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Escopo: São João del-Rei | Tiradentes | Ouro Preto | Minas Gerais | Brasil | Mundo
Plantas da Semana Santa . Luiz Cruz*
Descrição
“Até pouco tempo atrás, buscar rosmaninho para as Festas de Passos e a Semana Santa era um programa imperdível para a meninada”
O roxo invadiu a Serra de São José, é tempo da quaresma e as quaresmeiras explodem em flores. São diversos tons de roxo, tamanhos e formas curiosas. Partindo do roxo purpurado escuro, vamos ter uma variedade de cores de quaresmeira para encher os olhos e a alma. Tons rosa, vermelho, branco, amarelo e até o surpreendente tom laranja forte da Cambessedesia tiradentensis, que é considerada uma planta criticamente ameaçada de extinção. A combinação é perfeita, enquanto os altares de nossas igrejas setecentistas são encobertos por tecidos roxos do tempo quaresmal, a Serra de São José também se colore com o roxo da melastomataceae. As quaresmeiras da Serra de São José foram tema da dissertação de mestrado de Rosana Augstroze Rutter Drumond, sob o título Melastomataceae da Serra de São José, MG, no Programa de Pós-graduação de Ciências Biológicas da UFRJ, foram levantados 17 gêneros e 56 espécies.
Na Quarta-feira de Cinzas, é realizada a Missa de Cinzas e os fieis vão à igreja para receber as cinzas. A cinza é das folhas do coqueirinho da serra, que é conhecido também como aricanga, Geonoma schottiana. Esta planta que já ocorreu ao longo de toda a Serra de São José, ficou bastante comprometida pelo uso indiscriminado ao longo dos anos. Atualmente, encontramos poucos exemplares em pontos estratégicos da serra e de difícil acesso. O coqueirinho da serra é utilizado na Procissão de Domingo de Ramos. A igreja de onde se sai a procissão é toda enfeitada por suas folhas e troncos e a igreja que a recebe também. Após, a cerimônia de saudação a Cristo entrando em Jerusalém, as folhas da arincanga são levadas para casa, ficam atrás de quadros de imagens sacras para proteger os lares e utilizadas para abrandar tempestades, trovoadas, raios e ventanias fortes. As folhas são queimadas e Santa Bárbara é invocada para acalmar o tempo ruim. Uma parte das folhas de aricanga fica guardada em um dos cômodos da Matriz de Santo Antônio até o ano seguinte, quando são queimadas e suas cinzas utilizadas na missa de Quarta-feira de Cinzas, quando os fieis recebem a bênção e a cruz de cinzas na testa. Nos últimos anos, vimos um certo exagero no uso do coqueirinho da serra, além do uso das folhas, muitos pés foram cortados. Atualmente, o coqueirinho utilizado nas cerimônias de Tiradentes é colhido na região de Emboabas, distrito de São João del-Rei.
Até pouco tempo atrás, buscar rosmaninho, Hyptis capinofolia, para as Festas de Passos e para a Semana Santa era um programa imperdível para a meninada de Tiradentes. Fiz isso todos os anos e ainda faço este programa com o meu filho, para manter a deliciosa tradição. O rosmaninho que se alastra também em solos pobres e quase todas as áreas de pastagens dá um toque mágico no tempo quaresmal. Suas folhas são colocadas no piso das igrejas, dentro das Capelas de Passos e são atiradas ao chão por onde as procissões passam. O perfume do rosmaninho nos deixa mais leves, automaticamente nos inspira e nos remete ao tempo de dor e paixão de Cristo. Na Procissão de Depósito de Passos, uma das mais antigas de Tiradentes, que vem sendo realizada desde 1722, o perfume do rosmaninho estará presente mais um ano, ajudando manter viva essa comovente celebração.
A arnica da Serra de São José, Lychnophora passerina, também é uma planta essencial nas cerimônias sacras. A planta do campo rupestre, que também é extraída sem controle ou mesmo nenhuma orientação, está cada vez mais reduzida. A arnica florida tem flores de tons roxos e são colocadas nos altares e andores. Os fieis levam para casa seus galhos e fazem garrafadas com álcool. A garrafada de arnica é utilizada para limpeza de ferimentos, picadas de insetos e contusões.
A orquídea Cattleya loddigesii é uma planta que a primeira vista nos remete ao tempo quaresmal. Sua bela flor de tom roxo claro e muito delicado é utilizada para enfeitar o andor de Nosso Senhor dos Passos, que percorre as tricentenárias ruas de Tiradentes, perfumadas pelo rosmaninho e ao som fúnebre da Orquestra e Banda Ramalho (que este ano celebra os seus 150 anos de participação na vida cultural da cidade). A imagem de roca que fica em seu altar lateral da Matriz de Santo Antônio é preparada para as procissões, a do Depósito de Passos e depois a do Encontro. Após todos os preparos, a imagem recebe em sua mão uma palma feita com a orquídea Cattleya loddigesii.
A Cattleya loddigesii é uma planta praticamente extinta na Serra de São José. O Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes e o Corpo de Bombeiros Voluntários vêm denunciando, há cerca de vinte anos, a retirada de orquídeas da serra para o comércio clandestino, mas infelizmente nada foi feito para combater este crime ambiental. Por isso, esta e outras espécies correm o risco de desaparecer completamente de seu habitat natural. As orquídeas utilizadas para a palma de Nosso Senhor dos Passos são doadas por pessoas que cultivam esta planta, especialmente para este objetivo. O pesquisador Ruy José Volka Alves realizou ampla pesquisa sobre as orquídeas e publicou o Guia de Campo das Orquídeas da Serra de São José, obra fundamental para se entender a importância dessas plantas.
O manjericão e o alecrim que são cultivados nos quintais também enfeitam e perfumam os andores de Nossa Senhora das Dores, de Nosso Senhor dos Passos e o esquife com a imagem do Senhor Morto, que percorre em procissão, na Sexta-feira da Paixão, após a cerimônia do Descendimento da Cruz. O alecrim e o manjericão são amplamente utilizados em Portugal, herdamos dos portugueses o uso dessas plantas aromáticas nas cerimônias religiosas.
As plantas da Serra de São José contribuem muito para que as cerimônias sacras da Semana Santa de Tiradentes tenham um caráter muito especial, que envolve nossos sentidos, especialmente o olfato e a visão. Não podemos esquecer dos repiques e dobrados fúnebres dos sinos, que ecoam pela serra afora. Mas, para que possamos manter este uso tradicional tão antigo e arraigado em nossas memórias, precisamos preservar a Serra de São José, que é um monumento histórico e natural, merecendo ser protegido.
* professor e associado do Instituto Histórico e
Geográfico de Tiradentes
Fonte: Gazeta de São João del-Rei . 26/03/2010
O roxo invadiu a Serra de São José, é tempo da quaresma e as quaresmeiras explodem em flores. São diversos tons de roxo, tamanhos e formas curiosas. Partindo do roxo purpurado escuro, vamos ter uma variedade de cores de quaresmeira para encher os olhos e a alma. Tons rosa, vermelho, branco, amarelo e até o surpreendente tom laranja forte da Cambessedesia tiradentensis, que é considerada uma planta criticamente ameaçada de extinção. A combinação é perfeita, enquanto os altares de nossas igrejas setecentistas são encobertos por tecidos roxos do tempo quaresmal, a Serra de São José também se colore com o roxo da melastomataceae. As quaresmeiras da Serra de São José foram tema da dissertação de mestrado de Rosana Augstroze Rutter Drumond, sob o título Melastomataceae da Serra de São José, MG, no Programa de Pós-graduação de Ciências Biológicas da UFRJ, foram levantados 17 gêneros e 56 espécies.
Na Quarta-feira de Cinzas, é realizada a Missa de Cinzas e os fieis vão à igreja para receber as cinzas. A cinza é das folhas do coqueirinho da serra, que é conhecido também como aricanga, Geonoma schottiana. Esta planta que já ocorreu ao longo de toda a Serra de São José, ficou bastante comprometida pelo uso indiscriminado ao longo dos anos. Atualmente, encontramos poucos exemplares em pontos estratégicos da serra e de difícil acesso. O coqueirinho da serra é utilizado na Procissão de Domingo de Ramos. A igreja de onde se sai a procissão é toda enfeitada por suas folhas e troncos e a igreja que a recebe também. Após, a cerimônia de saudação a Cristo entrando em Jerusalém, as folhas da arincanga são levadas para casa, ficam atrás de quadros de imagens sacras para proteger os lares e utilizadas para abrandar tempestades, trovoadas, raios e ventanias fortes. As folhas são queimadas e Santa Bárbara é invocada para acalmar o tempo ruim. Uma parte das folhas de aricanga fica guardada em um dos cômodos da Matriz de Santo Antônio até o ano seguinte, quando são queimadas e suas cinzas utilizadas na missa de Quarta-feira de Cinzas, quando os fieis recebem a bênção e a cruz de cinzas na testa. Nos últimos anos, vimos um certo exagero no uso do coqueirinho da serra, além do uso das folhas, muitos pés foram cortados. Atualmente, o coqueirinho utilizado nas cerimônias de Tiradentes é colhido na região de Emboabas, distrito de São João del-Rei.
Até pouco tempo atrás, buscar rosmaninho, Hyptis capinofolia, para as Festas de Passos e para a Semana Santa era um programa imperdível para a meninada de Tiradentes. Fiz isso todos os anos e ainda faço este programa com o meu filho, para manter a deliciosa tradição. O rosmaninho que se alastra também em solos pobres e quase todas as áreas de pastagens dá um toque mágico no tempo quaresmal. Suas folhas são colocadas no piso das igrejas, dentro das Capelas de Passos e são atiradas ao chão por onde as procissões passam. O perfume do rosmaninho nos deixa mais leves, automaticamente nos inspira e nos remete ao tempo de dor e paixão de Cristo. Na Procissão de Depósito de Passos, uma das mais antigas de Tiradentes, que vem sendo realizada desde 1722, o perfume do rosmaninho estará presente mais um ano, ajudando manter viva essa comovente celebração.
A arnica da Serra de São José, Lychnophora passerina, também é uma planta essencial nas cerimônias sacras. A planta do campo rupestre, que também é extraída sem controle ou mesmo nenhuma orientação, está cada vez mais reduzida. A arnica florida tem flores de tons roxos e são colocadas nos altares e andores. Os fieis levam para casa seus galhos e fazem garrafadas com álcool. A garrafada de arnica é utilizada para limpeza de ferimentos, picadas de insetos e contusões.
A orquídea Cattleya loddigesii é uma planta que a primeira vista nos remete ao tempo quaresmal. Sua bela flor de tom roxo claro e muito delicado é utilizada para enfeitar o andor de Nosso Senhor dos Passos, que percorre as tricentenárias ruas de Tiradentes, perfumadas pelo rosmaninho e ao som fúnebre da Orquestra e Banda Ramalho (que este ano celebra os seus 150 anos de participação na vida cultural da cidade). A imagem de roca que fica em seu altar lateral da Matriz de Santo Antônio é preparada para as procissões, a do Depósito de Passos e depois a do Encontro. Após todos os preparos, a imagem recebe em sua mão uma palma feita com a orquídea Cattleya loddigesii.
A Cattleya loddigesii é uma planta praticamente extinta na Serra de São José. O Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes e o Corpo de Bombeiros Voluntários vêm denunciando, há cerca de vinte anos, a retirada de orquídeas da serra para o comércio clandestino, mas infelizmente nada foi feito para combater este crime ambiental. Por isso, esta e outras espécies correm o risco de desaparecer completamente de seu habitat natural. As orquídeas utilizadas para a palma de Nosso Senhor dos Passos são doadas por pessoas que cultivam esta planta, especialmente para este objetivo. O pesquisador Ruy José Volka Alves realizou ampla pesquisa sobre as orquídeas e publicou o Guia de Campo das Orquídeas da Serra de São José, obra fundamental para se entender a importância dessas plantas.
O manjericão e o alecrim que são cultivados nos quintais também enfeitam e perfumam os andores de Nossa Senhora das Dores, de Nosso Senhor dos Passos e o esquife com a imagem do Senhor Morto, que percorre em procissão, na Sexta-feira da Paixão, após a cerimônia do Descendimento da Cruz. O alecrim e o manjericão são amplamente utilizados em Portugal, herdamos dos portugueses o uso dessas plantas aromáticas nas cerimônias religiosas.
As plantas da Serra de São José contribuem muito para que as cerimônias sacras da Semana Santa de Tiradentes tenham um caráter muito especial, que envolve nossos sentidos, especialmente o olfato e a visão. Não podemos esquecer dos repiques e dobrados fúnebres dos sinos, que ecoam pela serra afora. Mas, para que possamos manter este uso tradicional tão antigo e arraigado em nossas memórias, precisamos preservar a Serra de São José, que é um monumento histórico e natural, merecendo ser protegido.
* professor e associado do Instituto Histórico e
Geográfico de Tiradentes
Fonte: Gazeta de São João del-Rei . 26/03/2010