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Benito Mussolini Grassi

Descrição

Principal integrante do Grutsem-Grupo Teatral Senhor dos Montes

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Foto: Alzira Agostini Haddad . Semana Santa Cultural 2012

Guardião de lembranças
Walquíria Domingues

Muitas recordações de um passado ainda vivo em cada canto da vida de Benito.
Foto: Walquíria Domingues

Um menino fugia da escola para ir ver o trem passar na estação. Ele amava ouvir o barulho do apito das locomotivas, e observar o movimento. No Pará de Minas, um município do interior de Minas Gerais, bem no início da década de 1930 nascia um apaixonado por trens. Seu nome é Benito Mussolini Grassi de Lellis. Sim, batizado e registrado com o nome do ditador italiano, então primeiro-ministro.
Em homenagem a Mussolini, a ideia do nome foi da sua colônia de italianos, que foi bem acatada por seu pai, Celso Grassi, um engenheiro vindo do norte da Itália. “Naquela época, Mussolini estava praticamente substituindo o Rei Humberto, com todas as iniciativas na mão. Quando veio a guerra, ele cometeu uma falta gravíssima. Inclinou-se muito para o lado do Hitler, e foi a perdição dele, infelizmente”, conta o nosso Benito.
Quando ele se apresentou no regimento em Belo Horizonte, levou um grande susto. “Chegou minha vez, e eu me apresentei. O tenente olhou bem pra mim, tornou a ler a certidão, e disse: faz o favor, senta ali naquela cadeira”, fala Benito. Com medo de alguma represália, até mesmo de ser preso por causa de seu nome, Benito ficou com frio na barriga. “Quando encerrou tudo, o tenente foi até onde eu estava, me deu a mão e me cumprimentou, e disse: você tem um nome muito grande e valoroso. Zela por este nome. Eu tenho uma admiração pelo Benito Mussolini muito grande”. Pois foi isso que fez. Honrou não só o nome como também seu sangue, seus amores e sua história. “E o meu nome lá vai navegando por aí”, diz.
 
O trilho, o carvão e as máquinas
Como dizemos nós, mineiros, mas que trem essa história! Os trilhos das ferrovias mineiras levaram Benito para todos os cantos, e traçaram o caminho da sua vida. Sentado na sua humilde sala, repleta de quadros, fotos, e pinturas de locomotivas, munido de vários álbuns de fotografia nas mãos, e olhando para o retrato do pai, Benito começou a contar sua vida, sem se esquecer de uma só data, nome ou acontecimento. Uma memória de dar inveja para um senhor de 81 anos.
Incrivelmente, toda passagem de sua história se deu nas linhas férreas de Minas. A infância, os primeiros empregos, a profissão, a sua esposa, que conheceu dentro do trem, e sua vinda para São João del-Rei. “Minha história com a ferrovia começou em Pará de Minas quando eu ainda estava no grupo. Eu costumava escapulir da aula e ia lá pra estação ferroviária”, relembra Benito.

Arquivo Pessoal/Benito Mussolini Grassi
Muitas toneladas de carvão e
um homem determinado

O apreço por aquela estação é enorme, afinal, ela foi construída por seu pai. “Lá era um terreno de brejo. Os antigos lá falavam que aquele italiano, meu pai, não estava bom da cabeça. Como ele ia fazer uma estação de trem de ferro no meio do brejo? Quando o trem passasse, com o peso da máquina, ia afundar tudo com os passageiros”, conta o ex-maquinista, indignado com as lembranças.
Era 1913. Com técnicas inteligentes para um engenheiro daquele tempo, Celso Grassi ergueu a Estação do Pará de Minas, e assim criou para Benito uma porta para o mundo. “Eu ia pra lá, e sentava na beira da plataforma pra assistir as manobras dos trens que passavam. Era o antigo trem da estrada de ferro Paracatu”, diz. Benito se lembra até mesmo dos horários e dos destinos dos trens que passavam por lá. E em 1945, com o falecimento do pai, foi lá que ele, sua mãe e seus seis irmãos deixaram Pará de Minas e foram para Belo Horizonte. “Ela vendeu o sítio que tínhamos e fomos para BH, exatamente no dia 15 de novembro de 1945”, explica, assim, detalhadamente.
Na capital ele trabalhou num cinema, numa indústria de fundição, numa fábrica de pregos, e na Viação Vitória, como trocador. “Foi assim que eu fui ajudando minha mãe. Dava o dinheiro tudo pra ela”, recorda. Quando trabalhava como trocador, Benito encontrou um velho amigo, do tempo de escola, lá de sua cidade natal. Esse rapaz o ofereceu um emprego no vagão-restaurante da Rede Mineira de Viação Férrea. Lá, ele começou como agenciador, depois foi garçom, gerente do restaurante e até mesmo cozinheiro. Mas, como era uma firma particular, não havia a possibilidade de fazer carreira. Então ele foi trabalhar no quadro oficial da ferrovia.
“O primeiro serviço que eles me deram foi o de descarga de combustível, que era carvão, pedra e lenha. Eu descarregava 30 toneladas de carvão. Com dez dias eu já estava com a mão tudo estourada, e um cheiro insuportável de enxofre no corpo. Mas eu agüentei, pois queria me efetivar para ficar no quadro de servidores públicos da união”, conta Benito, além de mostrar uma fotografia da época, ao lado dos carvões. O trabalho era árduo, mas ele agüentou. “Pois foram 38 anos de serviço”, diz orgulhoso.  
 
O trilho, o maquinista e São João
Os trilhos férreos então trouxeram Benito para São João del-Rei. Em junho de 1960 ele foi transferido para ser maquinista, cargo em que permaneceu por 30 anos. Na época, o movimento ferroviário era intenso, funcionavam 27 locomotivas. “Tinha o expressinho, o trem do sertão, um pra Lavras, um noturno pra Barbacena, fora os que chegavam. Era muito movimentado”, relembra o ex-maquinista. “Eu passava pela Avenida Leite de Castro com o trem. Lembro como se fosse hoje, da Avenida toda cortada pelos trilhos”. Pelas fotos mostradas é possível reconhecer os locais, as casas, a fábrica de tecidos São João, e a atual ponte que liga a Rua Paulo Freitas com a Avenida Leite de Castro.
                                                                                                                                                                                       
Benito guarda o quadro com carinho, mas ainda
não achou espaço na parede repleta de histórias
Foto: Walquíria Domingues
 
 
“Eu vivia chegando e saindo”, diz Benito.  E dessa maneira chegou a São João, com três filhos, e depois aqui nasceram mais quatro. Seis mulheres e um homem. No meio das mulheres, quatro gêmeas.  Sua esposa, Maria de Lourdes Grassi, era uma artista. “Uma pintora de primeira”, conta. Morreu com 79 anos. “Eu estava com 70. Ela era mais vela que eu, mas foi uma criatura fantástica que eu tive na vida”, relembra, com muita saudade nos olhos.  “Já vai fazer 10 anos, mas ela não sai da minha cabeça. O Jeito simples dela, com tanta cultura, musicista que só vendo. Tem muitos quadros dela pintados espalhados por diversos lugares”, fala e recorda. Seus olhos umedecem, e ele olha pra parede, procurando pelo que restou: as lembranças das fotografias emolduradas.  
Muitas fotos e recordações, essa é a forma que Benito encontrou de nunca se esquecer por onde passou, e o que passou, e o que viveu. Mostrou inúmeras fotografias das locomotivas e da nossa Maria Fumaça na estação e pelos caminhos do mundo afora. Fotos da esposa, de viagens e de máquinas fabricadas na Alemanha, outras americanas. Reportagens guardadas com carinho, sobre as ferrovias, sobre a estação de São João e sobre ele mesmo, afinal, Benito sempre foi um guardião de todo este patrimônio.
Tão guardião das histórias e da própria vida das ferrovias, que foi um dos Guardiões do Patrimônio, projeto autoral da fotógrafa são-joanense Kátia Lombardi. “Pessoas anônimas, com profissões por vezes pouco reconhecidas, trabalham para manter de pé o patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade. Quem são essas pessoas, por que elas dedicam a vida a essas atividades, qual sua rotina de trabalho? Essas são algumas das questões que me interessavam enquanto eu fazia esses dez ensaios fotográficos”, explica Kátia, em seu projeto.
               
Um ator, a câmera e a encenação
Benito Mussolini, além de maquinista aposentado pela rede é músico, ator de inúmeras peças, filmes e novelas, e, anualmente, representa Abraão na procissão de Semana Santa. “Eu tenho muitos vídeos das minhas participações. Inclusive uma entrevista no Globo Repórter e também no Fantástico”, conta. Começou fazendo peças de teatro com Marco Camarano, e com o diretor encenou a “A Pedreira das Almas” e “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, “A missa leiga” e “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.
Quando os cineastas chegavam e São João del-Rei procurando cenários naturais da região, Benito lembra que eles pediam aos grupos de teatro locais apoio para os elencos secundários. E lá ia o homem, que sempre arrumava algum papel. Chegou a trabalhar no filme “A Nudez de Alexandra”, de Jece Valadão, em “Rua Descalça”, de J. B. Tanko, e em algumas novelas da Rede Globo, como “Escrava Isaura”, “Voltei pra Você” e “Chapadão do Bugre”. Em SJDR, encenou no longa-metragem “O Mascarado”, um wetern bem tupiniquim, escrito, produzido e dirigido por José Resende.
“Eu gostava de teatro desde a época de escola. As professoras sempre organizavam teatrinhos. Conheci o Marco Camarano quando ele era gerente no Cine Glória, que eu muito frequentava. Quando ele resolveu fazer a peça “Jesus, o filho do homem”, me convidou pra entrar no seu teatro. Ele queria organizar um grupo teatral, e eu acabei gostando”, recorda. 
Benito, ao longo dessa extensa viagem que é sua vida, ainda participa de cinco corais da cidade e é membro do conselho fiscal da Associação de Aposentados e Pensionistas (ASAP). Com a agenda cheia, ele conta que vai viajar o mês inteiro com os corais. Pelos trilhos ou não, nosso Benito (sim, nosso) vive em movimento, sempre pelos caminhos do mundo afora. Com a disposição de um menino, o mesmo que corria para a estação ao ouvir o apito das locomotivas, Benito hoje pode ser considerado um GRANDE são-joanense.

Saiba mais:
www.guardioesdopatrimonio.com.br

Fonte: Observatório da Cultura

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Reminiscência Ferroviária . Benito Mussolini Grassi


Estou de novo aqui para contar mais um casinho que aconteceu na estação de trem, em minha terra natal, Pará de Minas. Como sempre fazia, chegando da escola, eu sumia de casa e ia para a estação ver a passagem do trem das 4 horas da tarde que vinha de Bom Despacho para Belo Horizonte, diariamente. Ficava sentado na ponta da plataforma, olhando os vagões no desvio e vendo os guarda-chaves indo e vindo, sem nunca olharem para mim. Neste horário, sempre chegava o caminhão leiteiro, vindo da Fábrica Escola de Laticínios Benjamin Guimarães, carregado de latões de leite para embarcar para Belo Horizonte. Seu motorista, o Bira, filho do cirurgião dentista Jafet de Almeida, chamava muito a atenção por sua imensa gordura. A gente ficava olhando demais para ele e, às vezes, sentia medo mas ele olhava para os outros sempre sorrindo. Ele me dava uma olhada rápida e voltava a conversar com os guarda-chaves Barreto, Antônio Vital e Mamede. O Bira manobrava o caminhão e vinha de marcha a ré, atravessava a linha principal e encostava a carroceria, já aberta, na porta larga do vagão, para ser feita a baldeação os latões de leite, com 50 litros cada um. Neste momento, chegava perto para ver o serviço do senhor Antônio Marinho Mendonça, agente da estação, impecavelmente uniformizado em seu terno azul marinho. Homem do tipo fechadão, de pouquíssima conversa, quando ele chegava perto, nossa... Todo mundo mudava de jeito; ninguém mais ria ou conversava como antes. Dava-lhes uma pressa danada de rolar os latões pra dentro do vagão e, até mesmo o Bira fechava o riso. O agente chegava na porta do vagão e perguntava com aquela voz grossa: - A carga está bem dividida? Respondiam os três com voz forte: - Sim, senhor! E ele voltava para a estação. Aí, pronto, os risos apareciam, as conversas, etc. O Bira foi-se embora com o seu grande caminhão.

Sempre, depois desse movimento, eu me levantava e ficava perambulando por ali, até o trem chegar. Aí eu corria de volta para a plataforma para assistir as manobras. Neste dia, eu não saí do lugar. Fiquei quietinho naquele ponto da plataforma e vi quando o Antônio Vital e o Mamede entraram no vagão e o Barreto fechou a porta do lado de cá. Depois ele deu a volta e também entrou no vagão. Ouvi bem quando ele puxou a porta, porém não a fechou de tudo. Ficou aberta mais ou menos uns dois palmos. Eu observando... O tempo foi passando, passando e ninguém saía lá de dentro.  Aquilo despertou em mim grande curiosidade e resolvi ver porque ninguém descia do vagão. Saí do meu lugar e, com todo cuidado, fui para o lado do vagão, passei por baixo para o outro lado e vi a porta meio aberta e nenhum movimento dentro do vagão. Ninguém desceu, nenhum barulho. Desconfiado, fui ficando de pé até poder ver dentro do vagão. E o que foi que eu vi? Ninguém vai imaginar. Estavam eles lá, Barreto, Antônio Vital e Mamede, cada um com um latão de leite destampado e, pasmem: todos mamando leite com uns canudos de folha de mamona. De olhos fechados, chupavam o quanto podiam. De vez em quando um dizia: - que gostosura! Outro: - que delícia! Geladinho! Hummm! O Barreto mudou de posição e bateu com o olho em mim e deu aquele alarme: - Gente, nós fomos descobertos... e agora? Eu quis correr, mas o Barreto veio atrás, me chamando pare dar uma explicação e que eu podia também beber com eles. Meio desconfiado fui voltando e, quando passei por um pé de mamona, Mamede disse: - Oh, quebra uma folha aí e vem cá. Assim eu fiz e quando cheguei na porta, me pegaram pelos braços e me suspenderam para dentro do vagão. Mamede cortou o talo da folha e disse: - pega esse latão e chupa a vontade! Quando chupei e senti o gosto daquele leite geladinho, fiquei numa alegria sem fim. Passamos a ser quatro chupões. Nunca vi leite assim tão gostoso. Aí, o trem apitou lá no terceiro pontilhão e todos nós saímos do vagão. Eles me pediram muito para não contar para ninguém, pois podiam "ir pro pau" (punição) e até serem transferidos. E eu jurei e prometi. Desde então, passei a ser um ídolo para eles que passaram a me tratar bem demais e só me chamavam de "nosso mascote". Apesar dos meus nove anos, passei um tempão mamando pra valer junto daqueles bezerrões. Hoje me lembro deles com saudade, muita amizade e recordações boas. Estão todos falecidos, estão sob a guarda do nosso Pai Eterno... Até a próxima!

* Benito é ferroviário aposentado, membro do Coral e do Conselho Fiscal da ASAP.

Fonte: Jornal da ASAP . Janeiro/Fevereiro de 2011

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Mais informações

Falecimento
Gazeta de São João del-Rei . 01/06/2013

Com grande pesar noticiamos o falecimento de Benito Mussolini Grassi de Lellis na quarta-feira, 29 de maio, aos 82 anos.  Filho de imigrantes italianos, mineiro de Pará de Minas e ex- maquinista da Estrada de Ferro Oeste de Minas, “os trilhos das ferrovias mineiras levaram Benito para todos os cantos do Estado e traçaram o caminho de sua vida”.  Mas foi em São João del-Rei, cidade que escolheu para viver, que fincou raízes e celebrizou-se com seu carisma e personalidade versátil e atuante.  Quem não conhece Benito Mussolini, presença  marcante na cena cultural da cidade? Sua popularidade e entusiasmo com as artes cênicas e a música lhe renderam homenagens como a participação no Projeto Memória Viva de Artes e Ofícios, da Capital Brasileira da Cultura 2007, idealizado por Adenor Simões junto à Secretaria de Cultura e também no projeto Guardiões do Patrimônio, da fotógrafa são-joanense Kátia Hallak. Bem-humorado, solidário e de bem com a vida, era leitor assíduo desta Gazeta, em cuja sede, aos sábados, buscava os jornais para os idosos da Colônia do Giarola e, oportunamente, oferecia ajuda para o que fosse preciso.

Benito Mussolini: o ex-maquinista e ator apaixonado deixa sete filhos, muitos amigos e um legado imenso para a história - Foto: EFOM / Divulgação
Benito Mussolini: o ex-maquinista e ator apaixonado deixa sete filhos, muitos amigos e um legado imenso para a história – Foto: EFOM / Divulgação

Trajetória
Maquinista aposentado pela Rede Ferroviária Federal, era também músico e ator. Com a mesma paixão a que se dedicou à bitolinha, atuou em diversos coros e grupos teatrais da cidade, como o Grutsem e os pioneiros  Clube Teatral Arthur Azevedo, Teatro Universitario São-joanense (Tunis) e Teatro Contemporâneo São-joanense (Tecos), participando de montagens que marcaram época. Entre muitas, O Santo Inquérito, de Dias Gomes, O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, A Missa Leiga e Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.
Em filmes e novelas que tiveram SJDR como locação, integrou todos os elencos como em A Nudez de Alexandra, Rua Descalça e em novelas da Rede Globo como Escrava Isaura, Voltei pra Você, Chapadão do Bugre, entre outras. Em SJDR, atuou no longa-metragem O Mascarado, escrito, produzido e dirigido por José Resende. Na Semana Santa, era um dos figurados da Procissão do Enterro.
Viúvo de Maria de Lourdes Grassi, deixa um descendência que soma sete filhos, 11 netos e uma bisneta.
No velório na Sociedade de Concertos Sinfônicos, a despedida dos muitos amigos, a homenagem emocionante do sanfoneiro Luthero e o exemplo de quem viveu em plenitude.

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Benito Mussolini, o bom
Nivaldo Resende

Este texto e a foto que o acompanha poderiam muito bem estar nas páginas de cultura deste jornal. Mas eu quero assinar a emoção, ao falar deste grande homem que foi Benito Mussolini Grassi de Lellis, que subiu para os braços do Senhor na semana passada e que conheci quando eu ainda era criança, em São João Del-Rei, apitando as locomotivas Maria Fumaça que varavam as trilhas do bairro Matozinhos rumo a Tiradentes ou a Avenida Leite de Castro rumo aos sertões ou às Águas Santas.
Benito nasceu em Pará de Minas, e ganhou do pai o nome do então primeiro ministro italiano, a quem admirava, sem saber que depois ele se tornaria um ditador fascista e opressor. Celso Grassi era engenheiro e veio do norte da Itália, contratado para construir a Estação Ferroviária de Pará de Minas. E a história de Benito começou a ser forjada em volta de trilhos, vagões, locomotivas a vapor. A infância, o primeiro emprego, a profissão, a esposa que conheceu dentro do trem, e sua vinda para São João Del-Rei nasceram em volta daquela estação, construída num brejo por um velho italiano que todos chamavam de doido...

Em 1945, com o falecimento do pai, Benito, a mãe e seis irmãos deixaram Pará de Minas e foram para Belo Horizonte, onde ele trabalhou num cinema, numa indústria de fundição, numa fábrica de pregos e na Viação Vitória, como trocador. Um amigo lhe ofereceu um emprego no vagão-restaurante da Rede Mineira de Viação. Lá, ele começou como agenciador, depois foi garçom, gerente do restaurante e até cozinheiro, até passar para o quadro fixo da RMV. O primeiro serviço na “Rede” foi descarregar carvão, pedra e lenha.
Em junho de 1960, já casado com a artista plástica Maria de Lourdes Grassi e com três filhos – outros quatro nasceriam depois, ele foi transferido para São João Del-Rei como maquinista, ofício que exerceu por 30 anos. Na época, o movimento ferroviário era intenso, movimentando 27 locomotivas. Numa entrevista concedida à blogueira Walkíria Domingues, do Observatório da Cultura, Benito lembrou:
“Tinha o trem expressinho, o trem do sertão, um para Lavras, um noturno para Barbacena e os que chegavam. Era tudo muito agitado. Havia locomotivas americanas, inglesas e alemãs, e a gente cuidava delas como se fossem filhas”. Ao longo dos anos, Benito foi se tornando um guardião das histórias e da vida das ferrovias, foi um dos Guardiões do Patrimônio Ferroviário sucateado de norte a sul do país, e ainda preservado na cidade que escolheu como sua.
Ao se aposentar, Benito deu asas à arte, e foi ator de inúmeras peças, filmes e novelas, além de representar anualmente o profeta Abraão na procissão de Semana Santa. Começou fazendo peças com o diretor Marco Camarano, com quem encenou “A Pedreira das Almas” e “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes. Fez ainda “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, “A missa leiga” e “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.
Quando os cineastas chegavam a São João Del-Rei em busca de cenários, Benito era indicado para ajudá-los. E lá ia o homem, que sempre arrumava algum papel. Trabalhou no filme “A Nudez de Alexandra”, de Jece Valadão, em “Rua Descalça”, de J. B. Tanko, e em novelas da Rede Globo, como “Escrava Isaura”, “Voltei pra Você” e “Chapadão do Bugre”. Ao longo da extensa viagem que é a vida, Benito participou de cinco corais e da Associação de Aposentados e Pensionistas (ASAP). Pelos trilhos ou não, vivia em constante movimento pelos caminhos do mundo. Com a mesma disposição infantil com que corria para a estação ao ouvir o apito das locomotivas, Benito percorre agora os trilhos divinos, apitando uma celestial Maria Fumaça...

*Nivaldo Resende é jornalista e escritor. nivaldo.resende@gmail.com (05/06/2013)
(Com dados do blog Observatório da Cultura).

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Fonte: Jornal Ta na Mesa . Março de 2010 

 

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