuru. Histórias da EFOM e Sucessoras. In: Demerval José Pimenta, Arysbure Batista Eleutério, Hugo Caramuru. As Ferrovias em Minas Gerais. Belo Horizonte-MG, SESC/MG, 2003, pp. 62-64.
29 V. Kátia M. de Queirós Mattoso. Relações e Comunicações. In: Kátia M. de Queirós Mattoso. Bahia Século XIX – Uma Província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
30 V. Renê Fernandes Schoppa. 150 anos do Trem no Brasil. S.L.: Milograph, 2004, pp. 119-122.

31 Francisco Iglésias. Política Econômica do Govêrno Provincial Mineiro. Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1958, p.167.
32 Afonso de Alencastro Graça Filho & Douglas Cole Libby. As Ferrovias e a Modernização dos Centros Urbanos. In: Afonso de Alencastro Graça Filho & Douglas Cole Libby. A Economia do Império Brasileiro. São Paulo, Atual, 2004.
33 Elio Chaves Flores. A consolidação da República: rebeliões de ordem e progresso. In: Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2003, p. 82.
34 V. José Miguel Arias Neto. Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado (orgs.). O Brasil Republicano: O tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
35 José Miguel Arias Neto. Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: ibid., p.208.

Capítulo 2 – Os Ventos da Modernidade: As Primeiras Marcas da Ferrovia em São João del-Rei
2.1 – As primeiras discussões
Na segunda metade do século XIX, foram introduzidas no país melhorias nos sistemas de transporte: estradas de ferro, portos, estradas de rodagem como a União e Indústria que ligava Juiz de Fora a Petrópolis entre outras. Essas melhorias tiveram impacto nas comunicações entre São João del-Rei e a corte a medida que se aproximavam da região desta cidade. Quanto mais perto, mais rápido as comunicações se efetivavam. A aproximação da E.F. D. Pedro II modificou completamente o regime
de tropas que existia em São João del-Rei, pois as tropas passaram a ligar esta cidade à estação mais próxima da E.F. D. Pedro II e não mais diretamente à Corte. Com isso, muito provavelmente as tropas passaram a fazer mais viagens, aumentando ainda mais o comércio entre São João del-Rei e a Corte.
No periódico “O Arauto de Minas”, desde a primeira edição, em 08 de março de 1877, estão presentes discussões sobre ferrovia. Na segunda edição se encontra uma discussão interessante em torno do traçado que deveria ser adotado pela E.F. D. Pedro II. Estão em questão dois projetos: a linha das Taipas e a linha do Alto São Francisco. A linhas das Taipas foi o traçado adotado pela E.F. D. Pedro II, que atendendo a região de Ouro Preto, chegaria ao rio São Francisco acompanhando o rio
das Velhas. O projeto da linha do Alto São Francisco, concretizado posteriormente pela Estrada de Ferro Oeste de Minas, também visava chegar ao rio São Francisco, porém acompanhando os rios Pará e Paraopeba. Este projeto atenderia a região de São João del-Rei, n’“O Arauto de Minas” se encontra a ferrenha defesa deste projeto:
Depois da introdução de braços que auxiliem a lavoura, a questão que mais de perto nos interessa é a de ramificações de estradas de ferro pela Provincia.
(...) A direcção da Estrada de Ferro D. Pedro II pelas Taipas é a que menos consulta aos interesses da Provincia e até aos interesses geraes do Imperio.
Fazendo-se abstracção dos municipios de Ouro Preto e poucos circumvisinhos, não ha quem pense de bons modos a este respeito, á menos que não esteja sob a injustificada preocupação de ter essa estrada por ponto terminal o Rio das Velhas.
(...) Na prosecução de seus fins esta grande estrada de ferro percorrendo o Valle do Rio das Mortes, viria então bifurcar-se nesta Cidade, dirigindo-se pelo Parà para o norte de Matto Grosso e Goyas, e pelo Valle do Rio Grande para o sul d’aquella Provincia.
(...)Assim sobre estas vistas patriotas e largas a parte da estrada de ferro que fôr ao Rio das Velhas será um ramal de mesquinhas proporções e contada utilidade. (...) sendo alem disso argumento rematante termos em via de execução o prolongamento da estrada da Leopoldina á Ponte Nova e
d’ahi até as proximidades do Rio das velhas que attingirà com pequeno dispendio.
(...) É realmente absurdo neste caso a construcção paralella de duas linhas com seus extremos comuns.
Desde que a iniciativa particular tomou a se servir o Valle do Rio das Velhas atravessando municípios proprios à cultura do café, cumpre ao Estado convergir suas vistas para a parte central desta Provincia
consultando assim vitaes interesses do Imperio.36
Notamos um certo despeito do autor deste artigo ao constar que a Estrada de Ferro D. Pedro II estava tomando um rumo diferente do desejado por ele – seu desejo representando teoricamente o de toda a cidade. Desde de 1873 havia uma concessão de estrada de ferro37 que visava a ligação da Estrada de Ferro D. Pedro II, que cortaria as vertentes do Rio das Mortes, a um ponto navegável do Rio Grande e pelo lado oeste fosse às divisas da Província, ou seja, já existia uma concessão que cobriria o traçado da linha do Alto São Francisco. Mas teria muito mais status ter em São João del-Rei a “Imperial Estrada D. Pedro II” que uma simples estrada de ferro provinciana.
O teor do artigo citado acima parece ter atingido os concessionários Luiz Augusto de Oliveira e José de Rezende Teixeira Guimarães que se mobilizaram e, já na quarta edição de 31 de março de 1877, há uma convocação feita por ambos para reunião onde a discussão visaria dar os primeiros passos para a concretização da estrada de ferro.
O fim d’esta reunião é constituir-se a directoria da empreza, cuja sede serà em S. João d’El-Rei, e discutir-se os meios mais efficazes para a defitiva (sic) incorporação da companhia.
Constituída a administração da estrada , tomará ella conhecimento da proposta de uma sociedade de engenheiros e capitalistas constructores, representada pelo Dr. Luiz Alves de Sousa Lobo, o qual submetterà à consideração da directoria para esta resolver como julgar mais acertado aos interesses da emprêza38.
Esta sociedade propõe-se à completa execução de toda linha, inclusive o material rodante e fixo e as estações, recebendo em pagamento acções no valor de um terço do capital para isto necessario.
Appellando os concessionarios da estrada de ferro de Oeste para o patriotismo que distingue os briosos Mineiros, esperão que secundarão a empreza, por todos os meios à seo alcance, no intuito de tornar-se uma realidade, em breve tempo, este notavel melhoramento, que vem abrir novos horisontes às industrias commercial, agricola e manufactureira destas ferteis regiões.
Curiosa esta convocação somente duas semanas após a publicação neste mesmo periódico da defesa da adoção do traçado do Alto São Francisco pela E.F. D. Pedro II, passando por São João del-Rei. Mas, curiosa também foi a atitude do periódico que, com a derrota definitiva do traçado do Alto São Francisco, abraçou como alternativa a Estrada de Ferro de Oeste. Apesar do ranço da derrota infligida ao projeto do Alto São Francisco:
Esta estrada tem diante de si um futuro esplendido, e com bem fundadas razões julgamos que melhor consultará as necessidades da Provincia, que o tronco da Estrada de Ferro de D. Pedro II que cortando
pelas Taipas vae em demanda do navegavel rio das Velhas.39
Vem o esforço particular sanar o erro no traçado da ESTRADA DE FERRO DE D. PEDRA II (sic), erro que profligaremos sempre como Brazileiros.40
Nota-se um otimismo enorme com o início das conversações visando a concretização da Oeste:
A cidade de S. João del-Rei, que por esta estrada de ferro vae tornar-se emporio de activo commercio e ponto convergente de grande importancia pela bifurcação de diversos ramaes ferreos, jubilosa saúda aos distintos concessionarios, desejando-lhes nós por nossa parte um exito digno de tão grandiosa empreza.41
Nos meses subseqüentes este otimismo aumenta progressivamente, mesmo a conjuntura sendo de depressão econômica, conforme aponta Graça Filho42:

O aniquilamento de S. João d’El-Rei, devido a disseminação de seu antigo commercio, só poderá ser conjurado realisando-se este transcendente melhoramento.43
A ferrovia era esperada como salvação para o comércio e para renovação da mão-de-obra. Parecia existir nítida a percepção de que se passava por uma crise, além de se ter claro que a escravidão se aproximava do fim. Se vislumbrava a ferrovia como fator de incentivo à vinda de mão-de-obra européia:
Só estas estradas resolvem o problema da colonisação, vital para a nossa prosperidade, pela revolução social produzida pela LEI AUREA (sic).
Os Europeus, que justamente preferimos para colonisação, acostumados á rapida locomoção e ao contacto imediato com os grandes mercados, não se resignam a viver no quasi isolamento em que se acha a nossa população, exigem taes meios de transporte pelo grande e certo resulta do de dar valor a toda sorte de producção ainda a mais insignificante.44
No Brasil, junto com as ferrovias e outros empreendimentos industriais de maior porte, adveio também, entre outros elementos, o princípio da associação de tipo capitalista, que foi absorvido aos poucos pelos brasileiros. Fica evidenciada a assimilação deste príncipio por indivíduos que viviam em São João del-Rei e a consciência da pouca difusão no país na seguinte passagem:
Tudo isto é certamente pelo pouco espirito de associação que reina entre os brazileiros, que abandonam a riqueza e esperão que a mão do estrangeiro venha extrahita da terra! 45
A lei provincial nº 2.39846, de 5 de novembro de 1877 limitou a concessão da ferrovia, introduzindo modificações na concessão regulamentadas pelas leis provinciais nº 1.914 de julho 1872 e nº 1.98247 de abril de 1873, à construção somente da 1ª seção, até São João del-Rei, tendo fixado em 2.400 contos de réis o capital máximo da companhia que se constituísse. Esta lei foi um fator de incentivo à
concretização da Oeste de Minas, já que passava o capital mínimo de 4 mil contos48 para capital máximo de 2,4 mil contos. A mesma lei retirava as multas caso não se construísse as demais seções previstas na lei n.º 1.914, além de retirar os prazos previstos, ou seja, retirava a obrigação de se construir as demais seções previstas na lei n.º 1.914 caso o empreendimento não obtivesse sucesso.

36 “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 02, 17/03/1877.
37 A lei provincial nº 1.914, de 19 de julho de 1872, autorizou o Governo a conceder garantia de juros até 7% sobre capital não inferior a 4 mil contos de réis, ou subvenção de 9 contos de réis por quilômetro de estrada construída, e a
lei nº 1.982, de 11 de novembro de 1873, em virtude de contrato firmado em 30 de abril do mesmo ano, concedeu privilégio por cinqüenta anos à empresa de que eram concessionários José de Rezende Teixeira Guimarães e Luiz Augusto de Oliveira, para o estabelecimento de uma estrada de bitola estreita que, partindo da Estrada de Ferro D. Pedro II, nas vertentes do Rio das Mortes, se dirigisse a um ponto navegável do Rio Grande, e, daí, pelo lado Oeste, fosse ter ás divisas da Província.
38 “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 04, 31/03/1877.
39 “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 04, 31/03/1877.
40 “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 05, 08/04/1877.
41 “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 04, 31/03/1877.
42 Afonso de Alencastro Graça Filho. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais São João del Rei (1831-1888). São Paulo, Annablume, 2002, p. 186. O autor afirma que atravessava-se uma conjuntura de depressão e queda de preços, fase B do ciclo de Kondratieff.
43 “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 37, 18/11/1877.
44 “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 05, 08/04/1877.
45 “O Arauto de Minas”. Ano I, ed. 34, 28/10/1877.
46 Ver Apêndice 4.
47 Ver Apêndice 3.
48 Definido pela lei provincial nº 1.914 de 19 de julho de 1872



2.2 – A Concretização
Com a inauguração da Estação Sítio da E.F. D. Pedro II em 187849 e com os incentivos postos pela lei nº 2.398 de 1877 foi possível iniciar o empreendimento do qual eram concessionários Luiz Augusto de Oliveira e José de Rezende Teixeira Guimarães. Estes, juntamente com diversas pessoas da cidade de São João del-Rei e adjacências 50 que investiram no empreendimento, organizaram uma comissão que iniciou os trabalhos da organização de uma sociedade anônima, em 2 de fevereiro de
1878, sob a denominação de Companhia Estrada de Ferro de Oeste (Minas).
A primeira diretoria eleita, composta por Aureliano Martins de Carvalho Mourão 51 , José da Costa Rodrigues e Antônio Dias Bastos, reconhecendo a desvantagem do emprego apenas da captação de capitais pela venda de ações, dada a má condição das praças comerciais do Império52 naquela época, propôs aos acionistas a opção pela subvenção de 9 contos de réis por quilômetro de estrada concluída, de que tratava a lei 1.914, de 19 de julho de 1872, anteriormente citada.
Habilitada a funcionar, foram os estatutos da Companhia aprovados por decreto provincial nº 6.977, de 20 de julho de 187853, e iniciados logo os serviços de exploração e organização do projeto. Depois de convenientes estudos ficou assentado o entroncamento, na estação de Sítio, com a E.F. D. Pedro II, tendo sido aprovado pelo Presidente da Província, sob a base de bitola provisória máxima de um metro, todo o traçado da estrada até São João del-Rei. Atendendo, entretanto, às condições da zona e a
razões de ordem econômica, estabeleceu-se, em definitivo, a bitola de 0,76m.
A expectativa da chegada da ferrovia foi enorme. N’“O Arauto de Minas” constam depoimentos inflamados em prol da ferrovia, até mesmo poesias54. A ferrovia parece ter mobilizado uma parcela considerável da população, inclusive na compra de ações, como podemos ver n’“O Arauto de Minas”:
Agora o que caracterisa particularmente este comettimento é a accentuada feição popular que elle tomou. Não forão só grandes capitalistas que a elle vieram trazer auxilio dos seus capitaes.
Bem ao contrario.
Os pequenos, os menos favorecidos da fortuna, concorrerão em grande numero a trazer á commum empreza o peculio das suas economias. Uma grande maioria de accionista não possue mais de 5 acções cada um e ha muitos que subscreveram uma só, ou porque a mais não chegavão seus recursos, ou porque para outros fins precisavão de seus modestos haveres.
(...)
Outros tomarão d’aqui lição, e ficarão sabendo que os pequenos capitaes reunidos e bem dirigidos podem obter grandes conquistas no commercio, na industria, na vida publica55.
Em 30 de setembro de 1880 foi aberto o tráfego, com a inauguração das estações de Sítio e Barroso, além do posto telegráfico de Ilhéus56 , totalizando 49 quilômetros que custaram 330:888$876, ou seja 7:000$000 por quilômetro construído, dispunha nesse momento a Companhia de duas locomotivas fabricadas pela norteamericana “Baldwin Locomotive Works” de Philadelphia, e alguns carros e vagões57 construídos nas oficinas da Pedro II58.
Entre a abertura de tráfego da 1ª e da 2ª seção funcionou um serviço de navegação no Rio das Mortes, ligando Barroso à São João del-Rei. Sem a ferrovia não haveria motivos para sua existência dessa navegação que concorreu diretamente com as tropas que se limitaram, neste momento, em ligar Barroso à São João del-Rei:
Esta empreza que se denominará – Navegação do Rio das Mortes, por ter de se utilizar por meio de barcos – apropriados á navegação d'este rio, em cerca de sete léguas, entre São João d'El-Rei e Barroso, se encarregará de receber e expedir carga de S. João para todos os lugares servidos
pela estrada de D. Pedro 2º, e seus ramaes, cobrando um frete nimiamente (sic) barato em relação ao que actualmente se cobra do Sitio á esta Cidade59.
Em fins de julho de 1881, terminada a construção de todo o trecho, até São João del-Rei, foi posto em tráfego o seguinte material rodante : 4 locomotivas, 4 carros de 1ª. classe, 4 de 2ª classe., l de luxo, 2 de bagagens, 2 de animais, 15 vagões fechados, 10 abertos e l carro guindaste60. Com esse material e a existência de 4 estações : Sítio, Barroso, São José del-Rei61, São João del-Rei e dois postos telegráficos, Ilhéus e Capão Redondo, foi feita a inauguração oficial de toda a linha, em 28 de agosto de 1881, com a presença do Imperador D. Pedro II e dois ministros, Agricultura e Marinha62.



49 V. Hugo Caramuru. Histórias da EFOM e Sucessoras. In: Demerval José Pimenta, Arysbure Batista Eleutério, Hugo Caramuru. As Ferrovias em Minas Gerais. Belo Horizonte-MG, SESC/MG, 2003, p. 82.
50 Ver Apêndice 5.
51 Na época, representante conservador na Assembléia Provincial, logo eleito para a Câmara dos Deputados do Império.
52 Loc. cit. Mucio Jansen Vaz. Estrada de Ferro Oeste de Minas – Trabalho Histórico Descriptivo (1880-1922). Edição própria, 1922, p. 6. Cf. Afonso de Alencastro Graça Filho. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais São João del Rei (1831-1888). São Paulo, Annablume, 2002, p. 186.
53 Paul E. Waters. West of Minas Narrow Gauge. P. E. Waters & Associates, s.l., 2001, p. 5.
54 Ver Apêndice 6.

55 “O Arauto de Minas”. Ano II, ed.11, 23/06/1878.
56 Renomeado posteriormente para Padre Brito.
57 Para o transporte de passageiros e para o transporte de cargas respectivamente.
58 Loc. cit. Mucio Jansen Vaz. Estrada de Ferro Oeste de Minas – Trabalho Histórico Descriptivo (1880-1922). Edição
própria, 1922, p. 7.
59 “O Arauto de Minas”. Ano II, ed. 38, 01/01/1879.


2.3 – O Saldo Político
No contexto logo anterior à chegada da ferrovia na cidade tanto conservadores como liberais buscaram se apropriar do trem como símbolo do poder.
Agostini nos mostra um embate entre os periódicos “O Arauto de Minas” e o “Tribuna do Povo”, representando respectivamente o Partido Conservador e o Partido Liberal na cidade na época da chegada da ferrovia. Segundo Agostini, (...) com o advento da Revolução Industrial, dos transportes, os
binômios velocidade/riqueza e progresso/modernidade se fundem no Brasil pré-modernista. Velocidade e riqueza foram os principais protagonistas nas festas de inauguração perante toda sociedade, e vinham aumentando em importância. Progresso e modernidade simbolizavam poder.63
Ainda de acordo com a autora, os trilhos traziam consigo a esperança num grande futuro.
No caso em questão, o poder simbólico estava vinculado ao capital simbólico disputado pelos partidos imperiais que possuíam atitudes, interesses, práticas e ações semelhantes. O que diferenciava, no plano do capital simbólico, era apenas a hegemonia do partido monopolizador do conceito. Logo, o simbolismo era um bem particular onde a disputa acontecia entre iguais, dominantes versus dominantes.64 Os conservadores saíram na frente desta disputa, tendo um partidário, o deputado Aureliano Mourão como presidente da diretoria da Estrada de Ferro do Oeste. Este fato colocou mais ainda em evidência a disputa pelo símbolo da modernidade e do progresso, a ferrovia, com trocas de farpas entre liberais e conservadores:
”Acaba de chegar do Sitio onde fora assistir o assentamento dos primeiros trilhos, na estrada de ferro d'Oeste, o nosso distinto correligionário Sr. Dr. Aureliano Martins de Carvalho Mourão (...) e diante dos prodígios operários parte de sua energia e inteligência e rir-se dos parlapatões liberais.65”
Aureliano Mourão, presidente da E.F. Oeste, aparecia no periódico conservador como o elemento principal do engrandecimento e prosperidade de São João del-Rei. Os conservadores apropriaram-se de modo mais eficaz do símbolo do progresso e modernidade como instrumento de dominação, obtendo a direção do empreendimento, e alcançaram triunfo no pleito eleitoral de 1880. Na eleição municipal tiveram um resultado final com esmagadora vitória pela eleição de vereadores em todo o município.
Os eleitores e a sociedade como um todo pareciam já dominados pelos conservadores.
Nas eleições gerais de 1881, os conservadores reafirmaram o seu poder vencendotambém nas eleições para a representação nacional:
Os conservadores que apregoavam uma maioria absoluta no distrito não encontrarão obstáculos em seus intentos, porque lança mão de todos os meios, ainda os mais incofessáveis, para triunfos66.
A partir do fim do Levante Liberal de 1842, os conservadores passaram a ser a principal força política na cidade. A ferrovia provavelmente concentrou mais ainda essa força nas mãos deles. Para Agostini,
(...) a ferrovia foi igual a progresso e modernidade, o símbolo foi garantia de obediência social, pelo menos no que diz respeito a opção eleitoral, graças à melhoria e incremento, ao menos de imediato, do número de indústrias, o aumento do valor das terras, a cessação das despesas públicas, uma vez que a estrada (de rodagem) ia ser substituída pela linha férrea, a influência das facilidades de comunicação (...) 67 entre outros benefícios trazidos pela ferrovia. Prova disto é que nas eleições nacionais de 31 de Agosto de 1889, portanto 8 anos depois da implantação da ferrovia, Aureliano
Mourão ainda colhia frutos da apropriação do trem como símbolo de poder, pelo menos no núcleo urbano de São João del-Rei. Ele foi o candidato mais votado no referido núcleo urbano, tendo 78, contra 57, 35 e 31 dos demais candidatos; além disso, ele obteve números consideráveis nos distritos de Santa Rita, Conceição e Ibituruna, distritos atendidos pela ferrovia; no distrito Nazaré foram 21 votos contra 1 de cada dos outros candidatos68 distrito também atendido pela ferrovia.
A ferrovia deixou suas marcas na política local, concentrando ainda mais o poder nas mãos dos conservadores até o fim do Império. Com a direção da E.F. Oeste, os conservadores conquistaram a maior parte do eleitorado de São João del-Rei. Vários nomes ligados à ferrovia se ligaram ao meio político na época, além de Aureliano Mourão, atuaram na Câmara de Vereadores da cidade Leite de Castro, Antônio Rocha, Hermillo Alves.


60 Loc. cit. Relatório da Estrada de Ferro Oeste de Minas de 1882, p. 12.
61 Renomeada posteriormente para Tiradentes.
62 V. Relatório da Estrada de Ferro Oeste de Minas de 1882, p. 25.
63 Alzenira da Silva Agostini. O Impacto da Ferrovia na São João del-Rei Oitocentista. Monografia do curso de especialização “História de Minas – século XIX” da FUNREI, 1996, p.14.
64 Alzenira da Silva Agostini. O Impacto da Ferrovia na São João del-Rei Oitocentista. Monografia do curso de especialização “História de Minas – século XIX” da FUNREI, 1996, 1996, p.16.
65 “O Arauto de Minas”. Ed. 54, 19/03/1878.
66 “Tribuna do Povo”, de 17/12/1881. Apud. Alzenira da Silva Agostini. O Impacto da Ferrovia na São João del-Rei Oitocentista. Monografia do curso de especialização “História de Minas – século XIX” da FUNREI, 1996, p.20.
67 Alzenira da Silva Agostini. O Impacto da Ferrovia na São João del-Rei Oitocentista. Monografia do curso de especialização “História de Minas – século XIX” da FUNREI, 1996, pp.20-21.
68 “A Pátria Mineira”. Ed. 17, 05/09/1889.

Capítulo 3 – Os Impactos Físicos no Núcleo Urbano de São João del-Rei

3.1 – A Expansão da Oeste de Minas

Neste item procuraremos mostrar o que foi a E.F. Oeste de Minas a partir da expansão de sua rede, iniciada em 1887, passando pela navegação, pela construção da linha de bitola métrica que ligou a E.F. Goiás, em Formiga, à Barra Mansa na região sul-fluminense. Além de tocar no período da liqüidação forçada e na aquisição pelo Governo Federal.
Procurando meios para seu desenvolvimento, a Companhia buscou prolongar a sua linha, tratando logo de adquirir a concessão, então existente, de uma estrada de ferro que, partindo de São João del-Rei, se dirigisse a Oliveira, com um ramal para Ribeirão Vermelho. Tratou também de auxiliar a criação de núcleos de imigrantes ao longo da zona percorrida pela estrada e ao longo da que viria ser percorrida, buscando com essas ações a prosperidade da empresa que viria com o crescimento da produção.
Um dos primeiros atos da diretoria da Oeste eleita em 9 de setembro de 1884 foi adquirir a Estrada de Ferro de São João del-Rei a Oliveira69. No início de 1886 a Oeste inaugurou os trabalhos de construção em São João del-Rei70. Em outubro de 1887 foi inaugurado o trecho até Oliveira e em abril de 1888 o de Ribeirão Vermelho, pontos terminais da concessão. O traçado, na extensão de 221 quilômetros, sendo 172 do tronco e 49 do ramal, estendia-se por um lado até Oliveira e por outro, pela margem direita do Rio Grande, até a foz do Ribeirão Vermelho, que ficaria como ponto inicial da franca navegação daquele rio71, tendo como ponto terminal a foz do rio Sapucaí. A Oeste obteve privilégio exclusivo, por 10 anos, para a respectiva exploração72.
O estabelecimento de tal navegação, num percurso de mais de 200 quilômetros, foi assunto de preocupação da Companhia, pelas grandes vantagens que ela poderia obter, por se tratar de uma zona percorrida pelo mesmo rio, de terras fé.

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